No início do ano a Sociologia e o Direito perderam Ulrich Beck (1944-2015), um dos mais influentes sociólogos contemporâneos e um autor de grande importância para o Direito.
Nada obstante o seu valor intelectual e acadêmico, a sua morte teve muito pouca repercussão no Brasil, apesar de ter sido noticiada nos principais jornais e revistas internacionais.
A influência do seu pensamento no Direito deu-se, especialmente, no que se refere ao conceito de “sociedade de risco”. Outras áreas do Direito também foram alvo das ideias de Ulrich Beck. Por exemplo, temas como globalização, meio ambiente, responsabilidade civil, crime e pena.
No Direito Ambiental, José Rubens Morato Leite, professor da Universidade Federal de Santa Catarina, é um dos expoentes do pensamento beckiano.
No Direito Constitucional, José Ribas Vieira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Manoel Gonçalves Ferreira Filho, da Universidade de São Paulo, também se dedicaram ao estudo da “sociedade de risco”.
Ulrich Beck lecionou na Universidade de Munique e na London School of Economics, tendo iniciado sua vida acadêmica em Hanôver. Logo após terminar o Liceu iniciou seus estudos em direito na Universidade de Freiburg. Em seguida estudou psicologia, sociologia, filosofia e ciências políticas na Universidade de Munique. Lá ele obteve seu doutorado em 1972, e se especializou em sociologia.
De 1979 a 1981 ocupou a cátedra de sociologia na Universidade de Munster e de 1981 a 1992 na Universidade de Bamberg. Então, passou a integrar a direção da Sociedade Alemã para a Sociologia. De 1995 a 1997 foi membro da Kommission für Zukunftsfragen der Freistaaten Bayern und Sachsen (Comissão Para as Questões do Futuro).
Recentemente ele se engajou no estudo das mudanças das condições de trabalho no contexto da difusão e aprofundamento do capitalismo global. Seus escritos comumente tomaram a forma de um grande ensaio. Neles Beck conseguiu desenvolver de forma concisa temas abrangentes como o questionamento sobre os princípios do desenvolvimento.
Ele possuiu uma posição crítica, se contrapondo às correntes do pós-modernismo. Em concordância com outros autores, tais como Anthony Giddens, defendeu uma sociologia reflexiva que não abandonasse uma análise crítica mediante os problemas da sociedade contemporânea. Afirmou que os problemas da sociedade atual não são os mesmos que os descritos pela sociologia de momentos históricos anteriores.
O pensamento de Beck se centrou na caracterização de um novo tipo de sociedade submetida à fortes riscos e processos de individualização. São elementos centrais de identificação desta sociedade as catástrofes ecológicas, as crises financeiras, o terrorismo e as guerras preventivas.
Ele distinguiu dois processos de modernização na história recente das sociedades. A primeira modernização é identificada como aliada ao processo de industrialização e construção da sociedade de massas. Nesta era industrial o centro da estrutura cultural e social era a família. Já a segunda modernização ou modernização reflexiva, própria da sociedade atual, tende à globalização e está em constante desenvolvimento tecnológico, rompendo com a centralidade do núcleo familiar e dando lugar à individualização. No bojo deste processo aumenta a incerteza do indivíduo e instaura-se a sociedade do risco. Estas mudanças afetam não só o plano pessoal como o plano das instituições, a partir de novas políticas de governo muitas vezes aliadas à concepção econômica neoliberal.
Quanto a seu pensamento no campo político, Beck explicitou que não é necessário construir novas normas, mas sim readaptar as antigas à nova realidade social, política e econômica. Defendeu a necessidade de diminuir a força e o peso do mercado na vida das pessoas e ampliar o círculo social e cultural do indivíduo, com o objetivo de alcançar um maior equilíbrio e diminuir a incerteza. Beck defendeu uma economia política popular que seja capaz de estabelecer novas prioridades.
Para Beck, o pleno emprego não seria mais alcançável devido à crescente da automatização das atividades produtivas, as soluções nacionalistas são irrealistas, e a medicina neoliberal é um remédio sem eficácia diante da grandeza dos problemas gerados pelo programa desenvolvimentista. Diante disso o estado deveria garantir uma renda básica e mais empregos na sociedade civil. Diversos problemas da sociedade atual poderiam ser solucionados se a União Europeia, ou no melhor dos casos as diversas uniões transnacionais, conseguissem fazer valer os projetos de universalização dos padrões econômicos e sociais.
Beck considerou fundamental que os Estados nacionais fizessem um esforço de mudança no sentido de maiores cooperação e coesão entre os Estados, sem deixar de lado o reconhecimento da diversidade e das individualidades. Só a partir da construção de um estado transnacional seria possível controlar as empresas transnacionais. A construção e o acabamento de novas leis e instâncias jurídicas internacionais possibilita também de mediação amigável de conflitos transnacionais (que Beck chamou de pacifismo jurídico).
Suas atividades de pesquisa mais recentes incluíram estudos empíricos de longa duração das implicações sociológicas e políticas da modernização reflexiva, que exploraram as complexidades e incertezas do processo de transformação da primeira para a segunda modernidade. Mais especificamente seu trabalho estava voltado para uma nova teoria social embasada no conceito de “cosmopolitanismo”.
Beck exprimiu numerosas vezes posições em favor da construção de um estado supranacional e de um parlamento mundial. Seguindo a lógica destas posições, Beck se colocou através da imprensa a favor da aprovação da constituição europeia submetida ao voto popular na França em 2005. Ele considerou deplorável a leviandade do “não” de numerosos europeus e exigiu que houvesse uma segunda votação que admitisse uma reformulação no texto mas que provocasse uma união maior entre as nações no que diz respeito ao voto: desta vez seria necessário que a votação ocorresse em todos os estados membros ao mesmo tempo.
No Brasil foram traduzidos as suas seguintes obras: Liberdade ou capitalismo. São Paulo: Editora da Unesp, 2003; O que é globalização?, trad. André Carone, S. Paulo: Paz e Terra, 1999; Modernização reflexiva. Sao Paulo: Editora da Unesp, 1997 e Sociedade de Risco - Rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2010.
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