INTRODUÇÃO
A fixação dos limites de vigência dos contratos administrativos é fundamental para não comprometer as condições originais da avença. Atento a isso, o legislador estabeleceu que a duração dos contratos administrativos regidos pela Lei nº 8.666/93 ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários (art. 57, caput).
Contudo, o próprio dispositivo apresenta algumas exceções, cuja excepcionalidade decorre da necessidade de prorrogação para continuidade no novo exercício, conferindo tratamento diferenciado à forma de prorrogação de acordo com o tipo de contrato.
Como se depreende, a Lei nº 8.666/93 trata de forma distinta cada um dos tipos de contrato. Enquanto que nos denominados serviços contínuos o prazo é fixado tendo em vista as necessidades públicas permanentes (art. 57, II), no contrato de escopo ou contrato por objeto a fixação da vigência decorre do prazo necessário para execução do objeto a ser entregue à Administração (art. 57, § 1º).
O presente artigo se discorrerá acerca da vigência dos contratos de escopo e dos efeitos decorrentes em caso de extinção do prazo sem conclusão do objeto.
A QUESTÃO DA VIGÊNCIA NOS CONTRATOS DE ESCOPO
Nos dizeres de Marçal Justen Filho, os contratos de escopo ou de execução instantânea “impõem a parte o dever de realizar uma conduta específica e definida. Uma vez cumprida a prestação, o contrato se exaure e nada mais pode ser exigido do contratante (excluídas as hipóteses de vícios redibitórios, evicção etc.)”[1].
“Já os contratos de execução continuada impõem a parte o dever de realizar uma conduta que renova ou se mantém no decurso do tempo. Não há uma conduta específica e definida cuja execução libere o devedor.”[2]
A distinção entre as duas espécies de contrato acarreta resultados diversos na questão da fixação do prazo de vigência e sua prorrogação, de forma que a prorrogação de que trata o § 1º do art. 57 da Lei nº 8.666/93 em nada se confunde com a prorrogação dos contratos de serviços contínuos referidos no inciso II do art. 57.
Em vista dessa diferenciação, parte significante da doutrina defende que os contratos de escopo se extinguem pela conclusão do seu objeto e não pelo mero esgotamento do prazo, subsistindo enquanto não concluído o objeto. Segundo Ronny Charles, nesses casos “o prazo de execução previsto no instrumento contratual é apenas moratório, não representando a extinção do pacto negocial, mas tão somente o prazo estipulado para sua execução.”[3]
Ou seja, ainda que expirado o prazo de vigência previsto no contrato, o contrato subsistiria enquanto não concluído seu objeto, operando o prazo como limite de tempo para entrega da obra ou do serviço sem sanções contratuais.
Helly Lopes Meirelles, por sua vez, defende que “nestes contratos o prazo é apenas limitativo do cronograma físico, e será prorrogado (com ou sem mora das partes) tantas vezes quantas sejam necessárias para a conclusão da obra independentemente de previsão contratual”[4].
O Núcleo de Assessoramento de Belo Horizonte/MG procurou solucionar tal controvérsia, na Nota nº AGU/CGU/NAJ/MG-0371/2010-PPM, a partir da distinção entre o prazo de vigência do prazo de execução:
“a) não é adequado fixar no instrumento de um contrato de escopo um prazo de vigência expresso em data, mas apenas um prazo de execução, sendo que, encerrado este, restará caracterizada a mora do contratado, salvo nas hipóteses de prorrogação do prazo de execução consagradas no § 1º, art. 57, da Lei nº 8.666/93/
b) caso o instrumento de algum contrato de escopo faça a previsão equivocada de uma data final de vigência, o advento deste prazo não extingue o ajuste, vez que a eficácia contratual está vinculada ao cumprimento da prestação acordada. Destaca-se que não é cabível a assinatura de eventual termo aditivo para prorrogar o prazo de vigência, pois não há que se falar em prorrogação: na realidade o termo final da vigência (cumprimento do objeto contratual) ainda não foi atingido;
c) em geral o contrato de escopo possui vigência natural até o cumprimento integral das obrigações pelas partes, ou seja, até a entrega do objeto contratado, recebimento do mesmo pela Administração e pagamento.”
Contudo, como bem destaca Ronny Charles[5], a despeito do correto raciocínio construído a partir da Nota transcrita acima, o entendimento do TCU ainda é no sentido de se exigir a formalização de termo aditivo para prorrogação dos prazos de vigência, mesmo em se tratando de contratos de escopo:
“ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão da 2ª Câmara, ante as razões expostas pelo Relator, em:
(...)
9.8.3. não celebre termo aditivo a contrato cujo prazo de vigência tenha expirado, por ausência de previsão legal, observando-se o disposto no art. 65 da Lei nº 8.666/93.” (TCU, Acórdão nº 3863/2011 - Segunda câmara, Rel. Min. José Jorge).
“ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, em:
(...)
9.3.2. não efetue pagamentos sem cobertura contratual, por caracterizar contrato verbal, expressamente vedado pelo art. 60, parágrafo único, da Lei n. 8.666/1993;” (TCU, Acórdão nº 738/2006 – Plenário, Rel. Min. Marcos Bemquerer)
“ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, diante das razões expostas pelo Relator, em:
(...)
9.3.14 celebrar o correspondente termo aditivo previamente à expiração do prazo contratual, de modo a evitar a execução de serviços sem cobertura contratual, nos termos do art. 60, da Lei nº 8.666/93;” (TCU, Acórdão nº 740/2004 - Plenário, Rel. Min. Ubiratan Aguiar).
No mesmo sentido, é a Orientação Normativa AGU nº 3, com o seguinte verbete:
“Na análise dos processos relativos à prorrogação de prazo, cumpre aos órgãos jurídicos verificar se não há extrapolação do atual prazo de vigência, bem como eventual ocorrência de solução de continuidade nos aditivos precedentes, hipóteses que configuram a extinção do ajuste, impedindo a sua prorrogação”.
Portanto, o entendimento que ainda prevalece é no sentido de que o prazo de vigência constitui formalidade essencial, não importando se o contrato é de escopo ou de execução continuada, de forma que eventual continuidade da execução do contrato depois de expirado o prazo de vigência representa situação equivalente a de um contrato verbal, expressamente vedado pelo art. 60, da Lei nº 8.666/93.
O tema também foi objeto de debate pela Câmara Permanente de Licitações e Contratos da Procuradoria-Geral Federal, cujas conclusões estão no Parecer nº 13/2013/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU, cabendo fazer o seguinte destaque:
“Assim, o procedimento legal para uma situação em que o prazo de vigência se avizinhe sem conclusão do objeto é a prorrogação do contrato com base em um dos motivos previstos no art. 57, § 1º, da Lei nº 8.666/93. Se o prazo de vigência é atingido sem prorrogação tempestiva, impõe-se reconhecer a extinção do contrato administrativo, assim entendido o instrumento formal e escrito celebrado mediante prévia licitação. Não resta dúvida de que remanesça uma situação fática que em termos jurídicos poderia ser assim definida: em razão da expiração do prazo de vigência, sobejam obrigações com suporte, no máximo, em contrato verbal. Como o contrato verbal é considerado nulo pela Lei nº 8.666/93 (art. 60, parágrafo único, acima transcrito), não se pode admitir esteja respaldada na Lei essa situação de transmutação do contrato formal em verbal.”
Desse modo, muito embora no contrato de escopo o que se tem em vista é a obtenção do objeto concluído, ou seja, o prazo depende da conclusão do objeto, o entendimento do TCU, seguido pela Advocacia-Geral da União, ainda é no sentido de vedar a celebração de aditivo a contrato extinto, com vigência retroativa. Assim, expirado o prazo de vigência sem a conclusão do objeto, deve-se proceder à apuração do que não foi executado, realizando nova licitação para contratação da parte remanescente.
Ou seja, o mais prudente é a Administração fazer um correto planejamento, de forma a estabelecer prazos compatíveis com a execução do contrato e, havendo necessidade de prorrogação, tomar todas providências cabíveis para realizar a prorrogação dentro do prazo de vigência.
Por fim, na eventualidade da contratada concluir a obra ou o serviço depois de expirado o prazo de vigência, sem que tenha havido prorrogação do contrato, as despesas deverão ser objeto de reconhecimento de divida, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração Pública. Nesse caso, incide a ON/AGU nº 04/2009:
“A despesa sem cobertura contratual deverá ser objeto de reconhecimento da obrigação de indenizar nos termos do art. 59, parágrafo único, da Lei nº 8.666, de 1993, sem prejuízo da apuração da responsabilidade de quem lhe der causa.”
Mais uma vez, cumpre transcrever orientação contida no Parecer nº 13/2013/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU:
“Quando a Procuradoria deparar-se com essa situação, por mais que se tenha revelado eventualmente a mais adequada à preservação da finalidade do contrato (o recebimento do objeto), deverá recomendar a apuração de responsabilidade de quem continuou a executar contrato de que tinha ciência não mais ser vigente. Essa apuração de responsabilidade, vale lembrar, não implica necessária aplicação de penalidade, devendo ser consideradas as circunstâncias do caso concreto para avaliar a punibilidade ou não da conduta.”
CONCLUSÃO
Diante da análise aqui realizada, conclui-se que o entendimento que ainda prevalece no âmbito do Tribunal de Contas da União, seguido pela Advocacia-Geral da União, é no sentido de vedar a celebração de aditivo a contrato extinto, com vigência retroativa, de forma que eventual continuidade da execução do contrato depois de expirado o prazo de vigência, mesmo nos contratos de escopo, representa situação equivalente a de um contrato verbal, expressamente vedado pelo art. 60, da Lei nº 8.666/93.
Portanto, cabe à Administração fazer um correto planejamento da obra ou serviço que pretende realizar, estabelecendo prazos compatíveis com a execução do contrato e, no caso de necessidade de prorrogação, tomar todas providências cabíveis para realizar a prorrogação dentro do prazo de vigência.
Finalmente, as despesas decorrentes da conclusão da obra ou do serviço depois de expirado o prazo de vigência, sem que tenha havido prorrogação do contrato, deverão ser objeto de reconhecimento de divida, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração Pública, nos termos da ON/AGU nº 04/2009.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO. Parecer nº 13/2013/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU. Disponível em <http://www.agu.gov.br>. Acesso em 10/12/2014.
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 3863/2011 – Segunda Câmara. Data: 16.02.2011. Disponível em <http://www.tcu.gov.br>. Acesso em 12.12.2014.
_______. ______________. Acórdão nº 738/2006 – Plenário. Data: 17.05.2006. Disponível em <http://www.tcu.gov.br>. Acesso em 12.12.2014.
________. ________. Acórdão nº 740/2004 – Plenário. Data: 16.06.2004. Disponível em <http://www.tcu.gov.br>. Acesso em 12.12.2014.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª edição. São Paulo: Dialética, 2009.
MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. 10ª edição. São Paulo: RT, 1991.
TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 5ª edição. Salvador: JusPODIVM, 2013.
Notas:
[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª edição. São Paulo: Dialética, 2009, p. 695.
[2] Op cit, idem.
[3] TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 5ª edição. Salvador: JusPODIVM, 2013, p. 504.
[4] MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. 10ª edição. São Paulo: RT, 1991, p. 230.
[5] TORRES, Ronny Charles Lopes de. Op cit, p. 507.
Procuradora Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Flavia de Andrade Soares. A vigência dos contratos de escopo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42491/a-vigencia-dos-contratos-de-escopo. Acesso em: 22 nov 2024.
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