RESUMO: O presente trabalho objetiva analisar a constitucionalidade da obrigação de reparar o dano para que o apenado possa progredir de regime nos crimes praticados contra a administração pública.
Palavras-chave: inconstitucionalidade, crime contra a administração pública, progressão de regime, reparação do dano.
Ressalvado o período em que o legislador vedou a progressão de regime prisional aos crimes hediondos e assemelhados, o Código Penal - Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940 - permite, uma vez satisfeitos os requisitos legais, a progressão de regime como forma de ressocializar e reeducar o apenado.
Embora as regras e princípios estatuídos na legislação possibilitem a progressão, o legislador, por meio da Lei nº 10.763 de 12 de novembro de 2003, inseriu o § 4º no artigo 33 do Código Penal, com a exigência de que O condenado por crime contra a administração pública terá a progressão de regime do cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais.
Malgrado o dispositivo citado, o fato é que os Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica art.7,7, como também ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da ONU art.11 e a DeclaraçãoAmericana dos Direitos da Pessoa Humana art. 25), tratados esses, diga-se de passagem, dotadosde supraconstitucionalidade, vedam, expressamente, a prisão civil por dívida.
Por seu turno, o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2008, no julgamento dos Recursos Extraordinários RE 349703 e RE 466343 e do Habeas Corpus HC 87585, mudou seu entendimento no sentido de que a prisão civil se aplica somente para os casos de não pagamento voluntário da pensão alimentícia, excluindo, finalmente, os casos do depositário infiel, fato este que culminou com a edição da súmula vinculante nº. 25 do mesmo Tribunal (é ilícita a prisão civil do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito). O norte para o novo entendimento foram os direitos e garantias fundamentais, inseridos no artigo 5º da Carta Magna/1988.
Em brilhante voto,no RE 466343, o ministro Cezar Peluso externou que “o corpo humano, em qualquer hipótese (de dívida) é o mesmo. O valor e a tutela jurídica que ele merece são os mesmos. A modalidade do depósito é irrelevante. A estratégia jurídica para cobrar dívida sobre o corpo humano é um retrocesso ao tempo em que o corpo humano era o 'corpus vilis' (corpo vil), sujeito a qualquer coisa, que, como tal, podia ser objeto de qualquer medida do Estado, ainda que aviltante, para constranger o devedor a saldar sua dívida (...).”
Pois bem. Se não é permitido o ingresso no cárcere por dívida, a contráriosensu, também não poderá ser restringida a sua saída, por meio da progressão de regime.
Ademais, ao condicionar a progressão de regime à reparação do dano ou devolução do produto do ilícito praticado, os crimes contra a administração pública alçaram patamar mais rigoroso que todos os demais delitos, inclusive os crimes hediondos e assemelhados, os quais permitem a progressão de regime com o cumprimento de 2/5 (não reincidente) ou 3/5 (reincidente) do tempo da pena.
Confira, a propósito, o entendimento acerca da matéria:
Ementa: (...) .4. A condição de policial civil não pode ser valorada negativamente, uma vez que se trata de elemento inerente ao tipo penal do artigo 317 do CP (v.g. TRF da 4ª Região, ACR nº 2004.04.01.044263-1/PR, Oitava Turma, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, DJ 17-08-2005). 5. Não obstante a determinação do artigo 33 , § 4º , do CP , descabe condicionar o direito do apenado à progressão de regime à reparação do dano, porquanto, segundo Guilherme Souza Nucci ( Código Penal Comentado. São Paulo: RT, 2006, p. 306), não se deve atentar contra a finalidade precípua da pena, que é a reeducação e ressocialização, algo que não tem relação necessariamente com a reparação do dano.(...). TRF-4 - APELAÇÃO CRIMINAL ACR 22274 PR 2005.70.00.022274-4 (TRF-4) Data de publicação: 26/11/2008. (grifou-se)
Conquanto a reparação do dano exista em institutos semelhantes no Código Penal, como no sursis e no livramento condicional, não se pode olvidar que o legislador outorga esses benefícios nos casos em que há “efetiva impossibilidade de fazê-lo”, verbis:
- Sursis
Art. 78 - Durante o prazo da suspensão, o condenado ficará sujeito à observação e ao cumprimento das condições estabelecidas pelo juiz.
§ 2° - Se o condenado houver reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo (...). (grifou-se)
- Do livramento condicional
Art. 83 - O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que (...):
IV - tenha reparado, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pela infração. (grifou-se)
Assim, acredita-se que esses dispositivos (sursis e livramento condicional) devem ser aplicados analogicamente aos crimes contra a administração pública, apenas sendo lícito ao julgador negar a progressão de regime nos casos em que houver possibilidade de reparar o danoou devolver o produto do ilícito,e assim não o fizer o autor do fato.
Caso contrário, a progressão de regime não poderá ser negada pela autoridade judiciária, uma vez que a violação aos direitos humanos será patente, já que a pena busca a punição e ressocialização do condenado, mas não a reparação patrimonial almejada pelo §4º do artigo 33 do Código Penal.
REFERÊCIA BIBLIOGRÁFICAS:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=116379. Acesso em: 16 nov. 2014.
RE349703, RE 466343, HC 87585.
Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940
TRF-4 – Apelação Criminal ACR 22274
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