RESUMO: A formação da coisa julgada material parcial no processo civil brasileiro vem atender aos anseios de celeridade e efetividade do processo. Duas são as hipóteses de sua ocorrência, seja na resolução parcial do mérito em sede de antecipação de tutela ou de capítulo autônomo e independente não recorrido de sentença pendente de recurso. A doutrina majoritária é árdua defensora desse instrumento de celeridade, enquanto a jurisprudência ainda se encontra reticente na sua aplicação.
Palavras-chaves: Processo Civil. Coisa julgada material. Coisa julgada parcial. Efetividade do processo. Celeridade processual.
SUMÁRIO: 1 – Introdução; 2 - Teoria dos capítulos da sentença; 3 - Hipóteses de formação de coisa julgada parcial; 3.1 - Resolução parcial do mérito em sede de antecipação de tutela; 3.2. Capítulo autônomo e independente não recorrido de sentença de mérito objeto de recurso; 4 – Conclusão; 05 - Referências bibliográficas.
1 - INTRODUÇÃO
A coisa julgada material é direito fundamental previsto na Constituição da República no art. 5º inciso XXXVI, e visa resguardar a segurança das relações jurídicas. Sem a previsão desse instituto, restariam eternizadas as lides e a sociedade viveria em situação de permanente conflito. A enorme importância desse instituto processual é reconhecida pela doutrina e jurisprudência de forma pacífica, restando apenas dissenso quanto aos limites de sua flexibilização. Com efeito, muito em voga se encontrou, nos últimos anos, o movimento pela flexibilização da coisa julgada em busca de uma maior justiça nas decisões flagrantemente inconstitucionais ou ilegais.
A importância da coisa julgada ganha ainda mais destaque em um processo civil que batalha por ganhos de efetividade e celeridade, em um sistema processual que busca colocar um fim ao litígio em tempo razoável e que se encontra em crise.
A aceitação da formação da coisa julgada parcial pela doutrina e pela jurisprudência vem ao encontro desse anseio por maior efetividade no processo, na medida em que permite a antecipação do fim da lide quanto a uma parte da pretensão do autor. Mais do que isso, é uma questão de lógica jurídica. Na medida em que proferida uma decisão não impugnada, ainda que quanto a uma parte dela, não existe mais razão para sua execução não ser definitiva.
2 - TEORIA DOS CAPÍTULOS DA SENTENÇA
A doutrina processualista desenvolveu a teoria dos capítulos da sentença, que nada mais é do que a resposta do juiz aos capítulos da petição inicial. Explica-se: quando a petição inicial possui pedidos autônomos e independentes entre si, a sentença do juiz também conterá capítulos autônomos e independentes entre si. Cite-se como exemplo um consumidor que ajuíze uma ação contra uma empresa que inadimpliu a entrega de duas mercadorias adquiridas em situações e momentos distintos (uma bicicleta adquirida em fevereiro e uma prancha de surf adquirida em julho). São duas ações autônomas e independentes cumuladas em um mesmo processo. Nessa hipótese o capítulo que decide a situação da falta de entrega de um produto pode transitar em julgado em momento distinto do outro capítulo. Ainda nesse exemplo, pode o juiz condenar a empresa a entregar os dois produtos e a empresa recorrer quanto à entrega da bicicleta, alegando que já a entregou e juntando recibo. Nessa hipótese, terá transitado em julgado o capítulo referente à prancha de surf.
A situação seria diferente se fossem capítulos autônomos, porém dependentes entre si. A exemplo de pedido de indenização por dano material e moral referente ao mesmo inadimplemento. Ainda que haja a condenação do réu ao pagamento do dano material e moral e este recorra somente quanto ao dano material, provado na sede recursal que na houve inadimplemento não subsiste a condenação em dano moral. Sobre o assunto a lição de Daniel Assunção Neves:
Sendo os capítulos tão somente autônomos, ainda que a parte impugne somente parcela deles, não ha que falar em coisa julgada do capitulo não impugnado, porque em razão do efeito expansivo objetivo externo do recurso, dependendo do resultado de seu julgamento o capitulo não impugnado poderá ser reformado. Tome-se como exemplo o capítulo não impugnado que condena a parte ao pagamento das verbas de sucumbência; e natural que, sendo essa parte vitoriosa no recurso em que impugna o capitulo principal (por exemplo, sua condenação a pagar), conseqüentemente o capitulo referente as verbas de sucumbência, ainda que não impugnado, será reformado.[1]
Conclui-se que a teoria dos capítulos da sentença, quando autônomos e independentes entre si, é uma conseqüência da cumulação de ações pelo autor em um mesmo processo e por isso mesmo deve permitir o trânsito em julgado em momentos distintos, assim como aconteceria de fossem ajuizadas duas ações em dois processos.
3 - HIPÓTESES DE FORMAÇÃO DE COISA JULGADA PARCIAL
Existem duas hipóteses de formação da coisa julgada material sobre parcela da matéria posta em juízo. A primeira diz respeito ao que alguns autores de resolução parcial do mérito da causa, em matéria de antecipação de tutela (art. 273, p. 6º do Código de Processo Civil). A segunda diz respeito à ausência de recurso quanto a um capítulo da sentença, transitando em julgado o capítulo não recorrido, acaso autônomo e independente.
3.1 - Resolução parcial do mérito em sede de antecipação de tutela
A primeira hipótese de formação de coisa julgada material parcial consta do parágrafo 6º do art. 273 do Código de Processo Civil:
§ 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
Isso significa que nesse momento será possível decisão do juiz com base em cognição exauriente em relação à parte do pedido. Percebe-se que essa hipótese de antecipação de tutela difere essencialmente das demais, na medida em que a decisão do juiz não é baseada em juízo de verossimilhança ou cognição superficial.
Não se trata, ainda, apenas de reconhecimento parcial do pedido pelo autor ou à ausência de contestação quanto à parte do pedido (com a concretização do efeito material da revelia), mas também de causa madura prematuramente, ou seja, já instruída suficientemente para julgamento. Sobre o tema, valiosas as lições de Marinoni:
O novo p. 6º, quando fala em pedido “incontroverso”, não está aludindo apenas ao reconhecimento parcial ou à não-contestação. Quando a nova norma faz referência à incontroversa, ela deseja, evidentemente, conferir efetividade aos direitos que podem ser evidenciados no curso do processo que ainda vai exigir tempo para elucidar a outra parcela (portanto não incontroversa) do litígio.[2]
Dessa forma, nessas hipóteses de julgamento parcial e desde que o pedido julgado seja autônomo e independente em relação aos demais, deverá haver o trânsito em julgado da decisão não recorrida, com a conseqüente formação da coisa julgada material e a proposição da execução definitiva.
Fredie Didier, acertadamente, adverte para a situação de equívoco de classificação desse instituto pelo CPC como antecipação da tutela, uma vez que tratar-se-ia, na realidade, de resolução parcial da lide:
A mais importante observação que se deve fazer sobre o p. 6º do art. 273 diz respeito à sua natureza jurídica: não se trata de tutela antecipada, mas, sim, de resolução parcial da lide (mérito). A topografia do instituto está equivocada.
Não é antecipação dos efeitos da tutela, mas emissão da própria solução judicial definitiva, fundada em cognição exauriente e apta, inclusive, a ficar imune com a coisa julgada material.[3]
3.2. Capítulo autônomo e independente não recorrido de sentença de mérito objeto de recurso
A segunda hipótese de coisa julgada material parcial é aquela referente a um capítulo autônomo e independente não recorrido de sentença de mérito que foi objeto de recurso. Ou seja, o vencido irresigna-se apenas contra algum capítulo da sentença deixando o outro transitar em julgado. Tal hipótese acabou sendo abordada de forma oblíqua no item relativo aos capítulos da sentença.
É imprescindível, para que ocorra o trânsito em julgado de parte da sentença, que os capítulos sejam não apenas autônomos, mas independentes, sob pena de serem afetados pelo efeito expansivo objetivo interno do recurso.
Dessa forma, antes mesmo de encerrado o processo haveria a formação de coisa julgada material em relação ao capítulo não recorrido com a conseqüente execução definitiva. A teoria dos capítulos da sentença, não apenas segue a lógica jurídica, como é consentânea com o que mais se busca atualmente no processo: celeridade e efetividade. Infelizmente não é teoria aceita ainda n Superior Tribunal de Justiça, como bem nos alerta Assunção Neves:
Registre-se que, apesar do correto raciocínio desenvolvido pelos renomados doutrinadores que defendem a tese da “coisa julgada parcial”, o Superior Tribunal de Justiça a rejeita o entendimento, firme no sentido de que o transito em julgado (e por conseqüência a coisa julgada material nas sentenças de mérito proferidas com cognição exauriente) só ocorre apos o julgamento do ultimo recurso interposto, independentemente do âmbito de devolução desse recurso ou dos anteriores.[4]
4 - CONCLUSÃO
A teoria dos capítulos da sentença e da formação da coisa julgada material parcial não apenas é lógica juridicamente, partindo de premissa teórica impecável, como também vai ao encontro dos anseios do processo civil moderno. De fato, a celeridade e a efetividade, tão caras ao processo civil e tão difíceis de serem atingidas, seriam prestigiadas acaso acatadas pelos tribunais brasileiros as teorias aqui estudadas. Não há qualquer sentido para que uma matéria que já não pode mais ser objeto de recurso não transite em julgado apenas porque o processo em que veiculada ainda não se encerrou.
A teoria do trânsito em julgado antecipado dos capítulos autônomos e independentes não recorridos da sentença pode servir de grande instrumento de celeridade processual, na medida em que autoriza o autor a ingressar com a execução definitiva, antecipando a entrega do bem da vida pleiteado.
05 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Roberto Moreira de. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Método, 2009.
CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Nortfleet. Porto Alegre: Julio Fabris, 1988.
DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. V.3 São Paulo: Malheiros, 2009b.
DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito processual civil. v. 2. Salvador: Juspodivm, 2011.
MARINONI, Luiz Guilherme. Processo de Execução. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009.
NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais. 9ª Ed. 2006;
NEVES, Daniel Amorim Assumpcao. Manual de direito processual civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense; Sao Paulo: METODO, 2013.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 10ª edição. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2009
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de Processo Civil. Vol. 1,2 e 3. Ed. RT. São Paulo, 2001.
[1] NEVES, Daniel Amorim Assumpcao. Manual de direito processual civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense; Sao Paulo: METODO, 2013. Pg. 534.
[2] MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 278
[3] DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito processual civil. v. 2. Salvador: Juspodivm, 2011. Pg 538.
[4] NEVES, Daniel Amorim Assumpcao. Manual de direito processual civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense; Sao Paulo: METODO, 2013. Pg. 535.
Procurador da Fazenda Nacional. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Direito Constitucional pelo Instituto AVM. Ex-Auditor Interno do Poder Executivo do Estado de Santa Catarina. <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PIMENTA, Andre Afeche. A formação de coisa julgada material parcial no processo civil brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 dez 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42696/a-formacao-de-coisa-julgada-material-parcial-no-processo-civil-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
Precisa estar logado para fazer comentários.