RESUMO: O presente artigo traz definições da violência, no sentido geral, e sobre sua ocorrência na atualidade, no mundo e no nosso país, especificamente sobre a violência doméstica e familiar, pontuando alguns aspectos históricos e observando que ela é consequência da sociedade patriarcal. Observa-se que há muito pouco tempo surge a consciência de que esse tipo de violência cometida contra a mulher não é um problema privado, que deve ser resolvido entre “quatro paredes”, mas que é um problema social e que deve preocupar toda a sociedade.
Palavras-chave: Violência Contra Mulher, Gênero, Direitos Humanos, Brasil.
ABSTRACT: This paper presents definitions of violence in the general sense, and on its occurrence Nowadays , worldwide and in our country, specifically on domestic violence and family, highlighting some historical aspects and noting that it is a consequence of patriarchal society. It is observed that there is very little time consciousness arises that such violence committed against women is not a private matter that should be resolved between the "four walls ", but it is a social problem that should concern all of society.
Keywords: Violence Against Women, gender, Human Rights, Brazil.
1 INTRODUÇÃO
A violência doméstica é um tema bastante atualizado e instigante que atinge milhares de mulheres e crianças, adolescentes e idosos em todo o mundo, decorrente da desigualdade nas relações de poder entre homens e mulheres, assim como, a discriminação de gênero ainda presente tanto na sociedade como na família. Com a constitucionalização dos direitos humanos, a violência passou a ser estudada com maior profundidade e apontada por diversos setores representativos da sociedade, tornando-se assim, um problema central para a humanidade, bem como, um grande desafio discutido e estudado por várias áreas do conhecimento enfrentado pela sociedade contemporânea.
2 O caso: Maria da Penha
No dia 29 de Maio de 1983, em Fortaleza, o economista e professor universitário M.A.H.V, colombiano de origem e naturalizado brasileiro, marido da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, simulou um assalto e desferiu um tiro de espingarda contra sua esposa, o qual atingiu sua coluna e a deixou paraplégica. O crime foi premeditado, uma vez que o autor do disparo, dias antes, tentou convencer a esposa a realizar um seguro de vida, do qual ele seria o beneficiário. Além disso, cinco dias antes da agressão, a esposa assinou em branco um recibo de venda de seu veículo, a pedido do marido. Após alguns dias da primeira agressão, houve nova tentativa, na qual o autor buscou eletrocutá-la por meio de uma descarga elétrica enquanto ela tomava banho. As investigações começaram em Junho de 1983, porém a denúncia só foi oferecida em Setembro de 1984. Em 1991 houve a condenação do autor pelo tribunal do Júri a oito anos de prisão. O réu recorreu em liberdade e após um ano da condenação teve o julgamento anulado. Em 1996 foi levado a novo julgamento e condenado a dez anos e seis meses. Recorreu novamente em liberdade e somente 19 anos e 6 meses após o fato, em 2002, M.A.H.V. foi preso. Da condenação imposta, cumpriu apenas dois anos de prisão e teve direito a progressão de regime para regime aberto. O caso da Maria da Penha Maia Fernandes foi o responsável pela denominação da Lei Maria da Penha. A partir deste caso os Institutos de Direitos Humanos Internacionais tomaram conhecimento da situação da mulher brasileira diante do problema da violência doméstica e o país foi pressionado a adotar algumas medidas, conforme veremos no item seguinte.
3 Surgimento da Lei 11.340/06
O caso Maria da Penha chegou ao conhecimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), através da denúncia da própria vítima em 20 agosto de 1998. Também denunciaram o caso em questão o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), o Comitê Latino – Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM).O Brasil foi indagado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em relação às denúncias e se omitiu. A Comissão solicitou informações em 1998, 1999 e 2000 e não obteve resposta. O relatório foi enviado ao Estado brasileiro em março de 2001 para que, em um mês, fossem cumpridas as recomendações nele lançadas. O Brasil também não cumpriu o determinado e, então, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, de acordo com o art. 51, 3 do Pacto de San José, decidiu tornar público o teor do relatório 54/2001. Neste foi realizada profunda análise do fato denunciado e apontadas às falhas cometidas pelo Estado brasileiro que, na qualidade de parte da Convenção Americana e Convenção de Belém do Pará, assumiu o compromisso de implantar e cumprir o disposto nesses tratados.
O Brasil foi condenado internacionalmente em 2001. Informa ainda que o relatório da OEA, além de impor o pagamento de 20 mil dólares a favor de Maria da Penha Maia Fernandes, responsabilizou o Brasil por negligência e omissão em relação à violência doméstica e recomendou a adoção de várias medidas, entre elas “simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual”. A partir de então, o Brasil finalmente cumpriu as convenções e tratados internacionais do qual é signatário, em razão da pressão sofrida por parte da OEA.
Em 2002, foi elaborado o projeto da Lei Maria da Penha por um consórcio formado por 15 ONGs que trabalhavam com violência doméstica. Em 2004 o projeto foi enviado ao Congresso Nacional e, finalmente, em 07 de agosto de 2006, foi sancionada a Lei 11.340 pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.
4 Conceitos
O conceito de violência é um fenômeno bastante complexo e composto por diversos fatores, sejam eles, “sociais, culturais, psicológicos, ideológicos, econômicos, etc.” A palavra violência deriva do Latim “violentia”, que significa “veemência, impetuosidade”. Mas na sua origem está relacionada com o termo “violação” (violare). A violência em todas as formas constitui uma violação dos direitos humanos. Ela se manifesta de diversas maneiras, em guerras, torturas, conflitos étnico-religiosos, preconceito, assassinato, fome, etc. Existe também a violência verbal, que causa danos morais, que muitas vezes são mais difíceis de esquecer do que os danos físicos.
A LMP conceitua violência como sendo qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial (art. 5°, Lei 11.340/06). Segundo o artigo 7º da Lei nº 11.340/2006 são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: a física, a psicológica, a sexual, a patrimonial e a moral.
5 Previsões da Lei Maria da Penha
A Lei Maria da Penha traz em seu bojo as orientações dos tratados internacionais, os quais foram ratificados pelo Brasil, para que sua efetividade seja concreta e seus fins alcançados. Ela prevê que a repressão à violência doméstica e familiar contra a mulher deverá ser feita através de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e também de ações não – governamentais , seguindo as diretrizes traçadas pela Lei. A primeira diretriz a ser seguida como medida de prevenção é a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação. Também são diretrizes a realização de campanhas educativas de prevenção à violência doméstica e familiar, a difusão da própria lei e a capacitação dos profissionais que trabalham com o tema. Uma das medidas de prevenção que merece destaque é o atendimento policial especializado, previsto no Art. 8º, IV da LMP. É necessário que se promova treinamento especializado aos policiais que exercerão suas atividades junto a tais unidades. O profissional precisa ter sensibilidade dando-se preferência a policiais do sexo feminino em face ao constrangimento natural que se verifica cotidianamente.
A Lei prevê algumas medidas de proteção a serem tomadas em caso de situação de violência doméstica e familiar. Essas medidas são adotadas já no atendimento pela autoridade policial quando do conhecimento da ocorrência e também pelo juiz que recebe o expediente encaminhado pela delegacia comunicando o fato. É necessário que a mulher submetida à situação de violência doméstica e familiar tenha pronto e eficaz atendimento em sede policial, já que, na maioria das vezes, são as delegacias de polícia que primeiro têm contato com os casos concretos. O Art. 11 da LMP estabelece uma série de providências que deverá tomar a autoridade policial no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, tais como, garantir proteção policial e comunicar o fato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, encaminhar a ofendida ao hospital, posto de saúde ou ao IML, transportar a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro em caso de risco de vida, acompanhar a ofendida para retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar e informar para a mesma seus direitos e os serviços disponíveis. O Art. 12 da LMP estabelece que algumas medidas deverão ser tomadas pela autoridade policial após a confecção do boletim de ocorrência.
As medidas de natureza judicial, também previstas, são ações que devem ser tomadas pelo juiz, no prazo de 48 horas, após o recebimento do expediente enviado pela delegacia com o pedido da ofendida. Nesse prazo caberá ao juiz conhecer do expediente e do pedido da ofendida para decidir sobre as medidas protetivas de urgência. Também poderá determinar o encaminhamento da vítima ao órgão de assistência judiciária e/ou comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis. As medidas protetivas de urgência somente poderão ser concedidas pelo juiz a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida. Na concessão a pedido da ofendida, o MP deverá ser ouvido previamente. O auxílio da força policial poderá ser requisitado pelo juiz, a qualquer momento, para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência.
As medidas protetivas de urgência estão relacionadas à proteção da ofendida e de seu patrimônio. O Art. 23 da LMP prevê as medidas protetivas de urgência que poderão ser adotadas pelo juiz à ofendida, sem prejuízo de outras medidas, como as que obrigam o agressor.
As medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor são ações determináveis pelo juiz, que impõe obrigações e restrições, a fim de que a vítima seja protegida de uma agressão iminente ou que sofra nova agressão. O art. 22 da LMP elenca as medidas protetivas que obrigam o agressor. O inciso I do art. 22, trata de medida que se mostra preocupada com a incolumidade física da mulher. No entanto, a medida em questão exige certa dose de cautela do julgador para que o agressor não seja impedido de se movimentar livremente e seja configurado constrangimento ilegal. O inciso IV do art. 22 refere-se à restrição ou suspensão de visitas. O Inciso V do art. 22 prevê a obrigação alimentar do agressor. Trata-se de determinação que assegura a mantença da entidade familiar. A retirada do lar do agressor, não pode desonerá-lo da obrigação de continuar provendo o sustento da vítima e dos filhos. A vítima pode requerer alimentos para ela e os filhos, ou mesmo só a favor da prole e mesmo que seja indeferida a pretensão em sede de medida protetiva de urgência, nada impede que o pedido seja veiculado por meio da ação de alimentos perante o juízo cível.
A norma também prevê serviços especializados de atendimento à mulher vítima de violência doméstica. Esses serviços são necessários para que o enfrentamento da violência se dê de forma efetiva e para que a vítima tenha possibilidade de buscar proteção e apoio nesse momento. Os serviços especializados são de responsabilidade da União, Estados, Distrito Federal e Municípios e estão previstos no art. 35 da LMP. São exemplos de serviços especializados os centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes e as casas-abrigos.
5.1 Juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher
Os Juizados de Violência Doméstica foram criados com o advento da LMP, com objetivo de processar, julgar e executar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar. O art. 14 da LMP prevê a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDFMs). A Lei Maria da Penha criou os juizados mas não impôs sua instalação. Enquanto não estruturados os JVDFMs, a competência cível e criminal é atribuída às Varas Criminais, para onde devem migrar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. Não havendo JVDFMs, os pedidos de medidas protetivas de urgência e os inquéritos policiais devem ser encaminhados às Varas Criminais. Somente permanecerão na vara as medidas protetivas de caráter penal. Quanto às providências cíveis, após cumprimento das medidas que obrigam o ofensor, o expediente deve ser redistribuído à Vara de Família. Para assegurar a eficácia de qualquer das medidas o juiz (criminal ou de família) pode inclusive decretar prisão preventiva.
6 CONCLUSÃO
Diante do exposto, conclui-se a necessidade de conferir uma especial proteção às vítimas de violência doméstica, ou seja, as mulheres. Com a evidente discriminação e violência contra as mulheres o Estado interveio através da Lei 11.340/06 – Lei “Maria da Penha” para coibir os diversos tipos de violência, fazendo então, com que as mulheres se sentissem mais seguras, resgatando a cidadania e a dignidade dessas cidadãs que, na maioria das vezes, sofrem caladas. A Lei supracitada produziu uma verdadeira revolução no combate à violência doméstica com a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.A violência, conceituada como abuso da força, é uma realidade que atinge todos os povos, em todas as suas formas. A violência doméstica, praticada contra a mulher deixou de ser considerada um problema “familiar”, ou seja, um problema “privado”, para ser considerada uma situação de violência que prejudica a integridade física e psicológica da mulher, atingindo sua dignidade. Atualmente, também é considerada um problema de saúde pública, um problema social grave, que gera preocupação dos administradores públicos e de toda a sociedade. Proteger a mulher da violência doméstica, da qual sempre foi vítima, conforme abordado, é tornar efetivos os seus direitos humanos da terceira geração, compreendidos como aqueles direitos que se dirigem aos direitos de “gênero”, ou seja, relacionados à dignidade da mulher e à subjetividade feminina.
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica: Lei Maria da Penha (lei 11.340/2006) comentada artigo por artigo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
Lei Nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil . Acesso em: 29 junho 2014.
Violência doméstica e familiar contra a mulher - A lei Maria da Penha: uma análise jurídica. Disponível em: http://monografias.brasilescola.com/direito/violencia-domestica-familiar-contra-mulher-lei-maria-htm. Acesso em: 13 junho 2014.
SANTOS, Sidney Francisco Reis dos. Mulher: sujeito ou objeto de sua própria história? Florianópolis: OAB/SC, 2006.
Graduada em Segurança Pública pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL e pós -graduada em Políticas e Gestão em Segurança Pública pelo Instituto Brasileiro de Educaçãodo Distrito Federal-IBEDF<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARQUES, Aline Bezerra. O sofrimento que atinge milhares de mulheres Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 ago 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44948/o-sofrimento-que-atinge-milhares-de-mulheres. Acesso em: 22 nov 2024.
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