Resumo: Neste artigo propõe-se um breve estudo acerca do instituto da preclusão, notadamente voltado para compreensão dos fundamentos lógicos e pragmáticos que o tornam um relevante instrumento no processo decisório. Para tanto, apresentaremos os princípios que norteiam a interpretação da preclusão no sistema processual, em conclusão sintética acerca da importância do instituto.
Palavras representativas do conteúdo do trabalho: 1- Preclusão. 2- Princípios. 3- Boa fé objetiva. 4- Celeridade.
1. Introdução
A doutrina[1] aponta que a partir dos estudos de Chiovenda a preclusão ganhou contornos no processo civil, de forma que tornou-se conceito dissociado da coisa julgada, tendo nas lições de José Frederico Marques[2] três espécies: temporal, lógica e consumativa.
Inegavelmente consiste em instituto voltado à ordem e celeridade do processo, segmentando suas fases com o fito de se alcançar o término do procedimento.
Com efeito, tendo o processo o significado etimológico de “seguir a diante”[3], eis que decorrente da palavra latina procedere, a preclusão, calcada na regra da eventualidade – através do qual se impõe às partes o ônus de deduzirem suas alegações na primeira oportunidade no processo – presta importante serviço a esse caminho.
Um caminho marcado por uma batalha jurídica – o processo – na qual somente encontra solução em razão de conceitos como o impulso oficial, a preclusão e a coisa julgada, dada a necessidade de se por fim à lide.
Entender melhor os princípios que fundamentam a preclusão, lhe dando subsistência e conteúdo, é o primeiro passo para se buscar compreensão e aplicabilidade do instituto, razão pela qual nos propomos a traçar alguns elementos conexos a tais fundamentos, deixando um estudo do instituto propriamente dito para um segundo plano.
Sob este enfoque, o presente trabalho se propõe a estudar a preclusão a partir dos princípios da celeridade, segurança, boa fé objetiva, contraditório e ampla defesa para se chegar uma melhor conclusão acerca de sua posição diante do princípio da efetividade e da justiça procedimental.
2. A INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DA PRECLUSÃO
.A preclusão constitui-se em instituto permeado por regras. Assim, exemplificativamente, quando a norma processual prescreve que: “Art. 300[4]. Compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir.”, está afirmando a impossibilidade de alegar matérias de defesa em momento posterior, ressalvada a previsão do art. 303[5].
Ocorre que, caso o réu alegue em momento posterior uma matéria de defesa que lhe favoreça, caberá ao juiz ponderar se aceita ou não a alegação. Esta ponderação decorre da melhor compreensão acerca do instituto da preclusão, eis que o seu conteúdo coordenará a interpretação a ser dada ao preceito do artigo 300 em relação ao artigo 303[6].
Com efeito, as regras, ao serem interpretadas, demonstram no caso concreto seu conteúdo através da ponderação de princípios. Nos socorremos das lições de Robert Alexy.
Para Alexy[7], o ponto fundamental da distinção entre regras e princípios está na condição de cumprimento ou realização de seu conteúdo normativo, eis que poderia configurar ser a norma algo possível de realização dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Por essa razão, os princípios são mandados de otimização, qualificados pelo fato de admitirem seu cumprimento em diferentes graus e medidas, não apenas fáticas mas também jurídicas.
Já as regras são normas que admitem dois únicos resultados: serem cumpridas ou descumpridas. Se uma regra é válida, então deverá ser necessariamente cumprida em sua integralidade. Neste sentido, seu conteúdo é qualificado por determinações no âmbito fático e jurídico.
É possível notar a clara distinção do método subsuntivo para aplicação de uma regra, técnica inadequada para aplicação de um princípio (que demanda a chamada técnica da ponderação). Dada essa distinção, a diferença de regras e princípios configura questão qualitativa e não apenas relativa ao seu grau de abstração e generalidade.
Desta forma, razoável se concluir que a interpretação das regras conexas à preclusão deve sempre ser calcada na compreensão dos princípios que fundamentam tal instituto. Para tanto, propomos uma compreensão que se inicia a partir da concepção finalística do próprio processo.
Na hipótese, temos nas lições de Ada Pelegrini Grinover[8] que o processo constitui-se meio público de solução de conflitos e que deve restabelecer a paz social, afirmando o Estado de Direito.
Para que este Estado de Direito possa efetivamente confirmar a paz social, é necessário atribuir eficácia ao princípio da inafastabilidade de apreciação de lesão ou ameaça a direito pelo Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF). Dentro desta visão de acesso a Justiça é que deve ser implementado o “acesso à ordem jurídica justa”, conforme leciona Bedaque: “Não basta, pois, assegurar abstratamente o direito de ação a todos aqueles que pretendem valer-se do processo. É necessário garantir o acesso efetivo à tutela jurisdicional, por parte de quem dela necessita (...) A eficiência da justiça civil, como valor a ser defendido e preservado, encontra amparo no princípio constitucional da efetividade da tutela jurisdicional e constitui elemento essencial do Estado de Direito”[9].
Com efeito, deve o processo, adequada à sua instrumentalidade[10], respeitar suas garantias procedimentais e atribuir ao direito material efetividade. Neste sentido, afirma Cassio Scarpinella Bueno: “Por efetividade deve ser entendida a necessidade de redução do binômio direito e processo; trata-se de reconhecer o processo como mero instrumento de e para realização concreta do direito material”[11].
Por outro lado, necessário que se faça a ponderação do formalismo – em geral, e da preclusão – em espécie – com as garantias procedimentais e com a busca pelo direito justo – maior aproximação das conclusões fáticas com a realidade e aplicação do direito material conforme a melhor técnica jurídica – para que se alcance o devido processo legal.
Para tanto, o formalismo processual representa “restrição à atividade do Estado” e “domesticação do arbítrio estatal”, necessários conforme aponta Carlos Alberto Álvaro de Oliveira[12], à previsibilidade para as partes, à segurança das decisões e à igualdade das partes. Por outro lado, alerta Moniz de Aragão[13], citando Sergio Chiarloni: “formalismo excessivo ou excesso ritual são males que a todo custo cumpre evitar (...) o formalismo apresenta, assim, um lado negativo, quando as formas são empregadas com escopos exatamente opostos aos seus próprios objetivos, se tornando fonte de injustiça material, ao invés de se manterem, segundo seu conceito, como presídio de garantias fundamentais”.
Justamente em meio a estes dois contrapontos – formalismo e efetividade – que cumpre aprofundar o estudo dos princípios que norteiam a preclusão, com o fito de aplicar-lhes ao processo regras procedimentais com razoabilidade.
3. O PRINCÍPIO DA CELERIDADE PROCESSUAL
Sempre que se fala em efetividade do processo, vêm à tona a questão da celeridade processual. Trata-se do tema objeto de maiores modificações legislativas nos últimos anos, dada sua relevância para a conquista da efetividade.
A conexão da celeridade processual com a efetividade não ocorre por acaso. A tutela do bem da vida há de ser feita o quanto antes, eis que o simples decorrer do tempo se revela como um perecimento do direito – de ter o bem da vida da forma mais célere possível. Neste sentido, o tempo é um bem em si mesmo, eis que revela a própria satisfação do titular do direito.
Com efeito, inúmeras alterações legislativas nas constituições estrangeiras foram feitas para buscar dar ao cidadão uma garantia de entrega da prestação jurisdicional de forma mais rápida. A Constituição norte-americana instituiu o right to a speedy trial[14], enquanto a Constituição italiana incluiu o dever ao legislador de assegurar ao processo uma “duração razoável”, da mesma forma que a Convenção Europeia para os Direitos do Homem estabeleceu em seu artigo 6º o direito de todos ao julgamento dos processos em um “tempo razoável”.
Nesta mesma linha a Constituição brasileira, através da emenda nº 45/2004 instituiu no artigo 5º como garantia do cidadão o direito de ter seu litígio solucionado por processo com duração razoável. Assim, a constitucionalização do princípio da celeridade processual justifica a imposição de regimes processuais com menor liberdade, na exata medida em que a proteção deste bem jurídico – Tempo – demanda necessariamente de um processo com regras formais mais rígidas.
Outros esforços podem ser citados como mecanismos de busca da celeridade processual, como restrições ao recursos, ampliação de tutelas de urgência, simplificação de procedimentos ou determinação de prazos para prolação de sentença. Tais circunstâncias remetem à noção de preclusão, como leciona Heitor Vitor Mendonça Sica: “Em muitos desses casos – dentre os quais se destacam a Novella Italiana de 1990, a reforma da ZPO alemã de 1976 e a nova Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola de 2000 -, um dos métodos utilizados pelo legislador para agilizar o andamento do processo de cognição foi justamente a instituição de um regime preclusivo mais rigoroso”[15].
Com efeito, é inegável que a preclusão preste relevante serviço à celeridade, eis que sua disciplina estabelece regras procedimentais que levam o processo a marchar para frente, impedindo que se rediscutam questões já decididas ou vedando às partes de praticarem atos em desconformidade com sua admissibilidade procedimental.
Contudo, a relação da preclusão com a celeridade processual não decorre unicamente da imposição de regras que impedem o procedimento de retroceder. Trata-se de instituto que, tendo previsão expressa no procedimento, impõe às partes o dever de pensarem estrategicamente de forma diferente o andamento do processo, na medida em que a concatenação de alegações haverá de ser feita em conformidade com o princípio da eventualidade.
Desta forma, não apenas o procedimento não poderá retroceder em alegações ou decisões, mas também o comportamento das partes haverá de ser condicionado a evitar condutas protelatórias sob pena de simplesmente estarem preclusas.
Exemplificamos através de uma ação de cobrança de um contrato, na qual o réu pretende aduzir em matéria de defesa duas teses: (i) já cumpriu sua obrigação e (ii) a obrigação é inexigível em razão do autor não ter cumprido sua dívida obrigacional sendo o contrato bilateral. Em razão da preclusão, o réu deve fazer tais alegações conjuntamente na contestação – se não fosse tal regra, poder-se-ia cogitar de alegar uma tese, depois a outra e assim por diante até que todas as eventuais teses se esgotassem. Mas como o réu aduziu fato extintivo do direito do autor, deve este em réplica definir sua estratégia de defesa contra tais fatos, sabendo que se contestar ambos a ação se prolongará para a produção probatória de ambos os fatos. Ademais, eventual alegação por parte do autor que a obrigação não foi adequadamente cumprida, pode estar (dependendo de como foi argumentado na petição inicial) coberta pela preclusão eis que lhe cabia aduzir na petição inicial toda tese constitutiva de seu direito.
Observe-se que a preclusão, por atingir eventuais pretensões das partes no futuro, impinge no presente uma dinâmica processual notadamente mais célere, seja na própria conduta das partes, seja na formação de questões controvertidas.
Em conclusão, buscar celeridade é um objetivo do direito processual moderno. Todavia, a aplicação de institutos que tragam tal celeridade deve ser feita com razoabilidade, para que no futuro não se questione de eventuais violações às garantias como o contraditório e a ampla defesa. Esta razoabilidade ficará mais evidente quando contraposta – em razão do caráter optimizante dos princípios – com os demais fundamentos da preclusão.
4. O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA
A ideia de estabilidade das decisões – principal noção que a segurança jurídica se traduz – decorre dentre outros fatores da correta aplicação do procedimento (formalmente idealizado). O princípio do devido processo legal quando vislumbrado em sua medida de processo formalmente cumprido implica em decisão que não poderá sofrer modificação, e portanto será estabilizada.
Isto ocorre pela própria necessidade do conflito chegar a um fim. Mas este fim possui definitividade justamente porque se reconhece que todas as medidas necessárias (e previamente definidas) foram tomadas antes de se chegar a tal conclusão.
Com efeito, a preclusão quando posta em prática, poderá contribuir para a preservação da segurança jurídica, sempre que aplicada adequadamente. Isto porque, se inadvertidamente aplicado, poderá ocasionar eventual nulidade (ou alegação de nulidade) que atingirá a estabilidade da decisão.
Mas é da preclusão que advém a segurança do processo em ultrapassar as fases já analisadas e as questões já superadas, de forma que o procedimento caminhe adiante com a certeza de que não sofrerá com a necessidade de revisão. Ao vedar à parte a prática de atos depois de uma determinada fase processual, ou impedindo que o juiz possa rever suas decisões incidentalmente estabilizadas, faz da preclusão relevante instrumento de segurança jurídica, pois atribui ao processo a justa expectativa das partes de se caminhar ao seu fim.
Deve-se destacar que, conforme lição de Heitor Vitor, “se o juiz não estiver sujeito a nenhuma preclusão para reanalisar aquilo que já tiver decidido, os litigantes jamais terão certeza de que o processo está apto a caminhar, nunca terão qualquer garantia que receberá uma decisão final, pois a todo momento poderão ser surpreendidos com o retorno a todas as questões já superadas”[16].
E não é demais ressaltar que se o juiz pudesse rever suas próprias decisões seria dever do advogado pleitear a possível tese favorável ao seu patrocínio. O advogado, ao representar uma parte, deve utilizar de todos os meios tecnicamente disponíveis para fazer valer a tese defendida de seu representado[17], de forma que se o procedimento abre tal oportunidade, configura obrigação sua utilizar do instrumento.
Com efeito, é natural concluir que a segurança jurídica não advém da liberdade das partes ou do juiz, mas justamente de um mínimo de rigor procedimental, que deve ser garantido para atender o próprio interesse social de estabilizar a atividade das partes e as decisões judiciais, sejam elas incidentes ou finais.
Tal rigor encontra na preclusão uma fonte saudável de regras que permitem ao processo seguir ordenadamente, configurando um valor – a segurança jurídica – um preceito necessário a se pesar a favor do formalismo processual, sempre que não contrariar demasiadamente os aspectos legitimamente esperados da efetividade processual.
5. O PRINCÍPIO DA BOA FÉ OBJETIVA
A conduta das partes deve ser calcada em lealdade processual. Não se afasta o ínsito caráter litigante do comportamento das partes e de seus representantes, mas deve ser ressaltado que o dever de contribuir com a justiça atribui também o dever de agir com boa fé objetiva para melhor solução da lide.
Agir com boa fé objetiva, significa abstratamente seguir uma regra de conduta pautada pela honestidade, pela lealdade e pela probidade. Trata-se de um standard de conduta, regrado essencialmente por uma noção social de lisura, apto a respeitar uma legítima expectativa de confiança da outra parte. Nas lições de Judith Martins Costa, significa que: “Trata-se de uma regra ética, um dever de guardar fidelidade à palavra dada ou ao comportamento praticado, na ideia de não fraudar ou abusar da confiança alheia. Não se opõe à má-fé nem tampouco guarda qualquer relação no fato da ciência que o sujeito possui da realidade. Entretanto, apesar de se relacionar com o campo ético-social, a este não se restringe, inserindo-se no jurídico, devendo o juiz tornar concreto o mandamento de respeito à recíproca confiança existente entre as pessoas, sejam elas partes de um contrato, litigantes ou participantes de qualquer relação jurídica.”[18]
Este regramento de conduta se aplica ao processo civil, eis que em conformidade com o princípio do devido processo legal, bem como a legalidade da previsão do artigo 14, inciso II, do Código de Processo Civil.
Trata-se, na essência, do princípio justificador da preclusão, eis que comumente tratado como razão de ser da vedação posterior de atos processuais. É de se observar que a razão pela qual é imposto às partes o princípio da eventualidade - apresentar todas as matérias de ataque e defesa na primeira oportunidade que possuem - decorre da lealdade que se deve dar à parte contrária para que possam elas atenderem ao contraditório em sua plenitude.
Da mesma forma, a conduta das partes deve ser pautada por ações que levem ao término do processo, evitando-se (por interesse recíproco) a eternização do conflito. Nesta linha, segundo Menezes Cordeiro, “A locução venire contra factum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente”[19]. Trata-se da própria expressão da preclusão lógica, pois a lealdade processual impede que as partes atuem de forma contraditória a um comportamento anterior ao ponto de atravancar o andamento do processo.
Por fim, a ideia de que a preclusão atinge também os atos decisórios para o próprio juiz – tratada como preclusão pro judicato – vislumbra-se uma atuação da boa fé objetiva eis que impede a revisão de questões já decididas. Mas a matéria não é pacífica na doutrina.
José Rogério Cruz e Tucci[20], assim como Moniz de Aragão[21], defendem que as questões relativas a pressupostos processuais e condições de ação não seriam cobertas pela preclusão, dada a previsão do art. 267 §3º do CPC[22].
Por outro lado, Fredie Didier Jr. diferencia o poder de conhecer a matéria de ofício, prevista no citado dispositivo legal, para a impossibilidade, em razão da preclusão, de reanalisar questões já decididas, afirmando: “Não há preclusão para o exame das questões, enquanto pendente o processo, mas há preclusão para o reexame”[23]
Nos parece mais razoável, ao interpretar que a conduta do juiz é pautada pela conduta da parte, que se o juiz pudesse rever tantas vezes quanto pretendesse uma matéria apenas por ser cognicível de ofício, seria também admissível que a parte, não se conformando com a decisão do juiz, pudesse alegar novamente a mesma matéria, sob novo viés, tantas vezes quanto necessário para um novo convencimento.
A conduta de boa fé objetiva vedaria tal entendimento, pois configuraria conduta protelatória – passível de punição por litigância de má fé. A boa fé atinge a conduta do juiz indiretamente pela razão de que se o juiz pode decidir, cabe ao representante da parte pleitear. Se já houve decisão a respeito e à parte lhe cabe recorrer ou conformar, sob pena de nova alegação ser interpretada como litigância de má fé, ao juiz também é vedada nova reflexão sobre a questão decidida, pois o preceito da venire contra factum proprium incide sobre o magistrado tanto quanto sobre a parte.
Ideologicamente o processo existe para por fim à lide. Respeitadas as garantias processuais de cada parte, é dever de todos os atores do processo contribuírem para a justa solução do conflito. Neste sentido que o princípio da boa fé objetiva deve ser aplicado ao processos: é dever das partes e do juiz contribuírem para a melhor forma possível de solução do conflito, evitando-se comportamentos que possam prolongar o debate.
Também é em razão do mesmo princípio – boa fé – que a preclusão pode deixar de ser aplicada (sendo mitigada no seu rigor procedimental) pois dependendo da circunstância, é justamente o comportamento de lealdade que impede que a parte sofra com a impossibilidade de praticar um determinado ato. Exemplificativamente podemos citar a parte que tomou todas as medidas possíveis para produção de uma prova (como a oitiva de uma testemunha), indicando seu endereço, lhe fornecendo meios de prestar seu depoimento etc, mas pouco antes da sua oitiva, a testemunha venha a falecer. Caberia, mesmo estando em princípio preclusa a oportunidade de pleitear as provas que se pretende produzir, reabrir tal oportunidade eis que a conduta da parte era de boa fé para com a solução do litígio.
Como princípio que informa a preclusão tanto na sua aplicabilidade como na sua inaplicabilidade, identifica-se na boa fé objetiva relevante fundamento na formação de critérios para a correta utilização da preclusão.
6. o PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA
O princípio do devido processo legal se realiza em primeiro plano através do contraditório e da ampla defesa. Seu conteúdo, de tão simples e fundamental, muitas vezes é esquecido. Façamos uma brevíssima recordação.
Nas lições de Portanova[24]: “O princípio é tão amplo e tão significativo que legitima a jurisdição e se confunde com o próprio Estado de Direito”.
Seu conteúdo é bem delineado por Tourinho Filho[25]: “Com substância na velha parêmia audiatur et altera pars – a parte contrária deve ser ouvida. Traduz a ideia de que a defesa tem o direito de se pronunciar sobre tudo quanto for produzido por uma das partes e caberá igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou, ainda, de dar uma interpretação jurídica diversa daquela apresentada pela parte ex adversa. Assim, se o acusador requer a juntada de um documento, a parte contrária tem o direito de se manifestar a respeito. E vice-versa. Se o defensor tem o direito de produzir provas, a acusação também o tem. O texto constitucional quis apenas deixar claro que a defesa não pode sofrer restrições que não sejam extensivas à acusação.”
O contraditório e a ampla defesa são irmãs gêmeas da igualdade processual.
Com efeito, quando a lei atribui às partes o ônus de deduzirem suas alegações na primeira oportunidade que possuem para falar nos autos, sob pena de não o fazendo serem impedidas de terem suas alegações conhecidas pela preclusão, significa dizer que a preclusão existe como garantia do princípio do contraditório e da ampla defesa pois impõe ás partes o dever de aduzirem todas suas matérias para permitir à parte contrária uma contraposição de teses de forma plena.
O critério de balizamento recai sobre a capacidade de conhecimento da parte sobre cada questão aduzida no processo.
Isso porque as alegações deduzidas por uma das partes podem conter nível de detalhamento que: (i) era evidente que a parte contrária tinha conhecimento e portanto deveria ser carreada previamente de argumentação, incidindo na regra da preclusão se não for alegada no momento oportuno, (ii) era desconhecida pela parte contrária e portanto deve ser aberto novo prazo para sua alegação e demonstração. Nos socorremos de um exemplo para melhor explicar a questão.
Na hipótese de uma ação de cobrança fundada em um contrato, pode o réu alegar como matérias de defesa a prescrição e o cumprimento da obrigação. Em réplica, o autor poderá alegar que a prescrição não ocorreu em razão de uma causa interruptiva da prescrição, como o reconhecimento da dívida, mas não poderá argumentar (se não fez na petição inicial) que na verdade a obrigação foi “inadequadamente” cumprida (quando alegou na petição inicial que a obrigação não havia sido cumprida). Isso porque em razão do princípio da eventualidade – da qual se desdobra a preclusão – cabia ao autor fazer todas as deduções fáticas e jurídicas de que lhe alcançava o conhecimento, dando à parte contrária o poder de exercer adequadamente o contraditório e a ampla defesa.
Guardar um argumento de forma obscura para somente utilizá-lo quando em momento posterior à possibilidade da parte contrária fazer uso do contraditório viola tal princípio pois não permite à parte adversa, no momento que lhe é oportuno, fazer sua defesa de forma adequada (plena) e traçar sua conduta processual de forma a contrariar adequadamente os fatos e argumentos imputados, além de não observar a boa fé objetiva.
Da mesma forma, se o réu, que aduziu a prescrição, pretender contestar a regularidade do reconhecimento da dívida, por eventual ausência de assinatura, deverá fazer tal alegação no momento que alegar a prescrição (na contestação) eis que poderia (dependendo do caso concreto) ter conhecimento sobre os fatos atinentes à prescrição.
A garantia do contraditório e da ampla defesa não permite às partes utilizarem de réplica, tréplica e assim por diante até que se esgotem todos os possíveis argumentos de natureza fática ou jurídica. Se assim se admitisse o processo não teria fim eis que a formação de questões controvertidas poderia chegar ao infinito.
Contudo, uma nova alegação em questões desconhecidas pela parte adversa deve permitir que esta possa falar nos autos e produzir provas contrárias a este novo argumento pois necessário à preservação do basilar contraditório.
Se em tese a questão parece simples, a prática demonstra que a realização da preclusão frente ao princípio do contraditório é altamente complexa, notadamente em razão de ser diante do contraditório que o formalismo processual – através da preclusão – se confronta com a justiça da decisão. Isto porque na ausência de técnica do advogado ou outras vicissitudes, é comum a formulação de teses mal estruturadas e incompletas, incorrendo em tentativas de suprir a deficiência em momento posterior, fatos que por vezes levam à contraditória impossibilidade de alegação de fato que acaba reconhecido pelo juiz.
Não se pode esperar que o Poder Judiciário, em razão de formalismo, decida de forma a gerar enriquecimento ilícito, quando patente. Mas é relevante ressaltar que tal formalismo está para o processo como instrumento de celeridade, segurança e boa fé – mas também como garantia do contraditório, este entendido como oportunidade de deduzir os elementos que cada parte pressupõe relevantes para apresentação de sua tese jurídica. Esta oportunidade deve ser aproveitada quando se tem, e não quando convém à parte.
Acreditamos que nesta seara principiológica que deve ser inserido o instituto da preclusão: um instrumento que busca dar ao processo celeridade e segurança pois fundada na boa fé objetiva e no contraditório. Sempre que diante de hipóteses de alta indagação, serão os preceitos optimizantes destes princípios que coordenarão a interpretação a ser dada aos regramentos processuais.
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[1] Heitor Sica revela após analisar amplamente a doutrina brasileira que todos os escritores possuem posicionamento acerca da preclusão de forma bastante semelhante, reconhecendo no instituto as modalidades de preclusão lógica, temporal e consumativa. Sica. Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. ed. Atlas. 2ª Edição. São Paulo, 2008. P. 89.
[2] Marques. José Frederico. Instituições de direito processual civil, v. 2. P. 380-381
[3] Cintra, Dinamarco e Grinover. Teoria Geral do Processo, p. 279
[4] O Código de Processo Civil de 2014 possui idêntica redação e este dispositivo está localizado no artigo 333.
[5] Também possui no Código de Processo Civil de 2014 a mesma redação no artigo 339.
[6] Art. 303. Depois da contestação, só é lícito deduzir novas alegações quando:
I - relativas a direito superveniente;
II - competir ao juiz conhecer delas de ofício;
III - por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e juízo.
[7] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio A. Da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 162
[8] Grinover, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo -. em conjunto com Araujo Cintra; Dinamarco, Cândido Rangel; Grinover, Ada Pellegrini. Editora Malheiros. 16ª Ed. 2014. p. 30
[9] Bedaque. José Roberto dos Santos. Garantia da Amplitude da produção probatória in Garantias constitucionais do processo civil coordenado por José Rogério Cruz e Tucci. Revista dos Tribunais. p. 153 e 159
[10] Dinamarco. Cândido Rangel. A instrumentalidade do Processo
[11] Bueno. Cassio Scarpinella. Tutela Antecipada. Editora Saraiva. São Paulo, 2007. p. 10.
[12] Oliveira. Carlos Alberto Alvaro de. Do Formalismo do processo civil. Ed. Saraiva, 2010. P. 62 e 83-84.
[13] Rev. TST, Brasília, vol. 67, nº 1, jan/mar 2001. P. 118
[14] BALBI. Celso Edoardo. La decadenza nel processo di cognizione. Milano. Giuffrè, 1983. P. 3. Citado por Heitor Vitor Mendonça Sica em Preclusão Processual Civil. ed. Atlas. 2ª Edição. São Paulo, 2008. P. 304.
[15] SICA. Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. ed. Atlas. 2ª Edição. São Paulo, 2008. P. 306
[16] SICA. Heitor Vitor Mendonça. Preclusão Processual Civil. ed. Atlas. 2ª Edição. São Paulo, 2008. P. 307
[17] BARBOSA. Rui. O dever do advogado. 2ª ed. Editora Edipro
[18] COSTA. Judith Martins. A boa fé Objetiva. Editora Revista dos Tribunais. 2000. P. 411
[19] CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina,
2001, p. 742
[20] TUCCI, José Rogério Cruz e. Sobre a Eficácia Preclusiva da Decisão Declaratória de Saneamento, in
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de (org.). Saneamento do processo - Estudos em homenagem ao Prof.
Galeno Lacerda. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1989, p. 281.
[21] ARAGÃO, E. D. Moniz de. Preclusão (Processo civil), in OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de
(org.). Saneamento do processo - Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 1989, p. 174
[22] O art. 267 §3º do atual Código de Processo Civil possui correspondência no artigo 482 do Código de Processo Civil de 2014 e o parágrafo referido possui redação semelhante, tendo acrescentado apenas a hipótese de admitir-se o conhecimento de ofício pelo juiz para extinção da ação sem resolução de mérito por morte da parte, quando o direito em disputa for intransmissível
[23] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, Vol. 1. 9ª ed. Salvador: Juspodivm, 2008, p.
515
[24] PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. 4.ª edição. Editora Livraria do Advogado. Porto Alegre, 2001. P. 141
[25] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2005.p. 58
Procurador do Estado de São Paulo. Especialista em Direito Processual Civil pela Escola da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo e Mestrando em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TAMAKI, Luiz Henrique. Os princípios da preclusão no processo civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jun 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44591/os-principios-da-preclusao-no-processo-civil. Acesso em: 22 nov 2024.
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