O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) foi instituído no ordenamento jurídico pátrio,em 1966, pela Lei nº 5.107, sendo,desde 1990, regido pela Lei nº 8.036 e regulamentado pelo Decreto nº 99.684 do mesmo ano.
Considera-se como uma espécie de poupança forçada em proveito do trabalhador, que confere a ele, como efetivo titular, o direito a depósitos mensais efetuados em sua conta individualizada, correspondentes a 8% de seu salário.
Contudo, não são raras as vezes em que é desrespeitado o direito do trabalhador, verificando-se ausência de recolhimentos no FTGS ou recolhimentos parciais e irregulares.
Assim, quando a legislação pertinente tratou da fiscalização, fixou prazo trintenal para a promoção da recuperação desse direito pelo trabalhador lesado.
Sendo assim, a lei em vigor prescreve o prazo de trinta anos para se reclamar contra o não recolhimento da contribuição para o FGTS, consoante o que dispõe o artigo 23 em seu parágrafo 5º, a saber:
“Art.23
§ 5º O processo de fiscalização, de autuação e de imposição de multas reger-se-á pelo disposto no Título VII da CLT, respeitado o privilégio do FGTS à prescrição trintenária.”
No mesmo sentido, segue o Decreto supramencionado, conforme disposto no artigo 55:
“Art. 55. O processo de fiscalização, de autuação e de imposição de multas reger-se-á pelo disposto no Título VII da CLT, respeitado o privilégio do FGTS à prescrição trintenária.”
Em decorrência e a fim de ver pacificada discussão no Judiciário, o Tribunal Superior do Trabalho e o Superior Tribunal de Justiça editaram as seguintes Súmulas:
- Súmula nº 362 do TST
FGTS. PRESCRIÇÃO (nova redação) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
É trintenária a prescrição do direito de reclamar contra o não-recolhimento da contribuição para o FGTS, observado o prazo de 2 (dois) anos após o término do contrato de trabalho.
- Súmula nº 210 do STJ
Ação de Cobrança - FGTS – Prescrição - 27/05/1998 - DJ 05.06.1998
A ação de cobrança das contribuições para o FGTS prescreve em trinta (30) anos.
Dessarte, em recente julgamento, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria de votos e com repercussão geral para sedimentar a orientação, reduzir o prazo prescricional que se deve aplicar para a cobrança de valores não depositados no FGTS de 30 para 05 anos. O STF declarou a inconstitucionalidade das normas que previam a prescrição trintenária.
Trata-se do entendimento externado no voto do ministro relator Gilmar Mendes no RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 709.212 DISTRITO FEDERAL (ARE 709212), que foi seguido pelos ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski; já o ministro Marco Aurélio reconheceu o prazo prescricional de cinco anos, mas votou no sentido de dar provimento ao recurso, no caso concreto, sem aderir à proposta de modulação; vencidos os ministros Teori Zavascki e Rosa Weber , que votaram pela validade da prescrição trintenária.
Nos fundamentos da decisão, o ministro relator asseverou:
“Inicialmente, cumpre ressaltar que o TST editou, em 1980, quandoainda vigente a Lei 5.107, de 13 de setembro de 1966, que criara o FGTS, oEnunciado 95, segundo o qual “é trintenária a prescrição do direito dereclamar contra o não recolhimento da contribuição para o Fundo de Garantia doEm elaboraçãoARE 709212 / DFTempo de Serviço”.
Ressalte-se, pois, que o FGTS surge, aqui, como alternativa à“estabilidade no emprego”.
À época, ainda não havia sido solucionada antiga controvérsiajurisprudencial e doutrinária acerca da natureza jurídica do FGTS,questão prejudicial à definição do prazo aplicável à cobrança dos valoresnão vertidos, a tempo e modo, pelos empregadores e tomadores deserviço, ao Fundo.
Em virtude do disposto no art. 20 da Lei 5.107/1966, segundo o quala cobrança judicial e administrativa dos valores devidos ao FGTS deveriaocorrer de modo análogo à cobrança das contribuições previdenciárias ecom os mesmos privilégios, o Tribunal Superior do Trabalho inclinou-sepela tese de que o FGTS teria natureza previdenciária e, portanto, a eleseria aplicável o disposto no art. 144 da Lei 3.807, de 26 de agosto de 1960(Lei Orgânica da Previdência Social), que fixava o prazo de trinta anospara a cobrança das contribuições previdenciárias.
Após a Constituição de 1988, foi promulgada a Lei 8.036, de 11 demaio de 1990, que deu nova disciplina ao FGTS. No tocante ao prazoprescricional, o art. 23, § 5º, do novo diploma legal veicula a seguintedisposição: “o processo de fiscalização, de autuação e de imposição de multasreger-se-á pelo disposto no Título VII da CLT, respeitado o privilégio doFGTS à prescrição trintenária”.
O art. 55 do Decreto 99.684, de 8 de novembro de 1990, atonormativo que regulamenta o FGTS, possui idêntico teor.Essa foi, portanto, a gênese da tese de que o prazo para a cobrança,pelo empregado ou pelos órgãos públicos, das contribuições devidas aoFGTS seria, anteriormente e mesmo após a Constituição de 1988, de trintaanos.
Ocorre que o art. 7º, III, da nova Carta expressamente arrolou oFundo de Garantia do Tempo de Serviço como um direito dostrabalhadores urbanos e rurais, colocando termo, no meu entender, àceleuma doutrinária acerca de sua natureza jurídica.
Desde então, tornaram-se desarrazoadas as teses anteriormentesustentadas, segundo as quais o FGTS teria natureza híbrida, tributária,previdenciária, de salário diferido, de indenização, etc.
Trata-se, em verdade, de direito dos trabalhadores brasileiros (não sódos empregados, portanto), consubstanciado na criação de um “pecúliopermanente”, que pode ser sacado pelos seus titulares em diversascircunstâncias legalmente definidas (cf. art. 20 da Lei 8.036/1995).
Consoante salientado por José Afonso da Silva, não se trata mais,como em sua gênese, de uma alternativa à estabilidade (para essafinalidade, foi criado o seguro-desemprego), mas de um direitoautônomo (SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição. 4ª Ed.São Paulo: Malheiros, 2007, p. 191).
Trata-se, como se vê, de direito de natureza complexa emultifacetada, haja vista demandar a edição de normas de organização eprocedimento que têm o escopo de viabilizar a sua fruição, porintermédio, inclusive, da definição de órgãos e entidades competentespara a sua gestão e da imposição de deveres, obrigações e prerrogativasnão apenas aos particulares, mastambém ao Poder Público. Cuida-se deverdadeira garantia de caráter institucional, dotada de âmbito deproteção marcadamente normativo (PIEROTH/SCHLINK, Grundrechte:Staatsrecht II. Heidelberg: C.F. Müller, 1995, p. 53).
Nesse sentido, cumpre registrar que, mesmo anteriormente àConstituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal já havia afastado a tesedo suposto caráter tributário ou previdenciário das contribuições devidasao Fundo, salientando ser o FGTS um direito de índole social etrabalhista.”
Refere-se, aqui, o ministro ao RE 100.249-2 (DJ1.7.1988).
E, prosseguiu:
“No tocante à prescrição, entretanto, o Supremo Tribunal Federaladotou a tese sustentada à época pelo Tribunal Superior do Trabalho, nosentido de que o prazo seria trintenário, em virtude do disposto no art. 20da Lei 5.107/1966 c/c art. 144 da Lei 3.807/1960.”
Ainda sob a nova ordem constitucional, a suprema corte, em ambas as turmas, continuou a decidir pela prescrição trintenária.
Mas, o relator ressalvou que:
“..a jurisprudência desta Corte não se apresentava concorde com aordem constitucional vigente quando entendia ser o prazo prescricionaltrintenário aplicável aos casos de recolhimento e de não recolhimento doFGTS.
Isso porque o art. 7º, XXIX, da Constituição de 1988 contémdeterminação expressa acerca do prazo prescricional aplicável àpropositura das ações atinentes a “créditos resultantes das relações detrabalho”.
Eis o teor do referido dispositivo constitucional:
“Art. 7º (...)XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes das relaçõesde trabalho, com prazo prescricional de cincos anos para ostrabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos apósa extinção do contrato de trabalho. (redação determinada pelaEmenda Constitucional 28/2000).”
Desse modo, tendo em vista a existência de disposição constitucionalexpressa acerca do prazo aplicável à cobrança do FGTS, após apromulgação da Carta de 1988, não mais subsistem as razõesanteriormente invocadas para a adoção do prazo de prescriçãotrintenário.
Nesse sentido o magistério de Sérgio Pinto Martins:
“Com a Constituição de 1988, o FGTS passou a ser umdireito do trabalhador (art. 7º, III, da Constituição). O prazo deprescrição para sua cobrança também deve observar os prazos
normais do inciso XXIX do art. 7º da Constituição. Dessa forma,não poderia o parágrafo 5º do art. 23 da Lei 8.036 tratardiversamente da Constituição e especificar o prazo deprescrição de trinta anos. Se a lei maior regula exaustivamente amatéria de prescrição no inciso XXIX do artigo 7º, não poderia alei ordinária tratar o tema de forma diferente” (MARTINS,Sérgio Pinto. Prescrição do FGTS para o empregado. In:Repertório IOB de Jurisprudência. Trabalhista e Previdenciário.13/99).””
Ressaltou o ministro:
“Ademais, o princípio da proteção do trabalhador não pode serinterpretado e aplicado de forma isolada, sem a devida atenção aosdemais princípios que informam a ordem constitucional. De fato, aprevisão de prazo tão dilatado para o ajuizamento de reclamação contra onão recolhimento do FGTS, além de se revelar em descompasso com aliteralidade do Texto Constitucional, atenta contra a necessidade decerteza e estabilidade nas relações jurídicas, princípio basilar de nossaConstituição e razão de ser do próprio Direito.”
Aduziu que a lei protege sob outras formas o trabalhador, mencionado como um exemplo a faculdade, não apenas ao próprio trabalhador, mas também ao sindicato aque estiver vinculado, de exigir judicialmente o depósito dos valoresrelativos ao FGTS.
Com efeito, diante do reconhecimento da posição dos tribunais por anos e anos no sentido de outorgar o prazo prescricional de 30 anos no caso, o relator houve por bem modular os efeitos da decisão. Fundamentou:
“Com essas considerações, diante da mudança que se opera, nestemomento, em antiga jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e combase em razões de segurança jurídica, entendo que os efeitos destadecisão devam ser modulados no tempo, a fim de que se concedamapenas efeitos prospectivos à decisão e à mudança de orientação que orase propõe.”
E concluiu o raciocínio:
“A modulação que se propõe consiste em atribuir à presente decisãoefeitos ex nunc (prospectivos). Dessa forma, para aqueles cujo termoinicial da prescrição ocorra após a data do presente julgamento, aplica-se,desde logo, o prazo de cinco anos. Por outro lado, para os casos em que oprazo prescricional já esteja em curso, aplica-se o que ocorrer primeiro: 30anos, contados do termo inicial, ou 5 anos, a partir desta decisão.”
Diante, portanto, desse precedente que inaugura novo entendimento jurisprudencial, deve-se considerar afastada a legislação pertinente ao FGTS que contraria a Constituição Federal, e está calcificado o prazo prescricional de cinco anos, e não mais de trinta, para cobrança de valores não depositados, depositados a menor ou de forma irregular para o FTGS, devendo observar-se, para aplicação aos casos em curso, a modulação dos efeitos da decisão.
Lei nº 5.107/66
Lei nº 8.036/90
Decreto nº 99.684/90
Súmula362 do TST
Súmula 210 do STJ
CF/88
ARE 709212 (http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ARE709212voto.pdf)
Jornal do Advogado – OAB/SP – Ano XL, nº400 – Novembro de 2014
Procuradora Federal desde 10/2006.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FUZETTI, Bianca Liz de Oliveira. Novo prazo prescricional do FGTS Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42409/novo-prazo-prescricional-do-fgts. Acesso em: 22 nov 2024.
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