RESUMO: A doutrina aponta a existência de três sistemas processuais penais: acusatório, inquisitivo ou misto. Expõe-se uma breve abordagem doutrinária sobre qual seria desses seria o sistema processual penal adotado no Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: sistemas, acusatório, inquisitivo, misto, processo.
1.INTRODUÇÃO
O Presente artigo aborda as características dos sistemas processuais penais, de acordo com a classificação apontada pela Doutrina. Inicia-se com o conceito de sistemas. Na sequência, são tratados os aspectos de cada um dos três sistemas processuais penais – o acusatório, o inquisitivo e o misto, explicitando-se o sistema adotado no Brasil.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS
Os Sistemas Processuais Penais são métodos de pacificação social pelos quais diversas comunidades, em diferentes lugares e momentos da história, resolviam seus problemas penais.
As regras e garantias processuais penais alteram de acordo com o tipo de processo penal adotado. Como o Direito é dinâmico, tem se que cada Estado opta por um sistema processual penal influenciado pela época, transformações sociais e principalmente políticas que ali se passaram.
Nos dizeres de Ernst Beling[1]: “É natural que nas épocas em que o Estado viu-se seriamente ameaçado pela criminalidade o Direito penal tenha estabelecido penas severas e o processo tivesse que ser também inflexível.”
Nesse mesmo sentido, são as palavras de Aury Lopes Jr.[2]:
Os sistemas Processuais inquisitivos e acusatório são reflexo da resposta do processo penal frente às exigências do Direito Penal e do Estado da época. Atualmente, o Law and order é mais uma ilusão de reduzir a ameaça da criminalidade endurecendo o Direito Penal e o processo.
Nessa linha de raciocínio, constata-se que predomina o sistema acusatório nos países que respeitam mais a liberdade individual e que possuem uma sólida base democrática. Em contrapartida, o sistema inquisitório aparece historicamente em países de maior repressão, caracterizados pelo autoritarismo ou totalitarismo, reduzindo as garantias individuais em face da hegemonia estatal.[3]
Doutrinariamente, três são as espécies de sistemas processuais detectados: Sistema Inquisitório, Sistema Acusatório e Sistema Misto.
2.2. SISTEMA INQUISITÓRIO
Para Leonardo Augusto Marinho, o sistema inquisitório fundamenta-se na ideologia da defesa social e instrumentaliza-se na gestão centralizada de poder. Monopolizando toda informação importante, e priorizando o poder concentrado e sem controle, voltado para o direito material.[4]
Segundo Denilson Feitoza: “O sistema Inquisitivo correspondia à concepção de um poder central absoluto, com a centralização de todos os aspectos do poder soberano (legislação, administração e jurisdição) em uma única pessoa.”[5]
Paulo Rangel[6] ensina: “No sistema Inquisitivo, não há separação de funções, pois o juiz inicia a ação, defende o réu e, ao mesmo tempo, julga-o.”
O modelo inquisitório, nos dizeres de Gustavo Badaró: “é caracterizado por uma conotação negativa, de uma técnica de investigação que visa principalmente a valores de defesa social.” [7]
Segundo Aury Lopes Jr, até o século XII, na Europa, predominava o sistema acusatório, não existindo processo sem acusador legítimo. Com os crescentes números de delitos ao longo dos séculos XII até o XIV, o modelo acusatório, em que a acusação estava nas mãos de particulares, foi se tornando insuficiente para combater a delinquência, devendo a função de acusar, passar para o Estado.[8]
Os poderes dos Magistrados foram posteriormente violando cada vez mais a esfera de atribuições pertencentes ao acusador privado, até ao extremo de reunir no mesmo órgão do Estado as funções de acusar e julgar. Esse Sistema foi adotado a priori pela Igreja e após, adotado por todos os legisladores da época[9].
Segundo José Laurindo Netto, o processo inquisitório passou a subjugar quase toda a Europa, a partir do Concílio de Latrão, de 1215. Originou-se, no ventre da Igreja Católica, com propósito de evitar injustiças, porém as autoridades visualizaram naquele tipo de processo, uma arma poderosa e, por isso, espalhou-se entre os Tribunais, transformando em instrumento de opressão.[10]
O modelo inquisitório é marcado por um autoritarismo por parte do Estado que assume o papel de acusar, julgar e defender, sendo que o juiz passa a ser um inquisidor. Como bem demonstra Aury Lopes Jr.[11]:
O sistema inquisitório muda a fisionomia do processo de forma radical. O que era um duelo leal e franco entre acusador e acusado, com igualdade de poderes e oportunidades, se transforma em uma disputa desigual entre o juiz inquisidor e o acusado. O primeiro abandona sua posição de árbitro imparcial e assume a atividade de inquisidor, atuando desde o início também como acusador. Confundem-se as atividades do juiz e acusador, e o acusado perde a condição de sujeito processual e se converte mero objeto da investigação.
Para Denilson Feitoza[12], as características principais do Sistema Inquisitivo são:
A reunião dos poderes de acusar e julgar nas mãos do órgão jurisdicional, para não depender da vontade de um particular; a redução do acusado a mero objeto das investigações, deixando de ser sujeito de direitos; o estabelecimento da averiguação da verdade como objetivo principal do procedimento penal, para cuja obtenção de admitiam quaisquer meios, inclusive a tortura.
O sistema inquisitório, nos dizeres de Fernando Capez[13]é:
Sigiloso, sempre escrito, não é contraditório e reúne na mesma pessoa as funções de acusar, defender e julgar. O réu é visto nesse sistema como mero objeto da persecução, motivo pelo qual práticas como a tortura eram freqüentemente admitidas como meio para se obter a prova-mãe: a confissão.
Nesse tipo de processo não havia contraditório, ou seja, não era possível o acusado contradizer a acusação, não existindo nesse modelo uma estrutura dialética, pois, aqui não há relação jurídica já que a investigação cabia unilateralmente ao juiz inquisidor.
Assim, o magistrado acaba atuando como parte, investigador, acusador e julgador, sendo que tal procedimento era escrito e sigiloso. O juiz tinha total liberdade de colher provas, independentemente de requerimento do acusado. O acusado, em regra permanecia preso durante o processo[14].
Em linhas estreitas, como bem ressalta José Laurindo de Souza Netto[15]:
O processo tipo inquisitório puro é a antítese do acusatório. Nele, não há o contraditório, e por isso mesmo, inexistem as regras de igualdade e liberdade processual. As funções de acusar, defender e julgar encontram-se enfeixadas em uma só pessoa: o juiz. É ele quem inicia, de ofício, o processo, quem recolhe as provas e quem, ao final, profere a decisão, podendo, no curso do processo submeter o acusado a torturas (na origem), a fim de obter a rainha das provas: a confissão. O processo é secreto e escrito, nenhuma garantia se confere ao acusado.
Nessa esteira, e em busca da verdade real, normalmente o acusado era torturado para que se alcançasse a confissão, a prova máxima, regida pelo sistema de prova tarifada.
Assim, nos aspectos de produção probatória do tipo processual inquisidor, bem salienta Gustavo Henrique Badaró[16]:
No campo probatório, que se liga diretamente ao principio em análise, no sistema inquisitório, havia intervenção ex officio do juiz, que verdadeiramente se identificava com o acusador. O juiz inquisidor tinha liberdade de colher provas, independentemente de sua proposição pela acusação ou pelo acusado. O acusado normalmente, permanecia preso durante o processo. Na busca da verdade material, frequentemente, o acusado era torturado para que se alcançasse a confissão. Em suma, o sistema inquisitório baseia-se em um princípio de autoridade, segundo o qual a verdade é tanto melhor acertada, quanto maiores forem os poderes conferidos ao investigador. Quanto ao método probatório, há uma substituição da concepção argumentativa por uma concepção demonstrativa da prova, baseada nos moldes científicos experimentais.
Esclarece também, José Laurindo de Souza Netto[17]:
Especificamente com relação às provas, é importante ressaltar que elas eram tarifadas por lei (sistemas de prova legal), ou seja, cada prova possuía um valor probatório diverso, e a confissão era denominada a ‘rainha das provas’, suplantando qualquer outra, mesmo que obtida mediante tortura. Quanto as provas documentais e testemunhais, havia uma tarifação, que observava, principalmente, a condição da testemunha (sexo, parentesco com a vítima etc.). Havia até mesmo uma graduação para a comprovação de determinados fatos – por exemplo, um roubo se provava com número específico de testemunhas masculinas, ou, então, femininas, sendo que um homicídio tinha sua autoria comprovada por um número diverso.
No entender de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho[18], a República Brasileira, adota o sistema inquisitório, como bem salienta:
(...) O sistema processual penal brasileiro é, na essência, inquisitório, porque regido pelo princípio inquisitivo, já que a gestão da prova está, primordialmente, nas mãos do juiz, o que é imprescindível para a compreensão do Direito Processual Penal vigente no Brasil.
Segundo as palavras de Paulo Rangel O sistema inquisitivo, assim, não guarda compatibilidade com os direitos constitucionais que devem prevalecer em um Estado Democrático de Direito e, em vista disso, deve ser afastado das legislações contemporâneas que tem o escopo de assegurar ao cidadão as mínimas garantias em apreço à honra da pessoa humana.[19]
2.3. SISTEMA ACUSATÓRIO
O Sistema Acusatório é um dos tipos processuais penais que se destaca pela “(...) defesa dos direitos fundamentais do acusado contra a possibilidade de arbítrio do poder de punir (...)” [20].
Segundo Aury Lopes Jr., a origem do sistema acusatório volta-se ao Direito Grego, onde havia a participação direta do povo na atividade acusatória e como julgador. No Direito Romano, no último século da República, houve uma grande inovação no Direito Processual, pois a persecução e o exercício da ação penal eram encomendados a um órgão distinto do juiz, não pertencentes ao Estado, senão a um representante voluntário da coletividade. Mas nessa mesma época o sistema acusatório foi se mostrando insuficiente para as novas necessidades de repressão dos crimes. [21]
A insatisfação com o Sistema Acusatório da época foi causa para que os magistrados usurpassem aos poucos as atribuições dos acusadores, originando a junção, em um mesmo órgão do Estado, das funções de acusar e julgar. Porém, com a Revolução Francesa e suas novas ideologias e tendências de valorização do homem, houve um abandono gradual do modelo inquisitório e retornando aos poucos ao sistema garantista[22].
Esse modelo garantista destaca-se pela existência do actum trium personarum e tem como característica primordial às divisões das funções de acusar, julgar e defender atribuídas às pessoas distintas.[23]
Paulo Rangel[24] entende que:
O sistema acusatório, antítese do inquisitivo, tem nítida separação de funções, ou seja, o juiz é órgão imparcial da aplicação da lei, que somente se manifesta quando devidamente provocado; o autor é quem faz a acusação (imputação penal + pedido), assumindo, segundo nossa posição, todo o ônus da acusação, e o réu exerce todos os direitos inerentes à sua personalidade, devendo defender-se utilizando todos os meios e recursos inerentes à sua defesa. Assim no sistema acusatório, cria-se o actum trium personarum, ou seja, o ato de três personagens: juiz, autor e réu.
Segundo Gustavo Badaró[25] aponta que:
Eliminada a divisão de tarefas não há processo acusatório. Sem tal separação e inviabilizada a existência de uma verdadeira relação jurídica processual, não há que se falar em sujeitos de direito, sendo o acusado convertido em um objeto do processo. Na verdade, sem separação de funções e sem relação processual, não há sequer um verdadeiro processo.
Para Geraldo Prado, não há dúvidas de que os sujeitos que participam do processo e os atos por eles praticados, diferenciarão o modelo processual adotado. Destarte, a produção de provas e a acusação não dizem nada se não olharmos para o sujeito que realiza o ato.[26]
O modelo acusatório contemporâneo tem como características, as seguintes, ressalta Aury Lopes Jr [27]:
a) clara distinção entre as atividades de acusar e julgar;
b) iniciativa probatória deve ser das partes;
c) mantém-se o juiz como um terceiro imparcial, alheio a labor de
investigação e passivo no que se refere à coleta da prova, tanto de imputação como de descargo;
d) tratamento igualitário das partes (igualdade de oportunidades no processo);
e) procedimento é em regra oral (predominantemente);
f) plena publicidade de todo procedimento (ou de sua maior parte);
g) contraditório e possibilidade de resistência (defesa)
h) ausência de uma tarifa probatória, sustentando-se a sentença pelo livre convencimento motivado do órgão jurisdicional;
i) instituição, atendendo a critérios de segurança jurídica (e social) da coisa julgada
j) Possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição.
Denilson Feitoza[28] também aponta as características fundamentais do sistema acusatório, que residem:
a) na separação de pessoas e dos poderes dos que atuam no processo (o acusador, requerendo e perseguindo criminalmente; o juiz ou tribunal, julgando; e o acusado, podendo resistir e exercer o direito de defender-se); b) na exigência de que o órgão jurisdicional para decidir e os limites de sua decisão dependem da “ação processual” (requerimento) de um acusador e do conteúdo da sua ação (princípio do NE procedat iudex ex officio, ou nemo iudex sine actore); c) na possibilidade de resistência do acusado.
Considerando estas características, no tipo processual penal acusatório, autor e réu estão em pé de igualdade, estando acima deles, como órgão jurisdicional imparcial de aplicação da lei, o magistrado.
Em decorrência desse Sistema, é assegurado ao acusado a imparcialidade do juiz para decidir de acordo com as provas colhidas pelas partes. Evita-se assim, eventuais arbitrariedades do Estado que se pode manifestar na figura do juiz parcial pelo produto de seu trabalho investigativo, pois ao tratar o acusado como condenado desde o início da apuração do delito, estará assim, afastando-se dos princípios básicos de justiça no momento de sentenciar. [29]
Ressalta bem esse ponto de vista, Geraldo Prado[30]:
Quem procura sabe ao certo o que pretende encontrar e isso, em termos de processo penal condenatório, representa uma inclinação ou tendência perigosamente comprometedora da imparcialidade do julgador. Desconfiado da culpa do acusado, investe o juiz na direção da introdução de meios de provas que sequer foram considerados pelo órgão de acusação, ao qual nessas circunstâncias, acaba por substituir. Mas do que isso, aqui igualmente se verificará o mesmo tipo de comprometimento psicológico objeto das reservas quanto ao poder do próprio juiz iniciar o processo, na medida que o juiz se fundamentará, normalmente, nos elementos de prova que ele mesmo incorporou ao processo, por considerar importantes para o deslinde da questão. Isso acabará afastando o juiz da desejável posição de seguro distanciamento das partes e de seus interesses contrapostos, posição essa apta a permitir a melhor ponderação e conclusão.
Assim, no modelo acusatório, o juiz é o sujeito inerte, sendo a atividade de produzir e trazer-lhe as provas das partes.
Nessa ordem de idéias, o sistema acusatório visa a garantir uma estrutura dialética, não deixando o acusado em uma situação de passividade como mero expectador, papel esse que deve ser atribuído ao juiz. Deve sim, assegurar no processo penal a paridade de armas e isonomia das partes frente ao imparcial e inerte órgão de jurisdição.[31]
O modelo acusatório, conforme leciona Frederico Marques, é o sistema ideal:[32]
Os atos de colaboração, entre os interessados no litígio penal e o juiz, estão subordinados a uma forma procedimental em que não se ponha em risco a imparcialidade do órgão jurisdicional e na qual o jus puniendi do Estado e o direito de liberdade do réu sejam amplamente focalizados e debatidos. Nisto consiste o procedimento acusatório, único modus procedendi compatível com o verdadeiro processo penal.
O processo penal acusatório é a representação de um Estado liberal-democrático, e há como destaque o sistema de divisões de funções que, nas palavras de Gustavo Badaró, “tem a mesma finalidade que o princípio da separação dos poderes do Estado: impedir a concentração de poder, evitando que o seu uso se degenere em abuso”.[33]
O sistema acusatório não é algo comum a todos, cada país tem o seu. Incorpora-se os elementos essenciais, as regras peculiares e adapta de acordo com a necessidade de cada Estado.
Lembra Gustavo Badaró que entre os países da common Law, a regra básica do adversary system, modelo esse tipicamente anglo-saxão, ou melhor, sistema acusatório, é a participação ativa das partes, por outro lado, o magistrado tem o papel de um sujeito passivo, agindo neutramente entre as partes. Nessa disputa entre as partes, o juiz, inclusive na produção de provas, fica inerte, cabendo as partes toda iniciativa probatória.[34]
Ainda ressalta Denilson Feitoza[35] que o sistema Inglês é o mais parecido com o sistema acusatório de antigamente, “pois em regra, o juiz não produz provas de ofício, coloca-se imparcialmente de maneira eqüidistante das partes e sua decisão se fundamenta no que foi alegado e provado pelas partes, (...)”
No Brasil foi adotado, com a Constituição Federal de 1988, o sistema acusatório, ficando definidas as funções de acusar e julgar em órgãos distintos. São inúmeros os princípios e garantias previstos na Carta Maior ratificando tal sistema, entre eles há a ação penal pública promovida, privativamente, pelo Ministério Público (art. 129, I); A autoridade julgadora é a autoridade competente – juiz natural (art. 5º, LIII, 92 a 126); há publicidade dos atos processuais (art. 5º, LX).
Para Paulo Rangel[36], no processo penal brasileiro, vige o sistema acusatório, “pois a função de acusar foi entregue, privativamente, a um órgão distinto: o Ministério Público, e, em casos excepcionais, ao particular”
Nesse sentido, Júlio Fabrinni Mirabete sustenta que no Brasil o sistema vigente é o acusatório, tendo em vista que a Constituição Federal estabelece “o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art.5º, LV).[37]
Vale lembrar que para Tourinho Filho, no Direito processual penal brasileiro o modelo adotado é o acusatório, pois nele vigora essencialmente o contraditório, competindo o exercício do direito de acusar ao Ministério Público.
Para Fernando Capez[38], o sistema vigente no Direito Processual Penal Pátrio é o Acusatório e ainda ressalta:
O sistema acusatório pressupõe as seguintes garantias constitucionais: da tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV), do devido processo legal (art. 5º, LIV), da garantia do acesso à justiça (art. 5º,LXXIV), da garantia do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII), do tratamento paritário das partes (art. 5º, caput e I), da ampla defesa (art. 5º, LV, LVI e LXII), da publicidade dos atos processuais e motivação dos atos decisórios (art. 93, IX) e da presunção da inocência (art. 5º, LVII).
Nesse diapasão, Afrânio Silva Jardim[39], segundo suas lições revelam:
A nosso juízo, os princípios mais importantes para o processo penal moderno são o da imparcialidade do juiz e do contraditório. Pode-se mesmo dizer que os demais princípios nada mais são do que consectários lógicos destes dois princípios. Assim, o princípio da demanda ou iniciativa das partes, próprio do sistema acusatório, decorre da indispensável neutralidade do órgão julgador. Sem ela, toda a atividade jurisdicional restará viciada. Por este motivo, a tendência é retirar do Poder Judiciário qualquer função persecutória, devendo a atividade probatória do Juiz ficar restrita à instrução criminal, assim mesmo, supletivamente ao atuar das partes.
Na visão de Geraldo Prado[40], ratificando a posição adotada por Afrânio Jardim, ensina:
Se aceitarmos que a norma Constitucional que assegura ao Ministério Público a privatividade do exercício da ação penal pública, na forma da lei, a que garante a todos os acusados o devido processo legal, com ampla defesa e contraditório, além de lhes deferir, até o trânsito em julgado da sentença condenatória, a presunção de inocência, e a que, aderindo o julgamento por juiz competente e imparcial, pois que se excluem as jurisdições de exceção, com plenitude do que isso significa, são elementares do princípio acusatório, chegaremos à conclusão de que, embora não o diga expressamente, a Constituição da República adotou-o.
Assim, o sistema acusatório é o tipo processual penal reservado de direitos e garantias ao acusado, onde prevalece a dignidade da pessoa humana frente ao arbítrio do Estado. A Constituição Brasileira prevê garantias ao acusado a título de direitos fundamentais com o escopo de retirar todos os traços inquisitivos que poderia contaminar o processo.
2.4. SISTEMA MISTO
Segundo Aury Lopes Jr., as idéias filosóficas da Revolução Francesa de 1789 influenciaram no sistema processual penal da época, pois com o fracasso do modelo inquisitório e a gradual volta do acusatório, houve uma modificação substancial no tipo processual penal. Ocorre que o Estado não podia devolver a função da persecução criminal em mãos de particulares, então decidiu dividir o processo penal em fases e atribuir a tarefa de acusar e julgar a órgão e pessoas distintas, nascendo daí o Ministério Público. Assim, a acusação continua com o monopólio estatal, no entanto, realizada por um terceiro distinto do magistrado.[41]
No sistema misto, ocorre que na fase instrutória ou preparatória, também chamada de fase pré-processual, mantiveram fortes resquícios do modelo inquisitório, em contrapartida, na fase processual propriamente dita, ganhou traços característicos do tipo acusatório.
Nas palavras de Fernando Capez[42], o Sistema misto caracteriza por ter “uma fase inicial inquisitiva, na qual se procede a uma investigação preliminar e a uma instrução preparatória, e uma fase final, em que se procede ao julgamento com todas as garantias do processo acusatório”.
Em linhas gerais, nas lições de Noberto Avena[43]:
Abrange duas fases processuais distintas: uma inquisitiva, destituída de contraditório, publicidade e defesa, na qual é realizada uma investigação preliminar e uma instrução preparatória; outra posterior a essa, correspondente ao momento em que se realizará o julgamento, assegurando-se ao acusado, nesta segunda fase, todas as garantias do processo acusatório.
Normalmente, alguns doutrinadores têm por classificar os sistemas processuais penais da atualidade de Sistema Misto, pois consideram que os sistemas puros são modelos históricos, não guardando relação com os contemporâneos.[44]
Para Guilherme Nucci[45], o sistema adotado no Brasil é o Misto que também é denominado por inquisitivo-acusatório, inquisitivo garantista ou acusatório mitigados:
Os princípios norteadores do sistema, advindos da Constituição Federal, possuem inspiração acusatória (ampla defesa, contraditório, publicidade, separação entre acusação e julgador, imparcialidade do juiz, presunção de inocência etc.). Porém, é patente que o corpo legislativo processual penal, estruturado pelo Código de Processo Penal e leis especiais, utilizado no dia-a-dia forense, instruindo feitos e produzindo soluções às causas, possui institutos advindos tanto do sistema acusatório quando do sistema inquisitivo. Não há qualquer pureza na mescla dessas regras, emergindo daí o sistema misto.
Para os doutrinadores que acreditam ser o modelo misto o adotado pelo Direito Processual penal brasileiro, tem embasamento pelos fatos de que, em regra, a apuração de um crime, inicia-se na polícia, instaurando-se o devido inquérito policial, de natureza inquisitória.
Guilherme de Souza Nucci[46], explica na prática como se procede no sistema misto:
Nesse procedimento administrativo, colhem-se provas a serem utilizadas, posteriormente, no contraditório judicial, com força probatória definitiva (laudos, medidas cautelares etc.). Durante o referido procedimento, há a atuação de um magistrado, não raras vezes o mesmo que irá receber futura denúncia ou queixa e julgará o réu. Esse juiz, fiscalizador do inquérito, pode decretar uma prisão preventiva ou uma busca e apreensão. Posteriormente, recebe a peça acusatória, instrui o feito e, de maneira imparcial, julga a causa. Esta é a realidade contra a qual doutrina alguma pode opor-se. Este é o sistema existente, que é misto. Há laços inquisitivos e toques acusatórios.
Para Paulo Rangel, apesar de posicionar-se no sentido de que o Brasil adota o sistema acusatório, lembra que tal sistema em sua essência não é puro, pois argumenta que “o inquérito policial regido pelo sigilo, pela inquisitoriedade, tratando o indiciado como objeto de investigação, integra os autos do processo, (...)”.[47]
Assim, o sistema misto, conhecido por muitos como sistemas francês, propôs uma solução intermediária entre os sistemas inquisitivo e acusatório, por meio da união da eficiência inquisitória na investigação dos delitos e o tipo processual acusatório, sendo o mais adequado na defesa dos direitos humanos. Esse modelo tem como característica primária a existência de duas fases: primeiramente a inquisitória, em que vigora as práticas admissíveis no modelo inquisitivo, respeitando a dignidade da pessoa investigada – tais como procedimento sigiloso, escrito, sem contraditório e a ampla defesa. Na segunda etapa de processo propriamente dito, predominam todas as regras do modelo acusatório as quais se destacam a clara separação das funções de acusar, julgar e defender, as garantias da ampla defesa o contraditório, etc.
3.CONCLUSÃO
Analisado o tema acima, à luz da doutrina pátria, conclui-se que o sistema adotado no Brasil é o acusatório.
Isso porque, em suma, a funções de acusar e julgar pertencem a órgãos distintos. Além disso, no Brasil, nota-se que vigora um sistema lastreado pelos princípios constitucionais vigentes, como o contraditório, a ampla defesa, a publicidade e a imparcialidade do juiz.
4.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 14ª Ed. Rio de Janeiro. Lúmen Juris, 2008.
[1] BELING, Ernst. Derecho Procesal Penal. P. 21, 1943 apud .LOPES, Aury Jr. Direito Processual Penal e sua conformidade Constitucional. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, P. 55.
[2] LOPES, Aury Jr. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 55.
[3] LOPES, Aury Jr. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 56.
[4] MARQUES, Leonardo Augusto Maurinho. A exclusividade da função acusatória e a limitação da atividade do juiz. Revista de informação Legislativa. Brasília, ano 46, nº 183, Ed. especial, São Paulo: julho/setembro – 2009, p.147.
[5] FEITOZA, DenIlson. Reforma Processual Penal. Niterói, Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p. 33.
[6] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008, p. 46.
[7] BADARÓ, Gustavo Henrique R. Ivahy. Ônus da Prova no Processo Penal. São Paulo: RT, 2003, p. 108.
[8] LOPES, Aury Jr. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, P. 60.
[9] LOPES, Aury Jr. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª Ed. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2008. P. 60-61.
[10] NETTO, José Laurindo de Souza. Processo Penal: Sistemas e Princípios. Curitiba: Juruá, 2003, p. 25.
[11] LOPES, Aury Jr. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, P. 61.
[12] FEITOZA, Denilson. Reforma Processual Penal. Niterói, Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p. 33.
[13] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 15ª Ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 46.
[14] LOPES, Aury Jr. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, P. 61.
[15] NETTO, José Laurindo de Souza. Processo Penal: Sistemas e Princípios. Curitiba: Juruá, 2003, p. 25.
[16] BADARÓ, Gustavo Henrique R. Ivahy. Ônus da Prova no Processo Penal. São Paulo: RT, 2003, p. 105.
[17] NETTO, José Laurindo de Souza. Processo Penal: Sistemas e Princípios. Curitiba: Juruá, 2003, p. 30.
[18] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. Direito alternativo. In Seminário Nacional Sobre o Uso Alternativo do Direito. Rio de Janeiro: ADV, p. 33-45. 1994. Apud NETTO, José Laurindo de Souza. Processo Penal: Sistemas e Princípios. Curitiba: Juruá 2003, p. 25.
[19] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008, p, 47.
[20] PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: A conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006, P. 104.
[21] LOPES, Aury Jr. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. P. 56-57.
[22] LOPES, Aury Jr. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, P. 58.
[23] BADARÓ, Gustavo Henrique R. Ivahy. Ônus da Prova no Processo Penal. São Paulo: RT, 2003, p. 102-103.
[24] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 14ª Ed. Rio de Janeiro. Lúmen Juris, 2008, p. 48.
[25] BADARÓ, Gustavo Henrique R. Ivahy. Ônus da Prova no Processo Penal. São Paulo: RT, 2003, p. 109.
[26] PRADO, Geraldo. Sistema acusatório. A conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006 P. 104.
[27] LOPES, Aury Jr. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 58.
[28] FEITOZA, Denilson. Reforma Processual Penal. Niterói, Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p.31.
[29] LOPES, Aury Jr. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 59.
[30] PRADO, Geraldo. Sistema acusatório. A conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. P. 137.
[31] LOPES, Aury Jr. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 59.
[32] MARQUES, José Frederico. A investigação Policial, p. 70-71, 2001 Apud AMBOS, Kai e POLASTRI, Marcellus Lima. O Processo Acusatório e a Vedação Probatória Perante as realidades alemã e brasileira. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2009, p. 49.
[33] BADARÓ, Gustavo Henrique R. Ivahy. Ônus da Prova no Processo Penal. São Paulo: RT, 2003, p. 107.
[34] BADARÓ, Gustavo Henrique R. Ivahy. Ônus da Prova no Processo Penal. São Paulo: RT, 2003, p. 126-128.
[35] FEITOZA, Denilson. Reforma Processual Penal. Niterói, Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p. 32.
[36] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008, p. 49.
[37] MIRABETE, Júlio. Processo Penal. 5ª Ed. São Paulo: Atlas, 1996, p. 96.
[38] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 15ª Ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 45.
[39] JARDIM, Afrânio Silva. Reflexão Teórica sobre o processo penal. 1997, p. 197 Apud NETTO, José Laurindo de Souza. Processo Penal: Sistemas e Princípios. Curitiba: Juruá 2003, p. 34.
[40] PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 1999, p. 171 Apud, MARTINS, Charles Emil Machado. A reforma e o “poder instrutório do Juiz”. Será que somos medievais?. In CALLEGARI, André Luís; WEDY, Miguel Tedesco (Organizadores). Reformas do Código Processo Penal. Porto Alegre: Livr. Do advogado, 2009, p. 9-10.
[41] LOPES, Aury Jr. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 66.
[42] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 15ª Ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 46.
[43] AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. São Paulo: Método, 2009, p. 9.
[44] LOPES, Aury Jr. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 67.
[45] NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no Processo Penal. São Paulo: RT, 2009, p. 25.
[46] NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no Processo Penal. São Paulo: RT, 2009, p. 25.
[47] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.51.
Advogado da União. Pós Graduado em Direito Constitucional pela rede LFG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARRUDA, Weslley Rodrigues. Sistema processual penal brasileiro: inquisitório, acusatório ou misto? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42516/sistema-processual-penal-brasileiro-inquisitorio-acusatorio-ou-misto. Acesso em: 23 nov 2024.
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