Resumo: O presente artigo visa esclarecer o real alcance do delito tipificado no artigo 35 da Lei 11.343 de 2006, bem como mostrar as divergentes opiniões no que tange a sua hediondez ou não.
Palavras-chave: associação para o tráfico de drogas. Artigo 35 da Lei 11.343 de 2006. Crime hediondo.
O Crime de Associação para a prática do tráfico de drogas
O artigo 35 da Lei de Drogas tipificou a conduta de associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos artigo 33, caput e parágrafo primeiro e artigo 34 desta Lei.
Para maioria da doutrina e jurisprudência, o artigo 35 da Lei 11.343 de 2006 exige para ocorrência do delito que haja estabilidade e permanência. Sendo assim, não se admite a ocorrência do mencionado crime quando a atuação se dá de forma individual e ocasional. Exige-se animus associativo prévio entre os indivíduos formando uma societas sceleris, em que todos agem de modo coeso e, com uma conjugação de esforços, unem suas condutas para a prática de atividades criminosas agindo com o fim colimado: praticar o ato ilícito de substância entorpecente. É necessário, pois, que a união dos envolvidos esteja qualificada por um vínculo associativo, duradouro e estável, distinto da comunhão de esforços meramente ocasional.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. NECESSIDADE DE ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA PARA A COMPROVAÇÃO DO DELITO DESCRITO NO ART. 35 DA LEI ANTIDROGAS. MERO CONCURSO DE AGENTES. ABSOLVIÇÃO. REVALORAÇÃO DE PROVAS. POSSIBILIDADE. MINORANTE PREVISTA NO ART. 33, § 4.º, DA LEI N.º 11.343/06. REINCIDÊNCIA. INAPLICABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Esta Corte Superior possui entendimento no sentido de que não só há necessidade da comprovação da estabilidade, mas também, da permanência na reunião dos sujeitos do delito, não podendo a simples associação eventual ser considerada para fins de configuração do crime descrito no art. 35 da Lei n.º 11.343/76. Absolvição que não demandou o reexame de provas, mas apenas sua revaloração.2. Sendo o Acusado reincidente - o que afasta o requisito da primariedade -, mostra-se incabível a aplicação da minorante prevista no art. 33, § 4.º, da Lei n.º 11.343/06.3. À míngua de argumentos novos e idôneos para infirmar os fundamentos da decisão agravada, mantenho-a incólume.4. Agravo regimental desprovido.(AgRg no AREsp 507.278/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 18/06/2014, DJe 01/08/2014)
Questões atinentes a hediondez do crime de associação
Como é sabido, há por óbvio, duas posições acerca da hediondez do delito de associação para o tráfico de drogas.
Primeiramente, iremos mencionar os fundamentos que amparam a hediondez do mencionado delito. Em defesa desse posicionamento podemos afirmar que o fato de ser o crime de associação para o tráfico de drogas considerado delito autônomo não o retira do rol dos delitos equiparados a hediondo, principalmente quando a condenação se dá em concurso com o crime de tráfico de drogas.
A Constituição Federal, no artigo 5º, inciso XLIII, equipara o tráfico a crime hediondo, contudo, cabe a lei ordinária minudenciar as modalidades de conduta na prática do tráfico ilícito de drogas. Atualmente é a Lei 11.343 de 2006 que o faz, nos artigos 33 ao 37. Nesse sentido, todas as formas pelas quais o tráfico de drogas se exterioriza são hediondas.
Importante ressaltar que a Lei dos Crimes Hediondos, no mesmo vértice, não tipifica quais condutas constituem o tráfico ilícito de drogas, repise-se, isso é feito pela Lei de Drogas. Pois bem, se associação não fosse considerada crime hediondo por falta de previsão legal, também não seria a plantação para a produção da droga, tendo em vista que o artigo 2º da mencionada Lei refere-se apenas ao “tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins”.
A hediondez atribuída a tais delitos, como característica de maior reprovação pelo ordenamento jurídico, é expressa por diferenças marcadas entre tais crimes e os ditos comuns, como faz o artigo 2º da Lei 8.072 de 1990.
Expurgar essas diferenças é anular a desproporção das condutas daqueles que cometem delitos eleitos pela política criminal como de maior gravidade ante o acentuado prejuízo social que ocasionam e os demais. Fere-se a individualização, a razoabilidade e a proporcionalidade na punição.
Ademais, para os defendem essa corrente, seria descabido atribuir a hediondez ao delito de tráfico de drogas e não a atribuir ao delito de se associar para o fim de cometer o repudiado tráfico. E mais, ocorreria o absurdo de se condenar ao cumprimento de pena em moldes mais severos aquele que trafica e em molde mais brandos os que se associam para tal prática. E esse raciocínio se torna mais repudiável se considerarmos os casos em que o réu é condenado pelos dois delitos, pois cumprirá a pena de forma diversa para cada um dos crimes, sendo que o fim pretendido era o mesmo – fomentar, servir ou aumentar o odioso mundo dos que vivem do vício e da auto degeneração.
Com efeito, a associação criminosa, especialmente a que se dedica ao comércio de drogas, é, sem dúvida, prejudicial à sociedade, pois o grau de periculosidade é muito superior ao traficante individual. Vale ressaltar que as associações de traficantes são responsáveis pelo crescimento elevado de inúmeros outros crimes (homicídios, delitos patrimoniais...), aumentando de forma considerável a criminalidade de forma geral.
Por outro lado, há entendimento diverso que preconiza que o artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos não incluiu em seu rol o delito de associação para o tráfico, fazendo parte dele apenas o tráfico de drogas.
Para essa corrente o artigo 35 da Lei de Drogas não pode ser caracterizado como crime equiparado a hediondo, pois em si, não representa uma das condutas do tráfico de drogas, mas apenas a finalidade de realizá-lo.
E mais, o rol dos crimes hediondos e equiparados está previsto taxativamente na lei, não se admitindo a analogia in malan partem, para incluir em situação mais gravosa delito não considerado pelo legislador.
Pois bem. O tráfico de drogas é um dos temas políticos e jurídicos mais importantes da atualidade, visto que se trata de um crime com repercussões negativas diversas que despertou a discussão acerca dos possíveis e melhores mecanismos para sua eliminação.
Contudo, no Brasil vigora o entendimento de que a associação para o tráfico de drogas não é considerado hediondo não se submetendo, assim, às normas mais severas previstas pela Lei 8.072 de 1990. A justificativa para tanto consiste na ausência de previsão legal.
A propósito:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DESCABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. CRIME NÃO INCLUÍDO NO ROL DOS DELITOS HEDIONDOS OU EQUIPARADOS. PROGRESSÃO DE REGIME. LAPSO DE 1/6 A SER APLICADO. FLAGRANTE ILEGALIDADE EVIDENCIADA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. - O Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, passou a inadmitir habeas corpus substitutivo de recurso próprio, ressalvando, porém, a possibilidade de concessão da ordem de ofício nos casos de flagrante constrangimento ilegal. - O Superior Tribunal de Justiça entende que o delito de associação para o tráfico de drogas não possui natureza hedionda, por não estar expressamente previsto nos arts. 1º e 2º, da Lei n. 8.072/90. - Afastada a hediondez do delito descrito no art. 35 da Lei n. 11.343/06, deve ser cumprido o lapso de 1/6 de pena para a progressão de regime, não se aplicando o disposto no art. 2º, § 2º da Lei n. 8.072/90. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para determinar que o Juízo das Execuções, analisando o caso concreto, avalie a possibilidade de concessão ao paciente da progressão de regime, afastando-se a condição de hediondo do delito de associação para o tráfico. (HC 294.935/SP, Rel. Ministro ERICSON MARANHO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 12/02/2015, DJe 26/02/2015)
Sendo assim, como consequência desse posicionamento, verifica-se que há um enfraquecimento da repressão ao crime em comento e a perda de eficácia da Lei de Drogas, que não ocorreria se associação fosse tratada, como nos faz crer, como delito hediondo, sujeitando seus infratores às regras restritivas da Lei dos Crimes Hediondos, que infelizmente se adequaria mais a atual realidade social e jurídica.
Referencias Bibliográficas:
NUCCI, Guilherme de Souza, Leis penais e processuais penais comentadas. Vol. I, 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
BIANCHNI Alice, GOMES Luiz Flávio Gomes, CUNHA Rogério Sanches, OLIVEIRA William Terra, Lei de Drogas Comentada - 5ª Edição, Ed. RT, 2013.
Formada em direito pela Universidade Fumec em julho de 2004. Analista juciária do Ministerio Público de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RABELO, Fernanda Albernaz. O Crime de Associação para o Tráfico de Drogas e as questões quanto sua hediondez Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 abr 2015, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/43953/o-crime-de-associacao-para-o-trafico-de-drogas-e-as-questoes-quanto-sua-hediondez. Acesso em: 22 nov 2024.
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