Resumo: Durante anos, a jurisprudência pátria apontava no sentido que a limitação do percentual da taxa de administração cobrado pelas administradoras de consórcio encontrava-se prevista no art. 42 do Decreto 70.951/72. Instado a se manifestar, o STJ rechaçou essa tese e firmou o entendimento de que as administradoras de consórcio são livres para fixar a respectiva taxa de administração, não estando limitado a nenhum percentual específico. Essa orientação do STJ culminou na criação da Súmula 538 do STJ (“As administradoras de consórcio têm liberdade para estabelecer a respectiva taxa de administração, ainda que fixada em percentual superior a dez por cento”). Nosso artigo tem por objetivo esclarecer os fundamentos que conduziram à criação desse verbete sumular.
Palavras-chave: Sistema de consórcio. Administradoras de consórcio. Súmula 538 do STJ. Superior Tribunal de Justiça.
Sumário: 1. Conceito de Consórcio Mercantil. 2. Evolução histórica e lei de regência. 3. O percentual da taxa de administração cobrada pelas administradoras de consórcio. Conclusão.
1. Conceito de Consórcio Mercantil
Consórcio é uma palavra de origem latina que significa “parceria”, associação ou sociedade, e deriva de consors, "parceiro", formada por con-"junto" e sores "destino", significando proprietário de meios ou companheiro.
O consócio pode ser definido como a operação de captação de recursos em um grupo fechado de pessoas (físicas e/ou jurídicas), promovida pela administradora, com prazo de duração previamente estabelecido, com a finalidade de adquirir bens ou serviços específicos, através de autofinanciamento.
Conforme dispõe o Dicionário Houaiss da língua portuguesa no consórcio temos um "grupo de pessoas que assumem o compromisso formal de pagar mensalmente uma prestação para um caixa comum, destinada à compra futura de um bem (automóvel, eletrodoméstico etc.), cujas unidades serão entregues paulatinamente a cada um dos consorciados, a intervalos estipulados, mediante sorteio e/ou lance". [1]
O contrato de consórcio é bastante utilizado pela população brasileira como um bom negócio para quem não consegue economizar, por falta de disciplina. Ao fazer o pagamento das parcelas mensais, cada participante do consórcio terá a possibilidade de ser contemplado, que pode acontecer por meio de sorte ou pelo maior lance. É com a contemplação (sorteio ou lance), que o consorciado obtém o direito de adquirir o bem objeto do seu plano. Vale dizer: uma vez contemplado, o consorciado terá a faculdade de escolher o fornecedor e o bem desde que respeitada a categoria em que o contrato estiver referenciado.
Cumpre destacar que os grupos de consórcio, constituidos e geridos por uma administradora de consórcio, se caracterizam como sociedade não personificada com patrimônio próprio, distinto do patrimônio da administradora.
2. Evolução histórica e lei de regência
No Brasil, o sistema de consórcio surgiu nos anos 60 por um grupo de funcionários do Banco do Brasil com o objetivo de se auto financiarem para a aquisição de veículos. Com o passar do tempo, o sistema evoluiu, e atualmente podemos adquirir cotas de consórcio de vários tipos de bens, tais como automóveis, motocicletas, imóveis, aparelhos eletrônicos, máquinas, caminhões, etc.
Atualmente, o sistema de consórcios é regido pela Lei n.11.795/2008, que em seu art. 2º traz a seguinte definição:
Lei n. 11.795/2008. Art. 2o Consórcio é a reunião de pessoas naturais e jurídicas em grupo, com prazo de duração e número de cotas previamente determinados, promovida por administradora de consórcio, com a finalidade de propiciar a seus integrantes, de forma isonômica, a aquisição de bens ou serviços, por meio de autofinanciamento.
O sistema de consórcios é atualmente regulado pelo Banco Central. Isso porque a Lei n. 8.177⁄91, em seu art. 33, retirou do Ministro da Fazenda a competência para normatização das operações de consórcio e atribuiu ao BACEN. Dessa forma, compete ao Banco Central conceder autorização para constituição e funcionamento de uma administradora de consórcios, bem como fiscalizar as administradoras e as operações de consórcio.
A administradora de consórcios é uma pessoa jurídica responsável pela administração de grupos de consórcio, constituída sob a forma de sociedade limitada ou sociedade anônima. Como contraprestação pela administração do grupo de consórcio, a administradora de consórcio cobra a chamada “taxa de administração”.
3. O percentual da taxa de administração cobrada pelas administradoras de consórcio
O percentual da taxa de administração deve estar definido no contrato de adesão ao consórcio. Surge então a seguinte indagação: Qual o limite do percentual da taxa de administração que as administradoras de consórcio podem cobrar?
A jurisprudência pátria afirmava que a limitação do percentual da taxa de administração encontrava-se prevista no art. 42 do Decreto 70.951/72.[2] Verbis:
Art.42. As despesas de administração cobradas pela sociedade de fins exclusivamente civis não poderão ser superiores a doze por cento (12%) do valor do bem, quando este for de preço até cinquenta (50) vezes o salário-mínimo local, e a dez por cento (10%) quando de preço superior a esse limite.
Instado a se manifestar, o Superior Tribunal de Justiça rechaçou essa tese e firmou o entendimento de que as administradoras de consórcio tem liberdade para fixar a respectiva taxa de administração, não estando limitado a nenhum percentual específico. Sendo assim, não são ilegais ou abusivas taxas fixadas acima de 10% .[3]
Isso porque, conforme a jurisprudência do STJ, o art. 42 do Decreto nº 70.951⁄72 encontra-se revogado. Façamos então breve digressão histórica a respeito da situação normativa da matéria:
1) A Lei n. 5.468⁄71, no caput e inciso I, e no art. 8º, caput e inc. I e III, atribuiram ao Ministério da Fazenda a competência para regulamentar as atividades das administradoras de consórcio.
2) Com base na Lei n. 5.768⁄71, foi editado o Dec. nº 70.951⁄72, que em seus arts. 39 e 42, estabeleceu limites para as despesas de administração cobradas pelas administradoras de consórcio. Confira:
Dec. nº 70.951⁄72. Art. 42. As despesas de administração cobradas pela sociedade de fins exclusivamente civis não poderão ser superiores a doze por cento (12%) do valor do bem, quando este for de preço até cinquenta (50) vezes o salário-mínimo local, e a dez por cento (10%) quando de preço superior esse limite. § 1º. As associações civis de fins não lucrativos e as sociedades mercantis, que organizarem consórcio para aquisição de bens de seu comércio ou fabrico, somente poderão cobrar as despesas de administração efetiva e comprovadamente realizadas com a gestão do consórcio, no máximo até à metade das taxas estabelecidas neste artigo.
Dec. nº 70.951⁄72. Art. 39. O Ministério da Fazenda, visando adequar as operações de que trata o artigo 31 às condições de mercado ou da política econômica financeira, poderá fixar disposições diferentes das previstas neste Regulamento quanto a: limites de prazo, de participantes, de capital social e de valores dos bens, direitos ou serviços; normas e modalidades contratuais; percentagens máximas permitidas a título de despesas administrativas; valores dos prêmios a distribuir.
3) Posteriormente, a Lei n. 8.177⁄91 (art. 33), retirou do Ministro da Fazenda a competência para normatização das operações de consórcio e atribuiu ao BACEN. Verbis:
Lei n. 8.177⁄91. Art. 33. A partir de 1º de maio de 1991, são transferidas ao Banco Central do Brasil as atribuições previstas nos arts. 7º e 8º da Lei nº 5.768, de 20 de dezembro de 1971, no que se refere às operações conhecidas como consórcio, fundo mútuo e outras formas associativas assemelhadas, que objetivem a aquisição de bens de qualquer natureza. Parágrafo único. A fiscalização das operações mencionadas neste artigo, inclusive a aplicação de penalidades, será exercida pelo Banco Central do Brasil.
4) Em novembro de 2006, o BACEN expediu portaria na qual afirmou expressamente que o art. 42 do Decreto n.° 70.951/72 estava derrogado em razão da Lei nº 8.177/91. No particular, o BACEN, ao exercer sua competência normativa decorrente da Lei nº 8.177⁄91 (que lhe transferiu a incumbência de regulamentar o regime relativo aos consórcios), o BACEN dispôs que a taxa de administração será fixada pela administradora, no contrato de adesão (artigo 34 do regulamento anexo à Circular nº 2.386/93 e artigo 12, 3º, do regulamento anexo à Circular nº 2.766/87).
À luz do exposto, podemos concluir que não existe " vácuo normativo ", já que o BACEN realizou o Poder Regulamentar (que lhe fora assegurado pela Lei nº 8.177⁄91), conferindo às administradoras total liberdade para a fixação da taxa de administração. [4]
Vale dizer: o BACEN, em seu papel de órgão regulador e fiscalizador dos consórcios, optou por não fixar patamar máximo para as taxas de administração, dando liberdade para as administradoras de consórcio para fixar a respectiva taxa de administração. Sendo assim, não há ilegalidade ou abusividade no fato de a administradora cobrar taxa de administração superior a 10%. Nesse sentido foi criada a Súmula 538 do STJ, que ganhou a seguinte redação:
STJ-Súmula 538: As administradoras de consórcio têm liberdade para estabelecer a respectiva taxa de administração, ainda que fixada em percentual superior a dez por cento.
CONCLUSÃO
O artigo 42 do Dec. nº 70.951⁄72 fixava limites percentuais para a taxa de administração cobrada pelas administradoras de consórcio (10% e 12%). Este dispositivo foi derrogado em razão da Lei nº 8.177/91, que transferiu para o BACEN a incumbência de regulamentar o regime relativo aos consórcios.
Por sua vez, o BACEN, como órgão regulador e fiscalizador dos consórcios, dispôs que a taxa de administração será fixada pela administradora, no contrato de adesão. Veja-se que o BACEN optou por não fixar patamar máximo para as taxas de administração, dando liberdade para as administradoras de consórcio para fixar a respectiva taxa de administração. Vale dizer: é livre o ajuste da taxa de administração por parte da administradora de consórcios, não havendo que se falar em ilegalidade ou abusividade da taxa contratada superior a 10%.
[1] Cf. HOUAISS, Antônio (1915-1999) e VILLAR, Mauro de Sales. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 2ª reimpressão com alterações. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007, pág. 811.
[2] Cf., nesse sentido, dentre tantos outros: TJ-PR - AC: 7460637 PR 0746063-7, Relator: Lauri Caetano da Silva, Data de Julgamento: 01/06/2011, 17ª Câmara Cível, julgado em 01/06/2011.
[3] Cf. STJ - REsp 1114606 PR, Rel. Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, 2ª Seção, DJe 20/06/2012
[4] Cf., nessa linha: STJ – Voto do Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO no EREsp 992740 RS, 2ª Seção, DJe 15/06/2010
Advogada, autora de diversos artigos publicados em revistas jurídicas e das obras "Direito Sumular - STF" e "Direito Sumular - STJ", São Paulo: JHMizuno, 2015.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VILLAR, Alice Saldanha. A liberdade da administradora de consórcios na fixação da taxa de administração Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 dez 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45670/a-liberdade-da-administradora-de-consorcios-na-fixacao-da-taxa-de-administracao. Acesso em: 22 nov 2024.
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