Resumo: Este artigo analisa a consignação em pagamento no direito tributário, com o objetivo de demonstrar a inaplicabilidade prática de algumas hipóteses de cabimento do instituto, bem como a doutrina e a jurisprudência acerca desse ponto, sendo destacada, ainda, a controvérsia sobre a utilização da referida ação com o objetivo de questionar a legalidade da cobrança e a suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
Palavras-Chave: Direito Tributário – Consignação em Pagamento – Cabimento – Suspensão de Exigibilidade - Depósito
Abstract: This paper analyzes the consignment pay in tax law, in order to demonstrate the practical irrelevance of some hypotheses of the appropriateness of the institute as well as the doctrine and the case law on this point, with separate, yet, the controversy over the use of that action in order to challenge the legality of the payment and the suspension of the tax credit.Keywords: Tax Law - Consignment Payment - no place - Suspension of - Deposit
Sumário: Introdução. 1. Linhas Gerais da Consignação em Pagamento e Especificidades do Instituto no Direito Tributário. 2. As Hipóteses de Cabimento da Ação Consignatória Tributária. 3. A Consignação em Pagamento e a Suspensão da Exigibilidade do Crédito Tributário. Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
A consignação em pagamento no direito tributário brasileiro constitui um instituto de escassa aplicabilidade prática, tendo em vista o descompasso entre a sua disciplina legal e a evolução do modo de processamento do pagamento do débito tributário. A questão se agrava, a depender da interpretação que se dê a uma de suas hipóteses de cabimento, qual seja, a prevista no inciso III, do artigo 164 do Código Tributário Nacional, já que a mesma pode restringir ainda mais o seu âmbito de incidência.
Além disso, a matéria enseja controvérsia no seio da doutrina e da jurisprudência acerca da sua utilização como forma de discussão da exação e se o manejo da ação de consignação enseja a suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
Dessa forma, o objetivo do presente trabalho é estabelecer os contornos de aplicação do instituto em consonância com a disciplina atual dos instrumentos a ele relacionados, bem como expor a nossa posição acerca das questões divergentes acima apontadas.
1 – LINHAS GERAIS DA CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO E ESPECIFICIDADES DO INSTITUTO NO DIREITO TRIBUTÁRIO
O pagamento configura a forma normal de extinção das obrigações. No entanto, existem os modos de pagamento indireto, que são modalidades especiais de pagamento, entre as quais se inclui a consignação em pagamento.
Tal modalidade de extinção das obrigações não constitui espécie exclusiva do direito tributário, sendo, pois, afeta a outros ramos do direito, tal como o direito civil. Neste âmbito, representa o meio judicial ou extrajudicial adotado pelo devedor – ou terceiro – para liberar-se da obrigação, depositando a coisa devida nos casos e formas legais, no caso de uma recusa injustificada do credor em receber o pagamento ou houver dúvida sobre quem deva legitimamente recebê-lo. (ROSENVALD, Nelson, 2004, p.168.)
Assim, no campo do direito civil, pode o sujeito passivo da obrigação optar pelo depósito extrajudicial em estabelecimento bancário oficial ou não, ao invés de propor diretamente a ação judicial de consignação, tendo, pois, a sua disposição um mecanismo simples e rápido, sem o custo dos serviços judiciários e da verba honorária.
Além disso, cabe acrescentar que é possível o depósito extrajudicial não só do dinheiro, mas também de títulos, joias, cambiais, não sendo restrita, portanto, à obrigação pecuniária.
Pelo conceito de consignação em pagamento exposto acima, verifica-se que a mesma pode ser utilizada pelo próprio devedor, pelo terceiro interessado e pelo terceiro não interessado que paga em nome do devedor, conforme o disposto no parágrafo único do artigo 304 do Código Civil. Veja-se o dispositivo:
Art. 304. Qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor.
Parágrafo único. Igual direito cabe ao terceiro não interessado, se o fizer em nome e à conta do devedor, salvo oposição deste.
Realizada essa breve abordagem sobre os aspectos gerais da consignação em pagamento, vejamos agora as peculiaridades do instituto no direito tributário.
Inicialmente, revela anotar que a modalidade extrajudicial da consignação em pagamento é incompatível com a sistemática prevista no Código Tributário Nacional, pois não figura entre as causas de extinção do crédito tributário previstas no artigo 156 daquele diploma legal. Além disso, o silêncio do Fisco após a notificação para receber o pagamento não aceito pelas vias normais, não implica em uma aceitação tácita. (LOPES, Mauro Luís Rocha, 2003, p.278.).
Destarte, a extinção do crédito tributário pela consignação tributária dependerá de sentença de procedência do pedido transitada em julgado, confrme se extrai dos enunciados prescritivos narrados nos artigos 156, inciso VIII e 164, § 2º, do Código Tributário Nacional.
Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
VIII - a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164;
Art. 164. A importância de crédito tributário pode ser consignada judicialmente pelo sujeito passivo, nos casos:
§ 2º Julgada procedente a consignação, o pagamento se reputa efetuado e a importância consignada é convertida em renda; julgada improcedente a consignação no todo ou em parte, cobra-se o crédito acrescido de juros de mora, sem prejuízo das penalidades cabíveis.
Assim, no âmbito do direito tributário a consignação em pagamento somente poderá ocorrer pela via judicial.
Outra questão que merece destaque em relação à consignação em pagamento no direito tributário diz respeito à legitimidade para a sua utilização. Há quem entenda que não somente o sujeito passivo da obrigação tributária, mas também o terceiro com interesse no pagamento do crédito tributário poderia manejar a ação consignatória em face do Fisco.
Para essa doutrina, se o pagamento na esfera tributária tem efeito liberatório da obrigação mesmo por quem não seja o sujeito passivo da relação jurídica, não há razão para obstar o terceiro de ajuizar a demanda consignatória.
Argumenta-se, ainda, de modo a sustentar a possibilidade de utilização da ação consignatória pelo terceiro, o disposto no artigo 204 caput do Código Tributário Nacional, segundo o qual a presunção de certeza e liquidez da dívida regularmente inscrita pode ser refutada mediante prova inequívoca a cargo do sujeito passivo ou de terceiro a que aproveite.
Assim, se é possível ao terceiro desconstituir o crédito tributário, poderia ele também aforar a ação de consignação tributária, visando a extinção da obrigação.
Por fim, afirma-se que o artigo 890 do Código de Processo Civil dispõe expressamente sobre a legitimidade do terceiro para ajuizar a demanda consignatória. (Art. 890. Nos casos previstos em lei, poderá o devedor ou terceiro requerer, com efeito de pagamento, a consignação da quantia ou da coisa devida. )
No entanto, o artigo 164 do Código Tributário Nacional somente atribui legitimidade para consignação em pagamento ao sujeito passivo da obrigação tributária, nada mencionando em relação ao terceiro.
Por outro lado, o efeito liberatório da obrigação tributária decorrente do pagamento efetuado por terceiro não induz à legitimidade deste para realizar a consignação, pois esta não é sinônimo de pagamento, mas sim uma forma sub-rogada pela qual o obrigado pode se liberar antes ou independentemente do fato de haver o credor recebido o pagamento.
De igual modo, não se pode extrair a possibilidade de utilização da consignação pelo terceiro com base no disposto no parágrafo único do artigo 204 do Código Tributário Nacional, já que o referido enunciado normativo não contém qualquer prescrição nesse sentido, mas apenas assevera que a prova que refute a presunção de certeza e liquidez da dívida ativa pode ser produzida não somente pelo sujeito passivo da exação, mas também pelo terceiro.
O entendimento acima exposto é corroborado pelo artigo 166 do mesmo diploma legal que trata da legitimidade ativa na ação de repetição de indébito tributário em relação aos tributos com repercussão financeira, o qual dispõe que o sujeito passivo da relação obrigacional tributária somente poderá ajuizar a referida ação se for autorizado pelo terceiro que suportou a carga tributária, donde se conclui que a pessoa estranha aquele vínculo não possui legitimidade para qualquer demanda que tenha como objeto o tributo.
Por fim, a disposição do artigo 890 do Código de Processo não tem o condão de atribuir legitimidade ativa ao terceiro para consignação tributária, já que a disciplina da mesma é especial em relação à lei adjetiva geral.
Portanto, somente o sujeito passivo da obrigação tributária pode ajuizar a ação consignatória tributária
2 – AS HIPÓTESES DE CABIMENTO DA AÇÃO CONSIGNATÓRIA TRIBUTÁRIA
Os incisos I a III do artigo 164 do Código de Tributário Nacional estabelecem as hipóteses de cabimento da ação consignatória tributária, não sendo possível o seu ajuizamento fora do rol taxativo previsto nos enunciados prescritivos acima indicados.
A primeira hipótese disciplinada no inciso I, do artigo 164 do CTN consiste na “recusa de recebimento, ou subordinação deste ao pagamento de outro tributo ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória”.
Nas linhas iniciais do presente trabalho foi destacado que atualmente, a ação consignatória constitui um instrumento de difícil aplicabilidade prática, tendo em vista o descompasso entre as suas hipóteses de cabimento e a evolução do modo de processamento do pagamento do crédito tributário.
Tal fato é explicitado em razão de o pagamento dos créditos tributários ser atualmente recebido na rede bancária ou mesmo nas casas lotéricas, não tendo o Fisco qualquer influência no recebimento ou na escolha de qual tributo deverá ser recolhido.
Além do mais, mesmo que o pagamento dos créditos tributários tivesse que ser realizado perante a autoridade fazendária, dificilmente haveria a recusa de seu recebimento, até porque, seria mais viável, e financeiramente mais proveitoso ao fisco, se utilizar da imputação do pagamento prevista no artigo 163 do Código Tributário Nacional.
Por outro lado, considerando que, atualmente, a grande sistemática dos tributos está sujeita ao denominado “lançamento” por homologação, em que se atribui ao sujeito passivo o dever de apurar o montante devido e realizar o seu pagamento, independentemente do prévio exame da autoridade administrativa, não se vislumbra como o Fisco poderia recusar o recebimento do tributo.
Trata-se, portanto, de hipótese inaplicável atualmente.
O inciso II do artigo 164 do Código Tributário Nacional estabelece a hipótese de cabimento da ação consignatória em caso de “subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências administrativas sem fundamento legal”.
Trata-se, também, de hipótese de ocorrência improvável, aplicando-se aqui as mesmas observações realizadas em relação ao inciso I do artigo 164 do CTN.
A título de ilustração da hipótese contida no dispositivo em comento, convém relembrar a situação ocorrida no âmbito da Fazenda Municipal em que se exigia na mesma guia de pagamento o IPTU e a taxa de lixo, sendo esta última, objeto de muitos questionamentos perante o Poder Judiciário.
Não obstante, o contribuinte poderia se dirigir à Secretaria de Fazenda do Município e requerer a separação das cobranças, não havendo maiores dificuldades na realização de tal procedimento.
Assim, não se imagina qualquer hipótese em que o Fisco condicione o recebimento de tributos ao cumprimento de obrigações administrativas, ainda que a mesma tenha fundamento legal.
A terceira hipótese de cabimento consiste na “exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador”.
Sacha Calmon Navarro Coelho (2003, p.464.) entende que tributos idênticos seriam aqueles que possuem a mesma natureza jurídica e estariam sendo cobrados por mais de uma Fazenda Pública. Verbis:
“O inciso III permite a consignação para livrar o contribuinte de conflitos de competência, ou seja, de exigência por mais de uma Fazenda de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador... No caso do inciso III, especificamente, a existência concreta do concurso de exigências por mais de um Fisco tem de ser comprovada, sob pena de carência da ação. Imaginem-se dois municípios exigindo o ISS sobre o mesmo fato gerador. Há que provar que ambos estão a exigir, a um só tempo, o imposto”.
Em outra obra, enfatiza o mesmo autor (COELHO, Sacha Calmon Navarro, 2002, p.37) que tributos idênticos seriam aqueles exigidos de um mesmo ente federativo. Veja-se o trecho a seguir:
“Muitos autores, no caso do inciso III transcrito, entendem que as Fazendas credoras podem ser de diversa ordem, União e Estado, Estado e Município, e assim por diante. Discordamos, embora lamentemos o acanhamento do legislador. A cláusula tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador afasta a tese de tributos não idênticos sobre o mesmo fato gerador. Como os impostos nunca são idênticos, fica prejudicada a concepção maximalista quanto a estes. Assim, os conflitos que a regra visa evitar são aqueles entre Estado e Estado e entre Município e Município. ”
A despeito da posição exposta pelo mestre acima citado, pensamos que tal entendimento acaba por restringir demasiadamente o cabimento da ação consignatória, que como vimos, possui atualmente, pouca aplicabilidade prática, no que diz respeito aos incisos I e II do artigo 164 do Código Tributário Nacional.
Não obstante, a expressão “tributos idênticos sobre o mesmo fato gerador” sugira a interpretação de que se trate de tributos da mesma natureza jurídica, entendemos que o enunciado prescritivo em tela abrange também tributos, cuja competência tributária é atribuída a entes federativos diversos.
Pense-se, por exemplo, em situações de operações mistas, nas quais as empresas comumente prestam serviços de instalação, montagem, entre outras, e, ao mesmo tempo, fornecem a mercadoria. Nesses casos, poderá haver a incidência do ISS bem como do ICMS.
O julgado colacionado a seguir ilustra bem a questão:
Ementa: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. DELIMITAÇÃO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA ENTRE ESTADOS E MUNICÍPIOS. ICMS E ISSQN. CRITÉRIOS. SERVIÇOS FARMACÊUTICOS. MANIPULAÇÃO DE MEDICAMENTOS. SERVIÇOS INCLUÍDOS NA LISTA ANEXA À LC 116/03. INCIDÊNCIA DE ISSQN. 1. Segundo decorre do sistema normativo específico (art. 155, II, § 2º, IX, b e 156, III da CF, art. 2º, IV da LC 87/96 e art. 1º, § 2º da LC 116/03), a delimitação dos campos de competência tributária entre Estados e Municípios, relativamente à incidência de ICMS e de ISSQN, está submetida aos seguintes critérios: (a) sobre operações de circulação de mercadoria e sobre serviços de transporte interestadual e internacional e de comunicações incide ICMS; (b) sobre operações de prestação de serviços, compreendidos na lista de que trata a LC 116/03, incide ISSQN; e (c) sobre operações mistas, assim entendidas as que agregam mercadorias e serviços, incide o ISSQN sempre que o serviço agregado estiver compreendido na lista de que trata a LC 116/03 e incide ICMS sempre que o serviço agregado não estiver previsto na referida lista. Precedentes de ambas as Turmas do STF. 2. Os serviços farmacêuticos constam do item 4.07 da lista anexa à LC 116/03 como serviços sujeitos à incidência do ISSQN. Assim, a partir da vigência dessa Lei, o fornecimento de medicamentos manipulados por farmácias, por constituir operação mista que agrega necessária e substancialmente a prestação de um típico serviço farmacêutico, não está sujeito ao ICMS, mas a ISSQN. 3. Recurso provido." (REsp 881035 / RS, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, Data do Julgamento: 06/03/2008)
Não raro, é possível também a existência de conflitos de competência envolvendo a incidência do ISS e do IPI, como na hipótese abaixo:
RECONDICIONAMENTO DE PNEUS. INCIDÊNCIA DO IPI E DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA. POSSIBILIDADE DE CONCOMITÂNCIA. As atividades de recapagem, recauchutagem e recondicionamento de pneus usados configuram, como regra, operações de industrialização, sujeitando-se à incidência do IPI, sendo irrelevante o fato de haver, ou não, incidência do ISS, de competência dos municípios. Na hipótese de a recapagem, a recauchutagem e o recondicionamento de pneus usados serem realizados por encomenda direta do consumidor ou usuário, na residência do preparador ou em oficina, desde que, em qualquer caso, seja preponderante o trabalho profissional, a operação não é considerada industrialização. Para esse efeito, oficina é definida como o estabelecimento que empregar, no máximo, cinco operários e, caso utilize força motriz, não dispuser de potência superior a cinco quilowatts e trabalho preponderante é considerado aquele que contribuir no preparo do produto, para formação de seu valor, a título de mão-de-obra, no mínimo com sessenta por cento (Solução de Consulta nº 188, de 05 de novembro de 2008).
Veja-se que a posição do Superior Tribunal de Justiça a seguir exposta respalda a interpretação extensiva do inciso III, do artigo 164:
TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. DEPÓSITO INTEGRAL. DIVERGÊNCIA ACERCA DE QUAL ENTE FEDERATIVO DETÉM A COMPETÊNCIA PARA A COBRANÇA DE TRIBUTO RELATIVO AO MESMO FATO GERADOR. SUSPENSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO.
1. O recorrente objetivou com a propositura da ação consignatória exercer o seu direito de pagar corretamente, sem que tenha que suportar uma dupla cobrança sobre o mesmo fato gerador pelo Estado e pelo Município. Não se trata, pois, de discussão acerca do valor devido, mas sim de verificar qual é o ente federativo competente para a cobrança do respectivo tributo, tendo o recorrente, inclusive, realizado o depósito integral do valor devido nos autos da ação consignatória.
2. O tribunal recorrido assentou que foi autorizado, nos autos do processo consignatório, o depósito judicial do valor do ICMS cobrado, e suspensão da exigibilidade dos créditos tributários em discussão.
3. Dada as peculiaridades do caso concreto, em que pese a propositura da ação de consignação não ensejar a suspensão do crédito tributário, houve o depósito integral do montante cobrado, razão pela qual não poderia o Estado de Minas Gerais promover a execução Fiscal. Assim, excepcionalmente, é possível aplicar ao caso em comento a sistemática do enunciado da Súmula 112 desta Corte (o depósito somente suspende a exigibilidade do crédito tributário se for integral e em dinheiro).
3. Considerando ter sido a ação consignatória interposta previamente à ação executiva, impõe-se reconhecer a sua extinção, pois, segundo a jurisprudência desta Corte, a exigibilidade do crédito tributário encontrava-se suspensa.
4. Recurso especial provido.
Dessa forma, nas hipóteses em que possa haver em uma mesma operação a exigência de tributos afetos a competências tributárias distintas, poderia o sujeito passivo se valer da ação consignatória tributária.
Ainda sobre as hipóteses de cabimento da ação consignatória tributária, discute-se se é possível o ajuizamento da referida demanda visando a discussão quanto à legalidade da cobrança do crédito tributário ou do montante devido. O tema não é pacífico na doutrina e na jurisprudência.
Existe entendimento minoritário no sentido de que seria possível o questionamento da cobrança, com base na dicção do parágrafo 1º do artigo 164 do Código Tributário Nacional. (“A consignação só pode versar sobre o crédito que o consignante se propõe a pagar”. Grifo nosso)
A partir do enunciado prescritivo acima indicado, afirma-se que a consignatória seria cabível com a finalidade de o devedor obter a liberação de um montante inferior ao exigido pelo Fisco, podendo, consequentemente, discutir o valor que entende ser indevido.
Nesse sentido, a posição da autora Maria Helena Rau de Souza.(1998,p.515)
“ A ação de consignação em pagamento também merece ser incluída entre as principais ações utilizadas para a discussão da dívida fiscal. Assim porque, sobre constituir modalidade excepcional de pagamento e, portanto, de extinção do crédito tributário (art.156, VIII, do CTN), comporta, em sua sede, controvérsia em torno do quantum debeatur , vale dizer, de um dos atributos inerentes à dívida ativa, qual seja, a sua liquidez.”
Do mesmo modo, o aresto a seguir colacionado oriundo do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO.NATUREZA E FINALIDADE. UTILIZAÇÃO PARA CONSIGNAR VALOR DE TRIBUTO.POSSIBILIDADE.
1. O depósito em consignação é modo de extinção da obrigação, com força de pagamento, e a correspondente ação consignatória tem por finalidade ver atendido o direito – material – do devedor de liberar-se da obrigação e de obter quitação. Trata-se de ação eminentemente declaratória: declara-se que o depósito oferecido liberou o autor da respectiva obrigação.
2. Com a atual configuração do rito, a ação de consignação pode ter natureza dúplice, já que se presta, em certos casos, a outorgar tutela jurisdicional em favor do réu, a quem assegura não apenas a faculdade de levantar, em caso de insuficiência do depósito, a quantia oferecida, prosseguindo o processo pelas diferenças controvertidas (CPC, art. 899, § 1º), como também a de obter, em seu favor, título executivo pelo valor das referidas diferenças que vierem a ser reconhecidas na sentença (art. 899, § 2º).
3. Como em qualquer outro procedimento, também na ação consignatória o juiz está habilitado a exercer o seu poder-dever jurisdicional de investigar os fatos e aplicar o direito na medida necessária a fazer juízo sobre a existência ou o modo de ser da relação jurídica que lhe é submetida a decisão. Não há empecilho algum, muito pelo contrário, ao exercício, na ação de consignação, do controle de constitucionalidade das normas.
4. Não há qualquer vedação legal a que o contribuinte lance mão da ação consignatória para ver satisfeito o seu direito de pagar corretamente o tributo quando entende que o fisco está exigindo prestação maior que a devida. É possibilidade prevista no art. 164 do Código Tributário Nacional. Ao mencionar que "a consignação só pode versar sobre o crédito que o consignante se propõe a pagar", o § 1º daquele artigo deixa evidenciada a possibilidade de ação consignatória nos casos em que o contribuinte se propõe a pagar valor inferior ao exigido pelo fisco. Com efeito, exigir valor maior equivale a recusar o recebimento do tributo por valor menor. (Grifo nosso).
De nossa parte, entendemos que a expressão “crédito que o consignante se propõe a pagar” não enseja o entendimento de que o sujeito passivo poderia depositar o valor que entenda devido, para, consequentemente, discutir o valor remanescente, já que o depósito não se confunde com a consignação em pagamento, pois a finalidade da referida ação é a liberação da obrigação pelo pagamento, ao contrário do primeiro em que o objetivo do contribuinte é discutir a cobrança do tributo, o que é realizado através das ações declaratória, anulatória ou mesmo o mandado de segurança.
Daí o cabimento da ação consignatória do crédito tributário somente quando o consignante “se propõe a pagá-lo”.
Destarte, a doutrina majoritária posiciona-se no sentido da ausência de cabimento da ação consignatória visando o questionamento do montante exigido pelo Fisco. (Pela defesa dessa posição, cita-se os autores Cleide Previtalli Cais; Leandro Paulsen, entre outros.)
Veja-se o comentário de Sacha Calmon (2002.p.36), já citado no presente trabalho, acerca desse ponto.
“O § 1º restringe o cabimento da ação, cujo objeto é pagar e não discutir a legalidade ou a constitucionalidade da exigência. A dúvida objetiva, real e atual, sobre ser devido, ou não o tributo não cabe na augusta via da ação consignatória fiscal. O caso seria de ação declaratória. ”
Esse também é o entendimento predominante no Superior Tribunal de Justiça. (Veja-se também os julgados: REsp 685589 / RS ; REsp 628568 / RS )
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. DISCUSSÃO SOBRE A EXIGIBILIDADE E A EXTENSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 282 DO STF.
1. A recorrente demonstra mero inconformismo em seu agravo regimental que não se mostra capaz de alterar os fundamentos da decisão agravada. 2. Se o recorrente não aponta o relevante vício capaz de ensejar a nulidade do acórdão, restringindo-se à afirmação genérica no sentido de que não houve esclarecimento das omissões apontadas nos embargos declaratórios, há incidência da súmula 284 do STF.
3. Não há como, apreciar o mérito da controvérsia com base em dita malversação do artigo 620 do CPC e dos artigos 138 e 161 do CTN, pois não houve o devido prequestionamento. Incide, no ponto, o óbice da Súmula n. 282 do Supremo Tribunal Federal, por analogia.
4. Trata-se o presente caso de ação de consignação proposta pela parte recorrente visando a discussão da obtenção do parcelamento do seu débito no prazo de 120 vezes, bem como a exclusão dos encargos reputados ilegais, tais como a taxa SELIC e os juros excedentes a 12% ao ano. É pacífico o entendimento desta Corte Superior no sentido de que a ação de consignação em pagamento é via inadequada para forçar a concessão de parcelamento e discutir a exigibilidade e a extensão do crédito tributário. Precedentes.
5. Há pelo menos cinco anos foi firmada a orientação do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que "[o] deferimento do parcelamento do crédito fiscal subordina-se ao cumprimento das condições legalmente previstas. Dessarte, afigura-se inadequada a via da ação de consignação em pagamento, cujo escopo é a desoneração do devedor, mediante o depósito do valor correspondente ao crédito, e não via oblíqua à obtenção de favor fiscal, em burla à legislação de regência" (REsp 554.999/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJU 10.11.2003).
6. Agravo regimental não provido.
Importante destacar que a ação consignatória tributária também não é cabível quando se pretenda o afastamento de exigências administrativas, ainda que de caráter pecuniário, para conclusão em programa de parcelamento de débito fiscal. É o que se extrai dos julgados AgRg no REsp 909267 / RS; REsp 628568 / RS.
3 – A CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO E A SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
O parágrafo 2º do artigo 164 do Código Tributário Nacional dispõe que “julgada procedente a consignação, o pagamento se reputa efetuado e a importância consignada é convertida em renda; julgada improcedente a consignação no todo ou em parte, cobra-se o crédito acrescido de juro de mora, sem prejuízo das penalidades cabíveis. ”
Existem autores que sustentam que a ação de consignação tributária, cujo depósito seja inferior ao exigido pelo Fisco, suspende a exigibilidade do crédito tributário. Tal entendimento é baseado no parágrafo 1º, que para alguns, autorizaria a discussão da cobrança, o que é reforçado pelo parágrafo 2º, quando afirma que “julgada improcedente a consignação no todo ou e parte, cobra-se o crédito acrescido de juro de mora, sem prejuízo das penalidades cabíveis.
Para esta doutrina, se a cobrança do crédito, cujo depósito foi realizado a menor, só poderá prosseguir após a sentença de improcedência do pedido de consignação, então, a contrário sensu, a exigibilidade do crédito estaria suspensa até, e se advir a sentença de improcedência. (AMARO, Luciano, 2009, p.395).
Porém, conforme foi exposto no tópico anterior, não se afigura possível a discussão do montante devido no âmbito da ação consignatória tributária, razão pela qual não se cogita da suspensão da exigibilidade do crédito tributário, salvo se o depósito for realizado no montante integral exigido pelo Fisco.
Diante da impossibilidade de discussão do crédito tributário e da realização de depósito inferior ao exigido pelo sujeito ativo, indaga-se em que hipótese poderia ocorrer a improcedência do pedido na ação consignatória e, consequentemente, a cobrança de juros de mora e eventuais penalidades cabíveis.
Anteriormente, foi ressaltada a inaplicabilidade prática das hipóteses de cabimento previstas nos incisos I e II, do artigo 164 do Código Tributário Nacional, remanescendo, dessa forma, apenas a possibilidade de ajuizamento da ação consignatória no caso de conflito de competência, consistente na exigência por mais de uma Fazenda Pública de tributos idênticos, incidentes sobre o mesmo fato gerador, de acordo com as observações que foram anotadas em tópico precedente, acerca da melhor interpretação do inciso III, do artigo 164 do CTN.
Assim, não se vislumbra qualquer hipótese de improcedência do pedido formulado na ação consignatória, sendo certo que qualquer pretensão manejada fora da hipótese do inciso III, do artigo 164 do CTN, acarretaria a extinção do processo sem resolução do mérito, em razão da carência da ação, pela falta de interesse de agir, não sendo, portanto, caso de improcedência do pedido.
Por outro lado, se o depósito deverá ser realizado sempre de forma integral, e, diante da sistemática prevista no artigo 1º e seus parágrafos da Lei 9703/98, na qual ocorre a transferência imediata dos valores depositados à conta única do Tesouro Nacional, cuja remuneração é realizada com base na taxa selic, sendo esta também a forma de atualização dos créditos tributários, não se imagina como poderia haver a cobrança de juros ou de eventuais penalidades.
É certo que o Código Tributário Nacional é anterior à vigência da lei 9703/98, porém, com o advento do referido diploma legal, em que o depósito relativo a qualquer débito inscrito em dívida ativa, assim que realizado, é transferido para a conta do Tesouro Nacional, sendo remunerado pela mesma taxa de juros que os créditos fiscais, conclui-se que a parte final do parágrafo 2º do artigo 164 do CTN, é atualmente inaplicável, pois não se afigura possível a cobrança de juros e eventuais penalidades, pois o depósito já teria sido convertido em renda para União no montante exigido pelo Fisco.
REFERÊNCIAS:
AMARO, Luciano, Direito Tributário Brasileiro, 15ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2009.
ATALIBA, Geraldo, Hipótese de Incidência Tributária, 6ª edição, Editora Malheiros, Brasil, 2002.
CARVALHO, Paulo de Barros, Direito Tributário Linguagem e Método, 3ª edição Editora Noeses, São Paulo, 2009.
COELHO, Sacha Calmon Navarro, Manual de Direito Tributário, 2ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2003;
COELHO, Sacha Calmon Navarro, Liminares e Depósitos Antes do Lançamento por Homologação – Decadência e Prescrição, 2ª edição, Editora Dialética, Rio de Janeiro, 2002.
LOPES, Mauro Luís Rocha, Execução Fiscal e Ações Tributárias, 2ª edição, Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2003.
PAULSEN, Leandro, Direito Tributário, Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência, 5ª edição, Editora Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2003.
RAU DE SOUZA, Maria Helena, obra coordenada por FREITAS, Vladimir Passos, Execução Fiscal, Editora Saraiva, 1998.
ROSENVALD, Nelson, Direito das Obrigações, 3ª edição, Editora Impetus, Rio de Janeiro, 2004.
TORRES, Ricardo Lobo, Curso de Direito Financeiro e Tributário, 12ª edição, Editora Renovar, Rio de Janeiro, 2005.
Procurador da Fazenda Nacional. Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Especialista em Direito Público pela UNB.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Marcio Tadeu Martins dos. A consignação em pagamento no Direito Tributário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jun 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44464/a-consignacao-em-pagamento-no-direito-tributario. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Magalice Cruz de Oliveira
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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