RESUMO: A inclusão da lei 9.099/1995 no ordenamento jurídico brasileiro trouxe à época significativas mudanças nos sistemas penal e processual penal, representando um largo passo no caminho da adoção de um direito penal mínimo, dentre as quais, a possibilidade de composição civil em processos criminais.
Palavras-chaves: Composição de danos. Responsabilidade Civil. Direito penal mínimo. Lei 9.099/1995.
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por fim comentar alguns dispositivos da Lei n.º 9.099/1995, concernentes à possibilidade de composição dos danos civis previsto na fase preliminar do procedimento adotado para o processo e julgamento dos crimes da competência do Juizado Especial Criminal.
Esclareço, desde logo, que neste breve estudo não pretendo esgotar o tema, mas tão-somente expor de forma simples e didática o instituto inovador, à época, da composição civil no âmbito dos Juizados Criminais, quais seus objetivos e conseqüências, seu procedimento, enfatizando sempre sua relação com a disciplina da Responsabilidade Civil.
DESENVOLVIMENTO
Breves Comentários acerca dos Arts. 62, 72, 74 e 75, todos da Lei n.º 9.099/1995 (Juizados Especiais Cíveis e Criminais), referentes ao instituto da composição civil dos danos no âmbito do Juizado Especial Criminal:
“Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.” (Grifo nosso)
O dispositivo acima traz os princípios e os objetivos pelos quais se orientará o processo perante o juizado especial criminal. Desde logo, podemos notar que o legislador infraconstitucional, após definir a competência ratione materiae dos Juizados Especiais para o processo e julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo, bem como de definir o que seriam estas infrações[1], procurou romper com velhos sistemas processuais penais. Sistemas estes que previam procedimentos deveras morosos, que não se prestavam à solução de crimes de baixa potencialidade ofensiva ou frágil lesividade a bens jurídicos, o que acarretava, na grande maioria das vezes, em alto prejuízo à sociedade, pois o grande volume de processos instaurados para apuração desses delitos atolava – e ainda atola – o Judiciário, impedindo que os juízes se concentrassem na solução de questões mais importantes, crimes com maior potencialidade ofensiva.
Daí, a necessidade de se inovar no direito processual penal, com um procedimento que, primordialmente, buscasse, sempre que possível, de forma célere e com o menor uso possível de formalidades processuais, a reparação do dano e/ou a aplicação de uma pena não privativa de liberdade, com o fim de solucionar o conflito, pacificando e atendendo efetivamente aos reclamos sociais.
Nos comentários dos artigos seguintes, veremos como se dá essa busca pela reparação, através da composição civil dos danos, quais os efeitos civis e penais de um eventual sucesso dessa tentativa de reparação no âmbito do Juizado.
“Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus Advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.”
“Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz, mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente.
Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação.”
“Art. 75. Não obtida a composição dos danos civis, será dada imediatamente ao ofendido a oportunidade de exercer o direito de representação verbal, quer será reduzida a termo.
Parágrafo único. O não-oferecimento da representação na audiência preliminar não implica decadência do direito, que poderá ser exercido no prazo previsto em lei.”
Cometida uma infração de menor potencial ofensivo[2], após proceder-se às formalidades prévias perante a autoridade policial, que lavrará termo circunstanciado (procedimento simples que substitui o Inquérito Policial) e o remeterá ao Juizado, será aprazada uma audiência preliminar onde, na presença dos interessados, autor do fato (ofensor), vítima, o responsável civil desta, se possível, e do representante do Ministério Público, será tentada uma conciliação, seja através de uma composição dos danos civis entre ofensor e vítima, seja através do instituto da transação entre o titular da ação penal e o ofensor, ou mesmo através da conjugação dos dois institutos. Por ser objetivo do trabalho, trataremos aqui, tão somente, do instituto da composição dos danos civis.
O instituto da composição dos danos civis no âmbito do Juizados Criminais, dentre outras medidas despenalizadoras trazidas pela Lei n.º 9.099/1995 (transação penal – art. 76 , suspensão do processo – art. 89, e transformação da lesão corporal leve e culposa em crime de ação penal condicionada à representação – art. 88), inovou no campo do direito processual penal ao permitir que no bojo do próprio procedimento penal para apuração e repressão das infrações penais de menor potencial ofensivo, pudesse o autor(es) do fato e a vítima(s) acordar(em) sobre a satisfação dos danos materiais e morais causados em decorrência da infração penal, seja pelo ressarcimento em pecúnia, seja pela reparação in natura, dos danos civis. Acordo este, que depois de homologado pelo Juiz Penal, mediante sentença irrecorrível, adquire eficácia de título executivo judicial a ser executado no juízo cível competente, conforme prevê o art. 74, da Lei n.º 9.099/95, supra.
Acerca dessa inovação sobre a possibilidade de composição dos danos civis no âmbito dos Juizados Criminais, bem ressaltou o insigne jurista Fernando da Costa Tourinho Filho:[3]
“Até então, a satisfação do dano, entre nós, somente era possível no Juízo Cível, a não ser em determinados crimes contra o patrimônio quando o bem era apreendido em poder do agente... Nesses casos, não havendo nenhuma dúvida quanto ao direito do lesado, a própria Polícia podia, e pode, proceder à restituição (art. 118 do CPP), maneira mais simples e elementar de satisfazer o dano.”
Assim, deverá o Juiz ou conciliador encarregado esclarecer às partes envolvidas (autor do fato e vítima ou o seu responsável civil) dos benefícios de uma composição dos danos, possibilitando, desde logo, uma efetiva satisfação dos danos civis. Cabendo às partes propor e contrapropor indenizações, para tanto, utilizando-se do arbitramento para definir o quantum indenizatório. Devendo, contudo, o Juiz ou conciliador sempre estar atento para evitar extrapolações, evitando exigências desproporcionais ou mesmo impossíveis, por parte dos interessados.
Entendo, que esta composição dos danos procedida no Juizado Criminal não exclui o direito da vítima pleitear uma complementação da indenização pelos mesmos danos sofridos (materiais ou morais), junto ao juízo cível, ante ao princípio da plena reparação dos danos, salvo se constar do termo de acordo homologado, expressamente, disposição em contrário.
Quanto aos efeitos penais gerados pelo eventual sucesso da tentativa de composição dos danos, diferentes conseqüências advirão, conforme a titularidade da Ação Penal referente à infração penal praticada.
Assim, tratando-se de infrações de menor potencial ofensivo, para as quais seja prevista Ação Penal Pública Privada ou Condicionada à Representação, o acordo homologado (ou seja, a composição civil dos danos) acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação, respectivamente, gerando portanto a extinção da punibilidade do agente autor do fato (Vide Art. 74, parágrafo único, supra).
Por outro lado, se a infração for de Ação Penal Pública Incondicionada, sendo o Ministério Público o titular exclusivo da ação, o acordo procedido entre o autor do fato e a vítima, e homologado pelo Juiz, nenhum efeito despenalizante acarretará quanto à pessoa do ofensor (autor do fato), prosseguindo-se no procedimento previsto do Juizado Especial Criminal, passando-se à segunda fase, onde o Parquet deverá analisar se cabe ou não o oferecimento da proposta de Transação Penal.
Não logrando êxito a tentativa de composição dos danos, prosseguir-se-á no procedimento previsto na Lei n.º 9.099/1995, previsto para os crimes de baixo potencial ofensivo.
CONCLUSÃO:
Enfim, são esses os breves comentários sobre o instituto da composição dos danos no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, seus reflexos no âmbito penal e civil, principalmente no que toca à inovação, à época, no Processo Penal brasileiro de se permitir uma composição dos danos civis que possibilitasse uma sentença homologatória, num Juízo Penal, que gerasse um título executivo cível líquido, certo e exigível.
REFERÊNCIAS:
01. FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES, Luiz Flavio; GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Juizados Especiais Criminais – Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 4. ed. São Paulo: RT, 2002
02. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
[1] Após o advento da Lei n.º 10.259/2001 que criou os Juizados Especiais Federais, tem-se que seu art. 2º, parágrafo único, revogou o art. 61 da Lei n.º 9.099/1995, passando a considerar como infrações de menor potencial ofensivo os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, ou multa. Posteriormente, a Lei nº 11.313/2006, mantendo a previsão acima, retirou-a da Lei 10.259/2001, transpondo-a novamente no art. 61 da Lei nº 9.099/1995, que hoje tem a seguinte redação: Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. (Redação dada pela Lei nº 11.313, de 2006)
[2] Vide nota nº 1.
[3] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. Pág. 14.
Procuradora Federal desde 09/10/2006, lotada na PSF em Ilhéus. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia, advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HARDMAN, Milena Fernandes Garcia. Comentários acerca do Instituto da Composição dos Danos, previsto na Lei n.º 9.099/1995 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42665/comentarios-acerca-do-instituto-da-composicao-dos-danos-previsto-na-lei-n-o-9-099-1995. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
Precisa estar logado para fazer comentários.