Resumo: O presente trabalho aborda as questões mais relevantes sobre a inovação legislativa trazida nos artigos 133 a 137 do novo Código de Processo Civil que dispõe sobre o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Estes dispositivos do novo diploma processual sistematizam o debate sobre a retirada do véu da personalidade jurídica de pessoas físicas ou jurídicas que atuam de forma ilícita nos termos do artigo 50 do Código Civil.
Palavras chaves: Personalidade; comércio; sociedade; sócio, responsabilidade; empresa; confusão; fraude; desconsideração; redirecionamento; mérito; entidade; agrupamento; autonomia; sentença; execução; patrimônio; incidente; diploma; dilapidação; legislação; convicção, discussão.
Introdução
A personalidade jurídica é um instituto do direito que visa garantir a regularidade dos atos de comércio relacionados à atividade empresarial através da autonomia de direitos e obrigações em relação aos entes que constituem uma sociedade.
Porém observa-se, no universo empresarial, situações em que os sócios abusam da personalidade jurídica, causando danos a terceiros, especialmente credores. Trata-se de abuso de direito, nos termos do art. 187 do Código Civil, bem enseja a responsabilização das pessoas físicas e jurídicas envolvidas por meio da desconsideração da personalidade jurídica regulada por artigo específico, que a reconhece nos casos de desvio da atividade fim ou confusão patrimonial entre os bens da sociedade empresarial e os de seus sócios.
Aspectos relevantes
Releva perceber que o ordenamento pátrio nunca descreveu o procedimento destinado a retirada do véu da personalidade jurídica. ao magistrado. O Novo Código de Processo Civil instituiu um incidente processual a ser instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, limitando a instrução ao magistrado em determinar a citação dos envolvidos que poderão no prazo legal produzir provas e se manifestar sobre os fatos declinados no pedido.
Portanto, atendendo aos anseios de grande parte da doutrina, o Novo Código de Processo Civil assegura a possibilidade do sócio administrador de empresa ou sociedade integrante de grupo econômico formule sua defesa com o devido lastro probatório, antes da apreciação do pedido de redirecionamento. Vejamos o que prescreve o novo diploma:
Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
§ 1o O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.
§ 2o Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
§ 1o A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.
§ 2o Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
§ 3o A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2o.
§ 4o O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.
Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.
Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.
Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.
Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.
Diante dos novos dispositivos do novo CPC cumpre tecer algumas considerações.
O Magistrado, ao receber o pedido de redirecionamento, com a aplicação do artigo 50 do Código Civil, para o sócio administrador ou sociedade agrupada, deverá imediatamente instaurar incidente processual, determinando a sua citação para opor sua defesa juntamente com as provas necessárias.
Ressalte-se que o incidente processual é instaurado no decorrer de um processo principal provocando seu sobrestamento até o deslinde da questão que, por tratar-se de prejudicial, repercute diretamente no exame do mérito.
Releva observar que o artigo 133, parágrafo 2º, do novo CPC, se refere expressamente a possibilidade de instauração do incidente para a análise da desconsideração inversa. Infere-se que o legislador chancelou o entendimento jurisprudencial, até então muito contestado, no sentido do cabimento da desconsideração da personalidade jurídica das empresas integrantes de grupo econômico.
Quando se trata de responsabilização de grupos econômicos, a doutrina chama a superação da personalidade das entidades agrupadas de desconsideração inversa. Ocorre nas hipóteses de criação de grupos econômicos de fato, ou seja, conglomerados de sociedades coligadas, controladoras ou controladas criadas com o exclusivo objetivo de sonegação fiscal e fraude á execução. Neste caso a desconsideração se aplica as sociedades agrupadas que servem como véu para encobrir as ilicitudes cometidas pelos sócios administradores que possuem o poder decisório sobre as atividades de todo o grupo.
A desconsideração inversa, conforme a lição de Fábio Konder Comparato (O Poder de Controle na Sociedade Anônima. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, fl.464) caracteriza-se pelo retirada do véu da personalidade jurídica da sociedade e a responsabilização por dívidas de seus sócios ou demais sociedades integrantes do mesmo grupo de empresas.
Portanto restou cristalizado no ordenamento pátrio, que o artigo 50 do Código Civil se aplica tanto para a responsabilização de pessoa física tanto para a responsabilização de pessoa jurídica.
Outro aspecto relevante a ser destacado é que o artigo 134 dispõe expressamente sobre a possibilidade do incidente de desconsideração ser instaurado tanto no processo de conhecimento quanto na fase de cumprimento de sentença ou execução autônoma.
Diante deste dispositivo cai por terra o entendimento jurisprudencial no sentido da necessidade de ação autônoma para o reconhecimento de grupo econômico via desconsideração da personalidade jurídica.
Por derradeiro, cabe abordar o preceito insculpido no artigo 137 do novo diploma processual. O dispositivo determina a ineficácia das alienações ou oneração de bens perante o requerente em caso de decisão interlocutória de deferimento do pedido de desconsideração, após a conclusão do incidente.
Neste ponto reveste-se de indiscutível relevo jurídico a determinação do termo inicial para a decretação da ineficácia dos atos de alienação realizados pelos entes responsabilizados com o encerramento do incidente. Para o deslinde da questão se faz imperiosa a análise exegética da norma do novo diploma processual em conjunto com o artigo 185 do Código Tributário Nacional que trata da garantia do crédito tributário. Vejamos:
Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.
Não é possível olvidar que, demonstrada a confusão patrimonial e a unidade de controle do agrupamento empresarial, o magistrado reconhece o grupo de empresas como sendo uma única realidade de fato, ou seja, uma única sociedade formada por diversas empresas que atuam como departamentos da controladora. Os gestores da sociedade devedora deliberam no sentido da criação de outras empresas com o intuito de fraudar os órgãos de Administração Tributária.
Portanto o Juiz, ao término do incidente de desconsideração, por força do novo artigo 137 do CPC combinado com o artigo 185 do CTN, deve considerar ineficazes os atos de alienação ou oneração de bens de todas as empresas do grupo e dos sócios responsáveis pela fraude a partir da inscrição em dívida ativa dos créditos tributários em nome da sociedade originária.
A posição, que pode vir a ser defendida por parte da doutrina, no sentido de que são ineficazes os atos de dilapidação patrimonial somente a partir da decretação da decisão de desconsideração fulminaria a atuação da Fazenda Pública na execução das obrigações tributárias haja vista que, no decorrer do incidente processual, os gestores do grupo econômico passariam a realizar nova reestruturação societária com a criação de novos simulacros de pessoas jurídicas, esvaziando o patrimônio das empresas constantes do pedido de redirecionamento.
Solução a ser adotada, na hipótese de prevalecer este entendimento na jurisprudência, seria o requerimento de medida liminar de indisponibilidade dos bens das sociedades no momento da interposição do pedido de instauração do incidente de desconsideração, com lastro no poder geral de cautela do Juiz, visando resguardar a satisfação dos créditos tributários em cobrança, até a sua conclusão. Com o deferimento do pedido e o consequente reconhecimento do grupo econômico com o redirecionamento da execução fiscal para os entes agrupados, o bloqueio de bens, a requerimento da Fazenda Pública, se converteria em penhora.
Conclusão
A inovação trazida pelo novo Codex introduziu, no cenário jurídico nacional, uma sede de discussão de um tema de alta complexidade que trará, em um futuro próximo uma série de questionamentos a serem trazidos á baila ao longo das tramitações dos processos judiciais, especialmente na sua fase executória.
No que diz respeito aos processos de execução fiscal e aos cumprimentos de sentença, a instauração do incidente de desconsideração trará morosidade em uma fase processual de caráter tão somente satisfativo. Entretanto se faz necessário, que a Autoridade Judiciária, firme sua convicção, após a análise dos argumentos de todas as partes envolvidas, sobre quais os sujeitos devem ser responsabilizados pela dívidas em cobrança em determinado processo.
Referências bibliográficas
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KERSHAW, David. Company Law in Context. Oxford University Press, 2009.
GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do consumidor. Niterói/RJ: Editora Impetus, 2009.
Procurador da Fazenda Nacional. Ex Delegado de Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul. Especialista em direito tributário pela Universidade Anhanguera.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BONN, Luiz Filipe Maloper. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jun 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44612/o-incidente-de-desconsideracao-da-personalidade-juridica-no-novo-cpc. Acesso em: 22 nov 2024.
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