A lama que jorrou das barragens de Mariana e soterrou vidas, histórias, meio ambiente e “pavimentou” quase 500 quilômetros de rios produziu uma cena de grande tristeza e devastação, sendo considerada uma catástrofe ambiental que pode ser caracterizada como crime contra a humanidade.
A situação do Vale do Rio Doce, uma região que abrange área equivalente a de um país como Portugal, já era dramática, tendo em vista o descaso ao longo dos séculos, devido à exploração econômica desordenada e a falta de políticas públicas efetivas em conciliar desenvolvimento, sustentabilidade e direitos humanos.
No entanto, não dá para pensar no problema ocorrido como uma mera questão local. A Terra é um todo orgânico e a enfermidade de uma região, sem quaisquer providências, provocará conseqüências maléficas em toda a sua dimensão. Esta catástrofe traz à reflexão a posição do ativista político Argentino e ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1980, Adolfo Pérez Esquivel, que os crimes ambientais precisam ser apreciados como ofensivos à humanidade.
Esquivel argumenta que deveriam ser julgados na Corte Internacional de Haia, afinal, qual diferença entre o assassinato de milhares de civis em um ataque no Afeganistão e a matança de milhares de pessoas por contaminação da água? Morte é morte em qualquer lugar, assim como a fome é terrível e devastadora em qualquer parte do mundo. Conclui o Prêmio Nobel que a contaminação da água e do solo e a destruição da biodiversidade acarretam doenças, pobreza e falta de comida e é preciso acabar com a impunidade para esses crimes.
Está claro que estamos diante de fortes violações aos direitos humanos. Assistindo aos noticiários e aos pronunciamentos recentes dos agentes envolvidos na tragédia, a cena que vem à memória é a do “abraço dos afogados”. Não se sabe muito bem o que fazer ou como e onde se agarrar, porque movimentos bruscos somente levarão cada vez mais para o fundo. A criação de um “conselho de crise” envolvendo técnicos, especialista, governos, empresas, e sociedade local seria uma alternativa para o desenvolvimento de ações contingenciais imediatas, observadas as questões humanas, econômicas e ambientais de cada localidade atingida.
É preciso entender que para o acesso às vantagens do mundo moderno é importante que se estabeleça a ideia de um “jogo”, conforme expõe Janine Ribeiro, onde não se deve mais permitir manter o cenário em que apenas alguns lucram. Os privilégios concedidos sob a máscara modernizante da globalização e da lei do mercado promoveram um modelo de desenvolvimentismo em favor de ricos e contra pobres, onde se dá muito valor ao poder econômico e pouco ou nenhum valor à vida.
Na perspectiva dos direitos humanos esta questão do desenvolvimento e da sustentabilidade não está dissociada de outros temas como a fome, a miséria, o trabalho escravo e a injustiça que atinge a todos, sem distinção de classe, cor, sexo ou idade.
Cumpre trazer à reflexão que em 2014 o Japão foi processado no Tribunal Internacional de Justiça de Haia e sofreu restrição à caça a Baleia na Antártica, justamente por atividade econômica irregular. Ironicamente a denúncia foi feita pela Austrália, país de origem de uma das empresas envolvidas no caso das barragens de Mariana.
E o rio de lama agora chega ao mar.
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