RESUMO: O presente artigo faz uma breve abordagem sobre da redução da maioridade penal, utilizando-se de estudos de órgãos legislativo e jurisdicional, bem como, análise documental, doutrinário e legal, trazendo à baila características das infrações cometidas por adolescente em conflito com a lei, tendo como escopo trazer argumentos jurídicos e apresentar as razões da impossibilidade de redução da maioridade penal do meio de emenda à Constituição.
Palavras-chaves - Maioridade Penal, ECA, Constituição, Cláusula Pétrea.
I- Introdução
O envolvimento de menores em práticas criminosas reascende no meio social o debate sobre a redução da maioridade penal, nesse sentido, o Congresso Nacional é a Caixa de ressonância da sociedade, por isso, o afloramento dessa discussão acaba desaguando no Parlamento.
Só na Câmara dos Deputados tramitou sobre o tema, aproximadamente, sessenta propostas, que vai desde pedidos de plebiscito até Projetos de Emendas Constitucionais, com a finalidade de alterar o artigo 228 da Carta Magna, com escopo final de reduzir para dezesseis anos a imputabilidade penal.
Algumas propostas buscam acrescentar parágrafos ao referido artigo para que sejam feitas avaliações psicológicas nos menores infratores para saber o grau de discernimento, só para, então, aplicar a punição. Alguns projetos se prestam também a aumentar o tempo de internação prevista na Legislação Especial (ECA) a depender da infração. Nesse aspecto, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados votou pela constitucionalidade da PEC 171/93.
O objetivo do presente artigo é analisar as possíveis causas que levam menores a transgredir a lei, bem como as pratica ilegais mais comum, para em seguida, trazer à baila com base em revisão bibliográfica e doutrinária aspectos quanto à possibilidade de reduzir a maioridade penal por meio de Emenda Constitucional.
II- Internação x prisão – o que tem com comum?
É senso comum na sociedade o entendimento que menor que comete infração, não é punido, o que não é verdade, pois:
Independentemente da conclusão que se chegue com relação ao inicio da maturidade penal, uma grande parcela se submeterá a medidas de internação que, da mesma forma, possuem natureza punitiva, ou seja, por mais que não se lhes dê o nome de pena, essas medidas socioeducativas, como são chamadas no Brasil, equivalem ao cumprimento de pena, por mais que tenham regras próprias, diferenciadas de condenação a uma pena de privação de liberdade a alguém imputável. (GRECO, 2011, p. 449).
Como bem expõe Rogério Greco, no caso da internação, na prática, nada mais é do que a privação da liberdade e, mesmo que não exceda três anos conforme inteligência do Art. 121 §3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, além da internação, ainda determina várias medidas disciplinares, como, advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida e inserção em regime de semiliberdade.
A redução da maioridade penal de 18 para 16 anos divide opiniões, não só na sociedade, mas também entre juristas. Quem se posiciona contra, expõe como argumento principal a ineficácia da redução, uma vez que adolescentes que cometem ato infracional, se jogado no sistema prisional, sairia pior do que entrou.
Outro fator que deve ser considerado é de que a população carcerária brasileira, em 2014, segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), chegou a 563.526 presos, sendo assim, se a maioridade penal for reduzida, essa população aumentará consideravelmente, agravando ainda mais o problema da superlotação no sistema carcerário, que já sofre com um déficit de 206.307 vagas nas prisões, pois segundo estudos realizados pelo Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2011 o Brasil tinha 17.502 internos, distribuídos pelos 320 estabelecimentos de execução de medida socioeducativa existentes no país.
Reduzi a maioridade penal e uma forma encontrada para lavar as mãos diante de um problema que não se resolverá dentro das cadeias. Desta feita, a saída mais viável para enfrentar o problema seria os investimentos preventivos com o cumprimento integral do Estatuto da Criança e do Adolescente, buscando a priori, que sejam desenvolvidas políticas públicas oferecendo educação e saúde de qualidade, além do lazer.
Para os menores que transgredem a lei praticando condutas definidas como crime, as medida de segurança, proposta pela legislação especial (Lei 8.069/90 - ECA), se executadas com os devidos cuidados e acompanhamento, aplicando as medidas previstas na lei, respeitando a proporção à transgressão, o objetivo de devolver esses menores devidamente reabilitados à sociedade, será alcançado. No caso dos que praticam condutas mais graves, cuja previsão legal seja a internação, essa deverá ser devidamente acompanhada por profissionais adequados, cujo objetivo seja a readaptação ao convívio social, a partir do desenvolvimento de políticas eficazes, oferecendo serviços capazes de incluir o adolescente completamente recuperado à sociedade, pois “os menores, assim como os presos imputáveis, devem ser tratados com observação do princípio da dignidade da pessoa humana.” (GRECO, 2011. p. 449).
Todavia, segundo os defensores da redução, o que leva o adolescente a cometer ilícitos é a certeza da impunidade. Os favoráveis lançam mão do direito que o adolescente de 16 anos tem de se emancipar civilmente podendo, inclusive, abrir uma empresa e geri-la, e ainda exercer os direitos políticos relativos, podendo votar e escolher seus governantes, tendo discernimento suficiente para saber o que é certo e o que é errado, podendo, portanto, serem punidos com os rigores do Código Penal. O certo é que:
Em vários aspectos importantes, as condições iniciais para ser declarado penalmente responsável e as consequências disso são diferentes para menores e para adultos [...] Biológica, psicológica e sociologicamente os menores se encontram numa etapa de transição, que costuma ir acompanhada de tensões, dúvidas e dificuldades de adaptação, e também de interiorização de códigos de conduta. Além disso, os menores têm, contudo, uma idade em que não somente eles mesmos, senão outras pessoas são responsáveis pelo seu desenvolvimento. [...] Isso destaca o princípio de que o castigo pode ser imposto e implementado somente como medida de último recurso e ainda assim como um mal cujo impacto deve minimizar-se sempre que seja possível. (DÜNKEL GRECO, p. 213, citado por, GRECO, 2011, p.450).
Segundo GRECO, 2011, caso o Estado entenda que o encarceramento do Menor seja o último recurso a ser adotado como meio punitivo, deverá ser o responsável pelo desenvolvimento do menor durante o período da segregação. Citando o Jurista Alemão, pensa o Professor Greco:
Se o estado intervém nessa etapa da vida, tirando a liberdade, recai sobre seus ombros a responsabilidade do desenvolvimento ulterior do menor em questão. Para cumprir com essa maior responsabilidade será necessário implementar o aprendizado social, assim como o desenvolvimento de conhecimento e aptidões que servirão para facilitar a integração no mundo laboral. (DÜNKEL, p. 213 - 214, citado por, GRECO, 2011, p.450).
Fernando Capez, defensor da imputabilidade penal para menores de 18 anos, defende que, em havendo resistência para a liberação compulsória aos 21 anos para os que praticam atos definidos como crime ou infração penal, nos casos dos que necessitar de internação, o tempo da liberação compulsória deveria passar de 21 para 30 anos “Com isso, seria possível evitar o problema da liberação rápida do infrator e a sensação de impunidade”. ( Disponível em: http://www.fernandocapez.com.br/)
Buscando subsidiar os senadores sobre o que pensa os brasileiros quanto à reforma do Código Penal, o Data Senado (Órgão do Senado Federal) realizou uma ampla pesquisa e dentre outros questionamentos ouviu a população a cerca da idade para a maioridade penal. De acordo com o estudo, 89% dos pesquisados concordam que a maioridade penal deve diminuir. Para os mais radicais, 20%, não deveria ter limites de idade para a punição.
O Conselho Nacional de Justiça CNJ realizou um Panorama com o objetivo de elaborar diagnósticos sobre o cumprimento das medidas socioeducativas de internação de jovens em conflito com a lei, e mostrar os tipos de infração cometidos pelos adolescentes, e apurou que esses atos mais comuns cometidos pelos internos são contra o patrimônio, correspondendo a 52%; tóxico, 26%; contra a pessoa, 18%; contra a dignidade sexual, 1%; e outros 5%.
Essa pesquisa traz ainda um dado importante que é o fato de 52% dos atos infracionais dos adolescentes serem de crimes contra o patrimônio, que são os crimes de Furto, Roubo, Dano, Apropriação Indébita, Extorsão, Usurpação, Receptação e Estelionato, ou seja, crimes relacionados a ausências de "coisas", o que de certa forma respalda os argumentos dos contrários a redução da maioridade penal sob a ótica da falta de oportunidades das crianças e adolescentes.
III- Emenda Constitucional não pode reduzir idade penal
No campo da constitucionalidade, duas correntes se debruçam na questão de se a redução da maioridade penal é cláusula Pétrea ou não. Para o penalista Damásio de Jesus "a maioridade penal faz parte das Cláusulas Pétreas da Constituição, que não podem ser alteradas pelo Poder Constituinte Derivado, somente pelo Poder Constituinte Originário”, porém, o penalista se posiciona favorável a redução da maioridade penal por considerar que o adolescente tem “plena capacidade de entender o que é certo e o que é errado.”
Luiz Flávio Gomes advoga à tese que a maioridade penal não pode ser alterada por Emenda Constitucional, pois:
“além de ser uma medida inconstitucional (violadora do art. 228 da CF e tantos outros dispositivos que asseguram o tratamento diferenciado do adolescente que está em fase de desenvolvimento da sua personalidade), a redução da maioridade penal tende a ser inócua” (Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br).
Para ele, desde a entrada em vigor do Código Penal (1940) até os dias atuais o legislativo brasileiro jamais reformou o diploma penal para diminuir crimes de qualquer natureza. Dessa forma, se 156 leis penais não serviram para reduzir crimes, ele questiona: qual a base empírica que leva a acreditar que a redução da idade penal conforme prever a PEC 171 resolverá?
A Constituição Federal no §4º, art. 60, estabelece regra, segundo a qual não será objeto de deliberação proposta por emenda à Constituição que pretenda abolir: I - o voto direto, secreto, universal e periódico; II - a repartição dos Poderes; III - os direitos e garantias individuais."
Os direitos e garantias individuais estão no rol do artigo 5º da Constituição, e a inimputabilidade penal dos menores de 18 anos está previsto fora do rol do artigo 5º (artigo 228), então seria possível redução da idade penal por Emenda à Constituição? Não nos parece possível por se tratar de um direito individual, que o adolescente tem de não ser processado, julgado e cumprir pena como adulto, sendo, portanto, Cláusula Pétrea, impossível de ser abolida por Emenda à Constituição.
Além disso, o Brasil é signatário da Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança, que elenca uma série de obrigações assumidas pelo Estado Brasileiro no sentido de assegurando as criança e adolescentes em conflito com a lei o direito de serem recuperadas para o convívio social levando em consideração as garantias individuais e os Direitos Humanos.
O Brasil também é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) (Pacto de São José da Costa Rica), o referido pacto em seu artigo 5º, item 6, aduz que "os menores, quando puderem ser processados, devem ser separados dos adultos e conduzidos a tribunal especializado, com a maior rapidez possível, para seu tratamento. No artigo 19, A Carta Americana de Direitos Humanos vai mais além, estabelecendo que "toda criança terá direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer, por parte da sua família, da sociedade e do Estado".
IV- Conclusão
Tanto a Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança, quanto o Pacto de São José da Costa Rica, são tratados em Direitos Humanos que o Estado Brasileiro é signatário e os encorpou no ordenamento jurídico interno, sendo, portanto, normas supralegal, ou seja, abaixo da Constituição, mas acima das demais leis. Todavia, pelo princípio da vedação de retrocesso ("effet cliquet") proíbe a revogação de uma lei que protege as liberdades fundamentais sem que outra seja editada com garantias iguais e eficácia equivalente ofereça garantais com eficácia compatível.
Considerando o effet cliquet, nem o poder constituinte originário poderia reduzir a maioridade penal. Para o Mestre Gomes Canotilho, o effet cliquet significa que é inconstitucional qualquer medida tendente a revogar os direitos sociais já regulamentados, sem a criação de outros meios alternativos capazes de compensar a anulação desses benefícios.
Nessa linha, a revogação de direitos e garantias individuais, bem como, direitos sociais somente seria possível com a criação de novos instrumentos jurídicos capazes de reduzir os impactos dos prejuízos decorrentes da sua eliminação. Além disso, reduzir a idade penal por meio de Emenda Constitucional é inconstitucional, pois, tem como escopo principal reduzir direito individual, que figura entre as Cláusulas Pétreas da Constituição.
Inocência é acreditar que essa discussão sobre a maioridade penal se encerrara com a definitiva aprovação da PEC 171 pelo Congresso, pois dada ao visível caráter violador da Constituição, essa é uma questão que inevitavelmente chegará ao Supremo Tribunal Federal, guardião supremo da Constituição a quem cabe resgatar a garantia dos direitos individuais, nesse caso, violado pelo Congresso.
IV- Bibliografia
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BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Panorama Nacional, A Execução das Medidas Socioeducativas de Internação – Disponível em: www.cnj.jus.br | 2012 Acesso em: 10/04/2015
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1998.
BRASIL. Presidência da Republica. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8.069/90.
BRASIL. Presidência da República. Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança, promulgada pelo Decreto no 99.710, de 21 de novembro de 1990.
BRASIL. Presidência da República. Pacto de San José da Costa Rica, 22 de novembro de 1960, promulgado pelo Decreto 678 de 6 de novembro de 1992.
BRASIL. Senado Federal. 20 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Pesquisa de opinião pública nacional. Disponível em: http://www.senado.gov.br/noticias/datasenado/release_pesquisa.asp?p=24. Acesso em: 12/04/2015
CANOTINHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Imprenta: Coimbra, Almedina, 2012.
GRECO, Rogério, Direitos Humanos, sistema prisional e alternativas à privação de liberdade, São Paulo: Saraiva, 2011.
http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/18886:cnj-traca-perfil-dos-adolescentes-em-conflito-com-a-lei
http://www.lfg.com.br/artigo/20070212062941460_reducao-da-maioridade-penal-luiz-flavio-gomes.html
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Redução da maioridade penal: uma necessidade indiscutível. Disponível em: <http://www.fernandocapez.com.br/o-promotor/atualidades-juridicas/reducao-da maioridade-penal-uma-necessidade-indiscutivel/> . Acesso em 19/04/2015
Leia mais: http://jus.com.br/artigos/38327/maioridade-penal-e-clausula-petrea#ixzz3Y5kTaZSX
Escritor, Bacharel em Direito pela Faculdade Maurício de Nassau - João Pessoa-PB, Advogado, exerceu vários cargos na Gestão Pública, entre eles, Secretário Parlamentar, na Câmara dos Deputados - Brasília-DF, Secretário de Comunicação Institucional no Município de Belém-PB, Gerente de Gestão da Secretaria de Estado do Desenvolvimento da Agropecuária e da Pesca do Governo do Estado da Paraíba e Assessor Técnico de Gabinete da Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa-PB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Marcelo Matias da. Maioridade Penal e Cláusula Pétrea Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 abr 2015, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44099/maioridade-penal-e-clausula-petrea. Acesso em: 22 nov 2024.
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