Para Arnaud e Dulce (2000), citados pelo professor José Geraldo de Souza Junior, a renovação do estudo da sociologia jurídica surge em meio à necessidade de “compreensão tanto da complexidade crescente dos sistemas jurídicos quanto de sua dinâmica social”. É o que eles denominam de “sociologia jurídica renovada”.
Esta alteração na dinâmica das relações mundiais, decorrente do processo de globalização da economia, dos processos de produção e, consequentemente, da força de trabalho, está cada vez mais a exigir adequação dos sistemas jurídicos vigentes, na medida em que ultrapassa os limites da soberania do Estado.
Para o Prof. José Geraldo, a existência de mais de um centro produtor de normas leva à ampliação do conceito de regulação jurídica para incluir possibilidades paralelas aos direitos estatais (organizações internacionais de resolução de conflitos: OMC, OIT, etc).
Isto se dá na medida em que o Estado ultrapassa os seus limites territoriais para se fazer presente dentro de outro. Conseqüência da globalização, verifica-se uma maior interação entre os fatores de produção, na medida em que há compartilhamento de suas tecnologias, com o surgimento de empresas multinacionais, com reflexos de toda ordem, sobretudo nas relações sociais.
Se por um lado, a globalização permitiu um incremento para o fator capital, na medida em que proporcionou a ampliação do mercado de consumo e, consequentemente, na geração de riquezas, para o fator trabalho esta dinâmica mundial teve reflexo inverso, com o aumento do desemprego, como conseqüência do aumento da produtividade gerada pelas empresas multinacionais. Além disso, implicaram em flexibilização das normas trabalhistas, para que pudessem ser adequadas aos sistemas jurídicos dos Estados onde fosse instalada a multinacional.
Para o Professor José Geraldo, essa flexibilização do fator trabalho, retirando sua condição de centralidade no contexto social, constitui um dos efeitos mais dramáticos da globalização.
Importante neste contexto a passagem do mestre Boaventura de Sousa Santos, citada no texto, quando diz que “o trabalho deixa cada vez mais de sustentar a cidadania e, vice-versa, esta deixa cada vez mais de sustentar o trabalho que perde o seu estatuto político de produto e produtor da cidadania e dos direitos reduzindo-se à penosidade da existência, quer quando existe, quer quando falta.”
O trabalho representa importante instrumento de harmonização social. Na medida em que o processo de globalização atinge diretamente as relações trabalhistas, implicando em modificações negativas no seio de uma camada menos influente da sociedade, surge um “fenômeno de redescoberta da sociedade feita na experiência de movimentos sociais e de relações comunitárias”(pág. 15). Nas palavras de Joaquim Herrera Flores, os direitos são o resultado de lutas sociais pela dignidade.
Resulta no âmago deste processo o que Boaventura de Sousa designa de “renovação da teoria democrática”, estando esta a exigir da sociedade uma participação política de valoração do voto, de forma a tornar legítima a sua representação democrática, até então tida apenas como de sujeição passiva a legitimar e reproduzir o sistema ideológico, político e econômico dominante.
A concepção de O direito achado na rua, cujo principal idealizador foi o professor Roberto Lyra Filho, insere-se nesta conjuntura de luta social e de cínica teórica voltada para a formulação de uma concepção jurídica de transformação social (Prof. José Geraldo). Pretende uma mudança de paradigma na forma de ver o direito, a partir da construção de um direito naturalmente comprometido com a análise da estrutura social. Direito este que nasce nas ruas, do clamor dos menos favorecidos pelas políticas de Estado, os quais são submetidos às “leis que ainda por aí representam a chancela da iniqüidade, a pretexto de consagração do direito”.
O principal norte deste processo de renovação sócio-jurídica é a busca da aproximação entre direito e justiça. Antônio Carlos Wolkmer, citado pelo Professor José Geraldo, in “O direito achado na rua”, resume de forma bastante didática essa busca: “fundamentar a proposta de um direito novo, que, em contexto alternativo, possa se prestar ao projeto de ampliação da capacidade popular de auto-exercitar a sua participação como agente determinante, ativo e soberano no encaminhamento de seus interesses e na direção de seu próprio destino”.
Com isso a sociedade civil organizada se apresenta com uma forma nova de resolução de conflitos paralela à atuação do Estado. Surge ela principalmente naqueles locais onde a atuação estatal não é capaz de atender aos anseios da população. Esta situação dá espaço à atuação de um poder paralelo, que é quem dita as regras locais a serem observadas.
É neste contexto que há espaço para novas direções de estudos e pesquisas sócio-jurídicas, surgindo o Estado como agente regulador, com participação da sociedade civil, tendo esta função importante de agente capaz de introduzir modificações na estrutura jurídico-organizacional do Estado.
Resume bem esta idéia o significado da expressão “refluxo jurídico”, dada pelo Professor José Geraldo: “deslocação da produção normativa do centro para a periferia, da lei para o contrato, do Estado para a sociedade.”
Bibliografia
Sousa Junior, José Geraldo de. Sociologia Jurídica: condições sociais e possibilidades teóricas. 2008. Disponível em <http://moodle.cead.unb.br/agu/file.php/4/biblioteca/Modulo_Principal_Sociologia_Juridica.pdf>. Acesso em 01 de agosto de 2008.
Sousa Junior, José Geraldo de. O Acesso ao Direito e à Justiça, os Direitos Humanos e o Pluralismo Jurídico. 2008. Disponível em <http://opj.ces.uc.pt/portugues/novidds/comunica/JoseGeraldoJunior1.pdf> Acesso em 01 de agosto de 2008.
Sousa Junior, José Geraldo de. Tese de doutorado. Direito como Liberdade: O Direito Achado na Rua. Experiências Populares Emancipatórias de Criação do Direito. 2008 Disponível em < http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_arquivos/44/TDE-2008-07-21T164948Z-2904/Publico/2008_JoseGeraldoSJunior.pdf>. Acesso em 01 de agosto de 2008.
Sousa Junior, José Geraldo de. Na Rua a construção da cultura de cidadania. 2006. Disponível em http://moodle.cead.unb.br/agu/file.php/4/biblioteca/Na_rua_a_construcao_da_cultura_de_cidadan.pdf. Acesso em
12 de agosto de 2008.
Sousa Junior, José Geraldo de. O Direito como liberdade e consciência. 2006. Disponível em http://moodle.cead.unb.br/agu/file.php/4/biblioteca/O_direito_como_liberdade_e_consciencia.pdf. Acesso em 12 de agosto de 2008.
Aguiar, Roberto A. R. de. O Direito Achado na Rua: um olhar pelo outro lado. 2008. Disponível em http://moodle.cead.unb.br/agu/file.php/4/biblioteca/O_Direito_achado_na_rua.pdf. Acesso em 12 de agosto de 2008.
Sousa Junior, José Geraldo de. Por uma concepção alargada de Acesso à Justiça. 2008. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_90/Resumo_JoseGeraldo_Rev90.htm. Acesso em 11 de agosto de 2008.
Precisa estar logado para fazer comentários.