Resumo: O presente estudo acadêmico aborda a temática da filosofia da linguagem sob a perspectiva da construção de mundo do poder simbólico de Pierre Bourdieu e as proposições lógicas de Wittgenstein.
Através da obra O poder simbólico de Pierre Bourdieu refere-se a dominação e principalmente a forma como se dá; através do poder simbólico. Estes seriam: mito, linguagem, ciência e arte. São considerados como símbolos do poder, por serem instrumentos de conhecimento e de construção do mundo e da realidade. Os símbolos contribuem para a reprodução da ordem social[1].
Para Bourdieu, a descoberta da fonte de poder, encontra-se onde menos é permitido ver. Para seguir suas fontes, é necessário contemplar os lugares ignorados, contudo reconhecidos onde lá se encontra a fonte simbólica do poder. O poder invisível é exercido em cumplicidade dos indivíduos indiferentes quanto ao seu exercício. Através dos sistemas simbólicos gera imposição e consequentemente legitimação da dominação de uma classe sobre outra (violência simbólica, ou o que Weber chama de “domesticação dos domesticados”). O que faz o poder das palavras e das palavras o poder de ordem. Poder de manter a ordem ou de subverter a ordem é a crença na legitimação das palavras e daquele que as pronuncia.[2]
A política é um lugar por excelência, da eficácia simbólica, ação que se exerce por sinais capazes de produzir coisas sociais e sobretudo, grupos. Pelo poder dos mais antigos efeitos metafísicos ligados ao simbolismo, a saber, aquele que permite que se tenha tudo que pode ser significado (Deus ou não-ser), a representação política produz e reproduz a cada instante uma forma derivada de argumento do rei calvo na França que é caro aos lógicos: todo enunciado predicativo que tenha como sujeito a classe operária – qualquer que seja dissimula um enunciado existencial (há uma classe operária). De modo mais geral todo enunciado que tem como sujeito coletivo, povo, classe, universidade, escola, estado, supõem resolvido o problema da existência do grupo em questão e encobrem essa espécie de – falsificação da escrita metafísica – que foi possível denunciar no argumento ontológico. O porta-voz é aquele que ao falar em um lugar de um grupo, põe sub-repticiamente, a existência do grupo em questão, institui este grupo pela operação de magia que é inerente a todo ato de nomeação. É por isso que é preciso proceder a uma crítica da razão política intrinsecamente dada abuso de linguagem, que são abusos de poder
Em uma ilustração bastante objetiva; desfragmentaremos a forma como se alcança a dominação via poder silencioso e discreto dos símbolos.
Instrumentos de Poder
↓
Símbolos
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Arte/ciência/religião/linguagem
↓
Instrumentos de conhecimento
↓
Construção de mundo
↓
Consenso
↓
Hegemonia
↓
Dominação
Wittgenstein famoso por suas obras tratarem da área de conhecimento filosófica – especificamente da linguagem. Sua vida acadêmica é marcada por duas fases: Tratactus logico-philosophicus e em seguida Investigações filosóficas.
Na primeira fase é caracterizada pela concepção tractariana da linguagem, constituida por: a teoria da figuração proposicional; a teoria da função da realidade; e a doutrina do dizer e do mostrar[3].
A teoria da proposição é uma figuração da realidade. Como proposição possui necessariamente vários componentes para identificar a realidade figurada. Elementos simples, ou signos, que preenchem as proposições elementares são os nomes das coisas: “Com efeito, se as proposições representam estado de coisas, elas estão em relação interna com esses stados de coisas que representam, vale dizer, a estrutura interna da proposição relacionando-se com a estrutura interna dos estados de coisas[4].”
Já teoria da função de valores de verdade está ligada a teoria da figuração. Contudo, o que a distingue é afirma que o valor de verdade de uma proposição é determinada pelos seus componentes estes ou são tautológicos ou são contraditórios: Pois, apesar de não expressarem pensamentos, enquanto proposições da lógica, as tautológicas mostram as propriedades (lógicas) formais da linguagem e do mundo[5].". Outra distinção é que esta teoria procura estabelecer o modo como a linguagem está estruturada. Já a primeira teoria busca a função principal da linguagem.
Resta a teoria do mostrar e do dizer. O ponto principal é a teoria do que pode ser "dito" pelas proposições. Mas não pode ser demonstrado. Wittgenstein observa que esse é o principal problema da filosofia. "Assim as chamadas proposições lógicas '‘mostram’' as propriedades lógicas da linguagem e por isso do universo, mas não “dizem” nada[6]'.
Já na segunda fase de específico autor. Este abandona totalmente a ideia de que a linguagem seja sustentada por algum tipo de essência metafísica transcendental, afirmando ainda que o que está oculto não nos interessa. Na obra Investigações filosóficas o autor faz uma analogia interessante de que a linguagem pode ser associada as regras de um jogo. Ainda que haja uma variedade de jogos, a essência é a mesma. Ter um objetivo: comunicar-se – eis a finalidade. E para obter tal objetivo, é necessário compreender as regras e jogar de acordo com elas. Porque é através das regras que o receptor da mensagem terá seus critérios para codificar a mensagem. A utilização da palavra depende não do seu signo a priori, mas do contexto em que ela é utilizada.
Portanto, para o segundo Wittgenstein, aprender a significação de uma expressão não se restringe a denominar objetos, mas principalmente a operar através de regras gramaticais, as expressões que constituem as significações, isto é, aprender a significação de uma expressão é aprender a operar com regras gramaticais. Nesse sentido, cada mudança de regra implica a mudança de significação, pois a mudança de regra acarreta a mudança no uso, e é só o uso que constitui a significação[7].
O autor abandona de vez a busca da metafísica pela linguagem. Pois a lógica não representa uma essência metafísica. A lógica é encontrada em uma variedade de jogos. A lógica está presente na gramática e para a operacionalização da lógica se dar não passa pelo âmbito ontológico (o que é linguagem). A lógica que possibilita as regras da linguagem surge tão somente do consenso dos jogadores do jogo.
O jogo de cartas é um excelente exemplo para associar com a linguagem. No jogo, os participantes precisam entender o valor de cada carta. Além do momento de jogar. Antes de haver um vencedor ou perdedor no jogo; há o consenso racional de suas regras e da forma como deve ser jogado. A expressão "cartas na manga", significa trapaça na linguagem popular. Em outras palavras, quando um indivíduo burla as regras para se beneficiar no jogo, este está utilizando se excedendo na jogatina, e consequentemente, na linguagem. Pertinente lembrar, pela citação supramencionada de Bordieu: abuso de linguagem é abuso de poder[8].
Se possível fazer uma associação entre o jogo das regras de linguagem de Wittgenstein com as teorias de Kelsen (interpretação autêntica) e Habermas (Agir comunicativo). Provavelmente, podemos concluir que no jogo de Kelsen não é democrático. É um jogo considerado excludente, pois, ainda que se tenha um entendimento sobre o ordenamento jurídico positivo e a partir dele desenvolver uma interpretação adversa considerando que o fato de não ter a competência destinada de quem pode interpretar (interpretação não-autêntica). Logo, não é um jogo participativo, mas um jogo de obediência. Nesse jogo apenas é pedido que seja compreendido a interpretação vinculadora – que cria direito.
Na associação de Habermas (agir comunicativo) com o jogo de Wittgenstein - é possível, enfim, concluir que na teoria do referido autor, certamente o jogo é participativo. Implicando que o jogo de linguagem é estruturador na medida em que preocupa-se em operacionalizar a efetiva participação de todos que jogam na democracia. Proliferando assim, a linguagem com o poder. Como visto anteriormente: abuso de linguagem é abuso de poder. E segundo a teoria de Habermas: efetivar maior participação de linguagem possível.
Até então, foi discutido sobre linguagem. Contudo, até agora, a linguagem foi tratada mediante estruturalismo e formalismo. Conveniente, portanto, invocar a outra filósofa da linguagem Julia Kristeva em sua obra a história da linguagem. A autora além da busca ontológica da linguagem (o que é a linguagem), ela finalmente propõe outra premissa: "como a linguagem deve ser pensada[9]"
A língua é a parte social da linguagem, no caso, é um sistema autônomo de signos combinados por leis específicas. A conclusão da autora sobre a emissão e recepção da linguagem é pertinente ao presente trabalho acadêmico:
Cada sujeito é simultaneamente o destinador e o destinatário da sua própria mensagem, visto que é capaz de ao mesmo tempo emitir uma mensagem decifrando-a, e em princípio não emite nada que não possa decifrar. Assim, a mensagem destinada ao outro é, num certo sentido, a mensagem destinada em primeiro lugar ao mesmo que fala: donde se conclui que falar é falar-se[10].
O sentido que Kristeva utiliza se referir sobre o emissor e receptor da mensagem. Finalmente conclui que o sentido está da linguagem está em constante construção. Pois no momento em que a mensagem alcança o receptor, talvez este não compreenda perfeitamente sua forma original. Por isso que ninguém é o real proprietário daquilo que emite. “Essa contínua modificação estrutural ocorre na unidade a cada momento, ou como uma alteração desencadeada por interações provenientes do meio onde ela se encontra ou como resultado de sua dinâmica interna[11].”.
O significado de que o emissor e o receptor devem estar em uma contínua dinâmica remete ao agir comunicativo de Habermas ao induzir que o cidadão deve ser o criador e destinatário da sua própria norma. Associando ao sentido de Kristeva; é necessário, para alcançar os fins que Habermas pretende atingir: um processo constante e dinâmico.
Ainda sobre a proposição: "como a linguagem deve ser pensado", isso coincide com a obra de Bobbio, da estrutura à função. O autor ao preocupar-se com novas técnicas de controle social. Afirma que todo instituto jurídico deve ter uma função social. Não basta o positivismo preocupar-se apenas com uma sistemática estrutura. É preciso pensar em sua finalidade pragmática.
Em poucas palavras, aqueles que se dedicaram à teoria geral do direito se preocuparam muito mais em saber "como o direito é feito" do que "para que o direito serve". A consequência disso foi que a análise estrutural foi levada muito mais a fundo do que a análise funcional [...] A estrutura específica do ordenamento jurídico desempenha uma função específica que é assegurar certeza, mobilidade e eficácia ao sistema normativo. Entretanto, permanece o fato de que aquilo que caracteriza os ordenamentos normativos que de hábito denominamos jurídicos precisamente o modo pelo qual são "estruturado[12]".
Feito a devida colocação de Bobbio. Podemos fazer uma crítica à teoria pura do direito pela preocupação exuberante de sua estrutura e não de sua função. A preocupação excessiva na ontologia da norma jurídica e dos seus conceitos normativos: "A análise estrutural permite desmascarar tomadas de posição política que se alojaram nos conceitos tradicionais aparentemente neutros da ciência do direito[13]"
O agir comunicativo, tendo como critério o que Bobbio afirma sobre a estrutura, a tese de Habermas também recebe sua devida crítica. Afinal, a preocupação com a participação é tão somente estruturante travestida de pragmatismo. No entanto, o problema segundo Bobbio não é a estrutura, mas a finalidade. A sua função deve ser clara e objetiva para qualquer destinatário da norma.
É certo que o Direito é escravo da linguagem[14]. E quando se propõe: “como a linguagem deve ser pensada”, logo: “como o direito deve ser processado”. Pois a existência do direito faz parte da linguagem. E se houver algum critério em como efetivar o direito; certamente transcende ao estruturalismo jurídico. Há um ditado popular: "O sábio aponta para a lua, o tolo olha para o dedo". Precisamente, o que os juristas tendem a fazer é promulgar uma formalidade excessiva. A forma finalística parece esquecida entre os acadêmicos jurídicos.
Sobre o distanciamento da realidade pelo formalismo e tecnicismo. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira conduz a seguinte linha de pensamento: a pretensão de criar o direito descomprometida com qualquer cultura e realidade social:[15]
É importante observar, contudo, que essa compreensível exacerbação conceitual do processualismo acabou gerando consequências indesejáveis. Se, de um lado, o direito processual civil ganha em precisão e refinamento, de outro, resta fragilizado e seu relacionamento com o direito material e do direito processual acabou comprometendo a finalidade central do processo – servir à realização do direito material com justiça. O radical distanciamento do direito processo civil da realidade social produziu um processo incapaz de evoluir junto com os fatos sociais. Nota-se que a ciência processual axiológica inerente a esse momento da ciência jurídica alemã. Em outros termos, a ciência do direito intentou em fazer uma ciência processual atemporal, infensa à história, descomprometia com a cultura.
Carlos Alberto Alvaro de Oliveira desenvolveu a tese do formalismo-valorativo. É justamente um contraponto para combater o formalismo oco, vazio, inócuo. Um dos pontos marcantes da tese é a adaptabilidade procedimental: fungibilidade dos atos judiciais para as partes. O que importa é o fim do ato, e não a formalidade ou o excesso de rigorosidade. A forma finalística é o principal direcionamento do formalismo-valorativo. Pois se a forma é oca, vazia; o que interessa é o conteúdo não o nome do ato processual, servindo assim as finalidades essenciais no processo.
Referências:
BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos da teoria do direito. Barueri: Manole, 2007
BOURDIEU, Píerre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 1989
CALMON DE PASSOS, J. J. Instrumentalidade do processo e devido processo legal. Revista de processo, v. 102, São Paulo, 2001
CONDE, Mauro Lúcio Leitão. Wittgenstein - linguagem e mundo. São Paulo: Annablume, 1998
KRISTEVA, Júlia. A história da linguagem. Lisboa. Edições 70. 2003
MATURNA. Humberto. A árvore do conhecimento. As bases biológicas da compreensão humana. São Paulo: Palas Athenas, 2006
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo no processo civil: proposta de um formalismo-valorativo. 4 ed. rev. São Paulo: Saraiva. 2010
[1] BOURDIEU, Píerre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 1989, p.10
[2] Ibidem, p. 14
[3] CONDE, Mauro Lúcio Leitão. Wittgenstein - linguagem e mundo. São Paulo: Annablume, 1998, p. 51
[4] Ibidem, p; 54
[5] Ibidem, p; 59
[6] Ibidem, p. 60
[7] Ibidem, p.112
[8] BOURDIEU, Píerre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 1989, p. 74
[9] KRISTEVA, Júlia. A história da linguagem. Lisboa. Edições 70. 2003, p. 15
[10] Ibidem, p. 18
[11] MATURNA. Humberto. A árvore do conhecimento. As bases biológicas da compreensão humana. São Paulo: Palas Athenas, 2006, p. 86
[12] BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos da teoria do direito. Barueri: Manole, 2007, p. 54
[13] Ibidem, p. 56
[14] CALMON DE PASSOS, J. J. Instrumentalidade do processo e devido processo legal. Revista de processo, v. 102, São Paulo, 2001, p. 65-66
[15] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo no processo civil: proposta de um formalismo-valorativo. 4 ed. rev. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 18
Advogado. Especialista em direito civil e empresarial pela UFPE e especialista em Filosofia e teoria do direito pela PUC-MINAS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VASCONCELLOS, Steel Rodrigues. A linguagem, o Direito e o poder simbólico: uma análise sobre a filosofia da linguagem Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 out 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45320/a-linguagem-o-direito-e-o-poder-simbolico-uma-analise-sobre-a-filosofia-da-linguagem. Acesso em: 26 nov 2024.
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