Resumo: Desde a segunda metade do século XX, o desenvolvimento técnico-científico-informacional e o intercâmbio cada vez mais globalizado de pessoas e serviços revolucionaram nossos modelos tradicionais de organização e do conhecimento. Período marcado pelo incentivo à titulação universitária, emergiram diversos teóricos que em muito influenciam o pensamento atual. Uma dessas personalidades é Pierre Bourdieu, famoso sociólogo francês que ganhou projeção internacional pela definição de uma gama conceitos importantes para a história das ciências humanas, como os significados de campo, habitus, e capital simbólico.
Palavras-chave: Bourdieu, habitus, capital simbólico.
1. Introdução
Este trabalho discute comparativamente, ancorado no pensamento teórico de Bourdieu, quatro textos em dois blocos. Primeiramente, analisar-se-á as possíveis relações entre um trecho do Poder Simbólico de Bourdieu referenciado acima e um artigo de Fabiano Engelmann que discute a importância da internacionalização para a hierarquia e o capital simbólico do campo jurídico. Em seguida, serão discutidas, a partir dos textos de Alexandre Veronese e Barros Geraldo, alternativas viáveis ao aprimoramento da arena do direito, isto é, facilitar o acesso à justiça, otimizar o tempo de julgamento, evitar o inchaço da máquina pública,etc.
A partir da revisão bibliográfica como método adotado, a correspondência dos temas tratados por cada um desse autores revelou-se, na verdade, surpreendente.
2. Desenvolvimento
1.1. Bourdieu e Engelmann
O célebre sociólogo francês, famoso por sua teria de campo, define alguns conceitos que se tornarão posteriormente fundamentais para compreensão de diversas áreas das ciências humanas, com destaque aqui para a sociologia. No que diz respeito ao direito enquanto arena, o chamado campo jurídico adquire algumas características diferentes dos demais, a serem discutidas no decorrer deste trabalho.
Bordieu introduz duas correntes antagônicas de pensamento. A primeira assinala uma diferença significativa entre a ciência rigorosa do direito e a ciência jurídica per se, sendo esta objeto daquela, marcada pela rejeição ao formalismo e ao instrumentalismo. A ciência jurídica, por sua vez, segundo essa escola, apreende o direito como um sistema fechado e autônomo*, cujo desenvolvimento só pode ser apreendido segundo sua dinâmica interna, num lócus específico isento de pressão social, tal qual a Teoria Pura do Direito de Kelsen. A segunda visão entende o direito e a jurisprudência como reflexa das relações de força existente, sendo o direito, nessa lógica, um instrumento de dominação.
É curioso observar, contudo, que, apesar de teorias dissidentes, ambas ignoram a existência de um universo social em certa medida independente das pressões sociais externas, no interior do qual se produz e se exerce a autoridade jurídica, modelo da violência simbólica legítima por excelência, cujo monopólio pertence ao estado e que se pode combinar com o exercício da força física.
Quando em equilíbrio, o campo jurídico tende a funcionar como um aparelho na medida em que a coesão dos habitus espontaneamente orquestrados dos intérpretes é aumentada pela disciplina de um corpo hierarquizado o qual põe em prática procedimentos codificados de resolução de conflitos. Tão latente é essa hierarquia que suscita discussões recorrentes. Fabiano Engelmann, num interessante artigo para a Revista de Ciências Sociais de 2012, discute a relevância do capital internacional na hierarquização do campo jurídico, estabelecendo pertinentes relações entre a globalização e o poder do estado, importante nesse quesito porque, sabemos, o Estado age através do Direito.
Um episódio decorrente desta qualidade é a cisão social entre profanos e profissionais, num trabalho contínuo de racionalização que aumenta o desvio entre os veredictos armados do direito e as instituições ingênuas da equidade. Essa configuração paradoxal dada por uma concorrência estruturalmente regulada entre agentes e instituições constitui o cerne de um sistema de normas e práticas que aparece como fundamento a priori na equidade de seus princípios, na coerência de suas formulações e na rigidez das aplicações, participando simultaneamente da lógica positiva da ciência e da lógica normativa da moral.
As icônicas guerras palacianas de Bourdieu implicam não apenas em disputas pelo controle do Estado, mas também em definições legítimas das instituições. A partir do estudo conduzido por Engelmann, é possível estabelecer um paralelo direto entre o grau de internacionalização de determinado campo e a variação de relevância do capital internacional investido nos grupos dirigentes, distribuídos entre certificados e títulos acadêmicos, contratos e adjacentes estabelecidos com instituições estrangeiras.
Dentre as características inerentes ao campo jurídico descritas pelo autor, saliento a retórica da autonomia, da neutralidade, e da universalidade, não menos que a expressão de seu funcionamento e trabalho de racionalização, com um espírito jurídico notadamente universalizante.
A disputa pelo poder simbólico, aponta Bourdieu, remonta a um tradicional antagonismo estrutural entre as funções de teórico e prático. Os intérpretes do exercício teórico são responsáveis pela elaboração puramente teórica da doutrina insistindo numa "sintaxe do direito", como característico no domínio docente. Exercem sobre eles força relativa ao capital jurídico da tradição alemã e francesa. Os agentes práticos, por sua vez, realizam uma interpretação voltada a casos particulares, com notável atenção à pragmática e influência da tradição anglo-americana.
Tal oposição não exclui, contudo, a complementaridade de suas funções, base da divisão do trabalho de dominação simbólica na qual os adversários servem uns aos outros. Isto porque, isoladamente, manifestam uma gama de vícios que podem em muito prejudicar a execução do direito. Os juristas - aqui compreendendo os profissionais teóricos - tendem a tratar o direito como teoria pura, concebendo-o como um sistema autônomo e auto-suficiente expurgado de lacunas ligadas à sua gênese prática. Em contrapartida, os juízes - entenda-se agentes práticos - costumam estar mais atentos às aplicações que dele podem ser feitas em situações concretas. Adaptam seus instrumentos de trabalho às exigências e à urgência prática.
É interessante observar, a título de reflexão, o mecanismo de gestão do Estado e da macroeconomia na América Latina nas décadas de 1980 e 1990, marcado pelo conflito de elites estatais em torno de um modelo econômico calcado na mecanização. Sua legitimidade perpassa o surgimento dos think-tanks, que contribuem significativamente para firmar o valor dessa modelo internacionalmente.
No caso do Brasil, um conjunto de trabalhos que tem por foco a circulação internacional de elites e o intercâmbio universitário mostra a importância das estratégias internacionais na recomposição dos grupos dirigentes e o espaço universitário como lócus de redefinições do sentido das instituições.
Dois dos maiores expoentes da sociologia moderna, Dezalay e Garth abordam a importância da globalização das tecnologias institucionais e das definições do direito, num movimento em que os agentes internacionais assumem papéis antagônicos, de produtores (Europa e EUA) e importadores (Brasil e América Latina), cujo fluxo de problemáticas
Essa situação dialoga com o conceito de campo jurídico de Bourdieu, cujo funcionamento se dá a partir da competição entre os elementos que substanciam o sentido da justiça e do conhecimento jurídico per se, concebido de forma doutrinária.
No Brasil, especificadamente, vigorou uma tradição de que o monopólio da produção acadêmica e da legitimidade política estava diretamente relacionado à posição ocupada. Não obstante, ao longo dos anos, verificou-se uma expansão da comunidade acadêmica, seguida pelo aparecimento de novos atores, que culminou numa disputa crescente pelo poder simbólico, especialmente no que diz respeito ao cenário jurídico.
A pesquisa jurídica compreende três grandes dimensões: o acadêmico, o judicial e o espaço da advocacia. O primeiro adquiriu importância exponencial após o fenômeno da profissionalização, isto é, quando primeiro identificou-se a cisão entre profissionais e os leigos, sobretudo verificada a partir de 1995. O domínio judicial, por sua vez, abrange magistrados e demais carreiras jurídicas estatais, bem como a própria advocacia. Esta última, enfim, justifica-se pelo fato de haver inúmeros estudos que evidenciam um crescimento significativo do modelo de advocacia no Brasil, com escritórios cada vez mais abrangentes e internacionalizados.
Quanto à atividade docente, esta vivenciou um robustecimento de sua profissionalização nos últimos anos do século XX, inserida num contexto de reformulação do currículo jurídico pelo Ministério da Educação e de ampliação do ensino privado, arcabouço sócio-político que conferiu aos títulos universitários cada vez mais importância, ainda mais valorizados quando qualificados no exterior, justificando a opção de inúmeros bacharéis em Direito pela dedicação exclusiva à docência. Assim, o grupo de docentes passou a ocupar o todo da carreira acadêmica.
A importância de um currículo bem construído torna-se ainda maior na contemporaneidade, em tempos de enorme concorrência para o mercado de trabalho, conjuntura que leva diversos profissionais jurídicos – aqui fazendo referência àqueles que não se dedicam exclusivamente ao ensino - a investirem numa titulação acadêmica e a manterem, portanto, carreiras híbridas, que lhes confere a graça de estar, simultaneamente, na cúpula da comunidade acadêmica e nas carreiras do Estado.
Fabiano Engelmann analisa, também no mesmo artigo, os destinos mais procurados por brasileiros para realização de sua pós-graduação. São eles países da Europa Ocidental, notadamente França, Alemanha, Itália, Portugal e Espanha, os Estados Unidos e o Canadá. Para economia e administração, destaque para os países da América do Norte; para os juristas, fundamentalmente, França, Itália, Alemanha, e também os Estados Unidos, em função do incentivos angariados pelas bolsas “Fullbright”.
O acúmulo de capital internacional pelos professores de Direito, os bacharéis têm nas relações internacionais um relevante elemento de hierarquização. Como já afirmado no presente documento, o grau de internacionalização das sociedades de advogados é proporcional à sua posição ocupada na advocacia. Assim, naturalmente, é possível identificar um predomínio dos chamados business-lawyers, vinculados a grandes escritórios ancorados no modelo tradicionalista du gentleman du droit *, e centrados em recursos decorrentes de sua posição local.
Por último, o autor discute a posição ocupada pelos ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Superior Tribunal Federal que, reconhecidos massivamente como cúpula do Poder Judiciário brasileiro, são os que mobilizam, curiosamente, menos capital internacional na sua formação. Em contrapartida, é deles a predominância de trunfos domésticos, com fortíssimo apelo e repercussão popular. Coletando dados de 10 ministros do STF em 2007 e de 33 ministros do STJ, concluiu que apenas a metade deles domina algum idioma estrangeiro, e que nenhum dos ministros do STJ realizara estudos em outro país. A despeito de sua baixa inserção internacional, esses ministros persistem, ainda hoje, reconhecidos como expressão máxima do status jurídico.
2.2 Veronese e Geraldo
Nos últimos tempos, verificou-se uma significativa alteração no arcabouço institucional jurídico brasileiro, que incorporou novos atores ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, em cuja agenda podem ser identificadas reivindicações sociais da área do direito. A construção desse novo cenário social e político do direito é discutida por alguns notáveis autores, como é o caso de Boaventura e Faria, mas cabe observar, sobretudo, que se trata de uma mudança interna ao estado. Assim, a partir da reorganização do aparato judiciário, surgem indivíduos, coletivamente organizados, com demandas específicas, num movimento de democratização que permite aos magistrados a reinvenção de suas funções.
Um assunto recorrente nos debates tanto do meio acadêmico quanto profissional jurídico é a democratização do acesso à justiça, bem como a necessidade de criar novos meios para efetivá-la. A França exerce, nessa questão, papel muitíssimo relevante com sua política da “Justiça de Proximidade”. Tal processo, analisado com minúcia no artigo de Geraldo, tem início no começo da década de 1990, dando origem a uma gama de instituições voltadas para o acesso à justiça, como a Maison de la Justice et du Droit, entre outros órgãos destinados à formação de conciliadores e mediadores de conflitos.
Só em 2002, porém, essa iniciativa tomou forma mais robusta através da implantação dos juízes de proximidade propriamente ditos, a fim de tornar a justiça mais rápida e eficaz para a população. Esses juízes não provém, todavia, do quadro regular de profissionais que compõem a Escola Nacional de Magistratura, mas sim são recrutados especialmente pelo Ministério da Justiça, exigindo-se experiência na área jurídica. Essa medida permitiu que os juízes profissionais se ocupassem dos casos mais importantes, relegando as pequenas causas aos juízes de proximidade.
A despeito de suas diferenças de implementação, reafirmo a posição do autor ao compreender essas evoluções do campo jurídico como uma resposta à sociedade, repousando nela o ponto analítico fundamental para o entendimento das referidas mudanças. Ambos os textos discorrem acerca de uma expansão do Poder Judiciário, que se dá de maneira distinta. No Brasil, deu-se uma reformulação interna; na França, por sua vez, os “juízes de proximidade” podem ter outra profissão original e, inclusive, mantê-la, desde que tenham experiência na carreira jurídica.
Analisemos mais minuciosamente cada um desses dois modelos alternativos, que buscavam, a partir de metodologias diferentes, melhorar o exercício do direito, isto é, facilitar o acesso à justiça, otimizar o tempo dos julgamentos, bem como dinamizar a máquina burocrática jurídica. Em relação à Justiça de Proximidade francesa, é relevante mencionar que esse movimento signficou, pela primeira vez, a organização de uma força tarefa manifestada na formação de uma comissão parlamentar a fim de investigar os problemas da instituição judiciária, discutindo a formação dos juízes profissionais e a idade mínima para ingressar na Ecole Nationale de Magistrature. Ainda durante esses anos, discutiu-se a Reforma do Judiciário, condensada no estabelecimento de quatro principais objetivos: (a) criar uma jurisdição de proximidade; (b) alterar a legislação penal para crimes de violência juvenil; (c) conceder direitos processuais às vítimas; (d) salientar os recursos humanos destinados ao Judiciário.
Tal iniciativa, uma vez revolucionária e portanto polêmica, dividiu opniões. A bancada de esquerda, apoiada pelo segmento dos magistrados, apontava a tendência desse programa em favorecer a incorporação de pessoal notável, com poderio político e social, o que poderia comprometer a excelência dos profissionais selecionados. Todavia, o governo vigente, com características direitistas, conseguiu aprovar a lei que criou essa nova jurisdição.
Traçando um perfil dos juízes de proximidade, alcunhados por seus entusiastas de "juízes-cidadãos", era deles exigido experiência com o direito em diversas modalidades, desde a juízes aposentados até funcionários públicos com qualificação para atividades judiciárias. São selecionados em duas fases. A primeira corresponde ao recrutamento através de um dossiê de candidatura encaminhado ao Ministério da Justiça; a segunda é o estágio comprobatório, em que o candidato é acompanhado por um juiz de primeio grau.
Submetidos à Lei Orgânica da Magistratura, têm mandato não renovável de sete anos, podendo manter sua profissão original e, portanto, desprovidos do status de funcionários públicos. A permissão ao exercício também da profissão principal exige a atuação jurídica numa jurisdição diferente daquela atividade. Essas circunstâncias peculiares se refletem ainda na disposição de símbolos, sendo eles proibidos de vestir a toga, já de praxe em todos os outros perfis profissionais jurídicos. Pelo contrário, carregam uma medalha durante as audiências.
Por último mas não menos importante, analisemos os aspectos regulativos e legais para a implementação desse programa. O presidente de cada tribunal de primeira instância discrimina as funções a serem executadas pelo juiz de proximidade, bem como o contingente de audiências que ele fará. Seus casos civis têm competência legal estendida até 4 mil euros, também podem julgar os criminais de menor gravidade.
Haja vista as considerações feitas acima, Geraldo observa, contudo, a partir da coleta de informações qualitativas e quantitativas do Annuaire Statistique de la Justice, que, apesar da quase paridade entre o número de juízes profissionais e de proximidade, correspondendo respectivamente a 866 e 586 juízes, não é possível estabelecer uma relação direta entre o maior número de juízes de proximidade e a diminuição do tempo de julgamento, tampouco do número de processos. De maneira geral, concluiu que, na verdade, esses eventuais avanços se davam mais em função do contexto social e político de cada jurisdição do que da chamada "Justiça de Proximidade". Hemos de convir, entretanto, que o recrudescimento cada vez maior dos juízes de proximidade permitem indubitavelmente uma facilitação do acesso à justiça, e compõem um cenário mais favorável ao andamento dos processos em curto espaço de tempo.
Outro paralelo que pode ser estabelecido diz respeito à especialização cada vez mais mecânica e individualizada daqueles que exercem o direito, naquele texto os teóricos e os práticos, e aqui os uma orientação relativamente ativista por parte dos docentes de direito que resulta em pouco ou nenhum efetividade de realização. Veronese menciona o resultado de um estudo conduzido por Richard Posner de que é possível observar um robustecimento dos estudos econômicos quando há estagnação ou recrudescimento dos trabalhos de caráter sociológico ou antropológico.
Ainda sobre Veronese, analisemos mais atentamente seu artigo, cujo tema central é o fenômeno da expansão do judiciário no sentido do desempenho de funções institucionais outrora não-familiarizadas a tal campo. Mais especificadamente, da apropriação da agenda das entidades civis da área do Direito, ou seja, das questões tratadas por órgãos propriamente sociais ligados ao campo jurídico.
A fim de compreender a transformação contemporânea dos tribunais que, conforme já comentado anteriormente, ocorre em nível interno, isto é, do Poder Judiciário para ele próprio, é imprescindível ter em mente que os autores que acreditam nas alterações políticas do Estado, como Boaventura de Sousa Santos e José Eduardo Faria, enquanto responsáveis pelas mudanças observadas em relação aos papéis dos tribunais estão, segundo Veronese, analisando a situação de uma perspectiva equivocada. A interpretação pertinente aparece, pelo contrário, através da defesa dessas transformações enquanto respostas a um contexto sócio-cultural que há muito clamava por mudança, como é o caso de Luiz Werneck Vianna, haja vista o pressuposto de que mudanças culturais fomentam mudanças sociais.
Em grande medida, tais transformações referem-se basicamente à atuação do judiciário em campos distintos ao que é, para ele, tradicional, mas também se estendem à sociedade civil, uma vez que tiveram de revisar suas agendas políticas tal qual o Estado. Assim, são responsáveis por dois fenômenos que, apesar de residirem em esferas diferentes, estão entrelaçados.
No que diz respeito às alternativas apresentadas a fim de revolver conflitos, cabe aqui a análise do que ocorreu nos Estados Unidos, onde os debates acerca dessas alternativas ganham força a partir da década de 1960, quando pautava-se primordialmente sua pertinência. Essas discussões logo migraram para a tentativa de discriminar quais tipos de conflitos poderiam efetivamente ser solucionados através desses mecanismos alternativos. É fundamental salientar que, no caso dos EUA, esses espaços de mediação e conciliação são geralmente ocupados por órgãos da sociedade civil, situação em que se verifica um contraste latente com o caso brasileiro em que é o próprio judiciário quem busca executar seu plano de expansão do direito, sem participação popular.
Destacam-se dos demais projetos de assistência jurídica por serem promovidos pelo próprio judiciário, em que reside o foco do artigo. Outra característica compartilhada por eles é a dde que esses projetos mostram-se abertos e tolerantes a novas diretrizes para a solução de conflitos, atuando no campo das organizações não-governamentais e defendendo um distanciamento da justiça tradicional.
A renovação da idéia de acesso à justiça aparece numa transição do modelo de assistência jurídica tradicional, resumida pela prestação de serviços de um advogado gratuitamente àquele que não tivesses condições de arcar com os custos de um, para uma nova conjuntura chamada de assessoria jurídica popular, em que o foco ultrapassaria a mera assistência, preocupando-se também com o fortalecimento do grupo ou da comunidade em que o indivíduo a ser auxiliado está inserido.Atualmente, assinada Veronese, a maior parte dos projetos segue o terceiro modelo, ou seja, há um consenso acerca da importância de se desenvolver agentes ativos juridicamente. Vale ressaltar, uma vez mais, que são as instituições do Judiciário que estão se empenhando na realização dessa desafiadora empreitada, ao invés de organizações da sociedade civil ou empresas juniores de faculdades de direito, como ocorria tradicionalmente.
3. Conclusão
Ao observar o campo jurídico mais atentamente, compreende-se o porquê de Pierre Bourdieu ter-lhe conferido características peculiares se comparados aos outros campos, pois trata-se de uma seara complexa, delicada, pois influencia diretamente na vida de toda a sociedade, e que apresenta muitos desafios. O texto de Barros Geraldo ilustra ainda sua universalidade ao mostrar-nos que França e Brasil, ainda que em estágios de desenvolvimento sócio-econômico-cultural absolutamente distintos, enfrentavam o mesmo dilema da busca por alternativas de se facilitar o acesso à justiça.
A análise comparativa dos quatro textos selecionados permitiu a observação de que há muitos mais pontos consoantes entre eles do que dissonantes, se os pensarmos numa dimensão temática e propositiva, manifestada pela importância da hierarquização nos textos do primeiro grupo e da assistência jurídica no segundo grupo, por exemplo.
Em suma, feita essa singela contribuição para o universo acadêmico, espera-se que seja útil para favorecer o avanço do estudo do campo jurídico a fim de que se possa, um dia, encontrar de fato mecanismos alternativos de resolução de conflitos e uma busca pelo capital simbólico que não sacrifique tantas camadas sociais como o que acontece hoje.
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Graduanda de Direito na Universidade de Brasília, estagiária no Supremo Tribunal Federal, participa de modelos das Nações Unidas, grupos de estudo de Filosofia do Direito, Sociologia Jurídica e Direito Internacional, além de ser fluente em inglês, espanhol e francês.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOURES, Júlia Marssola. Os avanços do campo jurídico de Bourdieu: hierarquização e desafios de acesso à justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jul 2015, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44878/os-avancos-do-campo-juridico-de-bourdieu-hierarquizacao-e-desafios-de-acesso-a-justica. Acesso em: 22 nov 2024.
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