RESUMO: Breves apontamentos sobre cláusula de reserva de plenário. O presente artigo busca apresentar uma explanação acerca desse assunto, que tem permeado o poder judiciário brasileiro com a tramitação de inúmeros processos requerendo a declaração de inconstitucionalidade de leis e atos normativos editados pelo poder público. O objetivo é contribuir para o aprimoramento da discussão sobre o tema. É um trabalho teórico, no qual se realiza pesquisa qualitativa, desenvolvida por meio de referências bibliográficas, análise de doutrina e jurisprudência.
Palavras-chave: Direito Constitucional, Direito Processual Civil, Cláusula de Reserva de Plenário, Decisão judicial, Regulamentação, Limites.
INTRODUÇÃO
O presente artigo versa sobre a cláusula de reserva de plenário prevista na Constituição Federal de 1988.
Com efeito, não são raras as ações que tramitam na justiça, requerendo declaração de inconstitucionalidade de leis como pedido mediato, o que muitas vezes é considerada uma interpretação conforme a Constituição.
O assunto será abordado sob a ótica do direito constitucional e do direito processual civil, onde consta a maior parte dos dispositivos que regulamentam o assunto. Sem querer esgotar o tema, o presente artigo visa contribuir para a maior disseminação do estudo e alertar para a sua importância.
CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO
DEFINIÇÃO
A cláusula de reserva do plenário é uma exigência disposta no artigo 97 da Constituição Federal de 1988, segundo a qual o julgamento da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, quando efetuado por tribunal, só será possível pelo voto da maioria absoluta dos seus membros ou dos membros de seu órgão especial.
Trata-se de verdadeira censura, por parte do poder Judiciário, ao trabalho conjunto dos poderes executivo (lei de sua iniciativa e sanção/veto) e legislativo (aprovação), e é por essa razão que a constituição exige cautela máximo quando se fala em inconstitucionalidade.
O plenário de um tribunal é composto pela totalidade dos membros da corte. Como há tribunais muito grandes, resta bastante dificultada a reunião de todos os seus membros, razão pela qual foram criados, nos termos do art. 93, XI, da Constituição Federal, os órgãos especiais:
Art. 93. (...)
(...)
XI - nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antiguidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno.
REGRAMENTO
A declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, em controle incidental ou difuso da constitucionalidade, deve observar a cláusula de reserva de plenário, prevista no art. 97 da Constituição Federal, bem como nos arts. 480 e seguintes do CPC e no enunciado da Súmula Vinculante nº 10, do Supremo Tribunal Federal, que assim prescrevem, respectivamente:
Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
Código de Processo Civil:
Art. 480. Arguida a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, o relator, ouvido o Ministério Público, submeterá a questão à turma ou câmara, a que tocar o conhecimento do processo.
Art. 481. Se a alegação for rejeitada, prosseguirá o julgamento; se for acolhida, será lavrado o acórdão, a fim de ser submetida a questão ao tribunal pleno.
Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 1998)
Art. 482. Remetida a cópia do acórdão a todos os juízes, o presidente do tribunal designará a sessão de julgamento.
§1º O Ministério Público e as pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato questionado, se assim o requererem, poderão manifestar-se no incidente de inconstitucionalidade, observados os prazos e condições fixados no Regimento Interno do Tribunal. (Incluído pela Lei nº 9.868, de 1999)
§2º Os titulares do direito de propositura referidos no art. 103 da Constituição poderão manifestar-se, por escrito, sobre a questão constitucional objeto de apreciação pelo órgão especial ou pelo Pleno do Tribunal, no prazo fixado em Regimento, sendo-lhes assegurado o direito de apresentar memoriais ou de pedir a juntada de documentos. (Incluído pela Lei nº 9.868, de 1999)
§3º O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá admitir, por despacho irrecorrível, a manifestação de outros órgãos ou entidades. (Incluído pela Lei nº 9.868, de 1999)
Súmula Vinculante nº 10 do STF:
Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta a sua incidência no todo ou em parte.
A interpretação dos dispositivos acima transcritos leva à conclusão de que, mesmo quando não haja expressa declaração de inconstitucionalidade da lei, toda vez que for afastada a incidência de norma ordinária para decidir uma lide com base em norma constitucional, deve-se observar a cláusula de reserva de plenário prevista no art. 97 da Constituição Federal.
Por consequência, aplica-se o disposto nos arts. 480 e seguintes do CPC, que determinam ao relator, após a oitiva do Ministério Público, que submeta a questão “à turma ou câmara, a que tocar o conhecimento do processo”, após o que, caso continue a entender como inconstitucional o dispositivo, deve-se submeter o objeto do julgamento ao pleno ou órgão especial do Tribunal.
A cláusula de reserva de plenário não deve ser observada somente quando há expressa declaração de inconstitucionalidade, mas também na decisão que, embora não explicitando, afasta a incidência de norma ordinária pertinente à lide para decidi-la sob critérios diversos. Nesse contexto, lei ou ato normativo considerado “incompatível” com o texto constitucional, ainda que não dito expressamente, submete-se ao regramento desta cláusula.
A inobservância da cláusula da reserva de plenário acarreta a nulidade absoluta da decisão judicial. Não são raras as vezes em que se considera não estar acontecendo a declaração de inconstitucionalidade da lei, para evitar-se o entrave estabelecido pelo artigo 97 da Cosntituição Federal.
Nesse sentido, é importante esclarecer que não se pode alegar a aplicação da interpretação conforme à Constituição (Verfassungskonforme Auslegung), visando escapar da determinação referente à reserva de plenário. Deve ficar claro que os casos que impliquem alteração do conteúdo semântico da norma ou que a decisão judicial altere a vontade expressa e objetivamente disposta na lei, há sim declaração de inconstitucionalidade, e não mera interpretação conforme.
Segundo a doutrina alemã, de onde foi importada a chamada interpretação conforme à Constituição, esse instituto encontra seus limites, precisamente, quando a interpretação que se queira impor ao ato normativo entra em contradição com o teor e a vontade expressa do legislador, ou seja, a interpretação conforme permite somente precisar o que desejou objetivamente a lei, não se prestando para alterar substantivamente a sua vontade.
Há muito tempo já se fala nos limites da interpretação conforme à Constituição. Aposentado em 2003, já no ano de 1997, o Eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal, Moreira Alves, destacava:
(...) - O princípio da interpretação conforme a constituição (Verfassungskonforme Auslegung) é princípio que se situa no âmbito do controle da constitucionalidade, e não apenas simples regra de interpretação. A aplicação desse princípio sofre, porém, restrições, uma vez que, ao declarar a inconstitucionalidade de uma lei em tese, o STF - em sua função de corte constitucional - atua como legislador negativo, mas não tem o poder de agir como legislador positivo, para criar norma jurídica diversa da instituída pelo Poder Legislativo. Por isso, se a única interpretação possível para compatibilizar a norma com a constituição contrariar o sentido inequívoco que o Poder Legislativo lhe pretendeu dar, não se pode aplicar o princípio da interpretação conforme a constituição, que implicaria, em verdade, criação de norma jurídica, o que é privativo do legislador positivo. (Rp 1417, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 09/12/1987, DJ 15-04-1988 PP-08397 EMENT VOL-01497-01 PP-00072)
A decisão acima transcrita se coaduna com os ensinamentos do Professor Canotilho[1]:
“o aplicador de uma norma não pode contrariar a letra e o sentido dessa norma através de uma interpretação conforme a constituição, mesmo que através dessa interpretação consiga uma concordância entre a norma infraconstitucional e as normas constitucionais. (...) a interpretação das leis em conformidade com a constituição deve afastar-se quando em lugar do resultado querido pelo legislador, se obtém uma regulação nova e distinta, em contradição com o sentido literal ou sentido objectivo claramente recognoscível da lei ou em manifesta dessintonia com os objectivos pretendidos pelo legislador.”
De fato, quando uma decisão exerce “função reparadora” do ato normativo ou da ordem jurídica afetada, transpondo-se os limites do que foi objetivamente buscado pelo legislador, o que se tem, antes de tudo, é um juízo de inconstitucionalidade da norma, e, consequentemente, uma decisão de inconstitucionalidade, que necessariamente deve observar a cláusula da reserva de plenário.
Afastada a possibilidade de utilização da interpretação conforme à Constituição para corrigir um suposto desvio legislativo, alterando-se a lei a ponto de lhe conferir um sentido que nela não está abrigado, cumpre obedecer ao comando constitucional que determina observância da cláusula de reserva de plenário.
O papel do julgador, no controle de constitucionalidade, cinge-se ao de um legislador negativo. Nesse sentido, vale transcrever os seguintes ensinamentos de Rui Medeiros[2]:
“A diferença entre a lição alemã e o ensinamento italiano prende-se, antes de mais nada, com a delimitação dos casos em que são constitucionalmente admissíveis as decisões modificativas. Na verdade, além de o Bundesverfassungsgericht, ao contrário da Corte Constituzionale, rejeitar decisões modificativas quando a discriminação resulta do silêncio da lei, o Tribunal Constitucional italiano admite mais facilmente do que o Tribunal Constitucional Federal alemão a existência de valores constitucionais que postulem a modificação da lei. Mesmo um autor como VEZIO CRISAFULLI, que não se cansa de sublinhar que a legislação positiva criada pela Corte Constituzionale é uma legislação rime obbligate, alude ao contraste entre a solução italiana e a solução alemã: o Bundesverfassungsgericht alemão, perante uma violação do princípio da igualdade resultante de um tratamento de favor concedido apenas a algumas das pessoas que se encontram num plano essencialmente igual, lança geralmente mão da simples declaração de incompatibilidade, pois entende que o poder legislativo dispõe de várias possibilidades de eliminação do vício e, entre outras opções, tanto pode estender a norma de favor aos até aí excluídos, como revogá-la para todas; pelo contrário, em situações deste género, a Corte italiana adopta uma sentença manipulativa, anulando a disposição nella parte in cui(ainda que implicitamente) esclude do beneficio a categoria preterida, estendendo assim o tratamento mais favorável”
A reserva de plenário não impede que os juízos singulares declarem a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo no controle difuso, bem como não se aplica as turmas recursais dos juizados especiais, tendo em vista não serem consideradas tribunais pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Questão não menos importante é a que encontramos no glossário jurídico do site do Supremo Tribunal Federal. Trata-se de menção à relativização dessa norma, onde consta:
Descrição do Verbete: O artigo 97 da Constituição Federal de 1988 estabelece que: somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público. Diversos tribunais possuem órgãos fracionários (Turmas, Seções, Câmaras etc.) e, em regra, a composição destes órgãos julgadores se dá em número bem inferior a composição total da Corte. Portanto, é praticamente impossível que estes órgãos consigam reunir a maioria absoluta dos membros do tribunal para declarar a inconstitucionalidade de uma norma (exceção da Corte Especial do STJ). Entretanto, como salienta o jurista Pedro Lenza, a fim de preservar o “princípio da economia processual, da segurança jurídica e na busca da desejada racionalização orgânica da instituição judiciária brasileira, vem-se percebendo a inclinação para a dispensa do procedimento do art. 97 toda vez que já haja decisão do órgão especial ou pleno do tribunal, ou do STF, o guardião da Constituição sobre a matéria”.
Assim, sempre que já houver pronunciamento do STF acerca da inconstitucionalidade de determinado ato normativo, dispensados estão os tribunais da observância da cláusula de reserva de plenário.
Por fim, pode parecer óbvio, mas é importante mencionar o princípio de presunção de constitucionalidade das leis, pelo que não se pode exigir a reserva de plenário para a declaração de constitucionalidade.
CONCLUSÃO
Podemos concluir, por tudo o que foi estudado e resumido acima, que a cláusula de reserva de plenário prevista no art. 97 da Constituição Federal representa importantíssimo instrumento de segurança e de observância ao princípio da separação dos poderes.
A cláusula de reserva de plenário não deve ser observada somente quando há expressa declaração de inconstitucionalidade, mas também na decisão que, embora não explicitando, afasta a incidência de norma ordinária pertinente à lide para decidi-la sob critérios diversos. Nesse contexto, lei ou ato normativo considerado “incompatível” com o texto constitucional, ainda que não dito expressamente, submete-se ao regramento desta cláusula. Além disso, não pode ser afastada ao argumento de que está se dando interpretação conforme a Constituição.
Ademais, não impede que os juízos singulares declarem a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo no controle difuso, bem como não se aplica as turmas recursais dos juizados especiais.
BIBLIOGRAFIA
Constituição Federal de 1988.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direto Constitucional Positivo, 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
GOMES CANOTILHO. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 7ª ed. (8ª reimpressão).
MEDEIROS, Rui. A Decisão de Inconstitucionalidade, Lisboa: Universidade Católica Editora, 1999
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 16ª Ed. São Paulo: RT, 1991.
[1]Gomes Canotilho. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 7ª ed. (8ª reimpressão), p. 1226/1227.
[2]MEDEIROS, Rui. A Decisão de Inconstitucionalidade, Lisboa: Universidade Católica Editora, 1999, p. 461.
Procuradora Federal há 7 (sete) anos e atualmente trabalha na defesa judicial de mais de uma centena de entes da administração pública, em questões ligadas a servidores públicos, licitações, contratos, concursos públicos, patrimônio público, tributário, dentre outras. É pós graduada em Direito Previdenciário, Direito Administrativo e Direito Processual Civil e autora de outras publicações na área jurídica.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FLORENCIO, Renata Cordeiro Uchoa. Breves apontamentos sobre a cláusula de reserva de plenário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42301/breves-apontamentos-sobre-a-clausula-de-reserva-de-plenario. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
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