Palavras-chave: Direito Penal. Princípio da insignificância ou bagatelar. Constituição Federal. Fundamentos do princípio da insignificância. Jurisprudência. Doutrina. Requisitos.
INTRODUÇÃO
O Princípio da insignificância, também conhecido como crime de bagatela, é um tema de grande importância no cenário jurídico-penal brasileiro, sendo alvo de inúmeras discussões nos Tribunais estaduais pátrios, no Superior Tribunal de Justiça, e pelo Supremo Tribunal Federal, em virtude de opiniões e posicionamentos divergentes sobre a sua aplicabilidade como causa supralegal de exclusão da tipicidade.
Com a falência do sistema penitenciário, considerado por muitos doutrinadores como “escola de delinquentes”, a privação da liberdade não cumpre o seu papel social. Indivíduos sem antecedentes cumprem penas com presos de alta periculosidade, não devolvendo para a sociedade indivíduos recuperados.
O custo de um preso para os cofres públicos também coloca em pauta quais crimes devem ter a intervenção estatal, indispensável para manter na população uma sensação de segurança.
O presente artigo busca analisar o porquê da incidência do princípio da insignificância em alguns delitos, notadamente os de natureza patrimonial.
DESENVOLVIMENTO
O sistema prisional brasileiro não reeduca o individuo que comete delitos, sendo, na maior parte das vezes, “fábrica de criminosos”. O fim da pena, que seria a prevenção e repressão ao crime por meio de segregação, não é alcançado, tornando o aprisionado incapaz da socialização.
O aprisionamento num sistema penitenciário precário somente deve ocorrer como derradeira opção. Não se justifica pessoas que cometeram pequenos delitos não ofensivos significativamente ao bem jurídico tutelado pela norma penal, sofrer com os riscos e prejuízos advindos do encarceramento.
Ademais, o Estado tem um custo econômico e social muito grande com cada condenado que cumpre pena, dinheiro que poderia ser investido em outro setor da sociedade.
Diante desses fatos, o princípio da insignificância surgiu como causa de exclusão supralegal da tipicidade.
Para que exista o crime, elencado no Código Penal Brasileiro, deve existir um fato típico composto pela ação ou omissão, pelo resultado naturalístico (natureza material) ou independente dele (natureza formal), pela relação de causalidade e também pela tipicidade. É o aspecto formal da ação tida por delituosa.
Se a conduta humana apresenta os elementos descritos no tipo penal, e ela for de significado puramente formal, o aplicador deve aplicar a pena sem a emissão de um juízo de valor. Mas de acordo com o Direito Penal moderno, se o delito é de natureza material, não basta a simples adequação do comportamento com o tipo formal.
O princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade prevê que o Estado deve preocupar-se com a defesa dos bens jurídicos necessários ao bom andamento da sociedade. O critério geral de interpretação restritiva ou correção típica é tendência na política criminal hodierna, e ocorre quando a intervenção estatal está condicionada à gravidade da lesão.
Portanto, a tipificação penal não se resume a subsunção da conduta ao tipo legal de crime. Analisar se o comportamento é ofensivo ou perigoso para o bem jurídico tutelado servirá de instrumento para o aplicador do direito. É o conceito material de crime ou da tipicidade denominada conglobante.
Aqueles que são contra a aplicação do princípio da insignificância alegam que, por não está incorporado ao ordenamento jurídico pátrio, ou seja, por não estar previsto em lei, pode ocorrer um recuo do Direito Penal ao considerar lícitas condutas ilícitas. Defendem também a dificuldade em fixar critérios para a caracterização do que seria valor insignificante.
Com o atual Estado Democrático, os argumentos contra a aplicação de tal princípio se tornam fracos, já que o Direito Penal moderno não pode se preocupar com condutas inexpressivas.
O site do STJ descreve o princípio da insignificância. Vejamos:
Descrição do Verbete: o princípio da insignificância tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime, por isso, sua aplicação resulta na absolvição do réu e não apenas na diminuição e substituição da pena ou não sua não aplicação. Para ser utilizado, faz-se necessária a presença de certos requisitos, tais como: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (exemplo: o furto de algo de baixo valor). Sua aplicação decorre no sentido de que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.
O princípio da insignificância não encontra previsão legal. Para compreender o citado princípio, devemos entender o conceito de crime levando em consideração três critérios fornecidos pela doutrina moderna: o material, o legal e o analítico.
No conceito material (ou substancial), a conduta do agente deve estar descrita no tipo. Mas deve ser apurada se a ação ou omissão tem importância (relevância) jurídico-penal.
ROXIN, citado por NUCCI, ensina que:
“o conceito material de crime é prévio ao Código Penal e fornece ao legislador um critério político-criminal sobre o que o Direito Penal deve punir e o que deve deixar impune” (Derecho Penal – Parte general, t. I, p. 51)’ (2011: p. 172)
MASSON arremata:
“[...] esse conceito de crime serve como fator de legitimação do Direito Penal em um Estado Democrático de Direito. O mero atendimento do princípio da reserva legal se mostra insuficiente. Não basta uma lei para qualquer conduta ser considerada penalmente ilícita. Imagine um tipo penal com o seguinte conteúdo: “Sorrir por mais de 10 minutos, ininterruptamente. Pena: reclusão, de 2 a 8 anos, e multa”. Nesta situação, o princípio da reserva legal ou estrita legalidade seria obedecido. Contudo, somente se legitima o crime quando a conduta proibida apresentar relevância jurídico-penal, mediante a provocação de dano ou ao menos exposição à situação de perigo em relação a bens jurídicos penalmente relevantes”. (2011: p. 158)
O art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal define o conceito pelo critério legal (ou formal). Vejamos:
“Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”. (Decreto-Lei 3.914, de 9 de dezembro de 1941)
Na terceira corrente, encontramos o conceito analítico, também conhecido como dogmático, que considera os caracteres que compõem a estrutura. Tal conceito encontra divergência na doutrina. As duas correntes mais defendidas e adotadas no Brasil são a tripartida e bipartida.
Na teoria tripartida ou clássica da ação, o crime é um fato típico, ilícito e culpável. Na falta de algum dos elementos, o crime é afastado. É a corrente mais adotada na doutrina brasileira.
A teoria bipartida ou finalista da ação considera crime um fato típico e ilícito, sendo a culpabilidade um pressuposto para a aplicação da pena.
Atualmente, a tipicidade penal é mais do que a mera adequação da conduta humana ao tipo legal, fazendo-se necessário investigar se a objetividade jurídica foi efetivamente atingida, por meio de uma incursão na tipicidade material.
JESUS doutrina o seguinte sobre o princípio da insignificância:
“Ligado aos chamados “crimes de bagatela” (ou “delitos de lesão mínima”), recomenda que o Direito Penal, pela adequação típica, somente intervenha nos casos de lesão jurídica de certa gravidade, reconhecendo a atipicidade do fato nas hipóteses de perturbações jurídicas mais leves (pequeníssima relevância material). Esse princípio tem sido adotado pela nossa jurisprudência nos casos de furto de objeto material insignificante, lesão insignificante ao Fisco, maus-tratos de importância mínima, descaminho e dano de pequena monta, lesão corporal de extrema singeleza etc. Hoje, adotada a teoria da imputação objetiva, que concede relevância à afetação jurídica como resultado normativo do crime, esse princípio apresenta enorme importância, permitindo que não ingressem no campo penal fatos de ofensividade mínima”. (2009: págs. 10 e 11)
A tipicidade penal reúne a tipicidade formal e a tipicidade conglobante ou conglobada. A conduta do agente deve ser prevista na lei e, subjetivamente, deve ser feita a análise sobre o valor do bem.
Este é o escólio de GRECO:
“Para que se possa concluir pela tipicidade conglobante, é preciso verificar dois aspectos fundamentais: a) se a conduta do agente é antinormativa; b) se o fato é materialmente típico. O estudo do princípio da insignificância reside nesta segunda vertente da tipicidade conglobante, ou seja, da tipicidade material.
Além da necessidade de existir um modelo abstrato que preveja com perfeição a conduta praticada pelo agente, é preciso que, para que ocorra essa adequação, isto é, para que a conduta do agente se amolde com perfeição ao tipo penal, seja levada em consideração a relevância do bem que está sendo objeto de proteção. Quando o legislador penal chamou a si a responsabilidade de tutelar determinados bens – por exemplo, a integridade corporal e o patrimônio -, não quis abarcar toda e qualquer lesão corporal sofrida pela vítima ou mesmo todo e qualquer tipo de patrimônio, não importando o seu valor”. (2010: p. 61)
PRINCÍPIOS
O princípio da insignificância se relaciona com os princípios da legalidade, da taxatividade, da dignidade humana, da fragmentariedade, da intervenção mínima, da razoabilidade, da proporcionalidade, e da adequação social.
Dentre os mais significativos, encontramos o princípio da fragmentariedade, que significa que a criminalização das ações ou omissões serão endereçadas apenas contra os bens jurídicos de relevância social.
MUNÕZ CONDE doutrina que:
“(...) nem todas as ações que atacam bens jurídicos são proibidas pelo Direito Penal, nem, tampouco todos os bens jurídicos são protegidos por ele. O Direito Penal, repito mais uma vez, se limita somente a castigar as ações mais graves contra os bens jurídicos mais importantes, daí seu caráter ‘fragmentário’, pois que de toda a gama de ações proibidas e bens jurídicos protegidos pelo ordenamento jurídico, o Direito Penal só se ocupa de uma parte, fragmentos, se bem que da maior importância”.
Já o princípio da intervenção mínima consiste na interferência do Direito Penal somente nos casos de agressão a bens jurídicos relevantes.
ROXIN corrobora com a asserção supra ao afirmar que o Direito Penal é:
“(...) a última dentre todas as medidas protetoras que se devem considerar, quer dizer, que somente pode intervir quando falhem outros meios de solução social do problema – como a ação civil [...], as sanções não penais, etc. – Por isso, se denomina a pena como a ultima ratio da política social e se define sua missão como proteção subsidiária de bens jurídicos”.
O princípio da razoabilidade defende que a interpretação da lei penal deve se adaptar de acordo com a importância das condutas. Se a conduta cometida for ilícita, mas se os bens afetados forem irrelevantes para a sociedade, a prisão deve ser evitada.
Nos dizeres de ACKEL FILHO:
“(...) a interpretação com base em critérios de razoabilidade, desconsidera um determinado fato como obra criminosa, valorando-o como insignificante e, portanto, destituído de reprovabilidade, de modo a obstar que possa subsumir um standart de tipicidade penal”.
O princípio da proporcionalidade indica que a severidade da pena deve corresponder à gravidade da infração penal.
SILVA FRANCO ensina que:
“O princípio da proporcionalidade exige que se faça um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que pode alguém ser privado (gravidade da pena). Toda vez que, nessa relação, houver um desequilíbrio acentuado, estabelece-se, em consequência, inaceitável desproporção. O princípio da proporcionalidade rechaça, portanto, o estabelecimento de cominações legais (proporcionalidade em abstrato) e a imposição de penas (proporcionalidade em concreto) que careçam de relação valorativa com o fato cometido considerado em seu sentido global. Tem, em conseqüência, um duplo destinatário: o poder legislativo (que tem de estabelecer penas proporcionadas, em abstrato, à gravidade do delito) e o juiz (as penas que os juízes impõem ao autor do delito têm de ser proporcionadas à sua concreta gravidade)”. (p. 67)
A NATUREZA JURÍDICA DO PRINCÍPIO
Em relação à natureza jurídica do princípio da insignificância, também encontramos divergências doutrinárias.
A corrente que defende que o princípio é excludente de tipicidade, entende que é irrelevante para o Direito Penal o comportamento que não tem capacidade para afetar o bem jurídico protegido pela norma.
As excludentes de tipicidade dividem-se em: legais – expressamente previstas em lei (exemplo: crime impossível); e em supralegais (exemplo: adequação social).
MASSON, referindo-se ao princípio da insignificância, assevera que:
“Funciona como causa de exclusão da tipicidade, desempenhando uma interpretação restritiva do tipo penal. (...)
(...)
Em síntese, o princípio da insignificância tem força suficiente para descaracterizar, no plano material, a própria tipicidade penal, autorizando, inclusive a concessão de ofício de habeas corpus pelo Poder Judiciário”. (p. 26-27)
A corrente que defende que o princípio da insignificância é excludente de antijuridicidade, argumenta que, para aplicar-se tal princípio, necessário que o julgador faça um juízo axiológico para inferir se o proceder do autor do delito foi antijurídico, e concluir acerca da relevância ou não da afetação ao bem jurídico.
A última corrente doutrinária coloca o princípio da insignificância na seara da culpabilidade, pois, para aplicar o citado princípio, defende que o julgador deverá analisar, a partir das circunstâncias fáticas da ação, eventual produção de lesões insignificantes, eximindo de pena o ofensor.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal manifesta-se que a natureza jurídica do princípio da insignificância é de excludente de tipicidade:
“O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado – que considera necessária na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público”. (STF, Primeira Turma, HC 103.506 –MG, de relatoria da Ministra ROSA WEBER, julgado em 12 de junho de 2012).
A aplicação do princípio da insignificância nos tribunais
O princípio da insignificância não é previsto em lei, sendo uma criação doutrinária e jurisprudencial. Encontramos posicionamentos divergentes entre os doutrinadores e os aplicadores do Direito em relação à aplicação do referido princípio. Existem aqueles que não admitem a aplicação do princípio por não existir previsão no ordenamento brasileiro, e qualquer violação à lei deve ser penalizada.
Neste sentido:
“APELAÇÃO CRIMINAL – FURTO – ABSOLVIÇÃO – CRIME IMPOSSÍVEL – INOCORRÊNCIA – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – INAPLICABILIDADE – AUSÊNCIA DE AMPARO LEGAL – CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA TENTATIVA – ITER CRIMINIS – ADEQUAÇÃO DA FRAÇÃO MÍNIMA – ISENÇÃO CUSTAS – PEDIDO PREJUDICADO – RECURSO DESPROVIDO.
I – (...)
II – O “Princípio da Insignificância não encontra assento no Direito Penal Brasileiro, tratando-se de recurso interpretativo à margem da lei, confrontando-se com o próprio tipo penal do art. 155 do Codex Penal que, para as situações de ofensa mínima, prevê a figura do privilégio.
III – (...)” (APELAÇÃO CRIMINAL nº 1.0024.10.179635-7/001 – 5ª Câmara Criminal, julgada em 12/06/2012, publicada a súmula em 18/06/2012)
“O fato de as coisas furtadas terem valor irrisório não significa que o fato seja tão insignificante para permanecer no limbo da criminalidade, visto que no direito brasileiro o Princípio da Insignificância ainda não adquiriu foros de cidadania, de molde a excluir tal evento de moldura da tipicidade penal” (TACRIM – SP – AC Rel. Juiz Emeric Levai – BMJ 84/6).
“O nosso ordenamento jurídico ainda não acatou a teoria da bagatela ou da insignificância, não tendo, por isso, o ínfimo valor do bem ou do prejuízo qualquer influência na configuração do crime”. (TACRIM – SP. RDJTACRIM 27/66)
O posicionamento favorável à aplicação do princípio da insignificância é maioria nos tribunais, inclusive encontrando inúmeros precedentes no STJ e no STF:
“A missão do Direito Penal moderno consiste em tutelar os bens jurídicos mais relevantes. Em decorrência disso, a intervenção penal deve ter o caráter fragmentário, protegendo apenas os bens jurídicos mais importantes e em casos de lesões de maior gravidade. O princípio da insignificância, como derivação necessária do princípio da intervenção mínima do Direito Penal, busca afastar de sua seara as condutas que, embora típicas, não produzam efetiva lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal incriminadora. Trata-se, na hipótese, de crime em que o bem jurídico tutelado é a Administração Pública, tornando irrelevante considerar a Apreensão de 70 bilhetes de metrô, com vista a desqualificar a conduta, pois o valor do resultado não se mostra desprezível, porquanto a norma busca resguardar não somente o aspecto patrimonial, mas moral da Administração”.
“[...]
1. A aplicabilidade do princípio da insignificância no delito de furto é cabível quando se evidencia que o bem jurídico tutelado (no caso, o patrimônio) sofreu mínima lesão e a conduta do agente expressa pequena reprovabilidade e irrelevante periculosidade social.
[...].” (HC 216.404 – MG, Quinta Turma, relatora Ministra LAURITA VAZ, julgado em 21/06/2012, publicado em 29/06/2012)
“(...) diante do caráter fragmentário do direito penal moderno, segundo o qual se devem tutelar apenas os bens jurídicos de maior relevo, somente justificam a efetiva movimentação da máquina estatal os casos que implicam lesões de significativa gravidade”. (STJ - HC 207.295 – SP, de relatoria da Ministra LAURITA VAZ, Quinta Turma, julgado em 2510/2011, publicado em 07/11/2011)
“(...)
1. O princípio da insignificância, que está diretamente ligado aos postulados da fragmentariedade e intervenção mínima do Estado em matéria penal, tem sido acolhido pelo magistério doutrinário e jurisprudencial tanto desta Corte, quanto do colendo Supremo Tribunal Federal, como causa supra-legal de exclusão da tipicidade. Vale dizer, uma conduta que se subsuma perfeitamente ao modelo abstrato previsto na legislação penal pode vir a ser considerada atípica por força desta postulado”. (STJ – HC 187.917/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Quinta Turma, julgado em 17/03/2011, com publicação em 05/04/2011)
“– O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. ‘O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social’ (STF - HC nº 94.505/RS, de relatoria do Ministro CELSO DE MELLO, julgado em 16/09/2008)
Para que não seja aplicada a penalização de determinada ação criminosa, não é suficiente, tão-somente, a observância de critérios objetivos, um dos quais, o pequeno relevo do bem jurídico protegido, tido como um indiferente penal. É necessária também a análise conjunta de critérios subjetivos consistentes, por exemplo, nas circunstâncias judiciais favoráveis ao ofensor, constatadas pela falta de antecedentes criminais.
O Supremo Tribunal também entende que: “somente a análise individualizada, atenta às circunstâncias que envolveram o fato, pode autorizar a tese da insignificância” (Relator Ministro Francisco Rezek, 2ª Turma, julgado em 07/06/1996)
Para a aplicação do princípio da insignificância, deve ser feita a análise conjunta dos critérios objetivos e subjetivos.
O STJ tem o entendimento que as condições pessoais do agente (reiteração ou habitualidade criminosa) devem ser analisadas em conjunto com os critérios objetivos, para que o princípio da insignificância seja aplicado para afastar a conduta criminosa.
Portanto, a ínfima ofensividade ao bem por um agente que é contumaz no crime não se traduz em certeza de aplicação do princípio da insignificância ou da bagatela, até porque, consoante doutrina do NUCCI:
“Há três regras, que devem ser seguidas, para a aplicação do princípio da insignificância:
1.ª) consideração do valor do bem jurídico em termos concretos.
“É preciso certificar-se do efetivo valor do bem em questão, sob o ponto de vista do agressor, da vítima e da sociedade. Há determinadas coisas, cujo valor é ínfimo sob qualquer perspectiva (ex.: um clipe subtraído de uma folha de papel não representa ofensa patrimonial relevante em universo algum). Outros bens têm relevo para a vítima, mas não para o agressor (ex.: uma peça de louça do banheiro de um barraco pode ser significativa para o ofendido, embora desprezível para o agressor). Neste caso, não se aplica o princípio da insignificância. Há bens de relativo valor para agressor e vítima, mas muito acima da média do poder aquisitivo da sociedade (ex.: um anel de brilhantes pode ser de pouca monta para pessoas muito ricas, mas é coisa de imenso valor para a maioria da sociedade). Não se deve considerar a insignificância;
2.ª) consideração da lesão ao bem jurídico em visão global.
A avaliação do bem necessita ser realizada em visão panorâmica e não concentrada, afinal, não pode haver excessiva quantidade de um produto, unitariamente considerado insignificante, pois o total da subtração é capaz de atingir valor elevado (ex.: subtrair de um supermercado várias mercadorias, em diversas ocasiões, pode figurar um crime de bagatela numa ótica individualizada da conduta, porém, visualizando o total dos bens, atinge-se valor relevante).
Além disso, deve-se considerar a pessoa do autor, pois o princípio da insignificância não pode representar um incentivo ao crime, nem tampouco constituir uma autêntica imunidade ao criminoso habitual. O réu reincidente, com vários antecedentes, mormente se forem considerados específicos, não pode receber o benefício da atipicidade por bagatela. Seria contraproducente e dissociado do fundamento da pena, que é a ressocialização do agente. A reiteração delituosa, especialmente dolosa, não pode contar com o beneplácito estatal;
3.ª) consideração particular aos bens jurídicos imateriais de expressivo valor social.
Há diversos bens, penalmente tutelados, envolvendo o interesse geral da sociedade, de modo que não contêm um valor específico e determinado. O meio ambiente, por exemplo, não possui valor traduzido em moeda ou em riqueza material. O mesmo se diga da moralidade administrativa ou do respeito aos mortos, dentre outros. Portanto, ao analisar o crime, torna-se essencial enquadrar o bem jurídico sob o prisma social merecido.
[...]” (2011: p. 231/232)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante o exposto, verifica-se que mesmo sem previsão em lei, o princípio da insignificância é amplamente aplicado pelos Tribunais pátrios. Por ter o sistema penal o caráter subsidiário, a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justifica quando extremamente necessário.
Pode-se concluir que em crimes que ferem patrimônios inexpressivos, o reconhecimento da atipicidade pelo aplicador do direito aproxima o Direito Penal com a realidade social vigente.
REFERÊNCIAS
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BIANCHINI, Alice. GARCÍA-PLABOS DE MOLINA, Antônio. GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal. Introdução e Princípios Fundamentais. Vol. 1. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
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FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 34. Ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2008
GRECO, Rogério. Direito Penal – Lições. Ed. Impetus, 2000, pág. 68
JESUS, Damásio de. Direito Penal. Parte Geral. 1º vol. 30ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.
MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. Parte Geral. Vol. I, 3ª edição. São Paulo: Editora Método.
MUNÕZ CONDE, Francisco. Introducción al derecho penal. Barcelona: Bosch, 1975.
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VICO MAÑAS, Carlos. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994.
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Analista do Ministério Público de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Patrícia Gomes. Princípio da insignificância Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 ago 2015, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45017/principio-da-insignificancia. Acesso em: 22 nov 2024.
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