RESUMO: O presente estudo tem por escopo analisar os requisitos da antecipação da tutela, tais como a verossimilhança, prova inequívoca, fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, bem como a distinção entre antecipação de tutela e providência de natureza cautelar.
PALAVRAS-CHAVE: Antecipação da tutela. Requisitos. Verossimilhança.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O instituto da tutela antecipatória, ou antecipação dos efeitos da tutela, está previsto no artigo 273 do Código de Processo Civil, cujo caput e incisos I e II apresentam a seguinte redação:
Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil repação; ou
II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
[...]
Conforme relembra Marinoni, o referido instituto serve como importante instrumento para a distribuição do tempo no processo, para que o período de tramitação processual não seja utilizado pelo réu ao seu benefício, distribuindo o tempo do processo entre as partes litigantes “na proporção da evidência do direito do autor e da fragilidade da defesa do réu”.
É sabido que desde o direito romano e ainda a partir do desenvolvimento do Estado Moderno, havia a idéia de se procrastinar a prática de atos executivos na atividade jurisdicional. No âmbito do direito processual brasileiro também havia uma tentativa de repudiar o deferimento de tutelas satisfativas e executivas dentro do procedimento ordinário do processo de conhecimento.
Neste ponto, vale relembrar o escólio no sentido de que enquanto no processo de conhecimento é visada a obtenção de uma norma individual ao caso concreto, no âmbito do processo executivo o escopo é a realização/efetivação dessa norma individual. Por sua vez, no processo cautelar busca-se garantir a execução da norma individual, sendo exemplo disso a penhora de bens para garantia da satisfação do crédito da parte credora, e não a satisfação do direito. Essa medida satisfativa corresponde a uma antecipação do que se pretende atingir com a sentença de procedência. Note-se, portanto, que há uma diferença evidente entre os institutos da tutela cautelar e da tutela antecipatória, pois enquanto nesta há uma antecipação, parcial ou total e provisória, daquilo que se pretende atingir por meio do reconhecimento da procedência do pedido, naquela busca-se a garantia para a efetivação do direito, não havendo uma antecipação do reconhecimento deste próprio direito.
Nesse sentido, assim preceitua Luiz Guilherme Marinoni:
É importante distinguir a tutela cautelar da tutela antecipatória. A provisoriedade, isto é, o fato de “decisão” ser dotada de cognição sumária não é nota que possa servir para essa distinção. A tutela cautelar não pode satisfazer, ainda que provisoriamente, o direito acautelado. A tutela cautelar não pode assumir uma configuração que desnature sua função, pois, de outra forma, restará como simples tutela de cognição sumária, ou, como bem advertem Satta e Verde, “il provvedimento urgente in urgenza di provvedimento”.
Com efeito, a antecipação do direito, inserida no procedimento ordinário, não existia em nosso ordenamento anteriormente a 1994, quando foi introduzido no Código de Processo Civil o instituto da tutela antecipatória, embora não fosse raro encontrar decisões de evidente cunho antecipatório, e até mesmo satisfativo, por meio dos procedimentos cautelares, conforme destacado no mencionado texto base.
REQUISITOS DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
Após essas breves digressões acerca da tutela antecipatória, cabe a análise dos requisitos deste instituto. Conforme se extrai do artigo 273 do Código de Processo Civil, supra transcrito, para que seja concedida a antecipação da tutela, faz-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: a) verossimilhança; b) prova inequívoca; sendo que prova inequívoca e a verossimilhança devem estar amparadas em um (c) fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou, ainda, na caracterização de um abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
Quanto à verossimilhança, tem-se é aquilo que pode ser considerado verdadeiro, que possui “foros de coisa razoável”. Por sua vez, prova inequívoca guarda relação com idéia de uma prova robusta, consistente, capaz de conduzir o magistrado a um juízo de probabilidade, conforme lecionam Fredie Didier Jr., Pala Sarno Braga e Rafael Oliveira. Com efeito, não se pode compreender prova inequívoca como aquela que conduza a uma verdade plena, absoluta – considerando-se que este ideal é inatingível – tão menos que seja a prova apta a conduzir à verdade mais próxima da realidade, uma vez que este somente pode ser atingida por meio da cognição exauriente.
É possível enxergar certa contradição nos termos utilizados pelo Código de Processo Civil, por entender que o termo prova inequívoca abarca a expressão verossimilhança. Isto é, o que é inequívoco não pode ser apenas verossímil, na medida em que é mais do que isso (verossímil).
Noutro sentido, Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira consideram que as expressões utilizadas no Código de Processo Civil para definir os requisitos autorizadores à concessão de antecipação de tutela constituem pressupostos interligados, que possuem conotações diversas. Assim, prova inequívoca deveria ser compreendida como meio de prova, enquanto o requisito verossimilhança guardaria relação com o grau de convicção do magistrado, isto é, com um juízo de probabilidade. Nessa esteira, cabe trazer à transcrição breve excerto do escólio dos referidos processualista sobre a presente questão, observe-se:
[...] Partindo de premissa de que prova inequívoca e juízo de verossimilhança são pressupostos interligados, mas com significados distintos, sustentamos que a palavra “prova”, no que diz respeito à antecipação dos efeitos da tutela, deve ser compreendida como meio de prova, e não como “grau de convicção” do magistrado. O legislador, quando quis se referir ao grau de convicção acerca das alegações da parte, refere-se à verossimilhança (“...desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança, da alegaçã...”), que nada mais é do que um juízo de probabilidade. E prova inequívoca, decerto, só pode ser entendida como aquela que não é equívoca, e que serve como fundamento para a convicção quanto à probablidade das alegações.
Considerações à parte, certo é que os requisitos exigidos para o deferimento de pedido de tutela antecipada são mais rigorosos do que aqueles exigidos para o deferimento de uma tutela cautelar, sendo este mais um traço distintivo entre os institutos. Isso porque, enquanto para a tutela antecipada exige-se a prova inequívoca da verossimilhança das alegações, para a tutela cautelar basta o fumus boni iuris, que não precisar sequer estar respaldado em prova, bastante a existência de uma mera plausibilidade/probabilidade.
Consoante já referido, além da prova inequívoca e da verossimilhança, para que seja atendido o pedido de antecipação de tutela faz-se necessário que haja um fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou que reste caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
Quanto ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, tem-se que guarda relação com o periculum in mora, ou o perigo da demora. Assim, exige-se que haja um perigo de dano concreto (não meramente subjetivo, hipotético ou eventual), atual (na iminência de ocorrer) e grave (apto a impedir ou prejudicar a fruição do direito). Por dano irreparável, deve-se entender como aquele que possui efeitos irreversíveis, enquanto o dano de difícil reparação diz respeito ao dano que possui grande probabilidade de não poder ser revertido. Destarte, admite-se o deferimento da tutela antecipada quando restar vislumbrado que a demora processual pode acarretar em um dano irreversível ou de difícil reversibilidade, ou seja, nas hipóteses em que não pode aguardar pelo fim do processo para que seja prestada a tutela jurisdicional.
Outro aspecto relevante trazido pela norma expressa no artigo 273 do Código de Processo Civil é a regra insculpida no parágrafo 7º do referido dispositivo, que assim disciplina: Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002).
Trata-se da hipótese de fungibilidade entre tutela antecipatória e a tutela cautelar. Conforme já referido os institutos da tutela cautelar e tutela antecipatória possuem natureza diversas, pois enquanto aquele busca acautelar o direito, ou seja, garantir que o direito pretendido possa ser satisfeito/executado, este tem por escopo já antecipar a obtenção do próprio direito, isto é, conceder, em caráter precário/provisório a satisfação do direito alegado.
Ademais, ambos os institutos possuem requisitos diversos para o seu deferimento, conforme já referido, sendo que os exigidos para a concessão da tutela cautelar são mais brandos do que aqueles exigidos à concessão da tutela antecipatória. Cabe fazer a ressalva de que, embora seja corrente o uso da expressão fungibilidade entre os institutos antecipatório e cautelar, não se trata propriamente disso, considerando-se a natureza distinta desses instrumentos processuais, pois a cautelar é uma espécie de tutela e a tutela antecipada é uma técnica de tutela.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da introdução da regra prevista no parágrafo 7º, do artigo 273, do CPC, autorizou-se a concessão de medida cautelar no bojo do processo de conhecimento, desde que satisfeitos os requisitos acautelatórios, quais sejam o perigo de demora e a fumaça do bom direito. Há quem afirme que, para haver a aplicabilidade da regra da “fungibilidade”, seria necessário existir fundada dúvida acerca de qual a tutela de urgência correta e adequado ao caso concreto, sendo este o posicionamento de Marinoni, conforme relembram Didier, Braga e Oliveira.
Outro ponto relevante acerca da fungibilidade é se esta seria de “mão dupla” ou de “mão única”. Isto é, se seria admitida a concessão de tutela antecipada em pedido de tutela cautelar e a concessão de cautelar em pedido de tutela antecipada, ou somente esta última hipótese seria admissível. Partindo-se da análise do texto normativo, entende-se que não se pode concluir pela “fungibilidade em mão dupla”. Além disso, tal hipótese acarretaria em verdadeira fungibilidade de procedimento, uma vez que se estaria autorizando o deferimento de tutela satisfativa no âmbito do procedimento cautelar.
Outrossim, merece registro a questão do deferimento de antecipação de tutela em face do Poder Público. Em um primeiro momento, poder-se-ia concluir pela impossibilidade de deferimento da tutela antecipatória em face dos Poderes Públicos em razão da norma prevista no artigo 475 do CPC, que trata do instituto do reexame necessário. De acordo com esta norma, as sentenças judiciais proferidas contra a Fazenda Pública apenas produzem efeitos quando confirmadas pelo tribunal. Sendo assim, maior razão haveria na impossibilidade de se emprestar efeitos antecipatórios a uma decisão meramente interlocutória proferida em face da Fazenda Pública. Além desse argumento, haveria a impossibilidade de antecipação da tutela contra a Fazenda Pública em decorrência da regra contida no artigo 100 da Constituição da República (precatórios), bem como pelo que dispõe a Lei 8.437/1992, em especial no seu artigo 1º, parágrafo 3º, que veda o cabimento de “cautelares satisfativas” contra a Fazenda, o que importaria em vedação à própria tutela antecipada.
Porém os argumentos em contrário ao deferimento da tutela antecipada em face da Fazenda Pública restaram superados. Cabe registrar que já era admitida a possibilidade de concessão de tutela antecipatória em face do Poder Público, sendo exemplo disso decisões proferidas em sede de mandado de segurança e ação civil pública. Para eliminar qualquer resquício de dúvida acerca da possibilidade de deferimento de tutela antecipada em face da Fazenda Pública foi editada a Lei 9.494/1997, que disciplina a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública.
No entanto, embora discipline o cabimento de tutela antecipatória em face da Fazenda Pública, cabe referir que o mencionado diploma legal também restringe as hipóteses em que á possível o manejo de tal instrumento. Além disso, cabe trazer a lume a idéia de que a edição da Lei 9.494/1997 foi resultado da aplicação indiscriminada da medida da tutela antecipada em face dos Poderes Públicos.
Certo é que não se pode mais discutir o cabimento de tutela antecipada em face da Fazenda, sendo que, em causas que versam sobre benefícios previdenciários, relativos ao Regime Geral da Previdência Social, é comum o deferimento de antecipação de tutela.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil (volume 2): teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 4ª ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora JusPODIVM, 2009
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 7 ed., rev., e atual. 3ª tir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, (Curso de Processo Civil v.2)
Bacharel em Direito pelo UNIRITTER/RS. Procurador Federal. Especialista em Direito Público pela UnB/CEAD.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DALMAS, Samir Bahlis. Breves notas acerca da antecipação da tutela Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42393/breves-notas-acerca-da-antecipacao-da-tutela. Acesso em: 22 nov 2024.
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