Resumo: Trata-se de uma análise do Tribunal do Júri tal como é no Brasil dos dias atuais. Far-se-á uma pequena divagação histórica no intuito de captar os principais aspectos intrínsecos à sua existência.
Primeiramente, é preciso entender, ainda que de modo superficial, como funciona um Tribunal do Júri. Também conhecido como Tribunal Popular, é composto basicamente de um Juiz Presidente, réu ou réus, 21 escolhidos iniciais que se tornarão 7 para julgar, defesa e acusação. Eventualmente, pode se a admitida a presença de um assistente de acusação.
O sentido de se criar tal instituição para o Direito brasileiro é julgar aqueles crimes que afetam de tal modo o conceito de indivíduo que o Direito desamparado não se sente legítimo para julgar, ergo, a convocação de pessoas comuns. Tais pessoas se juntarão após os sorteios terem reduzido seu número a 7 integrantes para ouvir a exposição do Juiz-Presidente. Tal exposição deve ser neutra a todo custo, o Juiz Presidente da sessão não está lá para dar um veredicto, mas para representar o Estado diante do julgamento dos Juízes Leigos. Ele tem função de decretar a sentença e expor a situação, além de mediar defesa e acusação. Cabe também ao Juiz Presidente (a diferenciação é essencial, uma vez que a sessão será composta de 8 juízes lato sensu) indicar os erros cometidos pelas partes quanto à forma processual.
Historicamente, o Júri tem origem na Magna Carta inglesa, mas instituições do tipo eram presentes na Grécia Antiga, conhecidas como Tribunal das Heliastas. O caso de Júri que temos mais acesse é, sem dúvida, o Júri norte-americano. O contexto de filmes e livros sobre o assunto é deveras rico no referido país. Existem diferenças fundamentais entre o nosso Júri e o deles, mas a situação que se vê nos filmes é razoavelmente parecida, sendo o clímax do processo a argumentação defesa versus acusação. Lá, o Júri é garantia individual material, uma vez que a eleição de juízes impossibilita que os mesmo julguem certos réus ou atuem no mesmo caso que outros indivíduos específicos, etc. Aqui, é garantia humana fundamental, e não essencial (NUCCI, 2008).
Retomando o cerne deste escrito, existem duas figuras centras no Tribunal Popular: a acusação, representada por um membro do Ministério Público e a defesa, podendo ser um advogado da parte ou defensor dativo nomeado pelo Juiz Presidente. Lembrando que toda a argumentação exposta na sessão terá seu fundamento jurídico reduzido a um nível que possibilite a compreensão do Júri e dará espaço a uma argumentação de cunho emocional, dirigida ao Povo na forma dos Juízes Leigos visando gerar empatia, desprezo, perdão, etc.
A acusação, investida na figura de um representante do M.P. (que chamarei de Acusador), curiosamente deve ser imparcial. Explico: o Júri deve julgar somente casos de ação pública incondicionada (crimes dolosos contra a vida), os quais o ministério Público move contra o réu. Entretanto, o Acusador não pode tomar o processo como pessoal uma vez que representa um órgão público e não foi investido da capacidade de julgar, apenas avaliar o fato. Pode ele, inclusive, pleitear pela inocência do réu. Tal fato não é raro e se dá quando o Acusador não avalia suficientes as provas produzidas. Seja qual for o caso, o representante do Ministério Público não pode, sob nenhuma hipótese, deixar de fundamentar sua opinião. Seja ele um acusador ferrenho ou um insatisfeito com as provas apresentadas, se faz necessária a fundamentação daquilo que expôs.
Naturalmente, durante toda a sessão, a linguagem não deve ser demasiadamente jurídica, visando facilitar a compreensão por parte dos Juízes Leigos. Não somente a compreensão destes deve ser observada, mas a legitimidade da decisão. Como seria possível para um tribunal composto de sete indivíduos decidir corretamente se o caso não foi devidamente exposto? Daí surge o dever do acusador fundamentar o que diz. O Acusador não pode se ausentar por longos períodos, podendo o Juiz Presidente chamá-lo e, caso não compareça, dar-se-á a interrupção da sessão, nomeação de novo representante do parquet e o réu será solto, caso esteja em prisão cautelar (o prejuízo seria causado por um membro do Estado).
Além do acusador, há outra figura que, por vezes, compõe a acusação. É nomeada Assistente de Acusação tal figura, e é representada pelo ofendido do crime. Age em litisconsórcio com a Acusação, podendo expor sua opinião e até mesmo requerer uma pena. Naturalmente que se ambos requerem uma pena, essa deve ser próxima, ou ao menos coerente. O Júri desfavoreceria uma acusação incapaz de ser concisa em seus pedidos. Também seu momento de fala é o mesmo do Acusador, devendo ser dividido entre os dois.
Finalmente, há a figura da Defesa. Sendo advogado ou defensor dativo, a defesa deve convencer o Júri da inocência do réu, ou reduzir a pena, justificar o ato, tornar duvidosa a autoria, etc. A defesa tem inúmeros modos de prosseguir, a depender também da versão do réu. Uma discrepância entre as duas versões seria extremamente danosa para o réu, fazendo-o perder credibilidade diante do Júri. Outra prerrogativa da defesa é não poder errar gravemente, sob pena de o Juiz Presidente escolher outro representante para o réu. Tem-se aí um bom argumento para a defesa do exame da OAB, mas seria uma digressão.
Um elemento essencial da defesa é a plena defesa, diferente da ampla defesa. Amplitude abrange o que é vasto, enquanto plenitude abrange o que é completo, perfeito. A defesa plena deve recorrer a todos os esforços (naturalmente dentro da ética) possíveis para preservar o réu. Daí sua fala ocorrer em dois momentos: defesa e tréplica, o Acusador falando entre as duas, na réplica. É possível inclusive a manifestação do réu, defendendo-se pessoalmente, bem como a inovação de teses na tréplica, podendo a defesa se aproveitar de algo dito na réplica ou mesmo criar algo novo. No livro “Tribunal do Júri”, Guilherme de Souza Nucci cita uma lista de características e deveres da defesa, que resumo aqui:
A defesa deve:
1- Ter contato com o acusado e com ele criar laços que gerem confiança.
2- Orientar o réu sobre as possibilidades de resultado do julgamento.
3- Deixar que o réu se defenda, se assim for o desejo do mesmo.
4- Conhecer detalhadamente os autos do processo.
5- Verificar que o rol das testemunhas seja composto de pessoas relevantes para o caso.
6- Ter capacidade de arrolar mais testemunhas que o previsto legalmente, caso necessário.
7- Apresentar sempre as alegações finais.
8- Expor sem exagerar na fundamentação.
9- Impedir a ausência de fundamentação em sua fala.
10- Avaliar a necessidade de recurso contrário a decisão do juiz.
11- Se fazer presente em todos os momentos do plenário.
12- Levantar todas as teses possíveis e coerentes para a defesa.
13- Inovar na tréplica é medida de exceção, deve ser feita com cautela.
14- Estudar e explicar aos jurados o que foi dito pelo Juiz Presidente
15- Impugnar as partes defeituosas, quando finalizar sua leitura, caso contrário pode haver a materialização da preclusão.
Em conclusão, tem-se que o sistema não é ideal, mas preserva os elementos de pacificação social que permitiram sua gênese primeira. A distribuição da Justiça por pares é, e sempre será, um dos elementos mais fascinantes do Direito.
Bibliografia:
Código de Processo Penal (Lei 3.689/1941)
Precisa estar logado para fazer comentários.