Resumo: O presente artigo pretende analisar e apontar as principais características da responsabilização penal das pessoas jurídicas, estabelecida pelo artigo 225, § 3º da Constituição Federal de 1988 e pela Lei 9.605/98, conhecida como Lei dos Crimes Ambientais. Para isso utilizar-se-á ampla gama de conceituação de termos chaves para o tema, como meio ambiente, dano ambiental, pessoa jurídica, responsabilidade, entre outros. Será feita análise de preceitos e institutos fundamentais para a responsabilização de entes coletivos jurídicos.
Palavras-chave:Crimes Ambientais; Pessoas Jurídicas; Responsabilidade Penal.
Sumário:Introdução; 1. Da pessoa jurídica; 2. Da responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais; 3. Conclusão; Referências Bibliográficas.
Introdução
A descontrolada e incessante busca pelo acumulo de recursos, expansão das atividades agropecuárias, industriais, entre tantas outras, levou à prática de abusos para com o meio ambiente que, passou a ser encarado como puro e simples provedor de matéria-prima, podendo ser saqueado sem qualquer consequência para isso.
Uma boa parte do dano ilegalmente causado ao meio ambiente adveio de ilícitos praticados por empresas, conforme já dito, que precisavam, seja da matéria-prima, seja do espaço físico em si, para manutenção ou ampliação de suas atividades. Como atribuir responsabilidade às empresas, por tratarem-se de pessoas jurídicas, era tarefa de notória dificuldade, os abusos pelas mesmas eram inconvenientemente frequentes, uma vez que, seus gestores escondiam-se atrás da personalidade do ente coletivo.
Necessário faz-se conceituar o que é considerado meio ambiente que, na definição de Migliari Júnior[1] é:
“O meio ambiente é a integração e a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais, culturais e do trabalho que propiciem o desenvolvimento equilibrado de todas as formas, sem exceções. Logo, não haverá um ambiente sadio quando não se elevar ao mais alto grau de excelência, a qualidade da integração e da interação desse conjunto”.
Ainda acerca do conceito do que, juridicamente falando, é “meio ambiente” discorre Antunes[2]:
“O conceito de meio ambiente, como se pode ver antes, é um conceito que implica reconhecimento de totalidade. Isto é, meio ambiente é um conjunto de ações, circunstâncias, de origem cultural, social, física, naturais e econômicas que envolvem o homem e toda forma de vida, É um conceito mais amplo do que o de natureza que, como se sabe, em sua acepção tradicional, limita-se aos bens naturais”.
Já Mileré[3] conceitua “meio ambiente” da seguinte maneira:
Meio ambiente é o conjunto dos elementos físico-químicos, ecossistemasnaturais e sociais em que se insere o homem, individual e socialmente, em um processo de interação que atenda ao desenvolvimento das atividades humanas, à preservação dos recursos naturais e das características essenciais do entorno, dentro de padrões de qualidade definidos”.
Tendo em vista que, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, é um dos princípios expressa e constitucionalmente defendido, era vital que se encontrassem maneiras de coibir a prática danosa ao mesmo, assegurando a eficiência do ditame de nossa Carta Magna.
A proteção, constitucionalmente garantida, do meio ambiente ecologicamente equilibrado encontra respaldo no artigo 225 da Constituição Federal de 1988[4]:
“Art. 225: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se à coletividade e ao Poder Público o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Uma das soluções encontradas para tentar afastar as práticas danosas ao meio ambiente foi criar medidas coibitivas direcionadas às grandes empresas e industrias, qual seja, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas em sede de crimes ambientais.
Tais medidas coibitivas voltadas às pessoas jurídicas, qual seja, a possibilidade de responsabilização penal das mesmas em sede de crimes ambientais, intentando dar eficiência e aplicabilidade ao disposto no artigo 225 da Constituição de 1988, vieram a ser consubstanciadasna Lei 9.605 de 1998, qual seja, a Lei dos Crimes Ambientais.
1. Da pessoa jurídica
Sendo o homem um animal gregário por natureza, associar-se com seus iguais, visando alcançar um objetivo em comum, e como forma de fortificação, sempre foi meta almejada pelo mesmo.
De maneira incrivelmente superficial podemos dizer que as sociedades se formaram, primária e principalmente, por essa característica da espécie humana, sendo, igualmente responsável pela origem das pessoas jurídicas.
Na busca de uma definição do que é a “pessoa jurídica”leciona-nos Rodrigues[5]:
“Pessoas jurídicas são entidades a que a lei empresta personalidade, isto é,são seres que atuam na vida jurídica, com personalidade diversa da dos indivíduos que os compõem, capazes de serem sujeitos de direitos e obrigações na ordem civil”.
Nas palavras de Prado[6]:
“A pessoa jurídica – organização destinada à prossecução de fins, a queordem jurídica atribui a suscetibilidade de ser titular de direitos e obrigações – pode ser considerada uma entidade fictícia, mera criação do direito, conforme a teoria da ficção; ou um ente real, organismos análogos aos seres humanos, conforme a teoria da realidade – ambas desenvolvidas pela doutrina civil e comercial.
A existência das pessoas jurídicas condiciona-se ao atendimento das exigências elencadas no artigo 45 do Código Civil Brasileiro de 2002:
“Art. 45: Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com ainscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo”.
Conforme já exposto, grandes empresas e industrias foram causadoras de enormes danos ambientais, em prol de matéria-prima e ampliação dos espaços de instalações mais baratos. Tais abusos eram possíveis devido ao fato de que, os administradores dessas empresas conseguiam impunidade para seus ilícitos ao esconderem-se por detrás da personalidade jurídica das sociedades que geriam.
A definição do que é “dano ambiental” nos é lecionada por Miralé[7] nos seguintes termos:
“Delimitou-se as noções de degradação da qualidade ambiental – “a alteração adversa das características do meio ambiente” - e poluição – “a alteração adversa da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, segurança e o bem estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos”.
“Ao assim estabelecer, o legislativo vincula, de modo indissociável, poluição e degradação ambiental, ao salientar que a poluição resulta da degradação, que se tipifica pelo resultado danoso, independentemente da inobservância de regras ou padrões específicos.”
Para romper com a impressão de estabilidade sentida pelos infratores a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, § 3º, atribui responsabilidade às pessoas jurídicas por seus atos ilícitos, conforme denota-se pela transcrição do supracitado artigo:
“Art. 225: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se à coletividade e ao Poder Público o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
Com o supratranscrito artigo da Constituição Federal de 1988 fica evidente a responsabilização penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais.
Sobre a noção jurídica de “responsabilidade” discorre Prado[8]:
“Responsabilidade é termo que se refere às consequências da conduta; sobo prisma jurídico-penal: a obrigação de suportar as consequências jurídicas do crime. Mediante a determinação da responsabilidade, procura-se tornar obrigado alguém a ressarcir um dano ou sofrer determinada pena, por motivo daquele efeito a que deu causa”.
2. Da responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais
Com a promulgação da Lei 9.605/98, conhecida como a Lei dos Crimes Ambientais, foi aberta a possibilidade, já prévia e constitucionalmente estabelecida, da responsabilização penal das pessoas jurídicas.
Ocorre que, o tema foi alvo de questionamentos doutrinários quanto à sua validade e possibilidade, estando de um lado os que defendiam a impossibilidade da responsabilização dos entes coletivos e, de outro, os que entendiam perfeita e plenamente aplicável a responsabilização.
Da corrente que não entendia cabível a responsabilização era apontada a inexistência jurídica da capacidade criminal das pessoas jurídicas, a ineficácia da aplicação de pena às mesmas, conforme aponta Sanctis[9]:
“Desprovidas de intenção, as pessoas jurídicas seriam incapazes de agir, oumelhor, de submeter-se ao direito criminal. Além disso, as penas não teriam sobre elas efeito algum, uma vez que não tendo consciência, não podem compreender o mal da sanção”.
A corrente que defendia a responsabilização apoiava-se no disposto no artigo 225, § 3º da Constituição Federal de 1988, bem como no disposto na Lei 9.605/98, além de, apontar que a medida era cabal para salvaguardar o meio ambiente dos abusos causados por pessoas jurídicas.
Sobre essa vertente, discorrem Costa Neto, Bello Filho e Costa[10]:
“O Direito Penal ecológico tem-se ressentido da dificuldade de se tornarefetivo, em razão de uma irresponsabilidade diluída, que se apresenta nas grandes empresas onde não se pode concretamente chegar ao causador do dano ambiental cometido pela pessoa jurídica. O Direito Penal Ambiental movimenta-se em busca de realizar o princípio da máxima efetividade e o princípio da preservação. A criminalização das condutas das pessoas jurídicas, afrontosas a bens jurídicos tutelados pelas normas penais, justifica-se com base em ambos os princípios. Isso porque a efetivação das normas ambientais – na vigência da responsabilidade individual exclusiva – era reduzida, exatamente pelo fato de a empresa funcionar como um biombo para a prática de crimes, não sendo possível, então, alcançar os verdadeiros responsáveis por trás da estrutura orgânica do ente coletivo e por detrás dos que operacionalizavam o comando criminoso”.
Corroborando com o entendimento de que a aplicabilidade da responsabilidade é inegável, comenta Prado[11]:
“A responsabilidade penal não é diferente da que se reconhece no direitocivil (ou a responsabilidade pública não difere da do direito privado); as pessoas jurídicas possuem bens jurídicos próprios; os atos da pessoa jurídica são tentados e executados com uma força que não guardam proporções com o número dos respectivos membros; há vontade social e ação institucional, que difere da vontade e ação pessoais; a história demonstra a possibilidade do delito corporativo e a respectiva punição”.
Há de se atentar que, a responsabilização penal das pessoas jurídicas é realidade em diversos outros países, como Portugal, Estados Unidos, Espanha, entre outros, não havendo motivo cabal para a não aplicação de tal instituto no ordenamento jurídico interno, uma vez que, a nossa Carta Magna, bem como a Lei 9.605/98, permitem o emprego da responsabilidade penal das pessoas jurídicas.
Conclusão
Diante da necessidade de proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, estipulado no artigo 225 da Constituição Federal de 1988, a criação de normas que visem à efetividade da coibição de práticas danosas ao mesmo, a responsabilização penal das pessoas jurídicas foi uma das maneiras encontradas para atingir este determinado fim.
Embora haja a corrente que entenda ser impossível a responsabilização penal da pessoa jurídica, a que entende ser aplicável é a majoritária, tendo sido por diversas vezes apoiada por julgados.
Tendo em vista que, a existência de um meio ambiente protegido implica diretamente na qualidade de vida, sendo uma necessidade inquestionável, uma norma que consiga atender a esta demanda é louvável e imprescindível, e, em nosso ordenamento jurídico, a resposta encontrada foi ditada pelo artigo 225, § 3º, da Constituição Federal de 1988 e, reconfirmada pela promulgação da Lei 9.605 de 1998.
Referências bibliográficas
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental, 8 ed. rev. Ampl. Atual., editora Lumens Juris. Rio de Janeiro. 2005.
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COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro; BELLO FILHO, Ney de Barros; COSTA, Flávio Dino. Crimes e infrações administrativas ambientais: comentários à Lei n_ 9.605/98.- 2ª ed. rev. e atual. Brasília: Brasília Jurídica, 2001.
MIGLIARI JÚNIOR, Arthur. Crimes ambientais, São Paulo: CS, 2ed., 2004.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina – prática – jurisprudência - glossário, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2 ed., 2001.
PRADO, Alessandra Rapassi Mascarenhas. Proteção penal do meio ambiente: fundamentos. São Paulo: Atlas, 2000.
RODRIGUES, Silvio. Direito civil – parte geral. São Paulo: Saraiva, 2003.
SANCTIS, Fausto Martins de. Responsabilidade penal das corporações e criminalidade moderna. 2. ed. – São Paulo: Saraiva, 2009.
[1]MIGLIARI JÚNIOR, Arthur. Crimes ambientais, São Paulo: CS, 2004, 2ed, p.12.
[2] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental, 8 ed. rev. Ampl. Atual., editora Lumens Juris. Rio de Janeiro. 2005. p. 227.
[3]MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina – prática – jurisprudência - glossário, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2 ed. 2001.
[4] BRASIL, Constituição Federal. Disponível em: Acesso em: 22 fev. 2015.
[5]RODRIGUES, Silvio. Direito civil – parte geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 86.
[6]PRADO, Alessandra Rapassi Mascarenhas. Proteção penal do meio ambiente:fundamentos. São Paulo: Atlas, 2000, p. 129.
[7]MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina – prática – jurisprudência - glossário, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, 2 ed, p.421.
[8]PRADO, Alessandra Rapassi Mascarenhas. Proteção penal do meio ambiente:fundamentos. São Paulo: Atlas, 2000, p. 129.
[9]SANCTIS, Fausto Martins de. Responsabilidade penal das corporações ecriminalidade moderna. 2. ed. – São Paulo: Saraiva,2009, p. 36.
[10]COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro; BELLO FILHO, Ney de Barros; COSTA,Flávio Dino. Crimes e infrações administrativas ambientais: comentários à Lein_ 9.605/98.- 2ª ed. rev. e atual. Brasília: Brasília Jurídica, 2001, p. 39.
[11]PRADO, Alessandra Rapassi Mascarenhas. Proteção penal do meio ambiente:fundamentos. São Paulo: Atlas, 2000, p. 137.
Advogada e pós-graduanda em Direito no Complexo Educacional Damásio de Jesus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROSA, Rafaela Miareli. Responsabilidade penal da pessoas jurídicas nos crimes ambientais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 mar 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43553/responsabilidade-penal-da-pessoas-juridicas-nos-crimes-ambientais. Acesso em: 22 nov 2024.
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