JORGE AFONSO NEVES ANAICE: Docente da Faculdade Estácio de Macapá
RESUMO: Este projeto de pesquisa tem por finalidade discutir os principais temas acerca da presunção de vulnerabilidade no crime de estupro de vulneráveis, tipificado no artigo 217-A do Código Penal, em especial contra o sujeito passivo que tem idade entre 12 anos completos e 14 incompletos. Como hipótese, deseja demonstrar que no cenário atual, o crime de estupro de vulneráveis contra menores, tem absoluta a presunção de vulnerabilidade, não sendo assim respeitados os princípios da adequação social, intervenção mínima e ofensividade do Direito Penal Brasileiro, surgindo assim necessidade da relativização da presunção de vulnerabilidade se as circunstâncias do caso concreto forem favoráveis, respeitando os referidos princípios e consequentemente a proporcionalidade. Como resultado este espera gerar uma discussão relevante acerca do tema, para isso este trabalho acadêmico usará como técnica a revisão bibliográfica, não utilizando em nenhum momento pesquisa com seres humanos.
Palavras-chave: Estupro de vulneráveis, Direito penal, Crimes Sexuais, Criança.
ABSTRACT: This research project aims to discuss the main issues about the vulnerability of presumption vulnerable to rape crime typified in Article 217 of the Penal Code, especially against the taxable person who is aged 12 years completed and 14 incomplete. As a hypothesis, want to demonstrate that in the present scenario, the vulnerable crime of rape against minors, has absolute vulnerability of presumption and thus not respected the principles of social fairness, minimal intervention and offensiveness of the Brazilian Penal Law, thus resulting need of relativity the vulnerability of presumption is the case the circumstances are favorable, respecting these principles and consequently the proportionality. As a result, this is expected to generate a relevant discussion on the theme, so this academic work will use as the technical literature review, not using in no time research with human beings.
Keywords: Rape of vulnerable , Criminal Law , Sexual Crimes , Child.
1 INTRODUÇÃO
Atualmente existe o instituto da presunção de vulnerabilidade, criado no intuito de proteger os menores da violência infantil, dessa forma o legislador pátrio instituiu que ter atos libidinosos ou conjunção carnal com menor de 14 anos, ainda que com o consentimento deste incorre no crime de estupro de vulneráveis. Fato é que, a sociedade passa por constantes mudanças sociais e muitas das vezes clama por atualizações legislativas que a acompanhem.
O crime de estupro de vulneráveis, tipificado no artigo 217-A do Código Penal, tem a atual configuração graças a lei 12.015/2009 que alterou a anterior presunção de violência, passando a surgir então a presunção de vulnerabilidade, base do presente trabalho científico.
Incorre em estupro de vulnerável, em sentido amplo, quem tem conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso com este, o presente trabalho acadêmico terá como sujeito passivo mais especificamente o maior de 12 e menor de 14 anos tratando da presunção de vulnerabilidade deste.
No mundo jurídico atual, o legislador pune o sujeito ativo pela presunção de vulnerabilidade em absoluto, de forma que basta este ter conjunção carnal com menor de 14 anos que já incorre nas elementares do tipo. Desta forma, surge uma vasta insegurança jurídica em virtude da desproporcionalidade surgida pela presunção pela idade.
Levando em conta que para o Estatuto da Criança e do Adolescente, quem tem menos de 12 anos é criança, a presunção de vulnerabilidade segundo a doutrina majoritária deve continuar absoluta, contudo, é amplamente discutida a presunção de vulnerabilidade quando o sujeito passivo possui entre 12 anos e 14 incompletos, de forma que atualmente a doutrina mais moderna sustenta que deve existir ao menos a possibilidade de relativização desta de acordo com as circunstâncias do caso concreto, já que atualmente a aplicação na prática desta é absoluta, desrespeitando vários princípios penais e constitucionais.
Tendo em vista a discussão existente sobre o assunto, e a corrente doutrinária que fundamenta a necessidade de se possibilizar a aplicação relativa da presunção de vulnerabilidade, o presente trabalho é construído com estes fundamentos.
Como critério de inclusão o presente trabalho conterá a literatura compreendida entre 2013 a 2015, sendo escolhidos autores mais interessantes para o trabalho e artigo. A técnica utilizada para a realização do trabalho será a revisão bibliográfica.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 O crime de estupro de vulneráveis
Passemos a analisar o delito base do presente artigo científico.
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
§ 2o (VETADO)
§ 3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4o Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, do sexo masculino ou feminino, desde que maior de 18 (dezoito) anos. Prado (2014)
Enquanto o sujeito passivo pode ser qualquer pessoa do sexo masculino ou feminino com menos de 14 (catorze) anos ou esteja em estado de vulnerabilidade, que seja induzida a satisfazer a lascívia de outrem. Prado (2014)
O sujeito passivo do crime em pode ser aquele que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou ainda de maneira geral não pode oferecer resistência. Capez (2013).
Já a voluntariedade do crime é o dolo, consistente na vontade consciente de induzir a vítima a satisfazer a lascívia de outrem, sabendo o agente que age em face de menor de 14 (catorze) anos. Cunha (2014).
2.2 A vulnerabilidade do menor de 14 anos
Passemos a analisar então a vulnerabilidade relacionada ao menor de 14 anos, o conceito de vulnerabilidade é pouco preciso, e por isso, deve ter em princípio seus contornos delimitados pelo legislador. Dessa forma o próprio tipo penal determina quem são as pessoas consideradas vulneráveis, e o faz de modo mais taxativo quanto ao caput do art.217-A – menores de catorze anos. Em relação ao parágrafo primeiro, a determinação da vulnerabilidade pela situação de enfermidade, deficiência mental, ou qualquer outra causa que exclua a capacidade de resistência da vítima, implica maior conteúdo axiológico. Prado (2014).
A vulnerabilidade, seja em razão da idade, seja em razão do estado ou condição da pessoa, diz respeito a sua capacidade de reagir a intervenções de terceiros quando no exercício de sua sexualidade. É dizer: o sujeito passivo é caracterizado como vulnerável quando é ou está mais suscetível à ação de quem pretende intervir em sua liberdade sexual, de modo a lesioná-la. Prado (2014).
Para isso, como o crime é punido a título de dolo, o sujeito ativo deve ter consciência que o sujeito passivo é vulnerável para que este se consume. Cunha (2014)
Em outro sentido, Fernando Capez lembra que o sujeito passivo, mais especificamente no caso do menor de 14, é vulnerável pois não pode validamente consentir na prática de atos sexuais. Anteriormente a presunção era de violência, o que não mais ocorre, tratando-se de presunção de vulnerabilidade após a lei 12.015 de 2009, de forma que o legislador incorreu em erro, pois se o sujeito passivo sofre o crime no seu 14º aniversário não será possível ocorrer o presente delito, tendo o crime uma verdadeira presunção de vulnerabilidade em relação a idade do tipo. Capez (2013).
Desta forma, atualmente atentando-se a simples literalidade do artigo, o simples fato do sujeito passivo do delito ser menor de 14 anos é o bastante para consumar o delito ora estudado, pois cumpre o requisito objetivo do tipo que é a vulnerabilidade. Ademais a consumação desse delito se perfaz com a cópula carnal, isto é, com a introdução do pênis na cavidade vaginal mesmo que de forma parcial. Prado (2014).
Vale lembrar que é fundamental o conhecimento da idade da vítima, caso assim não seja, é possível a configuração do erro de tipo. Surgindo duas possibilidades, a moça que tem desenvolvimento físico e psicológico prematuro e já possui razoável experiência sexual, sendo impossível o homem pressupor a idade real, e outra corrente é a possibilidade do homem se envolver com uma menor de 14 que está em um lugar onde só é permitido a entrada de maiores, apresenta documento falso, tem físico de adulta e oculta sua idade. Capez (2013).
Em virtude desta questão ainda ser amplamente discutida, sem um direcionamento legal moderno, devemos lembrar dos princípios penais e constitucionais, tendo em vista que estes são um dos principais instrumentos de criação do direito penal, e até mesmo de revisão deste, a seguir estão elencados alguns princípios favoráveis a relativização do crime em questão:
2.3 Princípios Penais Relacionados
Todo o comportamento social que, a despeito de ser considerado como criminoso pela lei, que não afrontar o sentimento social de justiça não pode ser considerado criminoso. Na adequação social, a conduta deixa de ser punida por não ser mais considerada injusta pela sociedade. Capez (2012)
É o instrumento de interpretação das leis em geral, significa que além do Direito Penal. Trata-se de condutas aceitas pela sociedade, seja pelos costumes, folclore ou cultura, que passaram a ser excluídas da esfera penal. Embora formalmente típicas, estará no âmbito da atipicidade, porque são socialmente adequadas, isto é, estão de acordo com a ordem social. Tendo em vista que só lei pode excluir a conduta criminosa formalmente.
O princípio da intervenção mínima consiste que o Direito Penal só deve ser aplicado quando houver extrema necessidade, mantendo-se como instrumento subsidiário (ultima ratio) e fragmentário. Capez (2012).
A intervenção mínima só está legitimada quando os outros ramos do direito se mostrem incapazes ou ineficientes para a proteção ou controle social. Utiliza-se este princípio como último recurso, em caso de extrema necessidade para resolver o bem jurídico ferido.
O princípio da ofensividade considera inconstitucionais todos os chamados “delitos de perigo abstrato”, pois, segundo ele, não há crime sem comprovada lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico. Capez (2012)
O princípio da ofensividade do direito penal brasileiro é um dos pilares do desenvolvimento do Direito Penal. Para um país democrático, este princípio exprime que nenhum delito deve existir sem que ofenda um bem jurídico.
2.4 A jurisprudência pátria relacionada ao crime
Passemos a analisar então os aspectos jurisprudenciais, o STJ se prende a suposta literalidade do artigo em estudo, aplicando ainda a presunção em absoluto, em diversas oportunidades, é o exemplo do julgado (HC 236.004/AM, SEXTA TURMA, DJe 20/05/2014), bem como o STF em determinadas ocasiões como nos julgados (HC 105558, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 22/05/2012, DJe de 12/06/2012), da mesma forma HC 109206/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 18/10/2011, DJe 16/11/2011.
Função tormentosa é defender posição contrária a dos tribunais superiores, mas devemos lembrar que os princípios penais referidos tem função, ou deveriam ter na prática, de superar posicionamentos destes, fazendo com que os tribunais repensem seus julgados, no crime em questão a necessidade de relativização e de outras interpretações é evidente, até mesmo em virtude das atuais jurisprudências destes em outros casos, onde podemos observar a interpretação extensiva ou teleológica em tipo penal incriminador, por exemplo, no caso do STJ a atual tentativa de tornar imprescritível o crime de injuria racial, sem nenhuma previsão normativa para tanto, unicamente pela semelhança com o crime de racismo, demonstrando assim a moderna interpretação e aplicação do direito penal atual, não podendo os tribunais se eximirem da teses unicamente pela falta de previsão, tendo em vista que estes estendem o alcance incriminador em algumas circunstâncias, por que não fazer o mesmo com o alcance permissivo quando a sociedade assim demonstrar necessário ?
Uma demonstração clara disso é que mesmo com a adoção desta presunção absoluta, há anos atrás, os recursos defendendo a mesma tese defensiva chegam aos montes todo ano aos tribunais superiores, que nem ao menos avaliam o caso concreto e as circunstâncias, demonstrando que a necessidade da sociedade, em virtude das mudanças sociais, não está sendo observada, preferindo os tribunais superiores punirem muitas vezes um namorado de uma moça que talvez nem saiba o que faz.
Posição diferenciada é a dos tribunais de justiça, estes é que enfrentam o grande escopo dos casos referentes ao crime, e estes é que muitas das vezes têm o contato maior com a realidade e com a necessidade da sociedade, não se eximindo de aplicarem os princípios da adequação social, ofensividade, lesividade, entre outros, para a mudança do direito penal brasileiro de forma moderna, são os casos dos julgados a seguir:
TJ-AL, Apelação APL 00299888620108020001 AL 0029988-86.2010.8.02.0001; neste caso, as palavras proferidas no acordão foram, em apertada síntese, não se pode vislumbrar na vítima a vulnerabilidade tutelada pela norma penal que tem por escopo resguardar a liberdade sexual do menor de 14 (quatorze) anos, já que esta, pela precocidade da vida, acabou se envolvendo muito nova com a prostituição. Clara e cristalina visão moderna aplicada em favor do réu.
Da mesma forma o julgado: TJ/RS, Apelação Crime ACR 70055863096 RS (TJ-RS) reiterou a posição moderna afirmando que, há necessidade de relativização da presunção de vulnerabilidade que recai sobre a mesma. Precedentes no sentido de que o critério etário adotado pelo legislador infraconstitucional não mais se considera absoluto, sobretudo diante dos avanços sociais, da universalização do acesso à informação e, consequentemente, da obtenção de maturidade e capacidade de discernimento pelos adolescentes, não desconsiderando a decisão da jovem mulher sobre assuntos da sexualidade.
Desnecessário é trazer os vários julgados dos tribunais de justiça que defendem o mesmo posicionamento, deixando claro a visão mais moderna e necessária a ser tomada pelo estado atualmente.
3 CONCLUSÃO
No cenário atual, o crime de estupro de vulneráveis contra menores, tem absoluta a presunção de vulnerabilidade, não sendo assim respeitados os princípios da adequação social, intervenção mínima e ofensividade do Direito Penal Brasileiro, verdadeiros pilares deste.
Como abordado, nota-se que os tribunais superiores anteriormente adotavam a presunção absoluta em uma visão antiquada do delito, desrespeitando os princípios penais da intervenção mínima, adequação social, ofensividade e outros, contudo, os tribunais de justiça que enfrentam o grande volume dos julgamentos destes crimes a cada ano, acabaram percebendo a necessidade de uma visão moderna, e aplicação dos princípios em favor da necessidade social que torna-se aparente.
Tendo em vista que o direito tem o dever de acompanhar a sociedade, torna-se mais correta ao menos a possibilidade de aplicação relativa da presunção de vulnerabilidade se as circunstâncias do caso concreto forem favoráveis, respeitando assim os referidos princípios, consequentemente a proporcionalidade, e os costumes de cada estado brasileiro, dessa forma deixando de ser absoluta a referida presunção, e tornando o direito duro e drástico mais moderno, e em consonância com as necessidades sociais.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Contém as emendas constitucionais posteriores. Brasília, DF: Senado, 1988.
BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.
BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União, Brasília, 16 jul. 1990.
CAPEZ, F. Curso de Direito Penal. 11.ed. São Paulo: Editora Saraiva. 2013.
CAPEZ, F. Curso de Direito Penal. 16.ed. São Paulo: Editora Saraiva. 2013.
PRADO, L. Curso de Direito Penal. 13.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2014.
SANCHES, R. Manual de Direito Penal Parte Especial. 6.ed. Bahia: Editora Jus Podivm, 2014.
Acadêmico do curso de direito da Faculdade Estácio de Macapá.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ABREU, Thammy Santos. A presunção de vulnerabilidade no crime de estupro de jovens de 12 a 14 anos incompletos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 dez 2015, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45683/a-presuncao-de-vulnerabilidade-no-crime-de-estupro-de-jovens-de-12-a-14-anos-incompletos. Acesso em: 22 nov 2024.
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