Resumo: Este artigo trata dos casos de penhora de bens que são objeto de condomínio. Objetiva defender a ideia de que inexiste qualquer empecilho para tanto, criticando a posição jurisprudencial segundo a qual a medida ofenderia o princípio da proporcionalidade, sob pena de reconhecer-se implicitamente a inconstitucionalidade do art. 591 do Código de Processo Civil. Expõe que, ainda que estejam em jogo valores ínfimos, essa peculiaridade não se mostra relevante para a Fazenda Pública, contra quem o art. 659, § 2º, do Código de Processo Civil, não seria invocável.
Palavras-chaves: penhora, condomínio, desproporcionalidade, irrisoriedade, fazenda, isenção, custas.
1. Introdução
Um assunto que é recorrentemente levado à apreciação dos tribunais pátrios diz respeito à penhora de bens, principalmente imóveis, cuja propriedade não seja unicamente do devedor, mas dividida com terceiros estranhos à lide.
A jurisprudência frequentemente tem trilhado o caminho no sentido a medida constritiva, em casos como tais, seria desproporcional, o que, concessa venia, é lamentável.
Este trabalho visa a contribuir para que se compreendam os motivos do desacerto da orientação que tem prevalecido judicialmente.
2. Desenvolvimento
A regra geral, no Direito brasileiro, é a penhorabilidade dos bens do devedor. É o que dispõe o art. 591 do Código de Processo Civil, consoante o qual “o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”.
O próprio dispositivo acima mencionado estabelece que, para determinado bem ser reconhecido como impenhorável, é necessário que exista previsão legal expressa a esse respeito.
Havendo norma proibitiva de que certo bem seja penhorado, estar-se-á, em outras palavras, diante de uma exceção, o que obrigatoriamente conduz a uma interpretação restritiva.
A assertiva acima consagra conhecido critério hermenêutico e, como tal, deve pautar a resolução da presente controvérsia.
Imóveis que sejam objeto de condomínio, a rigor, não se enquadram nas proibições elencadas no art. 649 do Código de Processo Civil, tampouco fazem jus, por si sós, à proteção conferida aos bens de família pela Lei n. 8.009/90, exceto se devidamente comprovado que alguém lá tenha instituído sua residência.
Em verdade, o Poder Judiciário, ao impedir que esses bens se prestem a garantir o crédito exequendo, acaba por criar uma hipótese absolutamente inédita de impenhorabilidade: a copropriedade.
Atua, porém, como verdadeiro legislador positivo, o que é vedado, por ofensivo ao princípio da separação de poderes, estampado no art. 2º da Constituição da República.
Ora, o fato de o imóvel em tela ter seu domínio compartilhado por várias pessoas, por completa falta de amparo legal, não tem o condão de escudar o devedor de adimplir suas obrigações.
Se assim não fosse, razão não teria de existir o art. 1.118, I, do Código de Processo Civil, que prescreve que, “na alienação judicial de coisa comum, será preferido, em condições iguais, o condômino ao estranho”.
Ou seja, embora a copropriedade possa afastar eventuais interessados em arrematar as porções leiloadas, diante das complicações decorrentes de compelir um relacionamento com os titulares das outras frações, esse fato não só é insuficiente para tornar a penhora defesa, como também pode propiciar que estes últimos assumam seu interesse em dar seus lanços, no intuito de praticar uma verdadeira remição.
No ponto, um aspecto importante ainda precisa ser levado em conta.
É que eventual manutenção do entendimento de que o princípio da proporcionalidade merece ser prestigiado em detrimento da regra do art. 591 do Código de Processo Civil, já transcrito anteriormente, importará no afastamento deste último, o que somente pode ser efetivado caso seja declarado sua inconstitucionalidade.
Não se deve olvidar que é impossível repelir a aplicação de uma norma constante do ordenamento pátrio sem considerá-la contrária à Carta Magna.
Não é com outro propósito que e. Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante 10, segundo a qual “viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”.
Naturalmente, qualquer regra infraconstitucional apenas deixa de produzir seus efeitos se o exame de sua compatibilidade com os preceitos da Lei Maior resultar em resposta negativa.
O único fundamento viável para o indeferimento de pedidos na espécie, sem que se revele imprescindível tangenciar a análise acerca da constitucionalidade do dispositivo legal em apreço, seria, sem sombra de dúvidas, a irrisoriedade da penhora, para o que deverá ser invocado o art. 659, § 2º, do Código de Processo Civil, que estabelece que ela “não se levará a efeito (…), quando evidente que o produto da execução dos bens encontrados será totalmente absorvido pelo pagamento das custas da execução”.
Em outras palavras, se o valor do bem a ser penhorado – in casu, a parte ideal do bem objeto de condomínio – é inferior ao que devido a título de custas processuais, não cabe, em princípio, concretizar a penhora.
A problemática, contudo, ganha contornos mais complexos, quando o credor é o ente público federal, pois este, assim como os Estados, Municípios, Distrito Federal e respectivas autarquias, é isento das custas processuais, consoante expressamente prescrito no art. 4º, I, da Lei n. 9.289/96.
Havendo isenção de custas processuais em favor da União, qualquer controvérsia sobre a suficiência do produto da arrematação do bem penhorado para o pagamento da aludida taxa não lhe diz respeito.
É o que recentemente assentou o e. Superior Tribunal de Justiça, no acórdão proferido em sede de Recurso Especial n. 1.187.161/MG, de relatoria do Ministro Luiz Fux, julgado em 05/08/2010 e publicado em 19/08/2010, de cuja ementa consta que a norma do art. 659, § 2º, do Código de Processo Civil, “tem como destinatário o credor exeqüente, para que não despenda fundos líquidos mais expressivos do que o crédito que se tem que receber”, mas, se “a Fazenda Pública é isenta de custas”, a penhora “não pode ser liberada sem a sua aquiescência, a pretexto da aplicação” do referido dispositivo legal.
Em suma, o art. 659, § 2º, do Código de Processo Civil, não incide nas execuções fiscais movidas pela Fazenda Pública, razão pela qual, caso esta deseje penhorar bens de valor modesto, impõe-se a realização da medida, salvo se explicitamente se manifeste em sentido contrário, em obediência, aliás, ao princípio de que a execução se realiza em seu interesse, nos termos do art. 612 do mesmo diploma legal.
Vale ressaltar, por sua vez, que o princípio da menor onerosidade só tem lugar quando é possível que se lhe contraponha uma maior onerosidade. Não é à toa que o art. 620 do Código contém o seguinte comando condicional: “quando por vários meios o credor puder promover a execução (…)”.
Perquirir, portanto, acerca de um eventual constrangimento em desfavor do devedor revela-se aceitável apenas quando estão em jogo dois bens penhoráveis e que, sem prejuízo, sejam aptos a garantir a totalidade do crédito em cobrança. Nessa situação, após serem sopesadas, rejeita-se justamente a penhora que mais o onera.
Todavia, havendo bens passíveis de constrição judicial que somente garantirão parte da dívida, remanesce uma única forma de onerar o devedor.
Em paradigmático julgado oriundo do e. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, encontra-se registrado, quanto ao tópico, que “são comparáveis dois bens penhoráveis: não um com nenhum”. É exatamente o que consta do Agravo de Instrumento n. 2000.03.00.009146-5/SP, sendo relator o Desembargador Federal Fábio Prieto, julgado em 17/10/2000 e publicado em 27/03/2001.
3. Conclusão
A conclusão a que se chega, nesse contexto, é que descabe repelir a penhora de bens cujo domínio se dê concomitantemente entre o devedor e outra(s) pessoa(s) que não componha(m) o polo passivo da demanda executiva, em especial se a parte ex adversa for a Fazenda Pública.
Referências bibliográficas
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_______. Código de Processo Civil, Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm>, acesso em 22/03/2015.
_______. Lei n. 9.289/96. Dispõe sobre as custas devidas à União, na Justiça Federal de primeiro e segundo graus e dá outras providências. Disponível em <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9289.htm>, acesso em 22/03/2015.
_______. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão proferido em Recurso Especial n. 1.187.161/MG. Relator: Ministro Luiz Fux. Disponibilização no DJ de 18/08/2010.
_______. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento n. 2000.03.00.009146-5/SP. Relator: Desembargador Federal Fábio Prieto. Disponibilização no DJ de 27/03/2001.
Procurador da Fazenda Nacional, especialista em Direito Público pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINHEIRO, Luciano Douglas Cavalcanti. A inexistência de óbice legal para a penhora de bens que são objeto de condomínio, notadamente quando o credor é a Fazenda Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 abr 2015, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43934/a-inexistencia-de-obice-legal-para-a-penhora-de-bens-que-sao-objeto-de-condominio-notadamente-quando-o-credor-e-a-fazenda-publica. Acesso em: 22 nov 2024.
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