Dilma disse a um jornal chileno: "O Brasil não vive crise de corrupção nem tem intocáveis". Gilberto Carvalho, ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, deixou o cargo dizendo: "(...) nós não somos ladrões"; alguns "tombaram", mas não vão levar "desaforo para casa". Para o ministro da Justiça a corrupção é cultural: "os mesmos que criticam atos da classe política "são aqueles que quando um guarda de trânsito para e quer multar pensam numa "propininha'; "O mesmo empresário que por vezes protesta, e com razão, dos desmandos dos nossos governantes é aquele que quando chega um fiscal de rendas diz "bem, como podemos acertar isto?"", criticou Cardozo. "Vivemos numa sociedade que até o síndico de prédio superfatura quando compra o capacho", completou. Todos os políticos acusados de envolvimento no escândalo da Petrobras (de todos os partidos: PT, PMDB, PP, PSDB etc.) negam, em seguida à revelação do seu nome, ser corrupto. Como entender o fenômeno humano da negação?
Negar um problema social grave ou diminuir a importância dele constitui uma das reações mais usuais do humano, especialmente quando ocupa algum cargo público (que envolve o poder e a dominação). De muitas maneiras isso pode ser explicado. Uma das possibilidades reside nomecanismo psicológico da negação. Como funciona? A negativa de um fenômeno real (ou a diminuição da sua relevância ou a atribuição à esfumaçada cultura do povo) serve de muleta (psicológica) para a pessoa (num determinado momento) não ter que tomar providências concretas desagradáveis ou não ter que fazer dolorosas revisões de sua identidade ameaçada (de pessoa impoluta, honesta, escorreita) (veja F. Gil Villa, La cultura de la corrupción: 19). A negativa do problema ou mesmo sua projeção (os outros são corruptos, eu não), anula o custoso processo de escutar a voz da nossa consciência. Nos exime do trágico exercício de "revisão moral pessoal". Nega-se a existência de um problema para não se ter o trabalho de lidar com ele (de enfrentá-lo).
Psicologicamente, como se vê, a negação (ou justificação) de um problema nos traz conforto (ainda que momentâneo). Ela é feita, portanto, para nos liberar do peso da reprovação social. Também para não afetar nossa crença (nossa autoimagem) de que somos íntegros, honrados, honestos etc.; para não nos obrigar, ademais, a um exame de consciência. Mas tudo isso, no entanto, não passa de uma mentira. Mentimos para os outros e, sobretudo, para nós mesmos (para não afetar nossa autoimagem, que é geradora de um autoengano - veja E. Giannetti, Vícios privados, benefícios públicos?). Ocorre que enquanto não reconhecemos o problema assim como o tamanho dele, nunca vamos encontrar as soluções. A corrupção é sim cultural, mas isso não exime de responsabilidade quem a pratica. A cultura não é justificativa suficiente. Aliás, a rigor, nem pode ser justificativa.
Refutar a corrupção no Brasil é contrariar o óbvio (seria negar que a Terra gira em torno do Sol). Para os que não querem mirar o lado trágico da História brasileira (de corrupção, cleptocracia, plutocracia, parasitismo, escravidão e violência), que contemple então a genialidade do compositor Bezerra da Silva (1927-2005), que deu a senha: "Se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão". Para essa espirituosidade crítica olhava? Para um pagode para o qual ele fora convidado e onde não havia pobre (diz a letra da canção). Nesse ambiente, logo percebeu, "pisa-se de mansinho, especialmente quem é da cor, escurinho". Lá estava reunida toda a nata: doutores, senhores e até magnata. Com a bebedeira e a discussão (e só depois disso!), ele acrescenta, tirei a minha conclusão: "Se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão".
A alta ladroagem (a que tem acesso e possibilidade de dividir o orçamento do Estado) possui um nome: se chama cleptocracia, que vem do grego ("klépto" + "cracia"), ou seja, governo de ladrões ou "Estado cogovernado por ladrões". O Brasil não é, com toda certeza, a única (talvez nem a maior)cleptocracia no mundo, mas não há dúvida de que é um dos mais cobiçados paraísos dela (em virtude de todas as circunstâncias favoráveis: históricas, sociológicas, psicológicas, antropológicas e jurídicas). Como assim? É que aqui (como em tantos outros lugares) sempre houve corrupção, patrimonialismo (confusão entre o patrimônio público e o privado), ladroagens, extorsões, roubos... e tudo transcorre sob o manto da quase absoluta impunidade (em razão da fraqueza institucional sistêmica, que nunca fez do império da lei uma realidade perceptível por todos - o emblemático caso Maluf não deixa margem à dúvida). A solução desse problema passa, em primeiro lugar, pelo reconhecimento dele de forma clara e inequívoca. Sobretudo os que governam não podem jogar essa sujeita para debaixo do tapete. Joaquim Levy (ministro da Fazenda) foi explícito: "É preciso acabar com o patrimonialismo no Estado" (patrimonialismo significa a confusão entre o público e o privado, a usufruição da coisa pública como se fosse coisa privada). Em lugar de esconder o problema, se faz necessário dizer o seu nome, o seu formato, a sua dimensão. Assim se inicia o processo de cura (que será longo e penoso). Mas a doença da corrupção tem cura. Outras nações conseguiram dominá-la. Há saídas para o problema (outros países - os melhores colocados no ranking da Transparência Internacional - já a encontraram).
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