Resumo: A eficiência processual está prevista no Novo Código de Processo Civil como um dos princípiosnorteadores da Jurisdição. Diante da crise da Jurisdição e do Direito Processual Civil e da proposta de sua refundação, resta analisar, mediante o método de revisão bibliográfica e de estudo de caso, qual o conceito que é dado ao princípio da eficiência pela doutrina e pelo uso jurisprudencial. A conjugação dos dois métodos de análise é de suma importância para que se averigue se os conceitos utilizados aproximam-se ou afastam-se, bem como para se saber se o princípio encerra em seu conceito proposta de substancialização da Jurisdição ou se mantém a procedimentalização já vigente.
Palavras-chave: Eficiência – Refundação – Jurisdição
Abstract: The procedural efficiency is expected in the New Code of Civil Procedure as one of the guiding principles of Jurisdiction. Before the Jurisdiction and Civil Procedural Law crisis and the proposal for a refounding, remains to be analyzed, using the method of literature review and case study, where the concept which is given to the principle of efficiency for use doctrine and the jurisprudence. The combination of the two methods of analysis is of paramount importance to ascertain whether the concepts used are similar to or deviate, well as to whether the principle closes on its concept proposal for substantiation of Jurisdiction or maintaining the already existing proceduralizing.
Keywords: Efficiency – Refounding - Jurisdiction.
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como objetivo promover uma revisão bibliográfica (lawonthe books)do conceito de eficiência processual no Brasil, além de abordar um estudo de caso do STF e do STJ. Essa junção da teoria com a prática reflete o método americano da common law de pesquisa, que tem como foco o direito tal como praticado nas cortes (law in action), o qual, muitas vezes, não guarda relação com o direito doutrinário.
A justificativa da pesquisa encontra amparo no Novo Código de Processo Civil (Projeto 8.046/10), que está na iminência de ser promulgado, o qual consagra o princípio da eficiência em seu art. 6°. A previsão da eficiência como um dos princípios a serem observados pelo juiz ao aplicar a lei vem ao encontro da proposta de refundação da Jurisdição de modo a torná-la mais célere e econômica tal qual consta na exposição de motivos do Novo CPC.
Para que se atinja o resultado pretendido, o trabalho será dividido em 3 (três) seções. A primeira destina-se a esboçar um panorama a respeito da Jurisdição, sua crise e as propostas de sua refundação. A segunda tem como intuito apresentar o princípio da eficiência processual e contextualizá-lo na Jurisdição atual. A terceira e última apresenta decisões proferidas pelo STF e pelo STJ para que seja averiguado se enfrentaram o princípio da eficiência processual.
1DA CRISE DA JURISDIÇÃO E DO PROCESSO CIVIL E DA PROPOSTA DE SUA REFUNDAÇÃO
Os países de tradição civil estão vivendo uma crise da Jurisdição edo Processo Civil. Como causa, tem-se a herança do modelo romano de resolução de conflitos, em especial aquele de sua fase pós-clássica ou tardia, marcado pelo processo de conhecimento, ordinário e plenário, que afasta a possibilidade de uma Justiça mais célere e efetiva.
A proposta de refundação da Jurisdição e do Direito Processual Civil, esboçada por Jânia Maria Lopes Saldanha (2012, p. 325-421), aposta no retorno ao passado por meio do resgate da sumariedade material daquela e na substancialização e efetividade deste. Para isso, invoca o modelo de Jurisdição Romana da fase clássica, o qual considera efetivo.
A eficiência do Clássico desdobra-se nas características da liberdade criadora do poder pretoriano, da jurisprudência do caso concreto – não atrelada à busca pela verdade absoluta – e do “Diálogo aristotélico” conformando a justiça da Roma clássica, pois “a arte romana de praticar a Jurisdição no período clássico não consistia em prescrever normas de maneira imperativa, mas sim de solucionar o caso cuja resposta era buscada no interior do corpo social” (SALDANHA, 2012, p. 52).
Nesse contexto, a estética da Jurisdição era plasmada pela plasticidade das formas – não havia estrutura hierarquizada nem distinção entre o plano material e processual –,pela tutela interdital dos pretores, pelos interditos sem jurisdicionalidade, pela função declaratória menor em meio à função maior de ordenar, bem como pela sumariedade dos interditos, o que demonstra a preocupação romana com a “efetividade dos direitos e a eficiência do sistema jurídico” (SALDANHA, 2012, p. 39).
Hodiernamente, a Jurisdição é “judicial” e não jurisdicional no sentido autenticamente romano (ESPÍNDOLA, 2013, p. 6). Aos juízes modernos, não é dado dizer e fazer o direito, razão por que não se identifica a jurisdictio com a compreensão moderna de Jurisdição. A jurisdictioera tarefa do pretor (praetor) enquanto ao juiz privado (iudex) era dado julgar e aplicar o direito sem estar investido do poder jurisdicional (ESPÍNDOLA, 2013, p. 8).
Portanto, a função do iudex é identificada com a função do magistrados do Direito Moderno que se restringem a aplicar o Direito. A função do pretor, modernamente, assemelha-se a do legislador, uma vez que legisla para o caso concreto, exercendo a jurisdictio no caso prático (ESPÍNDOLA, 2013, p. 8).
Para que seja possível retornar ao passado de forma a se revigorar uma diferente visão e aplicação do Direito bem como do papel exercido pela Jurisdição, Saldanha (2012, p. 326) refere que são necessários dois rompimentos: um relativo àsuperação do paradigma epistemológico da filosofia da consciência, que trata os textos jurídico-normativos e os fatos sociais como simples objetos que merecem tratamento jurisdicional e processual agnóstico; o outro, à superação do paradigma liberal-individualista-normativista, incapaz de lidar com a realidade complexa do mundo contemporâneo.
Assim, Saldanha (2012, p. 327) acredita que se poderá construir um novo modelo de Jurisdição e de Processo, no qual a eficiência seja alcançada qualitativa e quantitativamente sem sucumbir ao dualismo entre teoria e prática, o que perpassa pela adoção do pensamento hermenêutico, ao invés da ação do pensamento sistêmico ou problemático.
O recurso à hermenêutica é a condição de possibilidade para viabilizar a desconstrução do paradigma racionalista que moldou a Jurisdição e o processo na forma da declaratividade e da plenariedade do procedimento ordinário, pois é a hermenêutica quepossibilita substancializar as ações processuais de modo que seja superada a hermenêutica jurídica dos métodos para a da compreensão (SALDANHA, 2012, p. 327 e 329).
Ângela da Silveira Espíndola invocando MirjanDamaska refere ser importante traçar um paralelo entre Jurisdição e Estado. No caso brasileiro, ver-se-á que há dissociação entre os paradigmas que fundamentam os dois conceitos. Enquanto a Jurisdição, ainda sob o signo da liberalidade, possui perfil reativo, o Estado Social e Democrático requer um perfil ativo da Jurisdição e do Direito Processual, ou seja, aquela ainda se destina a resolver conflitos enquanto este tem como objetivo primeiro a implementação de políticas públicas, isto é, a concretização dos princípios constitucionais, razão pela qual se faz necessária uma reaproximaçãoentre ambos (ESPÍNDOLA, 2013, p. 9-10).
Todavia, a ultrapassagem da crise da Jurisdição e do Processo não é feita por meio de reformas pontuais como as que têm ocorrido no âmbito processual civil sob a denominação de ondas reformadoras[1]. Essas reformas mantém a tendência atual de procedimentalização da Jurisdição – legitimação pelo procedimento, e não de substancialização (SALDANHA, 2012, p. 342). Como o próprio nome diz se tratam de “re-formas”, e não de “re-visões”, uma vez que se destinam a manter o velho sob uma nova roupagem ao invés de revê-lo, corrigi-lo e refazê-lo.
É necessário que o papel do juiz e das partes seja renovado a fim de que se possa fundar uma parceria de singularidades rompendo com o monólogo articulado da Jurisdição e com a separação estanque entre as funções declarativa e criativa do Direito (ESPÍNDOLA, 2013, p. 3 e 15).[2]
Enquanto o Processo Civil não for capaz de implementar as previsões constitucionais da erradicação da desigualdade, da prática da isonomia, do amplo acesso à Justiça e do devido processo legal, por exemplo, não haverá sentido no agir da Jurisdição. Para tanto, se faz necessário afastar institutos processuais obsoletos como o processo de conhecimento, ordinário e plenário, bem como o paradigma liberal e individualista e o modelo normativista-legalista que o sustenta, a fim de que seja dado espaço a novos institutos processuais inspirados no perfil de Jurisdição e de Processo Civil do período clássico romano (SALDANHA, 2012, p. 337).
Carlos Alberto Álvaro de Oliveira (2004, p. 1) destaca que,na condição pós-moderna, a perspectiva teleológica permeada por uma ordem valorativa cede espaço à visão mecanicista ligada ao esquema causal, o que faz com que os padrões de avaliação, das categorias da ação e do comportamento em geral – pessoal e institucional – deixem de se pautar por valores como o bem, o justo, a validade (axiológica material) para serem substituídos pelos do útil, da oportunidade, da eficiência, da eficácia.
Desse modo, não basta ser apontada a necessidade de uma Jurisdição e de um Processo Civil mais eficiente quantitativa e qualitativamente, éimprescindível, portanto, que essa eficiência seja de ordem substancial, e não apenas procedimental.
Nesse contexto, passa-seà análise do conceito empregado pela doutrina para definir o princípio da eficiência, bem como sob qual eixo analíticoo problema vem assentado, para, então, adentrar-se no uso jurisprudencial que tem sido feito do princípio em questão.
2 DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA PROCESSUAL
No âmbito processual, a eficiência não encontra guarida explicitamente. Todavia, o Projeto do Novo Código de Processo Civil a prevê de modo expresso no art. 6°, que dispõe a respeito dos princípios e das garantias fundamentais do processo civil. O referido dispositivo determina que, ao aplicar a lei, o juiz deverá observar, dentre outros, o princípio da eficiência.
Não obstante a CF/88 dispor a respeito do princípio da eficiência no caput de seu art. 37, que está situado topologicamente no Capítulo VII destinado à Administração Pública, Fredie Didier(2013, p. 433) refere que a eficiência também está dirigida ao Poder Judiciário. Como fundamento, Didier (2013, p. 433) invoca a expressão “qualquer dos Poderes” contida no caput do art. 37 da CF/88, a qual faz com que o princípio da eficiência deva ser observado não apenas pelo Executivo, mas por todos os Poderes.
Portanto, é a conjugação de dois dispositivos constitucionais – caput do art. 37 e o inciso LIV do art. 5°– que permite a consagração da eficiência como princípio ou postulado (DIDIER JR., 2013, p. 434) a ser observado na seara processual (DIDIER JR., 2013, p. 433).A eficiência é, portanto, corolário do princípio do devido processo legal.
Ao dirigir-se ao Judiciário, a eficiência possui dois sentidos, pois se destina tanto à Administração Judiciária quanto à gestão de um determinado processo. Aqui, interessa esse segundo viés da eficiência, posto que aquele é norma de Direito Administrativo e não é objeto do presente estudo (DIDIER JR, 2013, p. 434).
Desse modo, deve-se analisar qual o sentido atribuído ao princípio da eficiência enquanto norma de direito processual que se destina a um órgão do Judiciário responsável pela gestão de um processo jurisdicional específico.
Conforme Didier (2013, p. 438), a eficiência distingue-se da efetividade processual. Enquanto efetivo é o processo que realiza o direito afirmado e reconhecido judicialmente, eficiente é o que atingiu esse resultado de modo satisfatório (DIDIER JR., 2013, p. 438). Desse modo, pode haver processo efetivo sem ter sido eficiente, ou seja, atingiu-se a realização do direito (fim) de modo insatisfatório, mas não há como haver processo eficiente sem ter sido efetivo (DIDIER JR., 2013, p. 438).
Ao tentar conceituar o princípio da eficiência, Didier (2013, p. 436) traz algumas premissas que devem ser observadas para a compreensão da eficácia processual do princípio. A primeira diz respeito à gestão do processo, que requer diálogo entre Ciência do Direito Processual e Ciência do Direito Administrativo. Desse modo, o princípio da eficiência dirige-se a orientar o exercício dos poderes de gestão do processo pelo órgão jurisdicional, que deve visar à obtenção de um determinado “estado de coisas”: o processo eficiente (DIDIER JR., 2013, p. 436).
A segunda premissa refere que aaplicação do princípio da eficiência ao processo é versão contemporânea do princípio da economia processual. Muda-se a denominação em razão da mudança trazida pelo texto constitucional e devido à técnica retórica de reforço da relação entre princípio e atuação do juiz como administrador de um determinado processo (DIDIER JR., 2013, p. 436).
Por fim, a terceira premissa a ser considerada refere-se à eficiência como meta a ser alcançada mediante a observância de dois deveres: obter o máximo de um fim com o mínimo de recursos (efficiency) e de, com um meio, atingir o fim ao máximo (effectiveness).
Eficiente é a atuação que promove os fins do processo de modo satisfatório em termos quantitativos, qualitativos e probabilísticos. Ou seja, na escolha dos meios a serem empregados para a obtenção dos fins, o órgão jurisdicional deve escolher meios que os promovam de modo minimamente intenso (quantidade – não se pode escolher um meio que promova resultados insignificantes) e certo (probabilidade – não se pode escolher um meio de resultado duvidoso), não sendo lícita a escolha do pior dos meios para isso (qualidade – não se pode escolher um meio que produza muitos efeitos negativos paralelamente ao resultado buscado) (DIDIER JR., 2013, p. 436).
Eduardo José da Fonseca Costa manifesta-se em sentido diverso, pois discorda de que o postulado da eficiência processual seja uma versão moderna ou atualizada do princípio da economia processual (2005, p. 294).
O postulado da eficiência processual é de segundo grau, pois é norma sobre a produção de outras normas que imputa ao juiz o dever estrutural de arquitetar regras procedimentais individuais e concretas que, ao serem efetivadas, produzem o estado fático desejado pelos princípios que as inspiram, ou seja, não impõe o dever jurídico de promover-se um fim (COSTA, 2005, p. 294).
Em contrapartida, o princípio da economia processual é norma de comportamento, portanto, de primeiro grau, pois fixa um fim prático desejado no processo civil, por meio do qual se obtém o máximo de proveito com o mínimo de atividade dos sujeitos envolvidos (COSTA, 2005, p. 294).
Desse modo, a nova roupagem do princípio da economia processual como princípio da eficiência somente tem cabimento se houver a distinção entre princípio da eficiência e postulado da eficiência (COSTA, 2005, p. 294).
Do mesmo modo manifesta-se o pensamento de Humberto Ávila, para quem a eficiência, assim como a razoabilidade, devem ser examinadas como postulados (normativos aplicativos – metanormas ou normas de segundo grau), na medida em que não impõem a realização de fins, mas estruturam a realização dos fins cuja realização é imposta pelos princípios, ou seja, o modo como o dever de promover um estado de coisas deve ser aplicado. A rigor, violadas são as normas – regras e princípios (2015, p. 3).
Outra distinção passível de ser anotada entre os doutrinadores refere-se à eficiência como atributo das regras ou do procedimento. Didier (2013, p. 437) traz a eficiência como atributo do procedimento, razão pela qual somente seria passível de ser aferida a posteriori. Por sua vez, José Eduardo da Fonseca Costa (2005, p. 493) entende-a como atributo das regras, pois quanto mais a criação de uma regra estiver centrada na finalidade que dá suporte ao seu criador ou nos princípios que lhe devam estar subjacentes, tanto mais eficiente será essa regra (COSTA, 2005, p. 493).
Fixados os conceitos e a normatividade da eficiência tal qual delineada pela doutrina jurídica nacional, é chegada a hora de se analisar como a jurisprudência do STF e do STJ vem utilizando-a.
3 DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA E DA JURISPRUDÊNCIA DO STF E DO STJ
Realizada pesquisa no site do STF pela expressão de busca “princípio da eficiência” foram encontrados 70 (setenta) acórdãos. Todavia, pelo elevado número de documentos e pela limitada extensão do presente estudo, optou-se por fixar como marco inicial da investigaçãoa data de 01.01.2013 e marco final em 29.07.2014.
Desse modo, restaram 13 (treze) acórdãos[3] a ser analisados. Exceto a Extradição 1293/DF, todos os demais trataram da eficiência como princípio constitucional destinado à Administração Pública, que tem o dever de agir de modo rápido e preciso para produzir resultados que satisfaçam as necessidades dos administrados e da própria Administração (MEDAUAR, 2006, p. 129).
Realizada a pesquisa pelo mesmo critério de busca – “princípio da eficiência” – no site do STJ, apareceram 96 (noventa e seis) acórdãos. O critério temporal da pesquisa também foi limitado ao período de 01.01.2013 a 29.07.2014, restando 7 (sete) acórdãos a ser analisados.
Dentre eles, os acórdãos proferidos no RMS 42.237/MT e no AgRg no AREsp 236.743/PR apesar de se referirem ao princípio da eficiência, o fazem em seu viés estritamente administrativo, fugindo do objeto deste trabalho, razão pela qual não serão abordados detalhadamente.
3.1 AREsp 346.073/PR e AgRg no Resp 1.435.785/PR
Por ordem decrescente de data, analisou-se primeiro a decisão proferida no AgRg no AREsp346.073/PR. Decidiu-se que não se deve utilizar o parâmetro de R$20.000,00 (vinte mil reais) previsto na Portaria 75/2012 do Ministério da Fazenda para se reconhecer a insignificância dos delitos de descaminho em razão de não se poder alterar lei em sentido estrito por meio de portaria.
Ainda, consignou-se na mencionada decisão acerca da inviabilidade de se criar critério absoluto de incidência do princípio da insignificância, bem como a instabilidade de se vincular a incidência do direito penal aos critérios de conveniência e oportunidade que prevalecem no âmbito administrativo, concluindo-se, assim, pela impossibilidade de eventual aplicação retroativa do referido patamar.
O princípio da eficiênciada forma como disposto no acórdão evidencia o intuito de otimização da utilização da máquina pública, pois visa autorizar o não ajuizamento de execução cujo gasto pode ser, naquele momento, maior que o crédito a ser recuperado. Desse modo, não cabe falar-se em valor irrisório, mas sim em estratégia de cobrança, que está em consonância com o princípio constitucional da eficiência.
Na decisão objeto de análise, não consta conceituação do princípio da eficiência, depreendendo-se do contexto em que foi utilizado que pende mais à técnica procedimentalista do que à substancialista de condução do processo.
3.2REsp 522.820/SP
No julgamento do REsp 522.820/SP, a discussão gira em torno da possibilidade de serem adjudicadas as quotas sociais penhoradas pelo valor do crédito. Entendeu-se que o art. 714 do CPC – revogado pela Lei 11.382/06 – em vigor na época dos fatos processuais,fixava apenas o momento a partir do qual poderia o credor postular a adjudicação, qual seja, o encerramento da praça sem lançador, bem como que pode o exequente adjudicar apenas parcela do bem penhorado (quotas sociais) correspondente à quantia executada.
Foi enfrentada questão relativa ao princípio daeficiência juntamente com os da celeridade e da razoável duração do processo ao ser referido que a posição adotada no julgamento prestigia o cumprimento da tutela jurisdicional (com o adimplemento da obrigação prevista no título executivo) e pode, inclusive, estimular que devedores ou terceiros busquem alternativas para o pagamento do débito objeto de execução forçada (objetivo maior dessa modalidade de processo), de modo a evitar a formação de condomínio.
No presente caso, em que pese ter sido invocado o princípio da eficiência, não consta na decisão sua definição conceitual. Afere-se que pende ao viés procedimentalista em razão de ter sido abordado seu aspecto temporal – celeridade e duração razoável – e não feita menção à concretização de direitos fundamentais de ordem material.
3.3AgRg no AREsp 228.307/GO
O Agravo em Recurso Especial 228.307/GO encampa a discussão acerca da prescrição intercorrente na execução fiscal. Convenceu-se o Tribunal de que tendo o processo sido suspenso em 14.02.2002 e ter ficado sem movimentação por tempo razoável, ou seja, até 24.02.2010, quando a Fazenda Pública requereu determinada diligência, que resultou infrutífera, teria incidido o instituto da prescrição intercorrente.
Assim, a diligência requerida pela Fazenda Pública não teve o condão de suspender a execução fiscal de modo a impedir a prescrição intercorrente. Pensamento contrário faria com que o contribuinte ficasse exposto a suportar execuções estéreis e perenes, já que navéspera de se encerrar o prazo prescricional, a exequente poderia requerer qualquer diligência, que suspenderia o prazo, o que não se admite por ofensa ao princípio da eficiência e da segurança jurídica.
No corpo da decisão, não foi encontrada menção ao princípio da eficiência de modo que se pudesse caracterizá-lo como princípio processual e definir seu conceito. O que se avista é a perseguição da eficiência do Poder Judiciário, enquanto gestor de processo, e do direito à segurança jurídica dos cidadãos. Todavia, não se verifica a preocupação com a eficiência do processo para que seja apto a realizar direitos fundamentais, denotando-se aqui o traço procedimentalista da utilização da eficiência.
3.4 HC 260.457/PB
No julgamento do Habeas Corpus 260.457/PB, houve referência à necessária demonstração de efetivo prejuízo quando se pretende o reconhecimento de nulidade, seja ela absoluta ou relativa, a teor do que preceitua o art. 563 do CPC sob pena restarem violados os princípios da eficiência e da economia processual.
Entretanto, não foi feita menção expressa à conceituação da eficiência processual. Verifica-se que foi utilizado conjuntamente com a economia processual, o que vem ao encontro da doutrina preconizada por Fredie Didier conforme exposto na Seção 2, demonstrando o teor procedimental de sua utilização.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Doutrinária e jurisprudencialmente, a eficiência possui normatividade. Biparte-se a doutrina no que tange à eficiência ser regra ou princípio de direito fundamental quando aplicada no âmbito processual civil.
Não obstante parte da visão doutrinária da eficiência a tratar como a face moderna do princípio da economia processual sendo decorrência do devido processo legal, há, por outro lado, defesa em sentido contrário considerando-a norma de segundo grau e, portanto, desvinculada do conceito de economia. Ou seja, considera-a como sendo regra sobre a produção de outras regras.
Atrelar a eficiência à economia processual e ao devido processo legalparece não ser a melhor solução, posto que abarca apenas uma das dimensões em que ela pode se manifestar, pois quando se fala em processo eficiente, fala-se tanto nos aspectos quantitativos quanto nos qualitativos.
Ao tratar da eficiência, a doutrina olvida-se de que ela pode ainda estar associada à noção de celeridade e, por decorrência, ser uma das faces do princípio da razoável duração do processo.
Paralelamente, a jurisprudência do STJ também invoca o princípio da eficiência processual conjugado com o da economia como, por exemplo, no HC 260.457/PB, assim como o trata sob o viés temporal abarcando celeridade e duração razoável do processo como no REsp 522/820/SP. Entretanto, as decisões analisadas, apesar de invocarem o princípio da eficiência processual, não o definemexpressamente nem o enfrentam.
A questão que se colocarefere-se a dar sentido à eficiência a fim de que não seja um sentido prenhe de vazio nem seja colocado à disposição de determinados fins assumindo conotação funcionalista, em que o útil e o oportuno tenham espaço em detrimento da efetivação de direitos fundamentais.
Anota a doutrina que,para que se atinja a eficiência processual, ter-se-á que buscar inspiração no período romano clássico. Para tanto, dever-se-á abandonar a racionalização e matematização da Jurisdição e do Processo, responsáveis pelo processo de conhecimento ordinário e plenário, em prol da adoção de um novo paradigma marcado pela cooperação entre as partes – Juiz, autor e réu – pela sumariedade dos ritos e pela substancialização do Direito Processual Civil permitindo um verdadeiro reencontro entre Direito Material e Processual.
Para que essa refundação da Jurisdição e do Direito Processual Civil ocorra, será necessário que o Estado também se refunde a fim de abandonar definitivamente o paradigma liberal-individualista-normativista em prol de um Estado Social e Democrático e de Direito, responsável não só pela previsão, mas pela efetivação de direitos fundamentais.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. STJ. AgRg no Resp 1.435.785/PR. Relator(a)Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE (1150). Órgão JulgadorT5 - QUINTA TURMA. Data do Julgamento24/04/2014. Data da Publicação/FonteDJe 02/05/2014. Disponível em: <<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201400311191&dt_publicacao=02/05/2014>>. Acesso em 29.07.2014.
BRASIL. STJ. AREsp 346.073/PR. Relator(a)Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE (1150). Órgão JulgadorT5 - QUINTA TURMA. Data do Julgamento27/05/2014. Data da Publicação/Fonte
BRASIL. STJ. HC 260.457/PB. Relator(a)Ministro OG FERNANDES (1139). Órgão JulgadorT6 - SEXTA TURMA. Data do Julgamento16/04/2013. Data da Publicação/FonteDJe 25/04/2013. Disponível em: <<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1225877&sReg=201202532320&sData=20130425&formato=PDF>>. Acesso em 29.07.2014.
BRASIL. STJ. REsp 522.820/SP. Relator(a)Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA (1146). Órgão JulgadorT4 - QUARTA TURMA. Data do Julgamento22/10/2013. Data da Publicação/Fonte
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[1]Jânia Maria Lopes Saldanha traz quadro sinótico contendo leis prevendo algum tipo de sumarização desde a CF/88 (2012, p. 299-303).
[2] Anota-se, aqui, que a prática previdenciária já dá ares de substancialização processual na medida em que, nas comarcas que exercem a competência delegada por disposição constitucional, já se adote o denominado “rito invertido” tanto na fase de conhecimento quanto na de execução, de modo a sumarizar o procedimento e responsabilizando o INSS, réu, pela elaboração dos cálculos das parcelas atrasadas, pois dispõe dos elementos de cálculo que nem sempre a parte autora compreende, ainda que tenha acesso. Também se verifica a intimação comum dos sujeitos do processo dos atos processuaisou até mesmo a ausência de intimação da Autarquia Previdenciária quando o ato não lhe for causar prejuízo como é o caso, por exemplo, das intimações das datas das perícias médicas judiciais, pois o INSS já deixa depositados os quesitos em Secretaria ou adota quesitação única nos moldes do SICOPREV (Sistema de Conciliação Previdenciária instituído pela Portaria 811, de 16.08.2012) que ocorre no âmbito do TRF4.
[3] RMS 28208/DF; ARE 763090 ED/SP; ARE 678782 AgR/AM; ARE 728143 AgR/SP; Ext 1293/DF; MS 31371 AgR/DF; ARE 719067 AgR/RJ; ADI 3745/GO; RE 630733/DF; RE 503436 AgR-segundo/PI; ADI 2588/DF; ADI 4425/DF; ADI 1842/RJ.
Mestranda em Direito, Democracia e Sustentabilidade pelo Complexo de Ensino Superior Meridional (IMED); especialista em Direito Processual Civil pela LFG - Anhanguera; especialista em Direito Público pela PUC/RS; graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM/RS); membro do grupo de pesquisa intitulado "Jurisdição e Democracia", vinculado à IMED; Procuradora Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOSS, Marianna Martini Motta. Análise do conceito de eficiência e a refundação da jurisdição Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42336/analise-do-conceito-de-eficiencia-e-a-refundacao-da-jurisdicao. Acesso em: 22 nov 2024.
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