RESUMO: O presente artigo aborda a legislação internacional e doméstica que versa sobre o direito da criança ao não trabalho, destacando-se os fundamentos que balizam a proteção ao desenvolvimento dos infantes.
PALAVRAS-CHAVE: Direito ao não trabalho. Princípio da proteção integral. Criança. Organização Internacional do Trabalho.
INTRODUÇÃO:
A revolução industrial, aliada com as diretrizes filosóficas do liberalismo econômico, pautadas pelos princípios da liberdade contratual e da não interferência estatal das relações privadas, abriu espaço, não somente para a utilização do trabalho de crianças e adolescentes, como também para uma aviltante exploração da miséria destes trabalhadores mirins. Nesta época, não existia qualquer legislação que proibisse ou ao menos disciplinasse o trabalho infanto-juvenil.
De acordo com Ronaldo Lima dos Santos, são quatro os principais fundamentos para a proteção do trabalho da criança e do adolescente: cultural, moral, fisiológico e de segurança. Cultural porque o “menor deve poder estudar, receber instrução”; moral para a preservação da sua integridade psicológica e da sua moralidade; fisiológico, pela proibição do trabalho em locais insalubres, perigosos, penosos, noturnos ou que afetem seu desenvolvimento psicossomático; de segurança, pela adoção de instrumentos de proteção da integridade do menos em face de acidentes do trabalho.
A conferência de Berna em 1905, o Tratado de Versalhes e as Conferências da Organização Internacional do Trabalhoiniciaram a discussão e aprovação de normas internacionais protetivas do trabalho da criança e do adolescente. Atualmente, como será visto, da legislação internacional destacam-se as convenções da OIT e os tratados da Organização das Nações Unidas - ONU.
No âmbito interno, o ordenamento jurídico brasileiro contem disposições constitucionais e legais que tutelam o direito das crianças ao não trabalho, destacando-se que o tratamento normativo mais protetivo somente surgiu com o advento da Constituição Federal de 1988.
DESENVOLVIMENTO:
O processo de internacionalização dos direitos humanos iniciado no Sec. XX, por meio da criação da OIT, e posteriormente da ONU, objetivou ressaltar seu caráter universal, a conferir a todas as pessoas, independentemente das suas peculiaridades, a titularidade de tais direitos. Ao lado deste processo, observa-se também a busca pela proteção das minorias ou grupos vulneráveis, em atitude consentânea com o ideal democrático, pelo que o homem passou a ser concebido de um ponto de vista abstrato para o ponto de vista concreto. Surgem, assim, diplomas internacionais relativos a mulheres, idosos, pessoas com deficiências e crianças, por exemplo.
No que concerne à enunciação de direitos específicos às crianças, seu contexto advém dos abusos pelos quais são vítimas, nas mais diversas situações, destacando-se, por oportuno, as vivenciadas no trabalho. Com efeito, a Revolução Industrial testemunhou a assombrosa exploração da mão-de-obra mirim, realidade, todavia, ainda vivenciada atualmente nos diversos setores da economia, no Brasil, inclusive, como resultado maléfico da pobreza e falta de perspectivas na educação e na profissionalização.
A despeito da exploração da mão-de-obra infantil, verifica-se que é pródiga a legislação internacional que confere direitos às crianças. Neste sentido, destaca-se que a Declaração Universal dos Direito Humanos, em seu art. XXV, item 2, declara que a infância tem direito a cuidados e assistência especiais, a caracterizar o tratamento diferenciado a ser dispensado diante da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Com efeito, as crianças ainda não são fisicamente, moralmente e psicologicamente formadas, pelo que não é permitido que se submete às mesmas situações vivenciadas por adultos.
Do mesmo modo, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais prevê que deverá ser punido por Lei “o emprego de crianças e adolescentes em trabalhos que lhe sejam nocivos à moral e à saúde, ou que lhes façam correr perigo de vida, ou ainda que lhes venham prejudicar seu desenvolvimento normal” (art. 10, item 3).
Impõe-se frisar, outrossim, a Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 que veio a consagrar, na seara internacional, os princípios da proteção integral e da prioridade absoluta, de modo a catalogar uma série de direitos humanos, dos quais se destacam o direito à saúde (art. 24), o direito à educação (art. 28), o direito ao descanso e ao lazer (art. 31) e o direito a não desempenhar qualquer trabalho antes de uma idade mínima (art. 32).
Quanto a este último direito, registra-se a Convenção da OIT nº 138, que fixou como regra geral a idade mínima de 15 anos para o exercício do trabalho, e a Convenção da OIT nº 182, que elencou as atividades proscritas aos menores de 18 anos, pelo risco de prejudicar a saúde, a segurança e a moral das crianças.
No que tange às implicações dos diplomas internacionais para com os dispositivos da Constituição Federal, verifica-se, pela leitura do art. 227 do texto constitucional, a positivação das teorias da proteção integral e da prioridade absoluta, consagrando a criança como um sujeito especial de direitos fundamentais, e a família, a sociedade e o Estado como coobrigados em assegurar a sua efetivação. Nesta senda, destaca-se, ainda, que a absoluta prioridade de demanda que aos infantes sejam direcionadas políticas públicas em preferência quando em comparação às demais pessoas.
Na esteira do princípio da proteção integral, o art. 7º, XXXIII da CF, alterado pela EC 20/98 para adequar-se aos termos da Convenção nº 138, proíbe o trabalho noturno, insalubre ou perigoso aos menores de 18 anos e qualquer trabalho aos menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. Proibiu-se a diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de idade (art. 7º, XXX).Deveras, dada a interdependência dos direitos fundamentais, observa-se que o direito ao não trabalho busca salvaguardar o direito à saúde, o direito à educação, o direito à convivência familiar, entre outros, garantindo-se, em última análise, a dignidade da pessoa humanavalor que baliza todo o ordenamento jurídico.
Em 1990, foi aprovado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que contém normas de tutela da criança e do adolescente em todos os setores da vida social. Destaca-se o Capítulo V que trata do direito à profissionalização e à proteção no trabalho. A CLT, por sua vez, possui todo o capítulo IV do Título III a respeito da proteção do trabalho do menor, proibindo a realização de atividades realizadas em locais prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a frequência à escola.
CONCLUSÃO:
Na luta contra o trabalho e a exploração da mão-de-obra infanto-juvenil, a legislação brasileira é complexamente paradoxal. Se, por um lado, as normas e direito material em torno da matéria são consideradas avançadas, por outro, no campo da eficácia, constitui uma das legislações menos observadas, sendo, não raramente, denunciados casos graves de exploração da mão-de-obra infantil.
A situação pioraà medida que a imaturidade dos menores e sua completa ausência de organização coletiva propiciam que exploradores se utilizem do seu trabalho em condições análogas à de escravo.Além disso, a sociedade em geral e muitos pais são coniventes com o trabalho de seus filhos menores, pela falsa impressão de que o trabalho precoce livrará as crianças e adolescentes das drogas e os livrará dos perigos das ruas. Pelo contrário, a iniciação antecipada do menor no mercado de trabalho afasta as crianças da escola, impedindo o direito à profissionalização, o que contribui para a manutenção da pobreza e do quadro de exploração, que perdura na fase adulta.
Desse modo, no dizer de Ronaldo Lima dos Santos, incrustrada numa cultura antiga e rígida, a eliminação da adoção e da exploração do trabalho da criança e do adolescente exige uma ampla ação por parte de todos os setores da sociedade, para tornar eficazes os direitos a eles conferidos.
A luta contra o trabalho infantil, por meio da exigência do cumprimento da complexa legislação que temos neste setor, deve ser travada com toda a sociedade, como forma de verdadeiramente concretizar a igualdade de oportunidades, visto que o trabalho infantil perpetua a pobreza e torna praticamente hereditária a sua manifestação.
REFERÊNCIA:
SANTOS, Ronaldo Lima dos. Sindicato e Ações Coletivas, 4ª Edição. São Paulo: LTR, 2014.
Procuradora Federal. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito Público pela Associação Educacional Unyahna.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CALDAS, Raquel Bezerra Muniz de Andrade. Breve estudo da legislação que versa sobre o direito das crianças ao não trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 dez 2014, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42782/breve-estudo-da-legislacao-que-versa-sobre-o-direito-das-criancas-ao-nao-trabalho. Acesso em: 22 nov 2024.
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