RESUMO: A discricionariedade administrativa, também conceituada como poder discricionário encontra-se necessariamente presente dentro na Administração Pública, em todas as esferas do poder, justificando-se na impossibilidade de previsão legal de todas as situações concretas a serem enfrentadas pelos gestores públicos. A par da discricionariedade surgem os atos administrativos discricionários, os quais caracterizam-se pela maior margem de poder de decisão concedida ao administrador quando de sua prática, em especial no tange à oportunidade e conveniência, contudo se dentro da margem de liberdade legalmente concedida o administrador público incidir em abuso de poder, seja através do desvio de finalidade ou do excesso de poder, surge para o administrado a possibilidade de exigir o desfazimento de tal ato através do controle judicial. O Poder Judiciário pode ser acionado pelo exercício de inúmeras ações voltadas para coibir o abuso de poder e demais atos lesivos à coletividade, dentre essas estão as conhecidas como remédios constitucionais, que, juntamente com a ação civil pública, constituem-se em instrumentos colocados à disposição dos administrados para a correção de atos ilegalmente praticados. Dentre as ações referidas encontram-se o mandado de segurança, a ação popular, o habeas corpus, o habeas data, o mandado de injunção e a ação civil pública. Entretanto, não pode o Poder Judiciário com o escopo de exercer o controle dos atos administrativos discricionários ferir o princípio constitucional da separação dos poderes e interferir no mérito dos atos administrativos, sendo esse exatamente o núcleo intangível onde reside a liberdade do gestor público. Isso posto, o presente estudo volta-se para o controle judicial dos atos administrativos discricionários que extrapolarem o limite de liberdade legalmente concedido, mas com vistas ao respeito da independência e harmonia entre os poderes constituídos.
Palavras-chave: Administração Pública. Atos Administrativos. Discricionariedade.
INTRODUÇÃO
Administração Pública pressupõe a idéia de que todos os atos praticados por seus administradores devem ser fiscalizados eficazmente no sentido de examinar a prática da boa gestão administrativa e, principalmente, a observância dos princípios expressos na Constituição Federal.
No Estado Democrático de Direito a Administração Pública se sujeita a múltiplos controles, os quais são exercidos pelo Poder Legislativo, pelo Poder Judiciário e, através do Princípio da Autotutela, o controle pode ser exercido pela própria administração sobre si mesma.
A Administração Pública exerce sua função através da prática de atos, que são conhecidos como atos administrativos, uma vez que são praticados no exercício da função administrativa. Esses atos administrativos possuem requisitos ou condições de validade e atributos lhe conferem eficácia e exeqüibilidade.
Os atos administrativos admitem várias espécies de classificação nas mais variadas hipóteses em que podem ocorrer, quais sejam: quanto aos destinatários, quanto ao alcance de seus efeitos, quanto ao seu objeto, quanto à composição de vontade e, finalmente, quanto ao seu regimento ou liberdade da administração para decidir.
No presente estudo busca-se um aprofundamento da compreensão dos atos administrativos classificados quanto ao seu regimento ou liberdade da administração para decidir, esses são chamados de atos vinculados e atos discricionários em razão da margem legal de liberdade atribuída ao administrador quanto de sua elaboração.
Nas sempre sábias lições do mestre Hely Lopes Meirelles, sobre atos administrativos vinculados e discricionários tem-se que:
Atos vinculados ou regrados são aqueles para os quais a lei estabelece os requisitos e condições de sua realização. Nessa categoria de atos, as imposições legais absorvem, quase que por completo, a liberdade do administrador, uma vez que sua ação fica adstrita aos pressupostos estabelecidos pela norma legal para a validade da atividade administrativa. Desatendido qualquer requisito, compromete-se a eficácia do ato praticado, tornando-se passível de anulação pela própria Administração, ou pelo Judiciário, se assim o requerer o interessado. (...)
(...) Atos discricionários são os que a Administração pode praticar com liberdade de escolha de seu conteúdo, de seu destinatário de sua conveniência de sua oportunidade e do modo de sua realização. (Meirelles, 2000, p.156-158).
A rigor, a discricionariedade não se manifesta no ato em si, mas sim no poder de a Administração praticá-lo pela maneira e nas condições que repute mais convenientes ao interesse público.
Dessa feita, conclui-se que a grande diferença entre os atos administrativos vinculados e os atos administrativos discricionários reside na margem ou liberdade de escolha que tem o administrador para decidir quanto de sua prática, mas mesmo dentro da discricionariedade o gestor público jamais pode deixar de atentar para o interesse público e para os ditames legais.
Contudo, não raras vezes, os administradores públicos despem-se da missão de representantes da coletividade para agir em prol de interesses escusos, voltados para o lado político e pessoal, valendo-se dos atos discricionários para maquiar as suas condenáveis ações.
Assim, cabem aos interessados socorrem-se do Poder Judiciário a fim de se obter nulidade desses atos.
O controle judicial dos atos administrativos discricionários é o foco principal da pesquisa em questão. Até onde podem ir os administradores públicos sob o manto legal da discricionariedade?
A Constituição Federal Brasileira de 1988 dispõe expressamente sobre o Principio da Separação dos Poderes: “Art.2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”
Contudo, a própria Constituição de Federal de 1988 tem como pilares o Princípio da Legalidade e o Princípio da Inafastabilidade do Poder Judiciário ao dispor sobre os direitos e deveres individuais e coletivos.
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
(...)
XXXV - lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário nenhuma lesão ou ameaça a direito.
Assim, no trato da coisa pública os administradores encontram-se irremediavelmente atrelados à lei, ou seja, só podem agir dentro da estrita legalidade, sob pena incorrerem em desvio de poder.
Tem-se clara a partir do exposto que o Brasil, ao contrário de alguns países europeus, adota o sistema de jurisdição una, em contraposição ao sistema de dualidade de jurisdição, também conhecido como Contencioso Administrativo ou Sistema Francês, no qual existe uma Justiça Administrativa à qual é atribuída a competência exclusiva para cuidar as questões correlacionadas ao Poder Público.
Em decorrência do Sistema de Jurisdição Una o Poder Judiciário ao ser provocado através de ações judiciais pode analisar os atos dos gestores públicos, com vistas a apreciar sua legalidade e legitimidade.
Isso posto, quais os precisos limites entre legalidade e legitimidade e o mérito do ato administrativo? Até onde o Poder Judiciário pode avançar sem que haja desrespeito ao Princípio Constitucional da Separação dos Poderes?
Com relação ao mérito do ato administrativo, o eminente jurista Celso Antônio Bandeira de Melo, assim o define:
Mérito do ato é o campo de liberdade suposto na lei e que efetivamente venha a remanescer no caso concreto, para que o administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade, decida-se entre duas ou mais soluções admissíveis perante a situação vertente, tendo em vista o exato atendimento da finalidade legal, ante a impossibilidade de ser objetivamente identificada qual deles seria a única adequada. (Bandeira, 2009, p.955)
Dessa feita a escolha do tema objeto do estudo: Discricionariedade Administrativa e Controle Judicial justifica-se em razão da necessidade de uma minuciosa análise do que é realmente discricionário e do que é abuso de poder, seja através do desvio da finalidade e até mesmo, excesso de poder.
Todas essas questões serão abordadas ao longo do desenvolvimento do tema proposto com vistas esclarecer a muitos cidadãos brasileiros que os administradores públicos, mesmo investidos do poder de gerir a administração pública, em quaisquer das esferas de poder, não são independentes nas suas ações e não sujeitam coletividade a seu bel prazer.
E é através dos instrumentos fornecidos pela própria Constituição Federal e pelo ordenamento jurídico pátrio, dentre eles: Mandado de Segurança, Ação Civil Pública, Ação Popular, Habeas Corpus, Habeas Data e Mandado de Injunção que os administrados irão provocar o exame do caso concreto pelo Poder Judiciário, a fim de que este se pronuncie a respeito da validade do ato.
Destaque-se que apesar de as ações acima elencadas serem os instrumentos mais utilizados para a invalidação de atos administrativos ilegais ou ilegítimos este rol é apenas exemplificativo dado o fato de que todo e qualquer pronunciamento do Poder Judiciário no sentido de anular atos administrativos, independente do procedimento ou ação no qual seja prolatado, é considerando como controle judicial.
Nota-se que esse entendimento afina-se perfeitamente com o princípio da inafastabilidade de jurisdição constitucionalmente previsto.
Diante do caso concreto o Poder Judiciário pode declarar a nulidade do ato administrativo, impondo à administração pública o restabelecimento da situação anterior à edição do ato, se possível, e a reparação das conseqüências por ele causadas, inclusive, a responsabilização pessoal do administrador em casos específicos.
Contudo, controle judicial dos atos administrativos discricionários deve caminhar sempre em busca da legalidade, com vistas a se averiguar até onde a lei deu liberdade ao administrador para agir. Não servindo, jamais, de instrumento de intervenção na função típica atribuída ao Poder Executivo, que é administrar.
Diante dessas considerações iniciais, passa-se à análise das questões afetas ao tema acima proposto, mas sem a intenção de defender a desnecessária colisão entre os poderes constitucionais instituídos, tampouco adentrar na calorosa discussão envolvendo a questão ao ativismo judicial, mas sim de esclarecer os mecanismos de controle para se conter atos administrativos desrespeitosos e abusivos, seja em relação a um único cidadão ou à coletividade.
I - O CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL
De acordo com a Constituição Federal, a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito estando sujeita a inúmeros princípios, os quais vão nortear a atuação do Estado Brasileiro em todas as esferas do poder.
Assim, a Administração Pública no exercício de suas funções deve pautar-se de acordo com os princípios constitucionais e outros previstos na legislação complementar, havendo por parte da própria administração, e também por parte dos demais poderes, um controle sobre a sua atuação.
Além da observância dos princípios elencados no ordenamento jurídico, o Estado de Direito ao organizar sua administração fixa a competência de seus órgãos e agentes, bem como estabelece as formas e tipos de controle da administração pública, visando à defesa de direitos dos administrados e também da própria administração.
Nota-se que o citado controle não tem como foco somente o Poder Executivo, sujeitando-se a ele, também, os demais poderes quando do exercício da função tipicamente administrativa.
O controle da administração pública tem como finalidade assegurar sua atuação em consonância com os ditames legais, constituindo-se poder-dever dos órgãos que possuem essas atribuições, abrangendo a fiscalização e correção dos atos ilegais e, em algumas situações, dos atos inoportunos e inconvenientes destoantes dos pressupostos e requisitos legais.
1.1 ESPÉCIES DE CONTROLE
As espécies de controle são classificadas de acordo com a sua modalidade, assim a doutrina majoritária admite as seguintes classificações: quanto ao seu objeto, constituindo-se em controle de legalidade e de mérito; quanto ao momento em que é exercido, podendo ser prévio, concomitante e sucessivo; e quanto ao órgão que o executa, classificando-se em administrativo, legislativo e judiciário.
O controle pode ainda ser interno ou externo em razão de decorrer de órgão integrante ou não da própria estrutura administrativa a que o órgão controlado está inserido.
Quanto ao controle da legalidade pode-se dizer que este é exercido pela própria administração e pelo judiciário e acarreta a anulação do ato quando constatado o vício. Já o controle de mérito, em regra, é exercido somente pela administração que avaliará a oportunidade e conveniência da manutenção de determinado ato.
O controle de mérito do ato administrativo constitui-se o foco principal deste estudo e, portanto, será analisado, de maneira pormenorizada, em tópico a parte.
Em razão do momento em que se efetua o controle tem-se que: será prévio se exercido antes da pratica do ato; concomitante se juntamente com a edição do próprio ato; e sucessivo se realizado depois de sua edição.
Através do exame do órgão controlador nota-se a existência do controle administrativo, que é o poder de fiscalização e correção que a administração exerce sobre sua própria administração; enquanto o controle legislativo é aquele que o Poder Legislativo exerce sobre a Administração Pública nas situações previstas e limitadas pela Constituição Federal.
Do Controle Judicial pode-se afirmar que, amparado pelo princípio da legalidade e da jurisdição una, é o controle exercido pelo Poder Judiciário quando devidamente provocado através da propositura das ações adequadas.
1.1.1 Meios de Controle Judicial
Os meios de controle judiciário ou judicial dos atos administrativos são todos os procedimentos judiciais contenciosos previstos na legislação ordinária, tais como ação de indenização, ação possessória, dentre outras.
Entretanto, destacam-se os remédios constitucionais que são, como o próprio nome indica, ações específicas previstas na constituição que visam o controle da Administração Pública, tendo por escopo provocar a intervenção de autoridades, via de regra, as autoridades judiciárias, para corrigir ou invalidar atos administrativos lesivos a direitos individuais e coletivos
Nesse sentido, prestimosas as palavras do mestre Hely Lopes Meirelles.
Os meios de controle judiciário ou judicial dos atos administrativos de qualquer dos Poderes são as vias processuais ou de procedimento ordinário, sumário ou especial de que dispõe o titular do direito lesado ou ameaçado de lesão para obter a anulação do ato ilegal em ação contra a Administração Pública. Essa regra está excepcionada pela ação popular e pela ação civil pública, em que o autor não defende direito próprio, mas, sim, interesses da coletividade ou interesses difusos, e pela ação direta de inconstitucionalidade e pela declaratória de constitucionalidade. (Meirelles, 2000, p.656).
1.1.1.1 Habeas Corpus
O Habeas Corpus foi a primeira garantia dos direitos fundamentais, no Brasil teve sua primeira manifestação em 1821, passando a ser garantido constitucionalmente a partir de 1891.
O instituto acima tem por objeto a liberdade de locomoção, dispondo a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LXVIII, “conceder-se-á Habeas Corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.”
O habeas corpus poderá ser proposto por qualquer pessoa física, em defesa própria ou de terceiro, podendo também ser proposto por pessoa jurídica, neste caso, por óbvio, em defesa de pessoa física, e pelo Ministério Público.
Para a impetração do habeas corpus não é necessário a postulação através de advogado, não devendo ser obedecida nenhuma formalidade processual.
Por expressa disposição constitucional é uma ação de natureza gratuita, o que a torna mais acessível, podendo ser interposta com o objetivo de trancar ação penal ou inquérito policial.
A doutrina pátria posiciona-se pacificamente no sentido da possibilidade de impetração de habeas corpus em face de particular, em razão da não rara ocorrência de cerceamento da liberdade de locomoção por clínicas psiquiátricas em face de seus pacientes.
A competência para a apreciação da ação de habeas corpus é determinada em razão da autoridade coatora. Contudo, a Constituição Federal prevê situações de competência originária dos tribunais em razão da natureza das funções exercidas pelo paciente, ou seja, em razão do foro privilegiado por prerrogativa de função.
O habeas corpus poderá ser preventivo ou repressivo diante da efetivação ou não da constrição ao direito de locomoção. Caso essa já tenha se consumado o habeas corpus será repressivo, se ainda não se consumou tem-se habeas corpus preventivo com a conseqüente expedição de um salvo-conduto, que é instrumento hábil para garantir o direito de ir e vir do paciente.
A Carta Magna de 1988 traz em seu bojo a vedação para o cabimento de habeas corpus em relação a punições disciplinares militares dada a impossibilidade de análise do mérito dessas punições, contudo hão de ser observado os pressupostos de legalidade, tais como: hierarquia, poder disciplinar, adequação da pena do fato, previsão legal expressa da modalidade de pena aplicada e outros.
Cabe ressaltar que, embora a dita vedação à impetração de habeas corpus esteja inserida no capítulo referente às Forças Armadas, a regra é aplicada também aos militares dos Estados e do Distrito Federal, conforme prelecionado no art. 42,§1º da Constituição Federal de 1988.
1.1.1.2 Mandado de Segurança Individual
O instituto do Mandado de Segurança surgiu em decorrência do desenvolvimento da doutrina do habeas corpus, tendo sua primeira previsão constitucional na Constituição Federal de 1934.
Atualmente está previsto no art. 5º, LXIX da atual Carta Magna, assim expresso:
conceder-se-a mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
O Mandado de Segurança é uma ação civil de rito sumaríssimo que, além dos pressupostos processuais e condições da ação exigíveis nos demais procedimentos, ainda possui requisitos específicos.
Assim nota-se que o instituto em tela serve como instrumento para proteger direito líquido e certo, tendo esse como um direito que pode ser demonstrado de plano, sem necessidade de dilação probatória.
Outra peculiaridade do writ reside no fato de a lesão ou ameaça a direito ter sido provocada por ilegalidade ou abuso de poder imputada a autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
Atualmente encontra-se regulado pela Lei 12.016/09 que dispõe prazo para impetração de cento e vinte dias, contados na ciência pelo interessado do ato a ser impugnado, tendo, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, natureza decadencial.
Com relação a competência para processamento e julgamento essa variará em razão da categoria da autoridade coatora e da sua sede funcional, havendo previsão de regras disciplinadoras na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional.
1.1.2.3 Mandado de Segurança Coletivo
O Mandado de Segurança Coletivo surgiu com a Constituição Federal de 1988, que em seu texto não fez indicação dos pressupostos para sua utilização dando a entender que os pressupostos necessários para sua admissão são os mesmos do Mandado de Segurança Individual.
As únicas diferenças entre os referidos institutos encontram-se no seu objeto e na legitimidade ativa.
Dessa feita, enquanto o Mandado de Segurança Individual tutela a proteção de direito líquido e certo de natureza individual, o Mandado de Segurança Coletivo volta-se para remediar lesão ou ameaças a direitos transindividuais, assim elencados: individuais homogêneos, coletivos e difusos.
No que tange a legitimidade ativa, atendendo aos ditames da Carta Magna, tem-se que pode ser impetrado por: partidos políticos com representação no Congresso Nacional, organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.
1.1.2.4. Mandado de Injunção
Trata-se do remédio constitucional que objetiva suprir a falta de norma regulamentadora cuja ausência inviabiliza o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
O instituto em tela, assim como o mandado de segurança coletivo e o habeas data, foi introduzido pelo Constituição Federal de 1988, e dentre os remédios constitucionais é o que vem suscitado mais controvérsias e dificuldades na sua utilização.
Como requisitos pressupõe a existência de normas constitucionais de eficácia limitada dispondo sobre direitos e liberdades constitucionais ou prerrogativas inerentes à nacionalidade, soberania e cidadania; e da falta de norma regulamentadora que torne inviável o exercício desses direitos.
Quanto à legitimidade, qualquer pessoa, física ou jurídica, que sofra restrições nos direitos, liberdades e prerrogativas acima citados em razão de falta de norma regulamentadora poderá valer-se do instituto em epígrafe.
Por óbvio, somente podem figurar com pólo passivo os entes estatais competentes para regulamentar a norma constitucional de eficácia limitada.
Cabe destacar a estreita relação existente entre o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão uma vez que ambos buscam dar efetividade às normas constitucionais, contudo enquanto o mandado de injunção volta-se para o controle concreto ou incidental de constitucionalidade por omissão, com vistas à tutela dos direitos subjetivos; a ação direta de inconstitucionalidade por omissão tem por escopo o controle abstrato ou principal, voltado para defesa objetiva da constituição.
1.1.2.5 Habeas Data
O habeas data surgiu com a Constituição Federal de 1988, precisamente no art. 5º, LXXII, sendo disciplinado pela Lei 9.507/97.
Assim discorre o mestre Hely Lopes Meirelles sobre o instituto do habeas data.
Habeas data é o meio constitucional posto à disposição de pessoa física ou jurídica para lhe assegurar o conhecimento de registros concernentes ao postulante e constantes de repartições públicas ou particulares acessíveis ao público ou para retificação de seus dados pessoais. ( Meirelles, 2000, p.656).
Dessa feita com o instituto em tela tem por escopo assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público e para retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo através de processo sigiloso, administrativo ou judicial.
Com relação à legitimidade ativa pode-se afirmar que qualquer pessoa, física ou jurídica, poderá ajuizar a ação constitucional em epígrafe a fim de obter informações referentes à sua pessoa, independente da comprovação que elas se prestarão à defesa de direitos.
Já a legitimidade passiva dependerá da natureza do banco de dados em questão, caso a negativa de informação ou correção de dados advenha de banco de dados de entidade governamental figurará no pólo passivo pessoa jurídica da administração direta ou indireta; em se tratando de registro ou banco de dados de entidade de caráter público, mas não governamental, será legitimado passivo a pessoa jurídica de direito privado por esse responsável.
Cabe destacar que em consonância com os dispositivos da Constituição Federal vigente é gratuita a ação de habeas dada, mas sob pena de ser julgada improcedente por falta de interesse processual, há a necessidade de comprovação da recusa de informações ou da retificação de dados pela autoridade competente.
A competência será firmada de acordo com o previsto na lei regulamentadora, Lei 9.507/97, e na Constituição Federal sofrendo variações em razão da entidade governamental mantenedora do registro ou banco de dados.
1.1.1.6 Ação Popular
A ação popular é instrumento eficaz de controle da Administração Pública, prevista em sede constitucional, surgindo pela primeira vez, no formato atual, na Constituição Federal de 1934.
Na Constituição Federal de 1988 tem previsão no art. 5º, LXIII, que garante legitimidade a qualquer cidadão para sua propositura com vistas a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, bem como à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Concede, ainda, aos autores isenção de custas judiciais e do ônus da sucumbência, salvo comprovada má-fé.
Destaca-se que esse remédio constitucional teve sua regulamentação através da Lei 4.717 de 29.06.65
Segundo Celso Antônio Bandeira de Melo:
É, talvez, a única providência judicial realmente temida pelos administradores, porquanto, nos termos do art. 11 da referida lei, se a ação for julgada procedente, vindo a ser decretada a invalidade do ato impugnado, a sentença condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele. (Bandeira, 2009, 946).
No que tange à legitimidade ativa nota-se que qualquer cidadão é parte legítima, entendendo-se por cidadão o brasileiro nato ou naturalizado em pleno gozo de seus direitos políticos.
Já no pólo passivo, em consonância com a lei regulamentadora, será demandado o agente que praticou o ato, a entidade lesada e os beneficiários do ato ou contrato.
Noutro giro, nota-se que as regras de competência voltam-se para a origem do ato comissivo ou omissivo a ser impugnado. Exemplificando, pode-se afirmar que se a entidade lesada for a União a competência para examinar a ação popular será da Justiça Federal.
1.1.1.7 Ação Civil Pública
A ação civil pública embora não elencada entre os remédios constitucionais previstos no art. 5º da Constituição Federal de 1988, que trata sobre dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, também servirá como instrumento de controle judicial dos atos administrativos, desde que atendidos seus requisitos específicos.
Assim, a ação civil pública tem previsão constitucional no art.129, o qual dispõe sobre as funções institucionais do Ministério Público: “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.”
Dessa feita, a disciplina do instituto em glosa deu-se com o advento da Lei 7.347/85, que, dentre outras disposições, estende o rol de legitimados ativos.
A principal característica da ação civil pública é seu caráter instrumental, servindo de aparato procedimental para a defesa de diversos direitos, inclusive não previstos expressamente na citada lei.
A par da ação civil pública discorre Celso Antônio Bandeira de Melo:
é um instrumento utilizável, cautelarmente, para evitar danos ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direito de valor artístico, estético, histórico, turístico ou paisagístico, ou, então, para promover a responsabilidade de quem haja causado lesão a estes mesmos bens. (Bandeira, 2009, 946).
Por derradeiro cabe ressaltar que o instituto em tela teve sua legitimidade ativa alterada pela Lei 11.448 de 15/07/2007 que acrescentou entre os legitimados a Defensoria Pública.
II - ATOS ADMINISTRATIVOS
No exercício da função administrativa a Administração Pública pratica atos jurídicos que são conhecidos como atos administrativos.
Os atos administrativos são praticados nas três esferas de poder, porém no que concerne ao Poder Legislativo e ao Poder Judiciário ocorrem quando no exercício de funções atípicas.
Os atos administrativos são espécies de atos da administração, abrangendo esses todas as espécies de atos praticados pela administração tais como: atos de direito privado, contratos, atos normativos e demais atos materiais de execução.
Nas sábias palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello temos a conceituação de atos administrativos:
Declaração unilateral do Estado no exercício de prerrogativas públicas, manifestadas mediante comandos concretos complementares da lei, (ou, excepcionalmente da própria constituição, aí de modo plenamente vinculado) expedidos a título de dar lhe cumprimento e sujeitos a controle de legitimidade por órgão jurisdicional (Bandeira, 2009, 382).
Consoante a idéia de que os atos administrativos são em sua essência atos jurídicos nota-se a presença de certos requisitos e atributos que os distingue dos atos jurídicos de direito privado.
Assim, apresentam-se como requisitos ou elementos dos atos administrativos: a competência, a finalidade, a forma, o motivo e o objeto.
Da competência decorre a necessidade de que o ato administrativo seja praticado somente pelo sujeito que, além de capaz, seja detentor das atribuições fixadas legalmente.
Dentre as características da competência cabe realce sua fixação através de lei, sua inderrogabilidade e a possibilidade de delegação ou de avocação, salvo quando se tratar de competência exclusiva.
Pela finalidade entende-se o bem jurídico que o ato administrativo visa alcançar, o objetivo de interesse público almejado. Bem como a competência, a finalidade é fixada através de lei.
A finalidade pode ser encarada em sentido amplo e em sentido restrito, assim, encarada sob o foco da generalidade tem-se que os atos administrativos devem estar sempre voltados para a finalidade pública, já levando em consideração o aspecto restrito nota-se que a finalidade a ser alcançada pelo ato administrativo é o resultado específico decorrente da lei aplicada ao caso concreto.
Cabe destacar que em casos de ocorrência do descumprimento da finalidade legal, seja para atender interesses particulares ou mesmo para dar ao ato finalidade diversa daquela prevista em lei, o ato estará eivado de ilegalidade em razão do desvio de poder.
Noutro giro, entende-se por forma do ato administrativo o caminho legal a ser seguido para sua exteriorização e expressão de sua validade.
Dessa feita do descumprimento das formalidades legais que antecedem e sucedem o ato administrativo podem decorrer sua inexistência ou sua invalidade.
Quanto ao motivo pode-se afirmar que consiste nas situações ou pressupostos de fato e de direito que ensejaram a prática do ato administrativo. O motivo pode estar previsto em lei ou pode decorrer de certas situações que levam o administrador a praticar o ato.
Na prática do ato administrativo se o administrador valer-se de motivo falso ou de motivo inexistente dará ensejo à possível invalidação do ato.
Com relação ao objeto depreende-se que esse é considerado como o conteúdo do ato, o efeito jurídico imediato alcançado com a produção do ato, desse modo para se estabelecer o objeto do ato basta se ater ao que por ele é enunciado, prescrito ou disposto.
Nesse diapasão cabe estabelecer uma diferença crucial entre o motivo, finalidade e objeto do ato administrativo, assim tem-se por objeto o efeito jurídico imediato produzido com a prática do ato; pela finalidade o efeito mediato e pelo motivo as circunstâncias fáticas e legais que antecederam e impulsionaram a prática ato.
Além dos requisitos ou elementos, os atos administrativos, dada a sua natureza pública, são revestidos de atributos ou prerrogativas que os distinguem dos demais atos jurídicos praticados na seara do direito privado.
Assim tem-se a presunção de legitimidade, a autoexecutoriedade e a imperatividade. A par da presunção de legitimidade observa-se a característica de que os atos administrativos, em regra, estão em conformidade com lei em razão do dever de a Administração Pública agir sempre sob o pálio do princípio da legalidade.
Compreende, também, a presunção de legitimidade a presunção de veracidade, a qual denota que os fatos alegados pela Administração para a prática do ato serão, via de regra, verdadeiros.
Nota-se que a presunção de legitimidade ou de veracidade é uma presunção relativa, o que acarreta a transferência do ônus da prova para aquele que alega a invalidade do ato administrativo, mantendo-se esse em plena eficácia até sua anulação.
Pelo atributo da autoexecutoriedade depreende-se a permissão para a execução do ato administrativo diretamente pela própria Administração, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário.
Do atributo supra destaca-se uma grande distinção em relação aos atos de direito privado uma vez que, salvo raras exceções, para a execução desses torna-se imprescindível a anterior manifestação judicial.
Contudo, embora a autoexecutoriedade esteja presente em todos os atos administrativos ela não tem o condão de afastar o controle judicial, que pode ser provocado por qualquer cidadão que se sinta lesado pelo ato, ensejando a responsabilidade do Estado.
Da imperatividade nota-se a possibilidade da execução do ato administrativo independente da concordância daqueles a que é dirigido, constituindo de maneira unilateral obrigações a terceiros.
A imperatividade não se apresenta em todos os atos administrativos dada a existência de atos que não impõem obrigações a terceiros.
2.1 Dos Atos Administrativos Discricionários
Em pese a grande divergência doutrinária e a existência de vários critérios para a classificação dos atos administrativos, passa-se a discorrer sobre os atos administrativos discricionários, foco principal do presente estudo.
A par da classificação aceita pela doutrina majoritária, dentre outras modalidades, o ato administrativo pode ser classificado em discricionário e vinculado dada a liberdade da Administração para decidir sobre a prática e em que condições o ato será exercido.
Contudo, cabe ressaltar que mesmo nos atos discricionários, em que o administrador tem certo poder de decisão, o princípio da legalidade encontra-se presente servindo de parâmetro para um possível pedido de anulação ao Poder Judiciário ou à própria administração por aquele que se achar lesado.
Nas sábias palavras de Hely Lopes Meirelles encontra-se o conceito de atos vinculados e discricionários.
Atos vinculados ou regrados são aqueles para os quais a lei estabelece os requisitos e condições de sua realização. Nessa categoria de atos, as imposições legais absorvem, quase por completo, a liberdade do administrador, uma vez que sua ação fica adstrita aos pressupostos estabelecidos pela norma legal para a validade da atividade administrativa. Desatendido qualquer requisito, compromete-se a eficácia do ato praticado, se tornado passível de anulação pela própria Administração, ou pelo Judiciário, se assim o requer o interessado (...). (Meirelles, 2000, p.157).
(...) Atos discricionários são os que a Administração pode praticar com liberdade de escolha de seu conteúdo, de seu destinatário, de sua conveniência, de sua oportunidade e do modo de sua realização. (Meirelles, 2000, p.158)
Os atos discricionários encontram guarita na lei e justificam-se na impossibilidade de o legislador prever todas as situações passíveis de serem enfrentadas pelos administradores, bem como no dinamismo do interesse público que não pode ficar à mercê da morosidade legislativa.
Na análise da discricionariedade o Poder Judiciário tem-se voltado com freqüência para a importante distinção entre discricionariedade e arbitrariedade, esta estando presente no ato o fulmina de ilegalidade, já que ato arbitrário é aquele contrário à lei.
Assim mesmo nas situações em que se admitem a prática de atos discricionários a vinculação encontra-se presente em alguns de seus elementos, que sempre, irremediavelmente, serão vinculados, uma vez que a discricionariedade nunca repousa nos fins a serem atingidos pelo ato.
Consoante o estudo acima dos elementos ou requisitos dos atos administrativos nota-se que a competência, a finalidade e a forma serão, via de regra, vinculados, enquanto a discricionariedade apresenta-se no motivo e no objeto do ato.
De acordo com a Professora Maria Silvia Zanella Di Pietro a presença da discricionariedade nos atos administrativos jamais será absoluta, assim discorrendo:
A partir da idéia de que certos elementos do ato administrativo são sempre vinculados (a competência e a finalidade, em sentido estrito), pode-se afirmar que não existe ato administrativo inteiramente discricionário. No ato vinculado, todos os elementos vêm definidos na lei; no ato discricionário, alguns elementos vêm definidos na lei, com precisão, e outros são deixados à decisão da Administração com maior ou menor liberdade.
Por isso se diz que o ato vinculado é analisado apenas sob o aspecto da legalidade e que o ato discricionário deve ser analisado sob o aspecto da legalidade e do mérito: o primeiro diz respeito à conformidade do ato com a lei e o segundo diz respeito à oportunidade e conveniência diante do interesse público a atingir. (Di Pietro, 2005, p.226-227)
Dentre as teses defensoras da presença da discricionariedade na Administração Pública cabe destacar a que enfatiza que em razão da existência independente dos três poderes soberanos constitucionalmente garantidos haveria de deixar-se uma margem legal de decisão para o administrador a fim de não suprimir sua atuação e gerar a interferência entre os poderes.
Contudo, mesmo restando claro que a discricionariedade tem assento legal, constituindo-se em valioso instrumento para o exercício da atividade administrativa, tem-se certo que seus abusos serão sempre contidos pelo Poder Judiciário diante de reclamações de cidadãos que se considerarem lesados em seus direitos individuais, e até mesmo de natureza coletiva.
2.2 Controle Judicial dos Atos Administrativos Discricionários
Ao iniciar os estudos do controle judicial dos atos administrativos discricionários torna-se pertinente trazer a baila a marcante citação feita pela eminente Ministra do Supremo Tribunal Federal Carmem Lúcia Antunes Rocha em sessão plenária do Supremo Tribunal Federal: “A Administração Pública vale exatamente o quanto valem os homens que a compõem”.
Conforme exposto no capítulo um deste estudo, várias são as ações de que dispõe os lesados para fazerem valer seus direitos em razão de atos administrativos arbitrários realizados sob o manto da discricionariedade.
Depreende-se que a atitude do Poder Judiciário não está de nenhuma forma voltada para o mérito do ato, que nada mais é do que o juízo de valor legitimamente exercido pelo administrador em relação à oportunidade e conveniência da prática desse e sim para anulação de atos abusivos e contrários ao ordenamento jurídico.
Por mérito do ato administrativo entende Helly Lopes Meirelles:
O conceito de mérito do ato administrativo é de difícil fixação, mas poderá ser assinalada sua presença toda vez que Administração decidir ou atuar valorando internamente as conseqüências ou vantagens do ato.
O mérito administrativo consubstancia-se, portanto, na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato, feitas pela Administração incumbida de sua prática, quando autorizada a decidir sobre a conveniência, oportunidade e justiça do ato a realizar. (Meirelles, 2000, p.145-146)
Assim torna-se imperioso constatar que enquanto nos atos administrativos vinculados a anulação judicial pode dar-se, via de regra, sem nenhuma restrição, nos atos administrativos discricionários o Poder Judiciário somente poderá apreciar os aspectos da legalidade e a possível ultrapassagem dos limites da discricionariedade, não podendo jamais avaliar e julgar o seu mérito, ou seja, a oportunidade e conveniência na sua realização.
Dessa forma, a própria lei estabelecerá os limites em que discricionariedade será utilizada, os quais se ultrapassados legitimarão os administrados a valerem-se do Poder Judiciário a fim de buscar a correção para a situação concreta que vivenciam.
Nesse sentido, entende Celso Antônio Bandeira de Mello:
Exposta a significação da discricionariedade administrativa, sem em nada lhe sonegar a verdadeira densidade e consistência lógica, percebe-se que se trata necessária e inexoravelmente de um poder demarcado, limitado, contido em fronteiras requeridas até por imposição racional, posto que, à falta delas, perderia o cunho de poder jurídico. Com efeito, se lhe faltassem diques não se lhe poderia inculcar o caráter de comportamento intralegal. (Bandeira, 2009, 963).
Isso posto, com a ruptura do liame legal que guarnece o ato administrativo discricionário caberá ao Poder Judiciário proceder à sua análise de modo a não feri-lo e causar uma desnecessária invasão no mérito do ato.
Assim, o controle judicial estará voltado para o exame dos motivos, da finalidade e da causa do ato.
Por motivo do ato administrativo depreende-se os pressupostos de fato que antecederam a prática do ato, devendo o Poder Judiciário em seu exame aferir o direito de modo a constatar se o enunciado legal do ato amolda-se à situação concreta.
De forma esclarecedora Celso Antônio Bandeira de Mello cita Caio Tácito:
Se inexiste o motivo, ou se dele o administrador extraiu consequências incompatíveis com o princípio de Direito aplicado, o ato será nulo por violência de legalidade. Não somente erro de direito como erro de fato autorizam a anulação jurisdicional do ato administrativo. Negar ao juiz a verificação objetiva da matéria de fato, quando influente na formação do ato administrativo, será converter o Poder Judiciário mero endossante da autoridade administrativa, substituir o controle da legalidade por um processo de referenda de extrínseco. (Caio Tacito apud Bandeira, 2009, p. 968).
No que tange à finalidade, a doutrina majoritária tem-se posicionado no sentido de classificá-la em sentido amplo, quando corresponderá sempre ao interesse público; e em sentido estrito, ocasião em que abarcará o resultado específico a ser alcançado com a prática de determinado ato.
Assim, nota-se que finalidade considerada em seu sentido amplo será sempre discricionária haja vista a amplitude do conceito interesse público, já levando em conta sua classificação em sentido estrito tem-se que será vinculada em razão de que para a prática do ato haverá previsão legal de sua finalidade específica, a qual não poderá ser distorcida ou até mesmo não cumprida.
Dessa feita, a par da consideração da finalidade em seu sentido amplo, e por via de conseqüência caracterizada como discricionária, nasce para o Poder Judiciário a possibilidade do controle dos limites de seus limites, quando essa se voltar contra os objetivos legais para os quais foi criada.
Cabe destacar que quando a finalidade tiver caráter de elemento vinculado do ato administrativo não há nenhuma dúvida quanto à possibilidade de controle judicial dos seus aspectos legais.
Contudo, o que interessa ao presente estudo no que condiz à finalidade do ato administrativo é a sua análise judicial quando houver a presença da discricionariedade, que quando desvirtuada dará ensejo à ocorrência do desvio de poder, que se configura quando o agente público valendo-se da competência que lhe é legalmente atribuída pratica um ato com finalidade diversa da declinada.
Mais uma vez valendo-se da obra de Celso Antônio Bandeira de Mello ao citar Georges Vedel tem-se a discriminação das modalidades em que ocorre o desvio de poder.
caso em que o agente não perseguiu um interesse público.Ocorre quando, alimentado por um interesse pessoal de favorecimento ou perseguição, pratica o ato por razões pessoais, alheias à finalidade pública; caso em que persegue um fim de interesse público, porém estranho à categoria de interesse comportados em suas competências, caso em que se vale de uma via jurídica para alcançar fins públicos, implementáveis através de outra via jurídica. (Georges Vedel apud Bandeira, 2009, p.970-971).
Ao analisar a causa do ato administrativo nota-se que essa se constitui na congruência entre os pressupostos do ato e seu objeto, dessa forma poderá ocorrer a invalidação do ato administrativo sempre o administrador na pratica do ato valer-se de motivos com os quais o ato não mantém pertinência.
Através do reconhecimento da causa do ato administrativo tem-se a verificação da presença de dois princípios de suma importância dentro da realização da atividade administrativa, quais sejam: razoabilidade e proporcionalidade.
Valendo-se do entendimento de que o princípio de razoabilidade terá lugar dentro do princípio da proporcionalidade tem-se, conforme os ensinamentos do professor Pedro Lenza, que esse estará presente quando houver a preenchimento dos elementos abaixo transcritos.
Trata-se de princípio extremamente importante especialmente na situação de colisão entre valores constitucionalizados.
Como parâmetro, podemos destacar a necessidade de preenchimento de três importantes elementos:
· necessidade: por alguns denominada exigibilidade, a adoção da medida que possa restringir direitos só se legitima se indispensável para o caso concreto e não se puder substituí-la por outra menos gravosa.
· adequação: também denominado de pertinência ou idoneidade, quer significar que o meio escolhido deve atingir o objetivo perquerido.
· proporcionalidade em sentido estrito: em sendo a medida necessária e adequada, deve-se investigar se o ato praticado, em termos de realização do objetivo pretendido, supera a restrição a outros valores constitucionalizados. (Lenza, 2009, p.97).
Depreende-se, assim, que todas as vezes que um ato administrativo trouxer um gravame desnecessário, inadequado ou desproporcional a interesse coletivo ou individual a ser por meio dele alcançado cabe ao lesado valer-se do controle judicial para remediar uma situação de abuso de poder.
Nesse sentido, cabe colacionar alguns julgados do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
APELAÇÃO CÍVEL - MANDADO DE SEGURANÇA - PROFESSORA - LOTAÇÃO - TRANSFERÊNCIA - MOTIVAÇÃO - LEGALIDADE. No seu poder de autotutela, pode a Administração Pública revogar atos inoportunos ou inconvenientes, bem como anular aqueles dotados de vícios ou ilegalidades. Não há, portanto, qualquer ilegalidade na edição de portaria, devidamente motivada, que revogou anterior portaria, desmotivada, passando a definir, mediante critérios objetivos, a lotação dos professores públicos municipais. Além disso, a lotação de servidores públicos insere-se no poder discricionário da Administração, exigindo-se apenas que seja feita mediante ato motivado (Apelação Cível - 0492340-40.2006.8.13.0521 – Relator Edivaldo George dos Santos – Data do Julgamento: 22/04/2008).
CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - AÇÃO ORDINÁRIA - ATO ADMINISTRATIVO - DISPONIBILIDADE - ANULAÇÃO - DESVIO DE FINALIDADE - PERSEGUIÇÃO POLÍTICA - DEMONSTRAÇÃO - JUROS MORATÓRIOS - INTELIGÊNCIA DO ART. 1º-F DA LEI N.º 9.494/97 - HONORÁRIOS - REDUÇÃO - ART. 20, § 4º, DO CPC - PRELIMINAR - SENTENÇA 'EXTRA PETITA' - REJEIÇÃO - PRESCRIÇÃO. 1 - Conquanto o autor não tenha pugnado expressamente pela anulação de ato administrativo que o colocara em disponibilidade em desvio de finalidade, a pretensão de recebimento das diferenças pagas a menor ao fundamento de que aquele ato fora anulado em ação judicial movida pelos demais servidores alcançados pelo mesmo ato engloba, implicitamente, o pleito anulatório, razão pela qual não há falar em vício 'extra petita' da sentença. 2 - Demonstrado, com base em prova emprestada, o desvio de finalidade do ato que colocara em disponibilidade o autor, é de se julgarem procedentes os pedidos relativos ao pagamento das diferenças pagas a menor no período de vigência daquele ato. 3 - Por força do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC, os atos realizados ao longo da tramitação da ação, a complexidade da causa e a necessidade de produção de provas, dentre outras balizas, devem informar o arbitramento da verba honorária. 4 - Preliminares rejeitadas, sentença reformada parcialmente, em reexame necessário, e prejudicado recurso voluntário. (Apelação Cível :0561065-24.2005.8.13.0713 – Relator: Edgard Penna Amorim – Data do Julgamento: 20/08/2009).
MANDANDO DE SEGURANÇA - ATO ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO - REMOÇÃO - MOTIVAÇÃO - EXIGÊNCIA. A modificação na lotação de servidor público é ato administrativo sujeito ao poder discricionário da administração pública, que pode promover a sua remoção de acordo com a conveniência do serviço e com o interesse público, não havendo que se falar em estabilidade ou inamovibilidade quanto ao local de desempenho de sua função. Todavia, a sua validade, assim como de todo ato administrativo, está condicionada à presença de certos requisitos, como competência, finalidade, forma, motivação e objeto, como forma de controle da observância aos princípios da impessoalidade, da moralidade e da legalidade. Ausente a motivação prévia ou contemporânea ao ato administrativo que determina a remoção de servidor público, não será possível aferir se foi realizado de forma a atingir o interesse público, ou para perseguir ou punir irregularmente o servidor, impondo-se, pois, sua anulação (Apelação Cível: 0244281-44.2006.8.13.0411 – Relator: Dárcio Lopardi Mendes – Data do Julgamento: 24/05/2007).
Dessa feita, tem-se que os limites da discricionariedade administrativa encontram-se no motivo, na finalidade e na causa do ato praticado, cabendo observar que não raras vezes ocorre a referência a conceitos imperiosos para a designação desses requisitos, o que demanda da autoridade judiciária um trabalho interpretativo a fim de se chegar à vontade legal preexistente, sem intuito de ofensa à discricionariedade uma vez que se busca apenas a reconhecer as fronteiras que lhe desenham a extensão.
Afinado a esse entendimento manifesta-se Celso Antônio Bandeira de Mello:
Se a lei não expressou o motivo legal justificador do ato, cabe, ainda, ao Judiciário investigar se há ou não correlação lógica entre os suportes materiais do ato e o conteúdo idôneo para o atendimento dos fins que a lei elegeu com perseguíveis no caso. (Bandeira, 2009, p. 981).
Assim, o controle judicial dos atos administrativos constitui-se como um poder-dever inerente ao Poder Judiciário como forma de aplicação prática dos princípios da reserva legal e da inafasbilidade do acesso jurisdicional, sobretudo quando os atos lesem os direitos e garantias individuais, constitucionalmente estabelecidos.
Contudo, a controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário não tem condão de eliminar a discricionariedade administrativa, sob pena de gerar ilegalidade. O que se pretende com o dito controle é exata fixação dos limites legalmente traçados para as autoridades administrativas, tendo por escopo invalidar atos arbitrários, falsamente ditos por discricionários, praticados mediante abuso de poder.
Por derradeiro, pertinente as lições do mestre Hely Lopes Meirelles sobre as autoridades públicas e seus desvios de conduta ao desenvolver a atividade administrativa mediante a prática de atos administrativos vinculados e discricionários:
A responsabilidade pelos atos discricionários não é maior nem menor que a decorrente dos atos vinculados. Ambos representam facetas da atividade administrativa, que todo homem público, que toda autoridade, há de perlustrar. A timidez da autoridade é tão prejudicial quando o abuso de poder. Ambos são deficiências do administrador, que sempre redundam em prejuízo para a Administração. O tímido falha, no administrar negócios públicos, por lhe falecer fortaleza de espírito para obrar com firmeza e justiça nas decisões que contrariem os interesse particulares; o prepotente não tem moderação para usar do poder nos justos limites que a lei lhe confere. Um peca por omissão; outro, por demasia no exercício do poder . (Meirelles, 2000, p.160-161)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O controle judicial dos atos administrativos tem assento legal da Constituição Federal ao prelecionar que a República Federativa do Brasil constitui-se em um Estado Democrático daí decorrendo a incidência dos princípios da inafastabilidade da jurisdição e da reserva legal, dentre tantos outros aplicáveis ao tema.
Como é sabido para o desenvolvimento da atividade administrativa necessária se faz a prática de atos administrativos, os quais para alcançarem legalidade e legitimidade devem satisfazer os requisitos legalmente estabelecidos.
Ao disciplinar o regulamento jurídico no qual se encontra envolta Administração Pública buscou-se deixar certa margem de liberdade aos administradores dada a impossibilidade de previsão legal de todas as situações concretas surgidas no decorrer da gestão pública.
Daí surgem os atos administrativos discricionários nos quais evidenciam um juízo de oportunidade e conveniência das autoridades administrativas quando de sua prática.
Contudo, mesmo diante desta discrição é imprescindível que sejam obedecidos os requisitos legais exigidos para todos os atos administrativos, independente do regime que estejam inseridos, ou seja, vinculados ou discricionários.
Assim todas as vezes que o administrador deixar de obedecer aos preceitos legais estabelecidos para a prática dos atos abrir-se-á ensejo para o controle judicial.
Em pese discussões sobre a legitimidade do controle judicial, em especial voltada para o princípio constitucional da separação e independência dos poderes, conclui-se majoritariamente pela sua admissibilidade em razão da constatação da exacerbada ocorrência de abuso de poder.
A fim se justificar a necessidade e legalidade do controle judicial dos atos administrativos discricionários soberanas são as palavras do mestre Montesquieu: “temos a experiência eterna de que todo homem que tem em mãos o poder é sempre levado a abusar dele, e assim irá seguindo até que encontre algum limite”. (Montesquieu apud Braz, 2010, p.326-327).
Dessa feita resta claro a propriedade do tema estudado bem como sua reconhecida legalidade e recorrente ocorrência dentro cotidiano jurídico brasileiro.
Assim mostra-se pertinente destacar que mesmo diante da discrição legalmente concedida à Administração Pública sempre que essa não se ativer aos limites traçados, incorrendo em excesso de poder, desvio de finalidade e demais subterfúgios alheios ao interesse público acarretará para o Poder Judiciário o poder-dever de proceder à sua invalidação.
Para a efetivação do controle judicial de atos administrativos muitas são as vias legais passíveis de deflagrar a invalidação desses atos, porém as mais recorrentes são os remédios constitucionais e a ação civil pública, que se constituem como instrumentos de suma importância para a defesa dos direitos e garantias individuais e coletivos.
No decorrer do estudo em tela restou claro que assim como não é deferido à Administração Pública agir de forma arbitrária tão pouco será ao Poder Judiciário. Dessa forma, com intuito de perseguir o que realmente o ato impugnado traz em seu bojo, bem como seu real alcance, há de haver uma atividade interpretativa íntegra, voltada especificamente para a legalidade, e sem intenção de ensejar um desnecessário choque entre poderes.
Nesse sentido manifesta-se Hely Lopes Meirelles:
O controle judiciário ou judicial é o exercido privativamente pelos órgãos do Poder Judiciário sobre os atos administrativos do Executivo, do Legislativo e do próprio Judiciário que realiza atividade administrativa. É um controle a posteriori, unicamente da legalidade, por restrito à verificação da conformidade do ato com a norma legal que o rege. Mas é sobretudo um meio de preservação de direitos individuais, porque visa a impor observância da lei em cada caso concreto, quando reclamada por seus beneficiários. (Meirelles, 2000, p.648)
Cabe ressaltar que, paralelamente ao controle judicial os atos administrativos discricionários praticados arbitrariamente e sem estarem voltados para o interesse público, podem incorrer os gestores públicos em improbidade administrativa, ante a vigência no ordenamento jurídico brasileiro da Lei 8429/92, a qual dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos ímprobos.
Nesse sentido, a lei acima citada elenca três modalidades de improbidade administrativa, quais sejam: as que trazem prejuízo ao erário, as que acarretam enriquecimento ilícito e as que atentam contra os princípios da administração pública, bem como traz as sanções decorrentes de tais atos.
Além da Lei de Improbidade Administrativa as autoridades públicas, prefeitos e vereadores especificamente, ainda, quando no exercício da atividade administrativa no contramão do interesse público, podem incorrer nas iras do Decreto-lei 201/67, que disciplina as responsabilidade dos prefeitos e vereadores no trato da coisa pública.
Dessa forma, conclui-se que muitos são instrumentos nos quais os cidadãos, individual ou coletivamente, podem se valer para penalizar a conduta de autoridades públicas que, agindo sobre o manto da discricionariedade, praticam atos voltados para seus interesses pessoais e, até mesmo, para perseguição política.
Contudo, muito mais do que propiciar a penalização dos maus gestores, volta-se o controle judicial dos atos administrativos discricionários para a segurança dos administrados que de nenhum forma pode vítima de abuso de poder.
REFERÊNCIAS
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AMORIM, Gustavo Henrique Pinheiro. Para Aprender Direito: Direito Administrativo.1ª edição.São Paulo: Barros, Fischer & Associados, 2006.
BRAZ, Petrônio. Direito Municipal da Constituição.7ª edição.São Paulo: JH Mizuno, 2010.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19ª edição. São Paulo:Atlas, 2005.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado.13ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009.
MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25ª edição. São Paulo: Malheiros, 2000.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª edição. São Paulo:Malheiros, 2008.
PEREIA JÚNIOR, Jesse Torres. Controle Judicial da Administração Pública: Da Legalidade Estrita à Lógica do Razoável .2ª edição. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
ROSA, Márcio Fernando Elias. Sinopses Jurídicas:Direito Administrativo. 5ª edição. São Paulo:Saraiva, 2003.
Graduada em Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC/BARBACENA. Oficiala de Justiça - TJMG 2003/2010. Analista do Ministério Público de Minas Gerais 2010.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Fernanda Iatarola Barbosa. Discrionariedade administrativa e controle judicial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 ago 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44936/discrionariedade-administrativa-e-controle-judicial. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Danilo Eduardo de Souza
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