Resumo: Este artigo aborda a distinção que deve haver entre a figura jurídica do usufruto e os rendimentos que decorrem de seu exercício, para fins de penhora no bojo de processo de execução. Visa a demonstrar que, se o devedor recebe aluguéis em virtude de ser usufrutuário de algum bem, os valores a esse título são plenamente penhoráveis. Excetua a caracterização de bem de família. Traz exemplos de casos cotidianos vividos no âmbito da Procuradoria da Fazenda Nacional.
Muito se discute, entre os juristas e demais aplicadores do Direito, sobre a viabilidade de que sobre os rendimentos decorrentes do exercício do direito de usufruto recaia constrição judicial.
Este trabalho visa a auxiliar na solução desse dilema. Faz-se necessário, portanto, fixar algumas premissas.
É certo que o usufruto constituído em favor de alguém é inalienável. É o que dispõe expressamente o art. 1.393 do Código Civil, segundo o qual “não se pode transferir o usufruto por alienação”.
Tal conclusão gera a consequência de que o usufruto é, de fato, impenhorável, por força do art. 649, I, do Código de Processo Civil, o que, por sua vez, faz com que não possa responder por dívidas, sobretudo de origem tributária, uma vez que o art. 184, in fine, do Código Tributário Nacional, o exclui de forma explícita.
2. Desenvolvimento
A pergunta que se faz diante do contexto que se apresenta: uma pessoa que figure como usufrutuária de um imóvel, e não seja proprietária de outros bens, está imune à penhora? Acredita-se que não.
Com efeito, muito embora deva ser reconhecido que o ordenamento pátrio vede a penhora do usufruto ontologicamente considerado, tal não se dá com relação aos rendimentos decorrentes do exercício do direito real em comento.
Ora, o mesmo dispositivo legal que estabelece que o usufruto não é passível de ser alienado – art. 1.393 do Código Civil, acima citado –, prevê que “seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso”.
Desse modo, ao usufrutuário é permitido proceder à locação do respectivo bem ou até emprestá-lo, por mero comodato. E das duas opções que possui, a primeira é a que interessa mais de perto a um processo de execução.
Ora, se o usufrutuário recebe algum tipo de pagamento como forma de retribuição à cessão do direito real de que é titular, este passa a revelar flagrante conteúdo econômico, apto a ensejar que os respectivos valores sejam amealhados em proveito de um eventual credor.
Esse raciocínio, inclusive, é o que mais se coaduna com o disposto no art. 716 do Código de Processo Civil, que possibilita ao magistrado “conceder ao exeqüente o usufruto de móvel ou imóvel, quando o reputar menos gravoso ao executado e eficiente para o recebimento do crédito”.
Harmoniza-se, outrossim, com a regra do art. 650 do CPC, segundo a qual “podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e rendimentos dos bens inalienáveis, salvo se destinados à satisfação de prestação alimentícia”.
Se assim o é, torna-se incorreto falar em impenhorabilidade em casos como da espécie.
Na jurisprudência, tem-se constatado que tem prevalecido orientação em idêntico sentido.
Do acervo de e. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, colhe-se a conclusão de que “o usufruto é personalíssimo e intransferível (artigo 1393 do Código Civil), mas o direito de usar e gozar da coisa pode ser cedido, gratuita ou onerosamente, o que confere valor econômico a esse direito” e que “a constrição apenas se justifica quando é possível auferir algum rendimento com o exercício do usufruto, hipótese em que, uma vez efetuada a penhora, tais rendimentos são transferidos ao credor exequente”. Tais excertos têm origem no julgamento do Agravo de Petição n. 00073-1996-104-03-00-0, de relatoria do Desembargador do Trabalho Paulo Roberto de Castro, datado de 15/05/2008, com publicação em 05/06/2008.
Não é outro o entendimento do e. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, o qual possui acórdão, de cuja ementa se extrai que, “sendo por regra inalienável, o usufruto é também impenhorável, somente sendo admissível a constrição desse seu exercício, como é o caso dos frutos dele decorrentes”, proveniente do Agravo de Petição n. 00774-1996-011-02-00-4, sendo relator o Desembargador do Trabalho Marcelo Freire Gonçalves, julgado em 21/06/2007 e publicado em 06/07/2007.
A seu turno, se constatado que o devedor reside no imóvel em relação ao qual ostenta a qualidade de usufrutuário, ou que se trata, de qualquer outro modo, de seu bem de família, digno de proteção pela Lei n. 8.009/1990, a penhora será indubitavelmente incabível.
Para que situações semelhantes àquela acima mencionada sejam efetivamente demonstradas, mostra-se necessário, por óbvio, que o Sr. Oficial de Justiça, cumprindo seu mister, compareça ao local.
Episódios práticos surgem, contudo, na rotina diária da Procuradoria da Fazenda Nacional, que não se enquadram na ressalva acima destacada.
Quando, por exemplo, já se encontra comprovado que o devedor fixou sua moraria em outro endereço que não corresponda ao do imóvel do qual detém o usufruto, isso, por si só, denota uma grande probabilidade de que, realmente, aufira algum capital com base em sua condição jurídica.
Outras hipóteses são ainda mais claras. Por vezes, consta da matrícula imobiliária que o imóvel possui uma benfeitoria, materializada em uma edificação para fins comerciais, o que reforça a expectativa de que haja recebimento de valores, a título de aluguel.
Revela-se bastante útil, igualmente, a utilização de ferramentas virtuais, como mapas e imagens por satélite. Por meio delas, obteve-se sucesso, em determinado caso, em verificar que, no imóvel, estava instalado um posto de combustíveis e que o devedor, que havia transmitido a nua-propriedade a seus filhos, efetuava locação para uma grande rede do setor.
3. Conclusão
Em suma, há de ter-se em mente que o usufruto em si e os rendimentos que dele emanam são conceitos inconfundíveis. Assim, a problemática, no ponto, a respeito da constrição judicial parece dirimida.
Referências bibliográficas
BRASIL. Código Civil, Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>, acesso em 22/03/2015.
_______. Código de Processo Civil, Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm>, acesso em 22/03/2015.
_______. Código Tributário Nacional, Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172Compilado.htm>, acesso em 22/03/2015.
_______. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Acórdão proferido em Agravo de Petição n. 00774-1996-011-02-00-4. Relator: Desembargador do Trabalho Marcelo Freire Gonçalves. Disponibilização no DJ de 05/07/2007.
_______. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Acórdão proferido em Agravo de Petição n. 00073-1996-104-03-00-0. Relator: Desembargador do Trabalho Paulo Roberto de Castro. Disponibilização no DJ de 04/06/2008.
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