JORGE AFONSO NEVES ANAICE: Docente Especialista do curso de Direito da Faculdade Estácio de Macapá
RESUMO: No ordenamento jurídico pátrio é notória a garantia de inadmissibilidade de provas ilícitas, entendimento este previsto no artigo 5º, LVI, da Constituição Federal e artigo 157, caput, do Código de Processo Penal, no presente artigo, busca-se analisar os institutos da prova que viola direito individual, gravações clandestinas e principio da proporcionalidade, um estudo baseado na análise doutrinária e jurisprudencial sobre a admissibilidade de gravações clandestinas no processo brasileiro.
Palavras chave: Provas, gravações clandestinas, principio da proporcionalidade
ABSTRACT: The national law is notoriously inadmissible assurance illegal evidence, understanding that provided to Article 5º, LVI, the Federal Constitution and article 157, caput, the Criminal Procedure Code, this article seeks to analyze the evidence of the institutes which violates individual rights, clandestine recordings and principle of proportionality, a study based on doctrinal and jurisprudential analysis of the admissibility of clandestine recordings in the Brazilian process.
KEYWORDS: Evidence, clandestine recordings, principle of proportionality.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por escopo o estudo das provas que violam direito fundamental individual, sendo este direito, uma das diversas proteções a dignidade da pessoa humana no ordenamento jurídico pátrio, consagrado pela Constituição Federal de 1988.
Com isso, o presente estudo irá abordar mais precisamente o esclarecimento de gravações clandestinas e principio da proporcionalidade no processo brasileiro, dando enfoque prioritário à questão da admissibilidade de tais provas.
No debate envolvendo o direito a prova, surge a questão da violação do direito individual a intimidade quando se é obtida uma conversa clandestinamente por um dos interlocutores, seja a gravação clandestina propriamente dita ou a gravação ambiental.
O art. 5º, LVI, da Constituição Federal veda a utilização de provas obtidas por meios ilícitos, quando estas violam normas do ordenamento jurídico brasileiro. Assim é porque a própria Carta Magna consagrou como direitos fundamentais do cidadão outras garantias como a inviolabilidade das mais variadas formas de comunicação, da intimidade, da privacidade, de seu domicílio, por exemplo.
É nesse contexto, que se busca esgotar o estudo a cerca da gravação clandestina, que inicialmente é a gravação feita por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro e todas as suas peculiaridades, o esclarecimento a cerca da gravação telefônica (propriamente dita) e da gravação ambiental, a diferenciação destas gravações com as interceptações de uma forma geral.
Por todo o exposto, o objeto do presente artigo é destacar as principais questões envolvendo os institutos ora apresentados, desmistificando o caráter violador da intimidade das gravações clandestinas, com respeito ao tema, ressaltar a evolução jurisprudencial brasileira sobre a aceitabilidade do principio da proporcionalidade nos casos relacionados com as gravações.
1 BREVE CONTEXTO HISTÓRICO DO DIREITO À PROVA
Desde os tempos mais primórdios o direito sempre foi um elemento de controle da vida social estando em uma evolução constante até nos dias atuais, possuindo o estado a capacidade de jurisdição (dizer o direito).
Neste contexto, o direito de provar, constitui o resultado de uma evolução intelectual da sociedade passando por diferentes fases.
Em um primeiro momento, via-se o sistema étnico, ficando as provas ao sabor das impressões do juiz, que as aferia de acordo com sua própria experiência, num sistema empírico. Mirabete (2007).
Por conseguinte, as provas eram buscadas através de superstições, era uma legislação que buscava explicação no julgamento divino, neste sentido:
a lei era a própria religião e esta influía decisivamente sobre a conduta dos homens e da própria coletividade, nada mais natural e explicável tivesse a religião atuação imperativa nas decisões dos litígios entre os particulares ou entre eles e a sociedade. Santos (1999, p. 24)
Esse método é visto com repugnância nos dias atuais, pois as pessoas que eram submetidas a essas situações, não tinham como provar sua inocência.
Havia prova da água fria: jogado o indiciado à água, se submergisse, era inocente, se viesse a tona seria culpado [...] A do ferro em brasa: o pretenso culpado, com os pés descalços, teria que passar por uma chapa de ferro em brasa. Se nada lhe acontecesse, seria inocente; se se queimasse, sua culpa seria manifesta[...]. Pacelli (2014. P 328)
Posteriormente, chegou-se ao momento em que o sistema era o legal ou tarifado, segundo o qual o julgador deve decidir com o que tem no processo, não tendo liberdade de apreciação de prova.
A decisão do julgador deveria estar vinculada a critérios predefinidos no ordenamento jurídico, ausente, portanto, qualquer liberdade de avaliação de prova. Inobstante a desvantagem desse sistema, na medida em que condicionava a decisão do julgador à autoridade do soberano ou da igreja, a verdade é que apenas com o seu surgimento é que o direito passou a ter regras especificas de avaliação das provas. Ávena (2012, p. 445).
Com a evolução do processo a partir do século XVIII, as investigações se preocupavam com a reconstrução de fatos para assim garantir a segurança jurídica para posterior condenação. Ademais, ao longo dos tempos, estes sistemas foram se desenvolvendo em conjunto com a sociedade até se chegar no sistema do livre convencimento (persuasão racional) que se torna efetivamente conhecido a partir do código Napoleônico. Segundo esse critério, embora possua o juiz liberdade na aferição das provas, esta não é irrestrita. Além disso, obriga o julgador a fundamentar as razões do seu entendimento. Ávena (2012).
Por fim, tem-se o sistema da intima convicção, que surgiu em determinado momento, onde o juiz decide independentemente de fundamentação.
Com efeito, enquanto no livre convencimento o juiz decide (intimamente) e depois tem que motivar a sua decisão, na intima convicção o juiz decide (intimamente) sem a necessidade de exteriorizar as razões de sua convicção. Ávena (2012). Importante ressaltar que este sistema não é adotado como regra no ordenamento jurídico pátrio, porém, é utilizado pelos jurados nos julgamentos feitos pelo Tribunal do Júri.
Por tudo isso, atualmente o código de processo penal em seu artigo 381, III, o juiz deve fundamentar sua decisão. Com isso, o sistema do livre convencimento motivado é o adotado no Brasil contemporâneo, pois a autoridade judicial e livre para apreciar provas, desde que seja de forma fundamentada, produzida em contraditório judicial.
O juiz é livre na forma de se convencer, ele pode optar livremente por qualquer critério de valoração probatória existente e admitido no processo.
A liberdade quanto ao convencimento não dispensa, porém, a sua fundamentação, ou a sua explicação. É dizer: embora livre para formar o seu convencimento, o juiz deverá declinar as razões que o levaram a optar por tal ou qual prova, fazendo-o com base em argumentação racional, para que as partes, eventualmente insatisfeitas, possam confrontar a decisão nas mesmas bases argumentativas. Pacelli (2014, p. 340).
2 CONCEITO DE PROVA
O significado de prova vem do latim probatio, que significa confirmação, reconhecimento, verificação, derivando do verbo probare. Entende-se, assim, como a apresentação que se faz, pelos meios legais, da existência de um ato ou fato, em virtude do qual pode se aferir certeza ou não sobre determinado caso.
Prova no Processo Penal Brasileiro tem o condão de formar a convicção do Juiz para que o nobre julgador aplique o direito correspondente, é o conjunto de elementos produzidos pelas partes visando o convencimento do juiz quanto aos atos, fatos e circunstâncias do caso concreto.
Esse caráter auxiliar da prova é característica marcante do processo penal, afinal a prova é a produção de um estado de certeza. Mirabete (2007).
Com isto, a importância do valor probatório para um julgamento justo e com segurança jurídica é de muita relevância, sendo um caráter de verdadeira salvaguarda das normas e preceitos jurídicos de todo o ordenamento pátrio.
Prova é o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz e por terceiros destinados a levar ao magistrado a convicção a cerca do fato. Capez (2014).
Diante disto, o objetivo da prova judiciária são os fatos da causa, os fatos deduzidos pelas partes como fundamento da ação.
Nesta toada, a produção da prova objetiva auxiliar na formação do convencimento do juiz quanto a veracidade das afirmações das partes. Mirabete (2007).
Sendo assim, não resta duvida que a prova é o instrumento pelo qual se tem o contraditório e a ampla defesa, legitimando o juiz para uma decisão que garanta a jurisdição e acima de tudo a segurança jurídica do estado democrático de direito.
3 DAS PROVAS QUE VIOLAM DIREITO FUNDAMENTAL INDIVIDUAL
A incontestável evolução que o direito alcançou é fruto também da grande presença e confirmação dos direitos fundamentais como proteção da dignidade da pessoa humana sendo que o documento adequado e consagrador de tais dispositivos é a Constituição Federal.
No caso do Brasil a preocupação do texto constitucional em dar a devida importância a matéria é nítida e pode ser percebida logo no preâmbulo – que demonstra o propósito de se instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, bem como nas demais normas que apresentam os direitos fundamentais enquanto condições necessárias para a construção e o exercício de todos os demais direitos previstos no ordenamento jurídico. Masson (2014, p. 177).
Há momentos no processo em que o direito à prova, embora esteja garantido na Constituição Federal, como um direito e garantia fundamental, não é absoluto, existem alguns limites, que são verdadeiras barreiras na busca da verdade real, visando a garantia da manutenção de valores constitucionais. Tem-se a necessidade de resguardar determinados direitos e garantias constitucionais para que seja alcançado o fim almejado pela prova.
Sendo assim, no ordenamento jurídico pátrio é previsto que provas que violem direito material e processual são totalmente inadmissíveis. Dentro da sistemática do artigo 5º da Constituição Federal que estabelece diversas regras visando proteger direitos fundamentais, sobressai a vedação ao uso de provas obtidas por meios ilícitos.
As provas ilícitas são colhidas de modo a infringir as normas de direito material e constitucional, sendo as mesmas inadmissíveis no processo, conforme preconiza o art. 5º, LVI, da Constituição Federal: são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.
Neste contexto, importante se fazer a devida colocação referente a provas ilícitas, ilegítimas e ilegais:
As provas ilícitas não se confundem com as provas ilegais e as ilegítimas. Enquanto, conforme já analisado, as provas ilícitas são aquelas obtidas com infringência ao direito material, as provas ilegítimas são as obtidas com desrespeito ao direito processual. Por sua vez, as provas ilegais seriam o gênero do qual as espécies são as provas ilícitas e as ilegítimas, pois configuram-se pela obtenção com violação de natureza material ou processual ao ordenamento jurídico. Moraes (2011, p. 117).
Sendo assim, com a unidade do ordenamento jurídico pátrio qualquer violação a uma norma do sistema jurídico implica infringência a todo o ordenamento, diante desta unidade, deste modo as partes devem conduzir a produção de provas com moral e sem violações aos direitos da intimidade do individuo.
Com isso pode-se afirmar que são totalmente inadmissíveis no processo civil e penal tanto provas ilegítimas quanto ilícitas. Mirabete (1995).
Porém, sabe-se que apesar da Carta Magna dispor sobre vários direitos e garantias fundamentais, alguns são sobrepostos aos outros, tendo em vista a relatividade das normas constitucionais, estes direitos e garantias fundamentais não são absolutos.
Nesta diapasão surge no ordenamento jurídico como um todo uma importante questão, uma prova que resguarda determinado direito fundamental e viola outro direito deve ser utilizada em um processo?
Para a maioria da Doutrina e Jurisprudência a resposta é negativa, pois se verifica que este não é um fator capaz de justificar a utilização de prova ilícita em favor da sociedade, ainda que se trate de única fonte probatória.
Neste entendimento, o sistema brasileiro é imaturo em assegurar efetivamente os direitos e garantias individuais, sendo assim, deve manter-se o critério de absoluta inadmissibilidade probatória. Nucci (2010).
No entanto, quando fala-se em direito fundamental, tem-se que ter em mente o caráter relativo desses direitos, pois, não se tem como pensar em um réu que como única fonte probatória para sua absolvição é a prova ilícita, não ser assegurada a utilização dessa prova, pelo fato de ser viciosa.
Ademais, Segundo análise da jurisprudência pátria, a inadmissibilidade das provas ilícitas é entendimento que vem sendo mitigado em nossos tribunais, sendo o princípio da proporcionalidade o meio a ser utilizado como forma de abrandamento no caso concreto.
Com isso, na atual jurisprudência brasileira, o princípio da proporcionalidade aplica-se em favor do réu, admitindo-se a exclusão da ilicitude em prol do princípio da inocência, do direito de defesa. Com essa ideia, têm-se os julgados:
AÇÃO PENAL. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário provido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Rel. Min. Cezar Peluso (Recurso Extraordinário n. 583937/RJ,)
Sendo assim, admite-se a utilização de provas ilícitas em favor do réu, quando justificadas pelo estado de necessidade ou legitima defesa e sua utilização fica condicionada a esses requisitos.
4 DAS GRAVAÇÕES CLANDESTINAS ESCLARECIMENTOS SOBRE ILEGALIDADE
No Brasil contemporâneo, a utilização de meios eletrônicos de comunicação diariamente, torna a cada dia mais a população de um modo geral suscetível de intromissão indevida em sua vida privada, o que é vedado pela Constituição Federal no seu artigo 5º, inciso X. que dispõe que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”
Diante disto, surge a necessidade de esclarecimentos a cerca de gravações clandestinas (interceptações ambientais lato sensu) no ordenamento jurídico brasileiro. Gravações clandestinas se subdividem em gravação telefônica ou eletrônica (clandestina propriamente dita) e gravação ambiental. Aquela é a captação da conversa telefônica feita por um dos próprios interlocutores da conversa, sem o conhecimento do outro. Esta, por seu turno, é o conceito da gravação aplicada a conversa ambiente, é a captação da conversa ambiente feita por um dos interlocutores da conversa.
Neste sentido a gravação clandestina consiste no ato de registro de conversação própria por um dos interlocutores, feita por intermédio de aparelho eletrônico ou telefônico (gravação clandestina propriamente dita) ou no ambiente de conversação (gravações ambientais). Rabonese (1998).
Sendo assim, a gravação feita clandestinamente não se pode enquadrar no conceito equivocado de interceptação, pois neste há a presença de um terceiro que grava a conversa, naquele a gravação é feita por um dos interlocutores.
Com isto, no presente artigo é notória a preocupação em abordar gravação clandestina de maneira geral, que é a regra em que um dos interlocutores sem conhecimento do outro grava seu diálogo no telefone ou em conversa e ato pessoal.
No tocante a este ponto no ordenamento jurídico pátrio, não existe proteção direta das interceptações ambientais (lato sensu), sendo assim, há uma lacuna formal no que diz respeito a este tema.
Nesta toada:
Em nosso entender, aliás, ambas as situações (gravação clandestina ou ambiental e interceptações consentidas por um dos interlocutores) são irregulamentáveis porque estão fora do âmbito do inciso XII do art. 5º da Constituição e sua licitude, bem como a da prova dela decorrente, dependerá do confronto do direito a intimidade (se existente) com a justa causa para a gravação ou a interceptação, como o estado de necessidade e a defesa de direito. Filho (1996, p. 56)
Nesse contexto, é entendimento consolidado em nossos tribunais pátrios que as formas de registro ambientais não importam, como regra, na violação ao direito à intimidade, pois não são matérias especificadas em legislação constitucional ou infraconstitucional.
Porém, também não se pode ter a ideia de violação como preceito absoluto, há casos em que mesmo com a falta de norma regulamentadora e tutela sobre o tema, há grave violação da intimidade.
Em um primeiro momento, têm-se aqueles casos em que as conversas são realizadas em um ambiente pelo qual se exista expectativa de privacidade, temos como exemplo um escritório profissional, uma casa.
Em outro momento, tem-se o caso da gravação praticada quando viola uma relação de confiança decorrente de relações consolidadas, aqui se viola o dever de sigilo, que pode ser profissional, de ministério, etc.
Sendo assim:
Em ambas as situações impõe-se reputar ilícita a prova resultante das gravações ambientais em virtude de terem sido obtidas mediante traição de confiança, vale dizer, conduta jamais esperada pelo narrador, para quem se gerou sentimento de profunda decepção com a conduta do seu interlocutor. Inclusive, de nada resolveria a existência de ordem judicial autorizando os registros ambientais, tendo em vista que o dispositivo da Constituição Federal afrontado foi o artigo 5º, X. Avena (2011, p. 490)
Com isso, quanto a não possibilidade de utilização de gravação de conversa telefônica clandestina como instituto probatório, o Supremo Tribunal Federal19 acatou como válida a gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro, quando não existe causa de sigilo ou relação profissional.
5 DO PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE APLICADO AOS CASOS DE GRAVAÇÃO CLANDESTINA
O principio da proporcionalidade, constitui verdadeiro juízo de valor probatório, analisando as peculiaridades do caso concreto para encontrar a melhor adequação entre fins e meios, vem consagrado na doutrina Alemã de proporcionalidade.
Com o entendimento pacifico na doutrina e na jurisprudência de que não existem direitos absolutos, a doutrina tem aceitado a aplicação do principio da proporcionalidade para solucionar questões envolvendo conflitos entre normas constitucionais. Assim:
O critério hermenêutico mais utilizado para resolver eventuais conflitos entre princípios constitucionais relevantes, baseia-se na ponderação de interesses, permitindo a aplicação da medida mais adequada possível a um dos direitos em risco, fala-se então em proporcionalidade. Paccelli (2014, p. 374)
Sendo assim, de acordo com estas lições, diversas normas embora regidas pela constituição (intimidade, privacidade), poderão ser violadas quando gravações são feitas sem o conhecimento da pessoa que está sendo gravada.
Porém, estes direitos não são absolutos:
Direito Penal é balanceamento de bens e interesses. Desse modo, se o Magistrado autorizar a violação da intimidade de um traficante de drogas para desbaratar a quadrilha de que faz parte, não há que falar em delito. Entre a tutela da intimidade e o desbaratamento da quadrilha, prepondera este ultimo. Junior (1997, p. 35)
Ademais, no tocante a gravações clandestinas, estas não se encontram regulamentadas em nosso ordenamento jurídico pátrio, o que se tem, são os mais variados entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema.
Inicialmente é oportuno trazer que a primeira concepção de gravação clandestina é aquela que resulta em grave violação do direito a intimidade, no entanto, este valor constitucional não pode ser considerado como absoluto, sendo o principio da proporcionalidade utilizado nestes casos e servindo como base para evitar danos aos direitos de outra pessoa.
Com isso, a análise de invasão de privacidade seria analisada no caso concreto, colocando-se os direitos individuais em confronto e ponderando interesses, sendo este o entendimento de nossos tribunais ao verificar a ocorrência destas situações corriqueiramente.
Portanto, quando se trata de gravação clandestina, estas não são vedadas, pois não se tem regra especifica para esta modalidade. Pode-se ocorrer a violação do direito a intimidade do interlocutor que não sabia da gravação clandestina, neste caso a gravação por si só não possui o caráter da violação, e sim a divulgação do seu conteúdo para terceira pessoa.
A esse respeito:
A gravação em si, quando realizada por um dos interlocutores, que queira documentar a conversa tida com terceiro, não configura nenhum ilícito, ainda que o interlocutor não tenha conhecimento da sua ocorrência. Mas a divulgação da conversa pode caracterizar outra afronta a intimidade, qual seja, a violação de segredo. Grinover (1992, p 148)
Surge então o instituto da justa causa, verdadeiro divisor de águas no estudo proposto, pois havendo este critério relevante a conversa poderá ser revelada e nenhum óbice haverá em sua utilização como prova judicial.
A justa causa aqui referida diz respeito a uma motivação que possa validamente ser reconhecida pelo direito, como é o caso por exemplo, do estado de necessidade, como causa de justificação da conduta tipificada penalmente. Justa causa poderá ocorrer assim, quando a revelação do conteúdo se destinar a provar fato cuja existência seja relevante para a defesa de direito daquele que promoveu a gravação. Pacelli (2014, p. 349).
O pleno do Supremo Tribunal Federal, entendeu não haver violação ao direito a intimidade quando a vitima de um crime grava conversa telefônica com o criminoso para resguardar seu direito, com fundamento utilizado o principio da proporcionalidade. Foi decidido também que é admitida a gravação clandestina como prova para a salvaguarda de um direito, neste sentido o julgado do Supremo:
É lícita a gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, ou com sua autorização, sem ciência do outro, quando há investida criminosa deste último. É inconsistente e fere o senso comum falar-se em violação do direito à privacidade quando o interlocutor grava diálogo com sequestradores, estelionatários ou qualquer tipo de chantagista. Rel. Min. Nelson Jobim (Habeas Corpus n. 753388/RJ)
Diante disto, não há duvidas que as gravações clandestinas no processo penal brasileiro serão admitidas, quando apresentarem justa causa para a sua utilização com a garantia de uso do critério de proporcionalidade adotado pelos tribunais superiores.
Não se tem duvidas que provas ilícitas de uma forma geral são inadmissíveis no processo, provas que violem direitos fundamentais não são admitidas como regra, porem, neste caso, as gravações clandestinas são para provar a violação de outro direito ou garantia fundamental de maior ou igual valor, havendo justa causa para a utilização, estando legitimado o Juiz no caso concreto a fazer a análise e aplicação do instituto.
Nestes casos, o critério hermenêutico proporcional contrapõe a liberdade e a justiça ao direito da intimidade, permitindo que valores mais relevantes do que a intimidade prevaleçam, sendo assim, a utilização de provas ilícitas a favor do réu pode ser utilizada quando for baseada em hipótese de excludente de ilicitude.
Nesta toada, legitima-se como exemplo a interceptação telefônica produzida sem a devida autorização judicial que demonstra a inocência do acusado, esta prova, apesar de ter o caráter legal violado, foi criada como extrema excludente de ilicitude, podendo assegurar a inocência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A constituição federal de 1988 assegura a possibilidade de produção de prova legitimando a liberdade probatória, porém, veda as provas que são obtidas por meios ilícitos. No entanto, existem situações onde a parte tem que utilizar determinada prova, aparentemente ilegal, o que pode acarretar em uma violação ao direito à intimidade.
No presente estudo, não há como assegurar doutrina ou jurisprudência unânime sobre a utilização das gravações clandestinas no processo penal brasileiro, em um primeiro momento temos uma grave violação a intimidade, posteriormente se pensa em que as gravações devem ser analisadas junto ao caso concreto.
O que se pode afirmar ao final deste artigo, é que se tem a necessidade de compatibilizar direitos que se coloquem em conflito, fazer a ponderação de interesses para um melhor resultado social.
Há casos onde a gravação clandestina poderá ser utilizada em beneficio de alguma parte no processo sem ofender o direito a intimidade, nestes casos se torna essencial a análise do julgador no caso concreto, como foi demonstrado no decorrer da discussão, para que o juiz, usando o critério hermenêutico de proporcionalidade possa formar o seu livre conhecimento motivado.
Por tudo isso, a solução adequada para este quadro é a análise do caso concreto, sendo aplicado o principio da proporcionalidade com a análise dos elementos normativos e a proporção dos meios empregados ao fim pretendido, observando os direitos e princípios constitucionais para garantir a segurança jurídica e a paz social.
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Estudante Universitário do Curso de Direito da Faculdade Estácio de Sá.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Italo Ferreira da. Admissibilidade de gravações clandestinas no processo penal - princípio da proporcionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 dez 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45628/admissibilidade-de-gravacoes-clandestinas-no-processo-penal-principio-da-proporcionalidade. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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