Resumo: Este artigo tem como objetivo identificar algumas inconstitucionalidades contidas na Lei nº 12.016/2009, reafirmando a aptidão do mandamus para a concretização de direitos fundamentais, tais como acesso à jurisdição e tutela efetiva.
Palavras-chave: Direito Processual Civil. Mandado de Segurança. Inconstitucionalidades.
1. Mandado de segurança contra atos de gestão comercial
O primeiro ponto discutido aqui versará sobre a inadmissibilidade do mandado de segurança contra atos de gestão comercial, baseado no § 2º, do art. 1º, da Lei nº 12.016/2009:
§2ª. Não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público.
Uma das primeiras constatações acerca da inconstitucionalidade desse dispositivo é que a Carta Magna não delimitou o raio de abrangência do mandado de segurança, mas somente versou sobre as hipóteses de cabimento, restringindo sua utilização contra atos de autoridade que sejam passíveis de ataque através de habeas corpus ou habeas data, não podendo em nenhuma hipótese a lei retirar da norma constitucional a máxima efetividade, assim como ocorreu.
Ou seja, a Constituição Federal só restringiu o cabimento do mandado de segurança às hipóteses de abuso de poder e de ilegalidade, e quando não tutelado por habeas corpus ou habeas data, não criando qualquer diferenciação acerca da natureza do ato da autoridade pública, se administrativo ou de gestão comercial, pois o que valia para o Constituinte era proteger o indivíduo de atos ilegais ou praticados com abuso de poder, não competindo ao legislador infraconstitucional limitar o raio de incidência do remédio constitucional se a própria Constituição não o fez.
Vê-se que ainda tira do Poder Judiciário a possibilidade de apreciação da lesão ou ameaça a direito líquido e certo quando versar sobre atos de gestão comercial, atacando frontalmente os artigos 2º e 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, motivo pelo qual nos posicionamos pela inconstitucionalidade do §2º, do artigo 1º, da Lei nº 12.016/09.
2. Análise do art. 7º, III.
Num segundo momento, a Lei n. 12.016/09 colide com a Constituição Federal quando cria a exigência de caução, fiança ou depósito pelo Juiz para o deferimento da liminar, como uma forma de garantir o ressarcimento à pessoa jurídica, conforme o inciso III, do artigo 7º:
Art. 7º. Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:
(...)
III – que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.
Novamente, o legislador criou onde a Constituição nada regulou, isto é, a Carta Magna não condicionou a proteção do direito líquido e certo à caução, fiança ou depósito, e assim tal disposição soa absolutamente inconstitucional.
Há ainda outros pormenores, porque esse dispositivo reduz a concessão da liminar só para aqueles que possuem maiores condições econômicas, e é sabido que muitos cidadãos não possuem condições de oferecer qualquer garantia, ferindo o princípio da isonomia constitucional. E mais, esse dispositivo distancia do Judiciário a apreciação de lesão ou ameaça à direito, desrespeitando o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição, pois estando presentes a relevância do fundamento e o risco de prejuízo irreparável, o Juiz é obrigado a conceder a liminar.
Fosse o contrário, o mandado de segurança ficaria privado de efetividade, sendo que a liminar é inerente a esse remédio constitucional, ou seja, sem a liminar careceria de sentido essa ação constitucional e ainda adviriam maiores prejuízos ao impetrante se tivesse que aguardar a decisão final do mandado de segurança.
Não competindo ao legislador infraconstitucional restringir o exercício dos direitos e garantias fundamentais, a exemplo do mandado de segurança, e, principalmente, a isonomia constitucional, a separação dos poderes e o acesso à jurisdição, portanto, a inconstitucionalidade do inciso III, do artigo 7º, da Lei n. 12.016/2009 resta gritante em relação aos artigos 2º e 5º caput, incisos XXXV e LXIX, da Carta Magna.
3. Vedação à concessão de liminar nas ações que versem sobre reclassificação, equiparação, concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza a servidores públicos.
Quanto à reclassificação ou equiparação de servidores públicos e à concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza, eram restrições já conhecidas no nosso ordenamento, por meio das Leis n. 4.348/64 (art. 5º, parágrafo único) e Lei n. 5.021/66 (art. 1º, §§ 2º, 3º e 4º).
Novamente, a Lei n. 12.016/09, em seu art. 7º, §2º, parte final, impõe restrição ao remédio constitucional e reúne normas não recepcionadas pela Constituição, tornando o mandamus sem efeito para sanar lesão ou ameaça a direito líquido e certo do impetrante.
Tais limitações infraconstitucionais ferem o princípio da isonomia constitucional trazido pelo art. 5º, caput, da Constituição Federal, na medida em que diferenciam o jurisdicionado pelo fato de ser servidor público. E também por não ter a Constituição criado nenhuma distinção em torno da qualificação dos impetrantes, não sendo permitido ao legislador fazê-lo.
Vê-se que as inconstitucionalidades desse dispositivo, no que tange aos servidores públicos, dão-se pela afronta direta ao art. 2º da Constituição Federal, por estar afastando do juiz a prerrogativa de dizer o direito, ferindo a separação dos poderes, conturbando a isonomia constitucional ao conceder tratamento diferenciado aos servidores públicos - quando na realidade a Constituição não o fez - , e, por fim, desrespeita o acesso à jurisdição quando proíbe a concessão da liminar no mandado de segurança (art. 5º, inc. XXXV, CF).
Tamanhas as divergências trazidas pela lei do mandado de segurança, que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB levou a juízo no Supremo Tribunal Federal ação, com pedido de liminar, para suspender vários dispositivos da Lei n. 12.016/09. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4296-3) foi assinada pelo presidente da OAB, Cezar Britto, e proposta contra o Presidente da República, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal e encontra-se aguardando julgamento no STF.
Conclusão
A análise das disposições contidas na Lei n. 12.016/09 tem como ponto de partida a norma constitucional. Dessa forma, os limites previstos pelo legislador infraconstitucional não poderão ser considerados sempre que afrontarem a garantia constitucional à segurança (art. 5º, LXIX e LXX da Constituição), que se traduz num verdadeiro direito fundamental à contenção da atividade estatal ilegal e abusiva.
Resta à doutrina o trabalho de interpretar adequadamente o novo regime procedimental estabelecido pela Lei n. 12.016/09, com a finalidade de colocar em evidência seus defeitos, contribuindo para o afastamento de qualquer interpretação que contrarie os desígnios constitucionais, especialmente os contidos nos incs. LXIX e LXX do art. 5º da Carta Magna.
Da jurisprudência, espera-se que contribua para a construção de um procedimento adequado à dimensão constitucional do mandado de segurança, que atente às garantias mínimas, decorrentes do due process of law, afastando a aplicação das disposições da Lei n. 12.016/09 que não sejam condizentes com a concretização do direito fundamental à segurança.
Resta-nos, por ora, aguardar a manifestação do Supremo quanto à constitucionalidade da Lei n. 12.016/09, esperando, como sempre, que o Poder Judiciário preze pela proteção aos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal.
Referências bibliográficas
BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm).
BRASIL. Lei nº 12.016, 07 de agosto 2009. (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12016.htm).
DISTRITO FEDERAL. Supremo Tribunal Federal. ADI 4296-3. Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil versus Presidente da República e Senado Federal. Relator: Marco Aurélio. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=4296&processo=4296.
Procuradora Federal lotada na Procuradoria Federal Especializada do INSS em Juazeiro/BA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PACHECO, Patrícia Wilma Correia. Algumas inconstitucionalidades da Lei nº 12.016/2009 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42219/algumas-inconstitucionalidades-da-lei-no-12-016-2009. Acesso em: 22 nov 2024.
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