Resumo: Impõe-se a necessidade de verificar a possibilidade de a Defensoria Pública propor ação civil pública para defesa de direitos individuais homogêneos, haja vista o debate doutrinário e jurisprudencial acerca do tema.
Palavras-chave: Defensoria Pública. Ação Civil Pública. Direitos individuais homogêneos.Jurisprudência do STJ.
1. Introdução
Desde a expressa previsão da Defensoria Pública na Constituição Brasileira de 1.988, instituição relevante destinada à promoção e defesa dos direitos e interesses dos hipossuficientes, questionou-se a possibilidade de, para cumprir suas funções institucionais, a possibilidade de ela promover ação civil pública.
Visando estancar discussão acerca da possibilidade de a Defensoria Pública propor ação civil pública, importante instrumento para efetivo acesso à Justiça, o legislador constitucional e ordinário promoveu diversas alterações no ordenamento jurídico brasileiro, sem, contudo, pacificar a questão seja na doutrina ou jurisprudência, notadamente, no que tange aos direitos individuais homogêneos.
Nesta esteira, exsurge a necessidade de expor e discutir otema proposto.
2. Desenvolvimento
A ação civil pública (ACP) - prevista pela lei 7.347/1.985 - é instrumento por meio do qual se tutela interesses transindividuais, ou seja, direitos difusos, coletivosstricto sensu, e individuais homogêneos.
Importante consignar que a possibilidade de a ACP tutelar direitos individuais homogêneos foi inserta no ordenamento jurídico brasileiro pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), que, no inciso III do artigo 81, preceitua-os como sendo aqueles decorrentes de origem comum.
Melhor definindo o conceito de interesses e direitos homogêneos, Cleber Masson, em sua obra Interesses Difusos e Coletivos Esquematizado – 3ª edição, ensina que “nada mais são que direitos subjetivos com traço de identidade, de homogeneidade, na sua origem” – página 28.
É certo que, tratando-se de direitos individuais,cada lesado poderia, isoladamente, promover ação civil para obter a tutela pretendida, entretanto, atento ao fenômeno da massificação das relações, tendência irreversível da sociedade moderna, o legislador, visando concretizar o acesso à justiça, previu a possibilidade de a tutela de tal direito ser pleiteadapor meio de ação coletiva.
Assim, considerando que a faculdadede defesa de direitos individuais de forma coletiva é estabelecida por lei, cumpre salientar, que a legitimidade para propositura de ACP no que tange aos direitos individuais homogêneos, à luz do artigo 6º do atual Código de Processo Civil, é extraordinária.
Feitas tais considerações, pontua-se que, respeitadas as origens históricas da Defensoria Pública no Brasil, esta instituição foi expressamente criada pela Constituição Federal de 1.988, que, consoante redação original do artigo 134 dispunha: “A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV.”.
Assim, ante a previsão de que a Defensoria deveria promover a defesa dos interesses dos necessitados, e, ao fato de ser ela componente da estrutura do Estado, que, possuía desde a edição da lei 7.347/1.985 e CDC, legitimidade para propositura de ACP, parecia-nos evidente que, sem a necessidade de qualquer intermediação legislativa, poderia ela propor ação civil pública, de qualquer natureza, para tutelar direitos e interesses de hipossuficientes.
Não obstante, a legitimidade da Defensoria foi combatida, de modo que houve necessidade de os Tribunais Superiores se manifestarem sobre a temática.
Assim, o Superior Tribunal de Justiça decidiu:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXPLOSÃO DE LOJA DE FOGOS DE ARTIFÍCIO. INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNIOS. LEGITIMIDADE ATIVA DA PROCURADORIA DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO. VÍTIMAS DO EVENTO. EQUIPARAÇÃO A CONSUMIDORES. I – Procuradoria de assistência judiciária têm legitimidade ativa para propor ação civil pública objetivando indenização por danos materiais e morais decorrentes de explosão de estabelecimento que explorava o comércio de fogos de artifício e congêneres, porquanto, no que se refere à defesa dos interesses do consumidor por meio de ações coletivas, a intenção do legislador pátrio foi ampliar o campo da legitimação ativa, conforme se depreende do artigo 82 e incisos do CDC, bem assim do artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal, ao dispor expressamente que incumbe ao “Estado promover, na forma da lei, a defesa do consumidor”. II – Em consonância com o artigo 17 do Código de Defesa do Consumidor, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas que, embora não tendo participado diretamente da relação de consumo, vem a sofrer as conseqüências do evento danoso, dada a potencial gravidade que pode atingir o fato do produto ou do serviço, na modalidade vício de qualidade por insegurança. Recurso especial não conhecido. (REsp 181580(1998/0050249-1 de 22/03/2004)
Em que pese o pronunciamento do STJ, a questão não se pacificou, de modo que, no ano de 2.007, o legislador ordinário modificou a lei 7.347/ 85 e incluiu, expressamente, no artigo 5º, inciso II, a Defensoria Pública como legitimada a propor a ACP.
Parte da comunidade jurídica se insurgiu contra aludida disposição legal e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, por meio de ação direta de inconstitucionalidade, questionou a legitimidade da Defensoria Pública, demanda ainda não julgada (ADI 3943).
Buscando enfatizar a legitimidade da Defensoria Pública para propositura de ACP, a Lei Complementar 132/2.009, alterou a Lei Complementar 80/1.994, que organiza a instituição, e incluiu dentre as funções instituições o dever de “promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes”.
E, em meados do ano de 2.014, mais uma vez tentando pacificar a questão atinente à legitimidade da Defensoria Pública para propositura de ação coletiva e, também destacar quão cara é esta instituição para cumprimento dos objetivos da República Federativa do Brasil, o legislador alterou o artigo 134, caput, da Constituição de modo que, salientado ser ela instrumento do regime democrático, consignou que é função institucional da Defensoria Pública: “a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicialmente, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do artigo 5º, desta Constituição Federal” – grifei.
Assim, diante do novel dispositivo parece-nos, por ora, que não há mais fundamento para discussões sobre a legitimidade da Defensoria Pública para propor ação civil pública do interesse dos hipossuficientes.
E, também, que a atuação da Defensoria Pública, mormente no que tange aos direitos individuais homogêneos, deve visar atender diretamente àqueles carentes de recursos (artigo 5º, LXXIV, da CF).
Inclusive, pouco antes da suso citada alteração constitucional, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOAGRAVO EMRECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DADEFENSORIA PÚBLICA.
1. A jurisprudência desta Corte Superior é consolidada no sentido deque a Defensoria Pública tem legitimidade para propor açõescoletivas na defesa de direitos difusos, coletivos ou individuaishomogêneos. Precedentes: REsp 1.275.620/RS, Rel. Min. Eliana Calmon,Segunda Turma, DJe 22/10/2012; AgRg no AREsp 53.146/SP, Rel. Min.Castro Meira, Segunda Turma, DJe 05/03/2012; REsp 1.264.116/RS, Rel.Min. Herman Benjamin, Segunda Turmas, DJe 13/04/2012; REsp1.106.515/MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe2/2/2011; AgRg no REsp 1.000.421/SC, Rel. Min. João Otávio deNoronha, Quarta Turma, DJe 01/06/2011.
3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 67205 / RS
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
2011/0185647-7)”
E
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EMBARGOS INFRINGENTES.LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO CIVILPÚBLICA. LIMITADOR CONSTITUCIONAL. DEFESA DOS NECESSITADOS. PLANODESAÚDE. REAJUSTE. GRUPO DE CONSUMIDORES QUE NÃO É APTO A CONFERIRLEGITIMIDADE ÀQUELA INSTITUIÇÃO.
1. São cabíveis embargos infringentes quando o acórdão não unânimehouverreformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ouhouver julgado procedente a ação rescisória (CPC, art. 530).Excepcionalmente, tem-se admitido o recurso em face de acórdão nãounânime proferido no julgamento do agravo de instrumento quando oTribunal vier a extinguir o feito com resoluçãodo mérito.
2. Na hipótese, no tocante à legitimidade ativa da Defensoria Pública para o ajuizamento de ação civil pública, não bastou ummeroexame taxativo da lei,havendo sim um controle judicial sobre arepresentatividade adequada da legitimação coletiva. Com efeito,para chegar à conclusão da existência ou não de pertinênciatemática entre o direito material em litígio e as atribuiçõesconstitucionais da parte autora acabou-se adentrando no terreno domérito.
3. A Defensoria Pública, nos termos do art. 134 da CF, "éinstituição essencial àfunção jurisdicional do Estado,incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus,dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV". É, portanto,vocacionada pelo Estado a prestar assistência jurídica integral egratuita aos que "comprovarem insuficiência de recursos" (CF, art.5°, LXXIV), dando concretude a esse direito fundamental.
4. Diante das funções institucionais da Defensoria Pública, há, sobo aspecto subjetivo, limitador constitucional ao exercício de suafinalidade específica - "a defesa dos necessitados" (CF, art. 134)-, devendo os demais normativos serem interpretados à luz desseparâmetro.
5. A Defensoria Pública tem pertinência subjetiva para ajuizaraçõescoletivas em defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, sendo que no tocante aos difusos, sua legitimidade seráampla (basta que possa beneficiar grupo de pessoas necessitadas),haja vista que o direito tutelado é pertencente a pessoasindeterminadas. No entanto, em se tratando de interesses coletivosem sentido estrito ou individuais homogêneos, diante de gruposdeterminados de lesados, a legitimação deverá ser restrita àspessoas notadamente necessitadas.
6. No caso, a Defensoria Pública propôs ação civil públicarequerendo a declaração de abusividade dos aumentos de determinadoplano de saúde em razão da idade.
7. Ocorre que, ao optar por contratar plano particular de saúde,parece intuitivo que não se está diante de consumidor que possa serconsiderado necessitado a ponto de ser patrocinado, de formacoletiva, pela Defensoria Pública. Ao revés, trata-se de grupo queao demonstrar capacidade para arcar com assistência de saúdeprivadaevidencia ter condições de suportar as despesas inerentes aosserviços jurídicos de que necessita, sem prejuízo de suasubsistência, não havendo falar em necessitado.
8. Diante do microssistema processual das ações coletivas, eminterpretação sistemática de seus dispositivos (art. 5°, § 3°, daLei n. 7.347/1985 e art. 9° da Lei n. 4.717/1965), deve ser dadoaproveitamento ao processo coletivo, com a substituição (sucessão)da parte tida por ilegítima para a condução da demanda.Precedentes.
9. Recurso especial provido. (REsp 1192577/RS ECURSO ESPECIAL
2010/0080587-7)” - grifei
Em nosso sentir, ainda, dado a relevância da defesa de direitos coletivos lato sensu, não é razoável interpretar restritivamente a possibilidade de propositura de ACP para defesa de direitos individuais homogêneos para permitir que a Defensoria atue exclusivamente da defesa dos hipossuficientes.
Possuindo os direitos individuais homogêneos origem comum, é possível que parte dos interessados sejam carentes e façam jus a atuação da Defensoria Pública e parte possua a possibilidade econômica de defender e buscar a efetividade de seus direitos.
Nesta toada,restando o direito de um hipossuficiente violado, e, em observância ao insofismável princípio da igualdade, deve a Defensoria Pública discutir e buscar resguardar o interesse de todos que se encontrem na mesma situação daquele reputado como carente e possível “usuário” dos serviços da Defensoria Pública.
3. Conclusão
A Defensoria Pública, sem olvidar de vozes dissonantes, possui legitimidade para propositura de ação civil pública para direitos individuais homogêneos, tendo como escopo cumprir suas funções institucionais previstas na Magna Carta e na Lei Complementar 80/1.994, que incumbiram à instituição a defesa dos hipossuficientes.
Forçoso concluir, também, que a atuação da Defensoria Pública, sempre que necessário, em atenção ao princípio da igualdade, poderá pleitear direitos de todos os interessados, como medida de resguardo do Estado Democrático de Direito.
4. Referências bibliográficas
I. Reis, Gustavo Augusto Soares dos. Zveibil, Daniel Guimarães, Junqueira, Gustavo. Comentários à Lei da Defensoria Pública. Saraiva, 2013.
II. Andrade, Adriano, Masson, Cleber, Andrade, Landolfo. Interesses Difusos e Coletivos; Esquematizado. 3ª ed. São Paulo: Método: 2013.
Juíza de Direito do TRibunal de Justiça do Estado de São Paulo (desde 10/2016 - atual). Defensora Pública do Estado de Pernambuco (10/2015 - 10/2016). Analista de Promotoria do Ministério Público do Estado de São Paulo (07/2011 - 10/2015). Advogada (05/2008 - 07/2015). Formada em Direito pela Universidade Prebisteriana Mackenzie - SP. Mestranda em Direito - habilitação em Efetividade do Direito (núcleo de Direito Penal) - pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (agosto/2020) - em andamento.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Fernanda Oliveira. Apontamentos sobre a possibilidade de propositura de ação civil pública para defesa de direitos individuais homogêneos pela Defensoria Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 mar 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43638/apontamentos-sobre-a-possibilidade-de-propositura-de-acao-civil-publica-para-defesa-de-direitos-individuais-homogeneos-pela-defensoria-publica. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
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