RESUMO: Trata-se de um esboço teórico, com o escopo de analisar os principais princípios penais e suas constantes atualizações. Tendo em vista que muitos são os princípios penais, inclusive alguns com o mesmo sentido, no entanto com nomenclaturas diferentes, a depender do doutrinador, deu-se preferência em estudar os princípios mais recorrentes na doutrina e os de maior envergadura. Para uma melhor sistematização do objeto de estudo, os princípios foram subdivididos em: 1) Princípios relacionados com a missão fundamental do direito penal; 2) Princípios relacionados com o fato do agente; 3) Princípios relacionados com o agente do fato; 4) Princípios relacionados com a pena.
Palavras-chave: Princípios penais; Princípios relacionados com a missão fundamental do direito penal; Princípios relacionados com o fato do agente; Princípios relacionados com o agente do fato; Princípios relacionados com a pena.
1. INTRODUÇÃO
O estudo sobre os princípios do direito penal é de fundamental importância para compreender o próprio direito penal, as suas transformações, as diretrizes basilares que o orientam e que o fundamentam, bem como as balizas limitadores do poder punitivo estatal em face das garantias dos cidadãos.
Vale ressaltar que os princípios do direito penal não têm apenas a função de orientar o legislador em sua tarefa de elaborar normas penais, mas possuem a função de orientar a atuação de todos os atores do sistema penal, englobando policiais, agentes penitenciários, promotores, defensores, advogados e juízes, bem como informar os cidadãos principalmente sobre os limites da atuação do direito penal.
Dada a importância do tema, decidiu-se neste artigo abordar sobre o tema princípios do direito penal, trazendo à baila posicionamentos da doutrina pátria e posicionamentos recentes dos Tribunais Superiores, que se encontram em constante modificação.
Nesse sentido, serão expostos os principais princípios do direito penal.
2. DESENVOLVIMENTO
Por motivo didático, o estudo dos princípios penais será dividido em quatro grupos:
1) Princípios relacionados com a missão fundamental do direito penal.
2) Princípios relacionados com o fato do agente.
3) Princípios relacionados com o agente do fato.
4) Princípios relacionados com a pena.
Segundo o princípio da Exclusiva Proteção de Bens Jurídicos, o direito penal se destina à tutela de bens jurídicos, não de questões de ordem moral, ética, ideológica, religiosa, política. Impede, assim, que o Estado utilize o direito penal para a proteção de bens ilegítimos.
Exemplo: A heterossexualidade não é bem jurídico protegido pelo direito penal, por isso, não há crime que puna os homossexuais. Obs. A Alemanha protegeu a raça ariana, o que gerou consequências absurdas (nazismo).
Um importante debate sobre a não aplicação desse princípio refere-se à criminalização dos usuários de droga, em que se defende haver a exclusiva defesa de questões de ordem moral[1].
Para este princípio, o direito penal é um ramo do direito a ser mobilizado nos casos estritamente necessários para combater as condutas que lesem os bens jurídicos mais relevantes. Assim, o princípio da intervenção mínima orienta o legislador, ao escolher condutas dignas de proteção penal, e o aplicador do Direito, para que não proceda ao enquadramento típico quando notar que determinada conduta pode ser satisfatoriamente resolvida através da atuação de outros ramos do Direito.
O presente princípio subdivide-se em:
a) Fragmentariedade: apenas determinados bens jurídicos mais importantes devem ser tutelados penalmente.
Orienta a intervenção no caso concreto. O direito penal só intervém diante de um fato causador de relevante e intolerável lesão ao bem jurídico tutelado. O princípio da insignificância é desdobramento lógico da fragmentariedade do direito penal.
b) Subsidiariedade: o direito penal somente deve ser utilizado quando outros ramos do Direito se revelarem impotentes.
Orienta a intervenção em abstrato do direito penal. A intervenção do direito penal fica condicionada ao fracasso (ineficácia) dos demais ramos do direito. O direito penal deve ser a última ratio (derradeira trincheira) no combate aos comportamentos humanos indesejados.
A intervenção mínima não serve somente para dizer onde o direito penal deve intervir, mas também onde ele não deve intervir. Ex: revogação do crime de adultério (o direito penal não deve intervir nas relações amorosas das pessoas adultas).
Trata-se de uma interpretação restritiva do tipo penal. Conforme o princípio da insignificância, entende-se que a tipicidade deve ser operada em suas duas características: tipicidade formal (adequação entre fato e norma) e tipicidade material (lesão ou perigo ao bem jurídico penalmente tutelado). A não ocorrência da segunda é característica da insignificância, que é, portanto, causa de exclusão da tipicidade.
Insignificância não se relaciona a valor, e sim à mínima ofensividade da conduta, à ausência de periculosidade social da ação, ao reduzido grau de reprovabilidade, à inexpressividade da lesão jurídica (requisitos objetivos). Para que o reduzido valor patrimonial autorize a insignificância é necessário conjugar a importância do objeto para a vítima, sua condição econômica, o valor sentimental do bem, as circunstâncias e o resultado do crime (requisitos subjetivos).
Esse princípio tem aplicação a qualquer espécie de delito com ele compatível. Há entendimentos de ser compatível em relação aos seguintes crimes: crime contra o patrimônio, crime tributário, infração de menor potencial ofensivo, réu reincidente, crimes ambientais, atos infracionais.
De outro lado não é aceito para: crime com emprego de violência, drogas, fraude para receber benefício, circulação de moeda falsa, improbidade, ao furto praticado mediante escalada (art. 155, § 4º, II, do CP), dano qualificado (art. 163, parágrafo único, III, CP) praticado contra “Orelhão” (aparelho telefônico público).
Ressalte-se que é possível a aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho, mas não ao de contrabando, pois neste caso o desvalor da conduta é maior.
Abaixo seguem os entendimentos do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema:
STF |
STJ |
Requisitos: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. |
Requisitos: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. |
Tem julgado analisando a Insignificância de acordo com a realidade econômica do país. |
Tem julgado analisando a Insignificância de acordo com a capacidade financeira da vítima. |
Admite o princípio nos delitos contra a administração pública (HC 107.370/SP, HC 104.286/SP). Recentemente não admitiu a insignificância em crime de descaminho (art. 334, CP) sob o argumento de que o tributo totaliza valor inferior a R$ 10 mil, pois não se pode confundir a possibilidade do PFN requerer sobrestamento da execução fiscal, com a persecução criminal (HC 100.986/PR, 1ª T, 31.5.2011). |
Prevalece não ser cabível o princípio nos delitos contra a administração pública. |
Não admite a insignificância no delito de falsificação de moeda. |
Não admite a insignificância no delito de falsificação de moeda. |
Admite a insignificância na conduta de manter rádio comunitária clandestina (art. 70 da Lei 4.117/62). |
Não admite a insignificância na conduta de manter rádio comunitária clandestina. |
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Embora haja alguns julgados não admitindo a insignificância para o reincidente, não é a posição predominante, porque insignificante é do fato, com requisitos objetivos, não considerando os requisitos subjetivos do agente. |
A existência de circunstâncias de caráter pessoal desfavoráveis, tais como o registro de processos criminais em andamento, a existência de antecedentes criminais ou mesmo eventual reincidência, não são óbices, por si só, ao reconhecimento do princípio da insignificância.
Assim, em tese, é possível aplicar o princípio da insignificância para réus reincidentes ou que respondam a inquéritos ou ações penais. No entanto, existem muitos julgados do STF e do STJ que, no caso concreto, afastam esse princípio pelo fato do réu ser reincidente ou possuir diversos antecedentes de práticas delituosas.
Desse modo, no caso concreto, a existência de antecedentes pode demonstrar a reprovabilidade e ofensividade da conduta, o que afastaria o princípio da bagatela.
Na tabela abaixo estão os entendimentos dos defensores e opositores da aplicabilidade do princípio da insignificância para réus reincidentes:
DEFENSORES |
OPOSITORES |
Se o fato é insignificante, é porque não há tipicidade material. Ora, não pode um fato ser considerado atípico para o réu se ele for primário e esse mesmo fato ser reputado como típico se o acusado for reincidente. Ou o fato é típico ou não é, não importando as condições pessoais do agente, considerando que estamos analisando o “fato” criminoso. Assim, para a incidência do princípio da insignificância, devem ser examinadas as circunstâncias objetivas em que se deu a prática delituosa, o fato em si, e não os atributos inerentes ao agente. Se forem analisadas as condições subjetivas do réu para se aplicar ou não o princípio da insignificância, estará sendo dada prioridade ao direito penal do autor em detrimento do direito penal do fato. As condições pessoais do autor somente devem ser aferidas quando da fixação da eventual e futura pena. Principais defensores dessa corrente: Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes. |
Se o réu é reincidente em práticas delituosas essa circunstância revela clara demonstração de que ele é um infrator contumaz e com personalidade voltada à prática delitiva. A lei seria inócua se fosse tolerada a reiteração do mesmo delito, seguidas vezes, em frações que, isoladamente, não superassem certo valor tido por insignificante, mas o excedesse na soma. E mais: seria um verdadeiro incentivo ao descumprimento da norma legal, mormente tendo em conta aqueles que fazem da criminalidade um meio de vida. O princípio da insignificância não pode ser acolhido para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de conduta ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto. O fato de haver outras condenações, ações penais ou inquéritos revela, assim, a reprovabilidade e ofensividade da conduta, vedando a aplicação da insignificância. Principais defensores dessa corrente: Ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. |
Princípio da insignificância e crime ambiental
A 2ª Turma, por maioria, concedeu habeas corpus para aplicar o princípio da insignificância em favor de condenado pelo delito descrito no art. 34, caput, parágrafo único, II, da Lei 9.605/98 (“Art. 34: Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente: ... Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem: ... II - pesca quantidades superiores às permitidas, ou mediante a utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos”). No caso, o paciente fora flagrado ao portar 12 camarões e rede de pesca fora das especificações da Portaria 84/2002 do IBAMA. Prevaleceu o voto do Min. Cezar Peluso, que reputou irrelevante a conduta em face do número de espécimes encontrados na posse do paciente. O Min. Gilmar Mendes acresceu ser evidente a desproporcionalidade da situação, porquanto se estaria diante de típico crime famélico. Asseverou que outros meios deveriam reprimir este tipo eventual de falta, pois não seria razoável a imposição de sanção penal à hipótese. Vencido o Min. Ricardo Lewandowski, que denegava a ordem, tendo em conta a objetividade da lei de defesa do meio ambiente. Esclarecia que, apesar do valor do bem ser insignificante, o dispositivo visaria preservar a época de reprodução da espécie que poderia estar em extinção. Ressaltava que o paciente teria reiterado essa prática, embora não houvesse antecedente específico nesse sentido.
HC 112563/SC, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Cezar Peluso, 21.8.2012. (HC-112563).
O Estado não pode incriminar condutas humanas involuntárias situadas exclusivamente na pisquê do agente. Ninguém pode ser castigado por seus pensamentos, desejos ou mesmo pelo estilo de vida. Para que haja a punição, deve haver, ao menos, uma conduta materializada no mundo dos fatos e exterior ao agente.
Diante desse princípio é que a doutrina critica a contravenção penal prevista no art. 59, LCP (vadiagem).
O princípio da legalidade, em razão da sua importância e por envolver maiores debates doutrinários, será estudado adiante em tópico separado.
Para que haja infração penal, a conduta deve oferecer ao menos perigo de lesão ao bem jurídico.
Em razão desse princípio, a doutrina classifica os crimes como sendo crimes de dano e crimes de perigo.
Os crimes de perigo podem ser:
- de perigo abstrato: perigo abstratamente previsto em lei.
- de perigo concreto: o perigo deve ser real, concreto, comprovado.
Parte da doutrina, por conta do princípio da ofensividade, entende ser inconstitucional o delito de perigo abstrato. No STF, a questão não está consolidada.
Até 2005, o STF admitia o delito de perigo abstrato (ex. punia porte de arma desmuniciada). Após 2005, passou a não mais admitir o mencionado delito de perigo abstrato, considerando o porte de arma desmuniciada um fato atípico. Em 2009, o STF, em casos excepcionais, admitiu o delito de perigo abstrato relacionado, p.ex., ao tráfico de drogas.
Consoante o princípio da responsabilidade pessoal, deve-se proibir o castigo pelo fato de outrem. No mesmo sentido, não há que se falar no direito penal em responsabilidade coletiva, de acordo com tal princípio.
O princípio da individualização da pena é decorrência desse princípio. A pena deve ser individualizada para cada um dos coautores do delito.
Obs. Nos delitos societários é difícil individualizar as condutas, mas é necessário.
É possível, todavia, responsabilidade objetiva em 2 casos (não reconhecidos pela doutrina moderna):
- Rixa qualificada pela morte ou lesão grave (ex. a própria vítima da lesão responde pela qualificadora), e
- Infrações penais praticadas em estado de embriaguez voluntária ou culposa, isto é, que não seja acidental (actio libera in causa).
A culpabilidade é formada pela imputabilidade, pelo potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.
Trata-se, portanto, de postulado limitador do direito de punir, de forma que o Estado só pode punir o agente imputável, com potencial consciência da ilicitude, quando dele for exigível conduta diversa.
Tal princípio propugna que se deve “tratar os iguais de maneira igual e os desiguais de maneira desigual, na medida de suas desigualdades”.
A isonomia material ou substancial está prevista no art. 24 da Convenção Americana de Direitos Humanos: “Todas as pessoas são iguais”.
As diferenças conferidas por lei, por exemplo, às mulheres (lei Maria da Penha - Lei 11.340/2006), aos negros (Estatuto Racial - Lei 12.288/2010), são para garantir a igualdade legal. Portanto, essas leis têm status de ação afirmativa.
O art. 5º, LVII, CF dispõe que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.
Parte da doutrina, com amparo em julgados do STF, leciona que o referido artigo da CF prevê, na verdade, o princípio da presunção de não-culpa, mas coerente com o sistema de prisões provisórias.
O art. 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos diz que “(...) tem direito de que se presuma sua inocência...”. Esse dispositivo prevê, efetivamente, o Princípio da Presunção de Inocência e aponta as consequências (alíneas “a” até “h” do art. 8º - garantias decorrentes desse princípio).
O STF trata o Princípio da Presunção de Inocência e o da Não-Culpa como sinônimos.
Esses princípios possuem os seguintes desdobramentos:
- prisão provisória pressupõe imprescindibilidade.
- ônus da prova compete à acusação.
- condenação pressupõe prova, não bastando indícios.
O princípio da legalidade é a somatória do princípio da reserva legal ao princípio da anterioridade legal.
A pena não pode passar da pessoa do condenado. Tem previsão no art. 5º, XLV, CF;
Art. 5, XLV - Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;
Discute-se, todavia, se esse princípio é relativo ou absoluto, e se admite exceção.
1ª corrente: Para essa corrente, o princípio da pessoalidade seria relativo, admitindo uma exceção prevista na própria CF, qual seja, a pena de confisco. Essa corrente é minoritária, defendida por Flávio Monteiro de Barros. O equívoco dessa corrente se dá ao afirmar que confisco é pena.
2ª corrente: Trata-se de um princípio absoluto, não se admitindo exceções, pois confisco (decretação de perdimento de bens) não é pena e sim efeito da condenação, atingindo os instrumentos e produtos do crime. Como efeito, ele passa para os sucessores da mesma forma como passa a obrigação de reparar o dano. Esta é a corrente que prevalece (Mirabete, LFG).
Questiona-se ainda em relação à multa, se esta é pena e se é transmissível aos sucessores.
A pena de multa, apesar de ser executada com dívida ativa, não perdeu o seu caráter de pena e, por isso, não pode ser transmitida aos herdeiros (Rogério Greco).
Por conta desse princípio, parte da doutrina também nega a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Para eles seria passar a pena de um a todos os sócios, mas tal posicionamento não prevalece.
Esse princípio está previsto no art. 5º, XLVI, CF:
Art. 5º, XLVI. A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes (...).
A pena deve ser individualizada levando em conta os aspectos objetivos e subjetivos do crime, considerando o fato e o agente em 3 momentos:
- Junto ao Legislador, ao criar a lei (cominação da pena em abstrato);
O STF usa a expressão “dimensão democrática do direito penal”, que é a participação do povo, por meio dos representantes eleitos, na elaboração das leis penais.
- Junto ao Juiz, ao aplicar a pena ao caso concreto;
- Junto ao Juiz da Execução, durante a execução/ cumprimento da pena.
O ordenamento jurídico penal brasileiro respeita esse princípio, permitindo ao juiz a individualização da pena, pois o CP adotou o sistema conhecido como Sistema das Penas Relativamente Indeterminadas.
Há dois sistemas de aplicação de pena:
Sistema de penas relativamente indeterminadas: trabalha com pena que varia do mínimo ao máximo em abstrato, permitindo ao juiz individualizar a pena no caso concreto (há uma margem para consideração judicial). Sistema adotado pelo Brasil. Ex: art. 121, CP - pena de 6 a 20.
Sistema de penas fixas: não admite quantificação, as penas são predeterminadas, não havendo balizas. Nesse caso não é possível a individualização da pena, violando o princípio ora estudado.
Assim, esse princípio foi um dos fundamentos utilizados pelo STF para declarar a inconstitucionalidade do regime integralmente fechado, por entender que o juiz não poderia individualizar a pena. Rogério Sanches discorda de tal posicionamento por entender que viola outros princípios, mas não este.
O princípio da proporcionalidade é princípio constitucional implícito extraído da individualização da pena.
Significa que a pena deve ser proporcional à gravidade da infração penal, meio proporcional ao fim perseguido com a aplicação da pena, meio proporcional à prevenção especial e à retribuição.
A pena, para cumprir adequadamente a sua função (prevenção, retribuição e ressocialização), deve ajustar-se de acordo com a relevância do bem jurídico tutelado, sem desconsiderar as condições pessoais do agente. Deve haver proporcionalidade na criação de tipos penais e também na aplicação da dosimetria da pena-base.
Nasce com esse princípio, o Princípio da Suficiência das Penas Alternativas.
O Princípio da Suficiência da Pena Alternativa leciona que, se para atingir as finalidades da prevenção, retribuição e ressocialização, bastar apenas a aplicação de pena alternativa, deve-se evitar a pena privativa de liberdade.
Com vistas neste novo postulado, o STF vem admitindo penas restritivas de direitos a crimes hediondos (HC 84928 STF).
EMENTA: SENTENÇA PENAL. Condenação. Tráfico de entorpecente. Crime hediondo. Pena privativa de liberdade. Substituição por restritiva de direitos. Admissibilidade. Previsão legal de cumprimento em regime integralmente fechado. Irrelevância. Distinção entre aplicação e cumprimento de pena. HC deferido para restabelecimento da sentença de primeiro grau. Interpretação dos arts. 12 e 44 do CP, e das Leis nos 6.368/76, 8.072/90 e 9.714/98. Precedentes. A previsão legal de regime integralmente fechado, em caso de crime hediondo, para cumprimento de pena privativa de liberdade, não impede seja esta substituída por restritiva de direitos. (HC 84928, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Primeira Turma, julgado em 27/09/2005, DJ 11-11-2005 PP-00029 EMENT VOL-02213-2 PP-00381 RB v. 18, n. 506, 2006, p. 32-34 LEXSTF v. 28, n. 326, 2006, p. 430-437).
Assim, não se pode mais pensar no Princípio da Proporcionalidade apenas evitando os excessos. Ele deve ser visto sob 2 enfoques:
1º) Hipertrofia da Punição: o princípio da proporcionalidade serve para evitar excessos.
2º) Evitar Impunidade: o princípio da proporcionalidade serve para evitar a intervenção insuficiente do estado.
Esse 2º enfoque também é chamado de “imperativos de tutela”. Nesse sentido, o STF, na ADI 3112, decidiu:
“Os direitos fundamentais não podem ser considerados como proibições de intervenção, expressando também um postulado de proteção. Pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição de excesso, mas também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente, ou imperativos de tutela”.
Ex.1. Lei de Abuso de Autoridade (Lei 4898/65). No Brasil, o crime de abuso de autoridade é uma infração de menor potencial ofensivo. É uma clara insuficiência da intervenção estatal, enaltecendo a impunidade.
Art.6, § 3º. A sanção penal será aplicada de acordo com as regras dos artigos 42 a 56 do Código Penal e consistirá em:
a) multa de cem a cinco mil cruzeiros;
b) detenção por dez dias a seis meses;
c) perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo até três anos.
Ex.2. Art. 319-A, CP. A prevaricação cometida por Diretor de Penitenciária ao permitir a entrada de celular no estabelecimento é punida com uma pena mínima (crime de menor potencial ofensivo), enaltecendo a impunidade.
Art. 319-A. Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo:
Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
Pelo princípio da inevitabilidade da pena entende-se que, desde que presentes os seus pressupostos, a pena deve ser aplicada e fielmente cumprida.
No entanto, esse princípio comporta exceções. Há casos em que, mesmo que os pressupostos estejam presentes, a pena não é aplicada e cumprida. Ex. Perdão judicial (art. 107, IX, CP).
A essas exceções a doutrina chamou de Princípio da Bagatela Imprópria.
Pelo princípio da bagatela imprópria, apesar do fato ser típico, ilícito e culpável, exclui-se o direito de punir (não há punibilidade), pois a pena é desnecessária mesmo que diante de relevante lesão ao bem jurídico. Ex. Pai que em um acidente culposo de trânsito mata o filho (perdão judicial).
A Bagatela Imprópria não se confunde com a Bagatela Própria, também denominada de Princípio da Insignificância, pois nesta exclui-se o fato típico, diante da irrelevância da lesão ao bem jurídico.
Princípio da Bagatela Própria |
Princípio da Bagatela Imprópria |
O fato é insignificante. O fato é atípico (exclui tipicidade material). O fato não gera relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. |
O fato é significante. O fato é típico, ilícito e culpável. O fato gera relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. Apesar disso, não há interesse de punir. A pena é desnecessária. |
É possível visualizar o princípio da bagatela imprópria no caput do art. 59, CP:
Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime (...).
Este princípio subdivide-se em dois subprincípios:
a) Princípio da Humanidade das Penas
São proibidas penas cruéis, desumanas e degradantes.
b) Princípio da Proibição da Pena Indigna
A ninguém pode ser imposta pena ofensiva à dignidade da pessoa humana.
Ex. Não é possível a aplicação de penas que ridicularizem ou humilhem a pessoa.
Se, por um lado, o crime jamais deixará de existir no atual estágio da Humanidade, por outro, há formas humanizadas de garantir a eficiência do Estado para punir o infrator, corrigindo-o, sem humilhação, com perspectiva de pacificação social.
Segundo o princípio da alteridade, não há crime na conduta que prejudica somente quem a praticou, que não transcenda a esfera individual do autor e seja capaz de atingir o interesse do outro (altero).
Todos devem esperar por parte das demais pessoas comportamentos responsáveis e em consonância com o ordenamento jurídico. Agindo assim, e ocorrendo fatos além do dever concreto que lhe é exposto, há a exclusão da responsabilidade.
Os tipos penais devem definir fatos (direito penal do fato) e não estereotipar autores (direito penal do autor). Obs. A reincidência como agravante genérica não manifesta resquício de direito penal do autor, pois se constitui em elemento que representa maior reprovação da conduta.
O art. 1º, CP dispõe que “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.
A doutrina passou a questionar qual princípio estaria previsto nesse dispositivo.
1ª corrente: adota o princípio da legalidade como sinônimo do princípio da reserva legal.
2ª corrente: entende que o art. 1º adotou o princípio da reserva legal, que toma a expressão “lei” no seu sentido estrito, abrangendo somente lei ordinária e lei complementar. Para eles, princípio da legalidade não se confundiria com princípio da reserva legal, pois o primeiro toma a expressão “lei” em sentido amplo, abrangendo todas as espécies normativas do art. 59, CF.
3ª corrente: defende ter o art. 1º, CP, adotado o princípio da legalidade, porque esse princípio constitui-se na junção da reserva legal com a anterioridade. Essa é a corrente que prevalece.
O princípio da legalidade constitui uma real limitação ao poder estatal de interferir na esfera de liberdades individuais. Ele está previsto no art. 5º, XXXIX, CF, art. 1º, CP, art. 9º, Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto San José da Costa Rica) e art. 22, Estatuto de Roma.
Pelo princípio da reserva legal ou da estrita legalidade entende-se que delitos (crimes e contravenções) e penas devem ser criados exclusivamente por lei (entendida lei no sentido formal e material).
Obs. Mandados de criminalização são matérias que a CF obrigou ao legislador penal que legislasse.
O princípio da anterioridade ensina que o crime e a pena devem estar definidos em lei prévia ao fato cuja punição se pretende. A lei penal só produz efeitos com sua entrada em vigor, isto é, depois de publicada e cumprida a vacatio legis.
O princípio da legalidade possui 3 fundamentos:
a) Fundamento Político
É a exigência de vinculação do Poder Executivo e do Poder Judiciário a leis formuladas de forma abstrata. Esse fundamento impede o poder punitivo com base no livre-arbítrio.
b) Fundamento Democrático
É o respeito ao princípio da divisão de poderes. O Parlamento, representante do povo, deve ser o responsável pela criação de crimes.
Ex. Admitir criação de crime por medida provisória fere o princípio democrático.
c) Fundamento Jurídico
Está baseado no fato de que uma lei prévia e clara produz importante efeito intimidativo.
O princípio da legalidade é o somatório do princípio da reserva legal com o princípio da anterioridade.
No sentido desse somatório, o art. 3º do CP Militar foi recepcionado apenas em parte pela Constituição Federal, pois trata da necessidade de lei, porém omite a necessidade de ser essa lei anterior aos fatos (respeita a reserva legal, mas ignora a anterioridade).
O princípio da legalidade é uma garantia do cidadão, que deve ser efetiva e não apenas simbólica, de forma que sete pontos devem ser observados:
a) Não há crime sem lei
O art. 5º, XXXIX, CF, e o art. 1º, CP, se valeram da expressão “crime” e a lei de contravenções penais nada dispôs quanto ao princípio da legalidade.
Apesar disso, a criação de uma contravenção penal não pode ocorrer por outro meio que não seja lei, pois pelo princípio da reserva legal, qualquer delito deve ser criado por lei e delito engloba crime e contravenção penal.
“Lei” deve ser entendida em sentido estrito, abrangendo lei ordinária e lei complementar (em regra, lei ordinária, a complementar somente é possível nos casos de delegação de competência pela União aos estados).
Isso significa que medida provisória não pode criar crime ou cominar pena, pois não é lei, é ato do Executivo com força normativa.
Questiona-se, todavia, a possibilidade de medida provisória criar direito penal não incriminador, isso é, se pode, por exemplo, abolir crime, criar uma causa extintiva da punibilidade, beneficiar alguém. Nesse sentido, há duas correntes:
1ª Corrente: Existe vedação legal disposta no art. 62, §1º, I, “b”, CF. Esse dispositivo proíbe medida provisória versando sobre direito penal, incriminador ou não. Essa corrente é defendida por Marcelo Novelino e Cleber Masson.
2ª Corrente: Não existe vedação legal. A CF somente vedou medida provisória em matéria relativa a direito penal incriminador, admitindo em direito penal não incriminador. Ex. MP que extingue punibilidade.
Há que se observar que a atual redação do art. 62, §1º, I, “b”, CF, foi dada pela EC nº 32/01. Antes dessa alteração, o STF, no RE 254.818/PR, discutindo os efeitos benéficos trazidos pela medida provisória 1571/97, que permitiu o parcelamento dos débitos tributários e previdenciários, com efeitos extintivos da punibilidade, proclamou sua admissibilidade em favor do réu. Após a alteração, o STF manteve seu posicionamento ao analisar a medida provisória que obstou de 2003 a 2009 a incidência do crime previsto no art. 12 do Estatuto do Desarmamento (crime de posse irregular de arma de fogo), concedendo prazo para regularização. Assim, o STF entende que a expressão “direito penal” é apenas o incriminador, que não abrange o direito penal não incriminador.
Lei Delegada não pode versar sobre direito penal por haver dois obstáculos: (i) por ser direito penal matéria exclusiva do Congresso Nacional e (ii) por se tratar de direitos individuais (art. 68, §1º, CF).
Resolução do TSE também não pode criar crime nem culminar pena.
b) Não há crime sem lei anterior
Não basta a existência de lei, ela deve ser anterior aos fatos que se busca incriminar. Essa expressão assegura o princípio da anterioridade, bem como veda a retroatividade maléfica.
Admite-se, todavia, a retroatividade benéfica, que é, inclusive, fomentada pela CF.
c) Não há crime sem lei escrita
Por essa premissa veda-se o costume incriminador, mas é possível o costume interpretativo.
d) Não há crime sem lei estrita
Veda-se a analogia incriminadora. É possível, contudo, analogia em benefício do réu (analogia in bonan partem).
e) Não há crime sem lei certa
Está-se diante do princípio da taxatividade ou princípio da determinação ou mandado de certeza, que exige clareza nos tipos penais. O tipo penal tem que ser de fácil compreensão, pois sendo ambíguo, poroso, genérico, abre-se margem à arbitrariedade.
Ex. 1: Art. 41-B, lei 10.671 (Estatuto do Torcedor), alterado pela lei 12.299/10 – pune promover tumulto em eventos esportivos. Esse artigo não é claro. A doutrina tem defendido que esse dispositivo fere o princípio da taxatividade.
Ex. 2: Parte da doutrina e STF entende ser o art. 20 da lei 7.170/83 o dispositivo que prevê o tipo penal do terrorismo. Outra parte afirma não haver tipo penal específico incriminador do terrorismo, pois não é possível saber o significado da expressão “ato de terrorismo” prevista no art. 20. Além disso, a pena prevista para esse artigo é de 3 a 10 anos. Razões pelas quais fere o princípio da taxatividade.
f) Não há crime sem lei necessária
Essa disposição é desdobramento lógico do princípio da intervenção mínima.
g) Não há pena sem prévia cominação legal
A lei usou a expressão “pena”, por isso, a doutrina passou a questionar quanto se abrangeria ou não a medida de segurança.
Duas correntes surgiram:
1ª corrente: A palavra “pena” tem sentido amplo, abrangendo todos os tipos de sanção penal, inclusive as medidas de segurança. É a corrente que prevalece na doutrina e jurisprudência.
2ª corrente: Considerando a função meramente terapêutica das medidas de segurança (diferentemente da sanção, que tem caráter punitivo), não estão abrangidas pelo princípio da legalidade.
Como visto, o princípio da legalidade é uma garantia do cidadão, por isso, ao tratar da legalidade é importante que se estude o garantismo penal.
O princípio da legalidade é o pilar do garantismo penal. Garantismo penal, defendido dentre outros por Rogério Grego, compara poder punitivo com as garantias do cidadão. Garantismo é o menor poder punitivo frente ao maior número de garantias. Isso é, a legalidade e seus subprincípios achatam o poder punitivo e dão garantias aos cidadãos. Garantismo é o mínimo de mal estar para o mau cidadão e o máximo de bem estar para o bom cidadão.
3. CONCLUSÃO
Nesse artigo tentou-se abordar, da forma quantitativamente mais ampla possível, os princípios do direito penal. Procurou-se abordá-los sob diferentes prismas e trazer à tona as posições doutrinárias e jurisprudenciais, ora divergentes entre si.
As diferentes possibilidades de agrupar os princípios e as divergentes posições da doutrina e jurisprudência, continuamente mutáveis, apontam para a necessidade de sempre revisitar o tema princípios do direito penal, basilar deste ramo do direito.
Assim sendo, observa-se que os princípios estão em constante movimento, ou seja, em constante desconstrução e reconstrução pelos atores que dão vida ao direito penal. Nesse diapasão, encontra-se também em movimento o próprio direito penal, porquanto, quando os princípios (a base do direito penal) são reconstruídos, reconstrói-se consequente e necessariamente o direito penal.
REFERÊNCIAS
- GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal - parte geral. Rio de Janeiro. IMPETUS – 2006
- MASSON, Cleber. Direito Penal - Parte Geral. Vol. 1. 7ª ed. Método – 2013
- MONTEIRO DE BARROS, Flávio Augusto. “Direito Penal – Parte Geral”.São Paulo. Saraiva – 2011
- SANCHES Cunha, Rogério. “Manual de Direito Penal - Parte Geral”. Volume único - 3a ed.: Rev. amp. e atualizada. JusPodivm – 2015
[1] Maiores informações sobre tal debate vide http://marchadamaconha.org/ .
Advogado. Graduado pela Universidade Estadual de Feira de Santana-BA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, João Alexandrino de Macedo. Os princípios do Direito Penal e suas constantes atualizações Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 out 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45273/os-principios-do-direito-penal-e-suas-constantes-atualizacoes. Acesso em: 22 nov 2024.
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