RESUMO: O presente artigo destina-se a analisar a viabilidade da Fazenda Pública interpor Recurso Especial (RESP) contra acórdão proferido no bojo de Reexame Necessário. Assim é, pois, referido instituto assegura o duplo grau de jurisdição à Fazenda Pública, mesmo quando esta não recorre voluntariamente da decisum.
PALAVRAS-CHAVES: Fazenda Pública; Reexame necessário; Recurso Especial; Preclusão lógica.
SUMÁRIO: 1.Introdução; 2. A interposição de Recurso Especial, pela Fazenda Pública, no bojo de Reexame necessário; 3. Considerações finais.
1. INTRODUÇÃO
O art.475, do Estatuto Processual vigente, determina que a sentença proferida contra a Fazenda Pública ou que julga procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa desta, desde que a condenação exceda a sessenta salários mínimos, sujeita-se, obrigatoriamente, ao duplo grau de jurisdição. Fenômeno este que ficou conhecido como “Reexame necessário” e que, por garantir esta prerrogativa à Fazenda Pública, possibilitou que se tenha um acórdão, sem que a parte tenha voluntariamente recorrido da decisão de 1ª instância. Situação que acabou por dar azo a fervoroso debate doutrinário e jurisprudencial acerca da viabilidade de se interpor recurso especial em tais casos.
A Fazenda Pública, expressão “utilizada para designar as pessoas jurídicas de direito público que figurem em ações judiciais, mesmo que a demanda não verse sobre matéria estritamente fiscal ou financeira”, por defender interesse público em juízo, goza das denominadas “prerrogativas processuais”, dentre as quais se destaca o Reexame Necessário.
Embora se discuta doutrinariamente acerca da natureza jurídica do referido instituto, doutrina majoritária sustenta se tratar o reexame necessário de condição de eficácia da sentença. Assim é, pois, o reexame necessário condiciona a produção de efeitos da decisão à sua confirmação pelo Tribunal, sujeitando as sentenças condenatórias contra a Fazenda Pública ao duplo grau de jurisdição obrigatório. Não tendo, portanto, o referido instituto natureza jurídica de recurso, uma vez que ausentes os seus requisitos, dentre eles a voluntariedade.
Diante deste contexto, doutrinária e jurisprudencialmente, passou-se a discutir a possibilidade de se interpor recurso especial contra acórdão proferido em bojo de reexame necessário, haja vista que a Fazenda Pública não interpôs recurso de apelação contra a decisão de primeira instância, o que demonstraria seu animus em reformá-la.
Aqueles que defendem a inviabilidade de ser interposto recurso especial em casos tais sustentam que haveria preclusão lógica, pois seriam incompatíveis as condutas de não apelar e de interpor, posteriormente, recurso especial. Preclusão lógica, segundo os ensinamentos de Ovídio Batista, consiste na “impossibilidade em que se encontra a parte de praticar determinado ato ou postular certa providência judicial em razão da incompatibilidade existente entre aquilo que agora a parte pretende e sua própria conduta processual anterior”.
Esta foi a posição adotada por muito tempo pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), como pode se inferir dos seguintes julgados: RESP 200801983081, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, DJE data: 24/03/2009; e, RESP 200800911028, Rel. Min. Eliana Calmon, 1ª Seção, DJE data: 18/12/2009.
Todavia, em 2010, a Corte Especial do referido Tribunal Superior firmou novo entendimento, no julgamento do RESP 995.771/CE (Acórdão da Corte Especial, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 29/06/2010), passando a admitir a interposição de Recurso Especial em sede de reexame necessário, ao argumento de que inexistiria preclusão lógica.
No referido julgado, salientou-se, ainda, que o erro de procedimento ou de julgamento pode surgir, justamente, no acórdão, quando do julgamento do reexame necessário.
Entendimento este, assevere-se, defendido há muito por boa parte da doutrina. Dentre seus defensores, destaca-se o posicionamento de Leonardo Carneiro da Cunha, segundo o qual, o reexame necessário consiste em um direito assegurado a Fazenda Pública, que, ao não apelar, está apenas no exercício legal de seu direito, tendo em vista que, lhe é garantido o duplo grau de jurisdição. De forma que, a ausência de recurso não é incompatível com posterior Recurso Especial, tratando-se apenas de um ato-fato, que independe da vontade (isto é, esta não deve ser avaliada).
Razão assiste a este último entendimento, que vem sendo adotado pelo STJ, haja vista que, a Fazenda Pública, ao não apelar, não está demonstrando concordância com a sentença, uma vez que, lhe é assegurado o reexame necessário. Isto é, independente de sua conduta processual, a sentença só produzirá seus efeitos após o segundo grau de jurisdição, que em tais casos é obrigatório.
Destarte, não se pode concluir que a interposição de recurso especial seria incompatível com a ausência de apelação. Sem, olvidar-se, ademais, que a Fazenda Pública defende o interesse público, sempre supremo e indisponível.
Diante da garantia do reexame necessário, assegurado à Fazenda Pública, passou-se a discutir doutrinária e jurisprudencialmente, se seria possível a interposição de recurso especial contra acórdão proferido no bojo do referido reexame.
Parte da doutrina defende que haveria preclusão lógica in casu, tendo sido este o posicionamento adotado por muito tempo pelo STJ. Todavia, em julgado de 2010, a Corte Especial do referido Tribunal Superior, em irretocável julgado, firmou novo posicionamento, excluindo a alegação de preclusão lógica e admitindo a interposição de RESP, no bojo de reexame necessário, acompanhando o entendimento há muito já perfilhado pela doutrina majoritária.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACCIOLY, Tatiana Cabral Xavier. Considerações sobre a possibilidade de manejo de recurso especial pela Fazenda Pública quando o processo é apreciado no tribunal apenas por força do reexame necessário. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3491, 21 jan. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23501>. Acesso em: 16 nov. 2014.
Precisa estar logado para fazer comentários.