Em que pese a Constituição Federal de 1988 ter estabelecido diversos direitos e garantias fundamentais em favor do cidadão, a realidade aponta que apenas a previsão no texto constitucional não importa, de per si, em fiel observância pelos responsáveis pelo cumprimento efetivo das normas. De fato, para que tais direitos realmente possam ser exercidos, é necessário conferir ao beneficiário a possibilidade de exigir tais direitos e garantias, utilizando-se do socorro à tutela jurisdicional.
Para tanto, o direito processual constitucional criou os chamados “remédios constitucionais”, ou “garantias constitucionais”, consistentes em mecanismos jurídicos previstos na Constituição e que tem por objetivo defender e garantir a efetividade dos direitos estabelecidos no texto constitucional.
Pedro Lenza (2007, página 750) ensina que a Constituição Federal de 1988 traz como instrumentos considerados verdadeiros remédios constitucionais o habeas corpus (art. 5º, LXVIII), o mandado de segurança (art. 5º, LXIX), o mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX), o mandado de injunção (art. 5º, LXXI), o habeas data (art. 5º, LXXII) e a ação popular (art. 5º, LXXIII).
A origem do mandado de injunção é controversa na doutrina. Conforme aponta Marcela Albuquerque Maciel (2011 – Âmbito Jurídico, XIII, n. 82), há quem entenda ser criação do direito constitucional brasileiro, mais precisamente, obra da Constituição Federal de 1988. Por outro lado, outra parcela dos estudiosos encontram institutos similares no direito comparado, sobretudo no direito anglo-saxão.
De qualquer forma, a melhor forma de compreender o instituto sob análise é a leitura da própria Constituição Federal de 1988, que no artigo 5º, inciso LXXI, indica para que serve tal remédio constitucional:
LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;
Pode o mandado de injunção ser entendido ou conceituado como a ação (ou remédio, ou garantia) constitucional cabível para que o beneficiário exigir a efetivação imediata de direito previsto no texto constitucional, mas ainda não aplicado em vista de ausência de regulamentação.
Alexandre de Moraes (2007, página 367) traz o seguinte conceito:
“O mandado de injunção consiste em uma ação constitucional de caráter civil e de procedimento especial, que visa suprir uma omissão do Poder Público, no intuito de viabilizar o exercício de um direito, uma liberdade ou uma prerrogativa prevista na Constituição Federal. Juntamente com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, visa ao combate à síndrome de inefetividade das normas constitucionais.”
Como se percebe, o mandado de injunção possui íntima ligação com a ausência de eficácia plena de uma norma constitucional, sendo assim medida competente para estabelecer aplicabilidade imediata a uma norma constitucional que depende de regulamentação.
Pedro Lenza (2007, página 763) aponta 02 (dois) requisitos constitucionais para o mandado de injunção:
“Os dois requisitos para o mandado de injunção são:
· norma constitucional de eficácia limitada, prescrevendo direitos, liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;
· falta de norma regulamentadora, tornando inviável o exercício dos direitos, liberdades e das prerrogativas acima mencionados (omissão do Poder Público).”
Portanto, sempre que se estiver diante de uma impossibilidade de efetivação de direito em vista de omissão do Poder Público na regulamentação de direito, liberdade ou prerrogativa constitucionais, pode o cidadão manejar o mandado de injunção.
De certa forma, é um instrumento voltado ao controle de constitucionalidade por omissão, contudo utilizando-se a via concreta, já que pelo modo abstrato é cabível a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (artigo 103 da CF/88).
MORAES (2007, páginas 375-377) ensina que as posições em relação à natureza jurídica da decisão no mandado de injunção se dividem em dois grandes grupos: concretista e não-concretista. No primeiro caso, ao reconhecer a existência da omissão administrativa ou legislativa, a decisão determinaria ao Poder Público a implementação do exercício do direito, com efeitos erga omnes (concretista geral) ou somente para o caso concerto (concretista individual, que pode ser direta ou indireta, caso seja franqueada primeiramente a oportunidade do Poder Público cumprir voluntariamente o julgado em prazo razoável). A posição não-concretista “atribui ao mandado de injunção a finalidade específica de ensejar o reconhecimento formal da inércia do Poder Público” (página 377).
Durante muito tempo, o mandado de injunção foi tido como instrumento inútil, tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal possuía entendimento no sentido de que a decisão final favorável ao impetrante somente teria o condão de “cientificar” o Poder Público de que deveria promover a regulamentação do direito previsto constitucionalmente. Tal postura foi adotada, por exemplo, em questão de ordem no Mandado de Injunção 107 (MI 107 QO, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, julgado em 23/11/1989, publicado em 21/09/1990, Tribunal Pleno).
Em vista da ausência de efeito prático em relação ao que fosse decidido no bojo do mandado de injunção (pois o Poder Público não estava obrigado a nada, mesmo cientificado do que decidido pelo Poder Judiciário), é fato que o uso do instrumento jurídico processual constitucional foi extremamente desestimulado.
Contudo, após mudanças significativas na composição da Corte Suprema, finalmente houve mudança salutar do entendimento do Supremo Tribunal Federal, que passou a adotar a posição concretista. A partir da análise dos anseios da sociedade, do comportamento do Poder Público diante dos julgados anteriores na matéria, que apenas cientificavam a omissão indevida (posição não-concretista), e, sobretudo, da necessidade de conferir a máxima eficácia aos direitos previstos na Constituição Federal de 1988, a suprema corte brasileira entendeu, finalmente, que proferir decisões vazias equivale a não proferir nenhuma decisão. É deixar o jurisdicionado iludido e desacreditado com o Poder Judiciário e com o ordenamento jurídico.
Marcos históricos desse novo posicionamento são os julgamentos do STF nos mandados de injunção 712 e 721 (ambos julgados no ano de 2007), que tratavam sobre os assuntos “greve de servidores públicos” e “aposentadoria especial de servidores públicos”, os quais foram julgados procedentes para garantir direitos aos servidores públicos nos mesmos termos que já existem na iniciativa privada, enquanto não sobrevier norma própria regulamentadora. Pela importância, pede-se vênia para transcrever as ementas dos julgados ora referidos:
EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. ART. 5º, LXXI DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. CONCESSÃO DE EFETIVIDADE À NORMA VEICULADA PELO ARTIGO 37, INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LEGITIMIDADE ATIVA DE ENTIDADE SINDICAL. GREVE DOS TRABALHADORES EM GERAL [ART. 9º DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 7.783/89 À GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO ATÉ QUE SOBREVENHA LEI REGULAMENTADORA. PARÂMETROS CONCERNENTES AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE PELOS SERVIDORES PÚBLICOS DEFINIDOS POR ESTA CORTE. CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO ANTERIOR QUANTO À SUBSTÂNCIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO. PREVALÊNCIA DO INTERESSE SOCIAL. INSUBSSISTÊNCIA DO ARGUMENTO SEGUNDO O QUAL DAR-SE-IA OFENSA À INDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTRE OS PODERES [ART. 2O DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL] E À SEPARAÇÃO DOS PODERES [art. 60, § 4o, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. INCUMBE AO PODER JUDICIÁRIO PRODUZIR A NORMA SUFICIENTE PARA TORNAR VIÁVEL O EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS, CONSAGRADO NO ARTIGO 37, VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O acesso de entidades de classe à via do mandado de injunção coletivo é processualmente admissível, desde que legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano. 2. A Constituição do Brasil reconhece expressamente possam os servidores públicos civis exercer o direito de greve --- artigo 37, inciso VII. A Lei n. 7.783/89 dispõe sobre o exercício do direito de greve dos trabalhadores em geral, afirmado pelo artigo 9º da Constituição do Brasil. Ato normativo de início inaplicável aos servidores públicos civis. 3. O preceito veiculado pelo artigo 37, inciso VII, da CB/88 exige a edição de ato normativo que integre sua eficácia. Reclama-se, para fins de plena incidência do preceito, atuação legislativa que dê concreção ao comando positivado no texto da Constituição. 4. Reconhecimento, por esta Corte, em diversas oportunidades, de omissão do Congresso Nacional no que respeita ao dever, que lhe incumbe, de dar concreção ao preceito constitucional. Precedentes. 5. Diante de mora legislativa, cumpre ao Supremo Tribunal Federal decidir no sentido de suprir omissão dessa ordem. Esta Corte não se presta, quando se trate da apreciação de mandados de injunção, a emitir decisões desnutridas de eficácia. 6. A greve, poder de fato, é a arma mais eficaz de que dispõem os trabalhadores visando à conquista de melhores condições de vida. Sua auto-aplicabilidade é inquestionável; trata-se de direito fundamental de caráter instrumental. 7. A Constituição, ao dispor sobre os trabalhadores em geral, não prevê limitação do direito de greve: a eles compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dela defender. Por isso a lei não pode restringi-lo, senão protegê-lo, sendo constitucionalmente admissíveis todos os tipos de greve. 8. Na relação estatutária do emprego público não se manifesta tensão entre trabalho e capital, tal como se realiza no campo da exploração da atividade econômica pelos particulares. Neste, o exercício do poder de fato, a greve, coloca em risco os interesses egoísticos do sujeito detentor de capital --- indivíduo ou empresa --- que, em face dela, suporta, em tese, potencial ou efetivamente redução de sua capacidade de acumulação de capital. Verifica-se, então, oposição direta entre os interesses dos trabalhadores e os interesses dos capitalistas. Como a greve pode conduzir à diminuição de ganhos do titular de capital, os trabalhadores podem em tese vir a obter, efetiva ou potencialmente, algumas vantagens mercê do seu exercício. O mesmo não se dá na relação estatutária, no âmbito da qual, em tese, aos interesses dos trabalhadores não correspondem, antagonicamente, interesses individuais, senão o interesse social. A greve no serviço público não compromete, diretamente, interesses egoísticos do detentor de capital, mas sim os interesses dos cidadãos que necessitam da prestação do serviço público. 9. A norma veiculada pelo artigo 37, VII, da Constituição do Brasil reclama regulamentação, a fim de que seja adequadamente assegurada a coesão social. 10. A regulamentação do exercício do direito de greve pelos servidores públicos há de ser peculiar, mesmo porque "serviços ou atividades essenciais" e "necessidades inadiáveis da coletividade" não se superpõem a "serviços públicos"; e vice-versa. 11. Daí porque não deve ser aplicado ao exercício do direito de greve no âmbito da Administração tão-somente o disposto na Lei n. 7.783/89. A esta Corte impõe-se traçar os parâmetros atinentes a esse exercício. 12. O que deve ser regulado, na hipótese dos autos, é a coerência entre o exercício do direito de greve pelo servidor público e as condições necessárias à coesão e interdependência social, que a prestação continuada dos serviços públicos assegura. 13. O argumento de que a Corte estaria então a legislar --- o que se afiguraria inconcebível, por ferir a independência e harmonia entre os poderes [art. 2o da Constituição do Brasil] e a separação dos poderes [art. 60, § 4o, III] --- é insubsistente. 14. O Poder Judiciário está vinculado pelo dever-poder de, no mandado de injunção, formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o ordenamento jurídico. 15. No mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia o texto normativo que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores públicos. 16. Mandado de injunção julgado procedente, para remover o obstáculo decorrente da omissão legislativa e, supletivamente, tornar viável o exercício do direito consagrado no artigo 37, VII, da Constituição do Brasil.
(MI 712, Relator(a): Min. EROS GRAU, julgado em 25/10/2007, publicado em 31/10/2008, Tribunal Pleno)
MANDADO DE INJUNÇÃO - NATUREZA. Conforme disposto no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de injunção quando necessário ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Há ação mandamental e não simplesmente declaratória de omissão. A carga de declaração não é objeto da impetração, mas premissa da ordem a ser formalizada. MANDADO DE INJUNÇÃO - DECISÃO - BALIZAS. Tratando-se de processo subjetivo, a decisão possui eficácia considerada a relação jurídica nele revelada. APOSENTADORIA - TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS - PREJUÍZO À SAÚDE DO SERVIDOR - INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR - ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral - artigo 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91.
(MI 721, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 30/08/2007, DJe-152 DIVULG 29-11-2007 PUBLIC 30-11-2007 DJ 30-11-2007 PP-00029 EMENT VOL-02301-01 PP-00001 RTJ VOL-00203-01 PP-00011 RDDP n. 60, 2008, p. 134-142)
Destaque-se que as decisões proferidas em mandado de injunção levam muito em consideração as peculiaridades do caso concreto, pelo que não se pode afirmar até agora que o Supremo Tribunal Federal tenha adotado uma posição concretista “geral” ou “individual”. Contudo, da análise dos julgados acima, e de outros que foram julgados posteriormente, percebe-se uma tendência para o concessão de efeitos erga omnes às decisões proferidas em mandado de injunção.
Portanto, conclui-se que o mandado de injunção é um instrumento do direito processual constitucional com vocação para o controle da inconstitucionalidade por omissão, objetivando conferir eficácia plena a normas constitucionais que dependiam de regulamentação pelo Poder Público.
Após posicionamento inicial tímido e conservador, o Supremo Tribunal Federal, depois de reformulações em sua composição, demonstrou amadurecimento e sensibilidade aos anseios sociais, passando a adotar posicionamento mais efetivo, conferindo efeitos concretos às decisões proferidas em sede de mandado de injunção, o que finalmente permitiu o pleno exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 11ª Edição. São Paulo: Editora Método. 2007.
MACIEL, Marcela Albuquerque. O Mandado de Injunção: Origens e trajetória constituinte. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 82, nov 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8760>. Acesso em dez 2014.
MORAES, Alexandre de. Constituição Interpretada e Legislação Constitucional. 7ª Edição. São Paulo. Atlas, 2007.
Procurador Federal atuante na cidade de Umuarama - PR. Aluno do curso de Especialização em Direito do Estado da Universidade Estadual de Londrina.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Menahem David Dansiger de. Considerações sobre o Mandado de Injunção Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42572/consideracoes-sobre-o-mandado-de-injuncao. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
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