RESUMO: O presente trabalho parte do pressuposto de que o atual modelo de justiça processual apresenta-se imerso em uma crise de legitimidade, resultado do monopólio Estatal dos meios de resolução dos conflitos e da sua incompetência em administrar este poder-dever, o que gerou a ineficácia das decisões e a ineficiência dos procedimentos adotados, apresentando a sociedade um total descrédito quanto ao Poder Judiciário. Assim, frente a este cenário, o novo Código de Processo Civil, regulamentou o ideal proposto pela Resolução n. 125 do CNJ e encarta o princípio de estímulo a resolução dos conflitos através das medidas autocompositivas. Trazendo para a sistemática processual um modelo de multipostas, em que o litigante poderá escolher qual o método que quiser adotar, que melhor se acomodar com os seus interesses e anseios.
PALAVRAS-CHAVE: Monopólio da jurisdição. Crise. Novo CPC. Estímulo à autocomposição. Mediação.
ABSTRACT: This paper assumes that the current procedural justice model presents itself immersed in a crisis of legitimacy as a result of the State monopoly of resolution means of conflict and its incompetence in managing this power and duty , which generated the ineffectiveness of the decisions and the inefficiency of the procedures adopted , with the company a total discredit on the judiciary. So , against this background, the new Civil Procedure Code , regulated the ideal proposed by Resolution no . 125 CNJ Encarta and the principle of encouraging the resolution of disputes through autocompositivas measures. Bringing the procedural systematic one multipostas model, in which the plaintiff can choose which method they want to adopt that best accommodate your interests and desires .
KEYWORDS: Monopoly of jurisdiction. Crisis. New CPC. Encouraging autocomposição. Mediation.
SUMÁRIO: Introdução; 1. O conflito: compreendendo o conceito e as formas para solucioná-lo; 2. Mediação: mecanismo de efetivação da autocomposição; 3. A mediação no novo código de processo civil - CPC – o princípio do estímulo da solução do litígio por autocomposição; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
O conflito é um fenômeno que têm um potencial de desagregação, pois é o cerne para a mudança pessoal e social, além de ser um sinal de aviso, sobre as insatisfações e os problemas que permeiam a sociedade. Por isso que lhe deve ser dada atenção a fim de evitar o comprometimento da paz social e da estrutura estatal.
E o modo como o Estado brasileiro encontrou para pacificar a sociedade, mantendo-a unida, coesa, regulada, e, também, extrair do conflito as suas melhores consequências foi trazendo para si a atribuição de dar as soluções aos litígios, através do Poder Judiciário, investido como o Estado-Juiz, utilizando-se da jurisdição e do processo como instrumentos. Ao fazer isso, passou a monopolizar a Jurisdição e ditar o direito para cada caso concreto de forma impositiva, ou seja, tenta-se neutralizar o conflito com a aplicação forçada do direito.
Todavia, o atual sistema processual pautado na retribuição, baseando-se no mero encerramento do conflito, apresentou-se com o passar do tempo cada vez mais desatualizado, aleatório à realidade vigente e extremamente burocrático o que o transformou em um aparato ineficaz, ineficiente, chegando-se ao ponto de em alguns casos serem obsoleto.
Atento a este cenário, o novo Código de Processo Civil, inspirado pela Resolução n. 125 do Conselho Nacional de Justiça propõe a utilização de outras modalidades de resolução dos conflitos, visando desafogar o judiciário e dar a solução adequada para cada caso concreto, exalta, para tanto, a mediação como um modelo inteligente e útil para resolver os conflitos.
Assim, o objetivo do presente estudo é analisar o instituto da mediação com foco na sua vocação para a resolução de conflitos, além das inovações trazidas pelo novo Código de Processo Civil. A metodologia adotada é a pesquisa bibliográfica, parcialmente exploratória, e que parte-se de um escorço histórico sobre o conflito e as formas como este foi resolvido no decorrer da história, além de informar as outras modalidades existentes de resolver o conflito.
1. O CONFLITO: COMPREENDENDO O CONCEITO E AS FORMAS PARA SOLUCIONÁ-LO
O convívio harmonioso e pacífico, em que o direito de todos seja respeitado igualmente, é um ideal ainda a se alcançar, pois os bens imprescindíveis para a sobrevivência e para a satisfação dos desejos sociais são limitados, em oposição às necessidades humanas, que são ilimitadas. Esta discrepância faz surgir os embates entre os indivíduos e/ou grupos que compõem determinada sociedade.
Conceituar o que seria um conflito é uma tarefa difícil, pois este é composto por diversas variantes, já que os embates podem ser sociais, políticos, familiares, internos, externos, étnicos, religiosos ou, ainda, envolvendo os valores. É um processo em que duas ou mais pessoas divergem, em função de pontos de vista, metas, interesses ou objetivos que são, entre si, inconciliáveis.
Corroborando o exposto acima, Jose Luis Bolzan de Morais e Fabiana Marion Spengler (MORAIS e SPENGLER, 2012, p. 45) acrescentam:
De fato, a noção de conflito não é unânime. Nascido do antigo latim, a palavra conflito tem como raiz etimológica a ideia de choque, ou a ação de chocar, de contrapor ideias, palavras, ideologias, valores ou armas. Por isso, para que haja conflito é preciso, em primeiro lugar, quer as forças confrontastes sejam dinâmicas, contendo em simplórias o sentido da ação, reagindo umas sobre as outras.
Na tentativa de uma explicação mais esmiuçada para a palavra conflito, tem-se que consiste em um enfrentamento entre dois seres ou grupos da mesma espécie que manifestam, uns a respeito o dos outros, uma intenção hostil, geralmente com relação a um direito. Para manter esse direito, afirmá-lo ou restabelecê-lo, muitas vezes lançam mão da violência, o que pode trazer como resultado o aniquilamento de um dos conflitantes.
Segundo Ada Pellegrini (CINTRA, 2010, p. 26), os conflitos podem surgir entre os indivíduos e “caracterizam-se por situações em que uma pessoa, pretendendo para si determinado bem, não pode obtê-lo – seja porque (a) aquele que poderia satisfazer a sua pretensão não a satisfaz, seja porque (b) o próprio direito proíbe a satisfação voluntária da pretensão”.
Neste cenário surge um conflito quando uma parte almeja determinada condição ou coisa que, imediatamente, exclui a desejada pela outra, ou seja, quando há a resistência de uma das partes ou, ainda, quando há divergência entre posicionamentos e ideias.
E quando a pretensão de uma das partes envolvidas no conflito opõe-se à outra, afrontando, existindo, assim, uma pretensão resistida, o conflito assume as feições de lide (do latim, lis, litis) ou litígio.
Sendo a lide uma modalidade de conflito de interesses mais qualificada, Carnelutti (CARNELUTTI, 2000, p. 78) definiu-a como: “um conflito (intersubjetivo) de interesses qualificado por uma pretensão contestada (discutida). O Conflito de interesses é o seu elemento material, a pretensão e a resistência são seu elemento formal”.
A ideia inicial que permeia este tema é que tal desordem seria um fenômeno negativo nas relações sociais, pois proporciona perdas para uma das partes envolvidas. Entretanto, como ele está intrinsecamente relacionado com a natureza humana, não se deve restringi-lo a uma conotação negativa. Afinal, dependendo do modo como é tratado, pode ser uma fonte importante de mudança e evolução. Por isso que, atualmente, é visto como um fenômeno positivo para a comunidade, claro, desde que o Estado consiga mantê-lo sob o seu controle a sua potencialidade destrutiva e desintegradora.
Ressaltando a importância dos conflitos e o seu aspecto positivo, Jose Luis Bolzan de Morais e Fabiana Marion Spengler (MORAIS e SPENGLER, 2012, p. 47 e 53), contribuem:
Em resumo, o conflito é inevitável e salutar (especialmente se queremos chamar a sociedade na qual se insere de democrática), o importante é encontrar meios autônomos de manejá-lo fugindo da ideia de que seja um fenômeno patológico e encarando-o como um fato, um evento fisiológico importante, positivo ou negativo conforme os valores inseridos no contexto social analisado. Uma sociedade sem conflitos é estática!
[...]
Nestes termos, conflito e desacordo são partes integrantes das relações sociais e não necessariamente sinais de instabilidade e rompimento. Invariavelmente, o conflito traz mudanças, estimulando inovações. Lewis Coser, inclusive, aponta o conflito como um dos meios de manutenção da coesão do grupo no qual ele explode. As situações conflituosas demonstram, desse modo, uma forma de interação intensa, unindo os integrantes do grupo com mais frequência que a ordem social normal, sem traços de conflitualidade. (pág. 53)
Por isso que, incumbe ao Estado, portador do ius puniendi, através dos mecanismos de heterocomposição, regular os conflitos que permeiam à comunidade e podem acarretar em desagregação social, dando-lhes a melhor solução para o caso (manutenção estatal), pois as desordens sempre traduziram as necessidades e as fragilidades dos indivíduos e, via de consequência, do grupo, devendo, assim, ficar sob o controle estatal.
Todavia, nem sempre foi assim. Nos primórdios da civilização dos povos, a vingança era o modo utilizado para solucionar os conflitos, já que eram os próprios particulares e integrantes de cada grupo que regiam as ofensas, prevalecendo, sempre, as reações espontâneas, os impulsos de retaliação, que implicavam no emprego da força de um em desfavor do outro e em uma exacerbada violência.
A autodefesa é a forma mais antiga de solução dos conflitos, pois antes dos Estados se estabelecerem e monopolizarem a atribuição de dar a resposta aos conflitos, ficava a cargo do próprio interessado solucionar os embates que se envolveu, utilizando-se do emprego da força ou de outros meios violentos, prevalecendo, sempre a vontade do mais forte.
Alerta Daniel Amorim Assumpção Neves (NEVES, 2015, p. 5) que:
Por “força” deve-se entender qualquer poder que a parte vencedora tenha condições de exercer sobre a parte derrotada, resultando na imposição de sua vontade. O fundamento dessa força não se limita ao aspecto físico, podendo-se verificar nos aspectos afetivo, econômico, religioso, etc.
Conhecida como a forma mais rudimentar e selvagem de resolução dos conflitos, a autodefesa, também chamada de autotutela, é definida como um método de resposta aos litígios, caracterizado pela ausência de um juiz independente e imparcial e pela imposição da vontade de uma parte sobre a outra. E ocorre quando o próprio sujeito (ofendido) busca afirmar, unilateralmente, seu interesse, impondo-o em detrimento da parte contrária.
Atualmente, no ordenamento jurídico brasileiro há uma proibição expressa, constante no artigo 345 do Código Penal, que tipifica a conduta de “fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite”, pois não se admite que o próprio interessado por suas forças, realize a justiça. Todavia, como o Estado não é onipresente, não podendo estar tutelando os indivíduos e os bens jurídicos em todo lugar e a todo o momento, excepciona hipóteses em que o titular de um direito possa se valer desta modalidade.
Somente a partir do momento em que se ampliaram os meios de subsistência é que se abandonou o ímpeto vingativo, tornando-se possível a realização de uma composição pacífica dos conflitos. Passou-se, paulatinamente, de um modelo de vingança privada ilimitada, para um baseado na proporcionalidade da vingança em relação à ofensa produzida. Tal transição ocorre de modo espontâneo e natural, em virtude do processo de sedentarização.
Em descompasso à autotutela, a autocomposição aparece como resultado de uma atitude altruísta de um ou ambos os envolvidos, pois se manifesta através da celebração de um acordo, renúncia ou reconhecimento a favor da parte contrária.
Na autocomposição o que determina a solução do conflito não é a utilização da força, como na autodefesa, mas a vontade das partes envolvidas, o que é, ressalte-se, mais coerente com os objetivos do Estado democrático de direito. Inclusive, atualmente, tal modelo é visto pelos doutrinadores como um excelente meio de pacificação social porque inexiste uma decisão impositiva e coercitiva, valorando-se, tão somente, a autonomia da vontade das partes. Alguns autores destacam que a conciliação e a medição seriam os modelos primordiais de autocomposição.
Ensina José de Albuquerque Rocha (ROCHA, 2009, p. 13) que a autocomposição é:
O modo de tratamento dos conflitos em que a decisão resulta das partes, obtida através de meios persuasivos e consensuais, residindo nisso sua diferença da autotutela, em que a decisão é imposta por uma das partes. Na autocomposição, como a decisão é produzida pelas partes, seu grau de eficácia é elevado.
Como modelos de autocomposição, podemos citar a transação, a submissão e a renúncia. A Transação – é caracterizada como uma forma bilateral de resolução dos conflitos, pois se exige uma participação ativa de ambas as partes. O acordo se dará através de concessões recíprocas, há um sacrifício mútuo dos interesses, ou seja, as partes envolvidas negociam cada uma abdicando de parte dos seus interesses, para se alcançar a solução do conflito. A Submissão – é considerada uma modalidade unilateral, pois há a participação ativa apenas de um dos envolvidos. Nesta espécie uma parte admite a procedência das alegações da outra, reconhecendo, assim, a pretensão alheia. E a Renúncia - também chamada de desistência, aqui, o exercício de vontade, também, é unilateral, pois conforme diz o próprio termo, ocorrerá quando alguém renunciar a sua pretensão. Aqui, o titular da pretensão, desiste de pleitea-la, renuncia-se o direito do qual é titular.
Com a civilização, a justiça privada, realizada individualmente pelo homem, cedeu lugar à justiça estatal, que se caracteriza como sendo a jurisdição, e corresponde ao poder de julgamento dos indivíduos reunidos em sociedade.
Sobre esta transição ensina Jose Luis Bolzan de Morais e Fabiana Marion Spengler (MORAIS e SPENGLER, 2012, p. 57/58):
Paulatinamente, conforme iam se sofisticando as relações sociais, a instituição estatal de monopólio e aplicação do direito – jurisdição – aparece, ainda que primitivamente, e mune-se do poder de coerção. Esse fato, proporcionalmente, vai afastando a justiça privada, ora considerada como garantia e execução pessoal do direito. Oriunda da ausência de um poder central organizado, é geradora de intranquilidades comprometedoras do convívio social, afinal, nesses conflitos tratados mediante a defesa privada, não há como saber, quem realmente detinha razão ou quem fora mais forte, mais astuto, no desenrolar da lide.
A partir da formação dos Estados modernos, o processo judicial passou a disciplinar as condutas dos indivíduos, em face da necessidade de pôr fim às relações litigiosas privadas que constituíam um verdadeiro perigo comum. A ofensa, gerada pelo conflito, em vez de vingada, passou a ser indenizada, compensada, por força da transação ou conciliação e de decisão confiada a um juiz designado pelo Monarca.
Quando o Estado trouxe para si o poder-dever de dar as respostas adequadas e justas para todos os conflitos que afligem a sociedade, atuando como terceiro imparcial consagrou a heterocomposição como a forma prioritária de resolução das questões, considerando as demais modalidades como primitivas.
No Brasil, a atuação do Estado para a resolução dos conflitos é resguardado pelo princípio da inafastabilidade do controle judicial, também chamado de princípio da ubiquidade da justiça, que determina que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV da CF/88).”.
Tal princípio é considerado direito fundamental pela Constituição da República e se apresenta como uma das maiores realizações do Estado Democrático de Direito, uma vez que concretiza um dos seus pilares de sustentação, qual seja a universalização da participação popular.
Ao assegurar a todos os cidadãos a possibilidade de resolver o seu litígio, sem qualquer obstáculo, através do Poder Judiciário, o Estado sustenta que a prestação jurisdicional é a forma mais segura para a resolução das querelas, devendo ser a única a ser utilizada, criando, assim, uma dependência.
Na lição de Carmem Lúcia Antunes Rocha (ROCHA, 1993, p. 33):
O direito à jurisdição é o direito público subjetivo constitucionalmente assegurado ao cidadão de exigir do Estado a prestação daquela atividade. A jurisdição é, então, de uma parte, direito fundamental do cidadão, e, da outra, dever do Estado.
A partir do momento em que o Estado trouxe para si o monopólio da jurisdição, coibindo as práticas de autotutela, autocomposição, vingança privada e meios extrajudiciais, passou a ter o dever de promover a justa pacificação das querelas e proporcionar a todos o ingresso em juízo para que haja a proteção dos bens jurídicos tutelados.
Com tal postura, o Estado, buscou evitar, dentre outras coisas, (i) que novos conflitos fossem instaurados; (ii) a utilização da força como instrumento; (iii) o agravamento das diferenças e divergências se acentuem; (iv) a prevalência da que a vontade do mais forte e (v) a instauração e perpetuação da velha política da vingança de sangue e do “olho por olho e dente por dente”.
E, para alcançar tais fins, utilizou uma política de desestímulo à busca de práticas alternativas para a resolução dos conflitos, e de condutas ativas dos cidadãos em resolver sozinhos os problemas que estejam envolvidos. Para tanto, defende que os litígios devem ser apreciados detidamente pelos Estados e, este, deverá impor a solução que mais adequada para o caso, tudo em prol de uma sociedade saudável e igualitária.
Em verdade, esta preocupação estatal nada mais é do que um controle, o medo de que os conflitos se catalisem e se transforme em fator de desagregação e, por sua vez, de enfraquecimento das classes dominantes é mascarado pela busca da pacificação, igualdade e unidade.
Neste cenário, o direito de acesso à justiça, aparece como um importante mecanismo utilizado pelo Estado, na medida em que se prega a abertura das portas do Poder Judiciário, como uma forma de inclusão e de preocupação com as desigualdades, enquanto que, na verdade busca-se ter o controle quase que absoluto sobre o cotidiano e as mazelas que afligem à população e as soluções que devem ser dadas, utilizando-o como um instrumento de reafirmação do seu poder.
Assevera Canotilho (CANOTILHO, 2008, p. 433) que:
O direito de acesso aos tribunais, agora substituído pelo direito à tutela jurisdicional efetiva, visa-se não apenas garantir o acesso aos tribunais, mas, sim e principalmente possibilitar aos cidadãos a defesa de direitos e interesses legalmente protegidos através de um ato de jurisdictio.
Em aversão às formas como os povos primitivos resolviam os conflitos, firmaram-se dois entendimentos (i) cabe somente ao Poder Judiciário o dever de resolver as disputas que afligem a sociedade e (ii) só compete ao Estado o poder de dirimir os problemas da população, não tendo esta a capacidade de solucioná-los sem criar traumas que prejudiquem o desenvolvimento saudável da sociedade.
Ressalta José Augusto Delgado (DELGADO, 1993, p. 69) que:
A abertura da via judiciária como meio de proteger os direitos fundamentais do cidadão deve ser concebida como uma garantia sem possibilidade de acolher lacunas. É o que exprime o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, ao determinar que "a lei não excluirá da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a direito".
A repulsa às formas alternativas de resolução dos conflitos imprime às pessoas a equivocada sensação que o conflito só está encerrado se a solução for fruto de uma sentença proferida por um juiz que substitui o Estado.
O resultado deste sistema é a criação de uma dependência na prestação jurisdicional que, atrelada à cultura do conflito, provoca uma multiplicação de demandas repetitivas, o abarrotamento dos tribunais, o retardo nos julgamentos e nos desfechos das causas, além da falta de participação dos cidadãos em tentar solucionar o conflito em que estão envolvidos e, por fim, o mais grave, a dificuldade de concretizar o efetivo acesso à justiça.
A postura do Estado em pregar que os indivíduos não podem resolver sozinhos os seus conflitos, necessitando, sempre, da atuação estatal, acaba criando uma dependência que prejudica a implementação de meios alternativos de pacificação, pois se vê apenas a figura do juiz e, por sua vez, no Poder Judiciário como o responsável em garantir a segurança jurídica e a efetiva resolução dos litígios.
Entretanto, ao falhar no desempenho do seu papel como Estado Juiz, abre espaço para que outras medidas apareçam.
Por isso que os meios alternativos de resolução pacífica dos conflitos afiguram-se como mecanismos importantes para a resolução dos problemas, já que a atuação do Poder Judiciário, por mais imprescindível que seja não pode ser vista como o único modelo de resolução dos litígios.
Ressalte-se que as medidas alternativas, além de resolver o conflito, trazem consigo a possibilidade de mudança na mentalidade da sociedade, na medida em que ampliam o diálogo e permitem que os próprios envolvidos sejam os responsáveis pela resolução de suas controvérsias.
2. MEDIAÇÃO: MECANISMO DE EFETIFAÇÃO DA AUTOCOMPOSIÇÃO
Pois bem, fixadas algumas premissas fundamentais e indispensáveis para o entendimento do sistema processual e da jurisdição, bem como demonstrada a importância e a necessidade de métodos alternativos de solução de conflitos; cabe, agora, ingressar em um estudo acerca da mediação, buscando compreender suas especificidades e, ao mesmo tempo, proceder a uma análise crítica de alguns pontos polêmicos sobre o tema.
Para tanto, importante fazer um escorço sobre como a mediação está sendo conceituada e os seus elementos.
Conforme assevera Francisco Amado Ferreira (FERREIRA, 2006, p.73.), como forma de intermediação humana voluntária e espontânea:
Tem uma origem que se perde nos primórdios da Humanidade. Desde que dois indivíduos entraram em conflito e surgiu um terceiro a tentar estabelecer entre eles uma comunicação, no sentido de discutirem as soluções possíveis para o conflito, eis que surgiu a mediação.
Segundo alguns autores a mediação é um exemplo de solução autocompositiva de conflito, em que as partes, utilizam-se de um terceiro, para através do diálogo, pactuarem a melhor solução para o caso concreto. Sendo, por isso, uma alternativa à jurisdição e à atuação e regulação estatal.
Neste sentido, Francisco José Cahali (CAHALI, 2013, pág. 63), entende que:
“A mediação é um dos instrumentos de pacificação de natureza autocompositiva e voluntária, no qual um terceiro, imparcial, atua, de forma ativa ou passiva, como facilitador do processo de retomada do diálogo entre as partes, antes ou depois de instaurado o conflito”.
A mediação é uma modalidade de resolução de conflitos não adversarial, que prescinde da jurisdição e da atuação estatal, nestes aspectos se aproxima da autocomposição, mas, com ela não se confunde, seja porque, de certa forma, assemelha-se à heterocomposição, em virtude da atuação de um terceiro imparcial que, aqui, apenas auxiliará as partes a chegarem elas próprias a um acordo ou, seja porque não implica, necessariamente, em concessões recíprocas ou renúncias.
Assim alerta Daniel Amorim Assumpção Neves (NEVES, 2015, pág. 7):
A mediação é uma forma alternativa de solução de conflitos fundada no exercício da vontade das partes, mas não se confunde com a autocomposição, porque, enquanto nesta haverá necessariamente um sacrifício total ou parcial dos interesses da parte, naquela a solução não traz qualquer sacrifício aos interesses das partes envolvidas no conflito. Para tanto, diferente do que ocorre na conciliação, a mediação não é centrada no conflito em si, mas sim em suas causas.
Já segundo Fernanda Tartuce (TARTUCE, 2008, pág. 208):
A mediação consiste na atividade de facilitar a comunicação entre as partes para propiciar que estas próprias posssam, visualizando melhor os meandros da situação controvertida, protagonizar uma solução consensual. A proposta de técnica é proporcionar um outro ângulo de análise aos envolvidos: em vez de continuarem as partes enfocando suas posições, a mediação propicia que elas voltem sua atenção para os verdadeiros interesses envolvidos.
Em contrapartida, Jose Luis Bolzan de Morais e Fabiana Marion Spengler (MORAIS e SPENGLER, 2012, p. 131) ensinam que:
A mediação, enquanto espécie do gênero justiça consensual, poderia ser definida como a forma ecológica de resolução dos conflitos sociais e jurídicos na qual o intuito de satisfação do desejo substitui a aplicação coercitiva e terceirizada de uma sanção legal. Trata-se de um processo no qual uma terceira pessoa – o mediador – auxilia os participantes na resolução de uma disputa. O acordo final trata o problema com uma proposta mutuamente aceitável e será estruturado de modo a manter a continuidade das relações pessoais envolvidas no conflito.
A mediação é geralmente definida como a interferência – em uma negociação ou em um conflito – de um terceiro com poder de decisão limitado ou não autoritário, que ajudará as partes envolvidas a chegarem voluntariamente a um acordo, mutuamente aceitável com relação às questões em disputa. Dito de outra maneira, é um modo de construção e de gestão da vida social graças à intermediação de um terceiro neutro, independente, sem outro poder que não a autoridade que lhes reconhecem as partes que a escolheram ou a reconheceram livremente. Sua missão fundamental é (re) estabelecer a comunicação.
Vale anotar, ainda, a definição de mediação dada pelo Projeto de Lei n. 517 de 2011, aprovado na última terça-feira, dia 02.06.2015, no Senado:
Art. 1º omissis
§1º Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial e sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia.
Assim, de um modo geral, a mediação é vista como um instrumento que pode ser utilizado pelas pessoas que estejam envolvidas em algum tipo de conflito, seja ele de cunho familiar, social, econômico, emocional, em que se busca solucioná-lo através do diálogo e do restabelecimento dos canais de comunicação que foram rompidos com a ocorrência do litígio.
A mediação é entendida como um processo em que se aplicam técnicas autocompositivas e que, em regra, não há restrição de tempo para sua realização, ou seja, pode ser utilizado em qualquer fase do conflito. Resumidamente a mediação é uma negociação orientada por um terceiro imparcial.
José Maria Rossani Garcez (GARCEZ, 2004, p. 39) afirma que:
Quando, devido à natureza do impasse, quer seja por suas características ou pelo nível de envolvimento emocional das partes, fica bloqueada a negociação, que assim, na prática, permanece inibia ou impedida de realizar-se, surge, em primeiro lugar, a mediação como fórmula não adversarial de solução de conflitos.
Este método precisa da atuação de um terceiro imparcial, que atuará apenas para supervisionar o diálogo, em nada influenciando na construção de uma solução consensual, pois esta deve ser feita pelas próprias partes litigantes.
O terceiro imparcial é chamado de mediador, e exerce uma função de mero orientador, coordenando as atividades e incitando os envolvidos a desenvolverem a dialética e comunicação, permitindo falar sobre o conflito, as consequências e ofensas causadas, além de fornecer elementos para que haja o reconhecimento dos valores relevantes.
Neste contexto, a figura do mediador representa, segundo André Gomma de Azevedo (Azevedo, 2012, p. 60):
Uma pessoa selecionada para exercer o múnus público de auxiliar as partes a compor a disputa. No exercício dessa importante função, ele deve agir com imparcialidade e ressaltar às partes que ele não defenderá nenhuma delas em detrimento da outra – pois não está ali para julgá-las e sim para auxiliá-las a melhor entender suas perspectivas, interesses e necessidades. O mediador, uma vez adotada a confidencialidade, deve enfatizar que tudo que for dito a ele não será compartilhado com mais ninguém, excetuado o supervisor do programa de mediação para elucidações de eventuais questões de procedimento. Observa-se que uma vez adotada a confidencialidade, o mediador deve deixar claro que não comentará o conteúdo das discussões nem mesmo com o juiz. Isso porque o mediador deve ser uma pessoa com que as partes possam falar abertamente sem se preocuparem e eventuais prejuízos futuros decorrentes de uma participação de boa fé na mediação.
O mediador não pode dar sugestões, e deve ter a sensibilidade de encontrar o real motivo do conflito, a origem da desavença, além da capacidade de levar as partes a esta percepção. Ou seja, este terceiro não tem a função de decidir, cabe, tão somente, auxiliar os envolvidos na obtenção de uma solução consensual, fazendo com que elas enxerguem os obstáculos ao acordo e consigam removê-los de forma consciente e harmônica, como manifestação de sua vontade e de sua intenção de compor o litígio como alternativa ao embate.
Com o auxílio do mediador as partes buscarão compreender o seu problema por completo, com todas as peculiaridades, com o intuito de tratar o conflito de forma satisfatória.
Na mediação, por ser um mecanismo consensual, as partes apropriam-se do poder de gerir seus conflitos, diferentemente da Jurisdição estatal em que este poder é delegado àqueles investidos das funções jurisdicionais.
Como princípios informadores da mediação, dentre outros, podemos citar: a) a autonomia da vontade das partes que deverá regular todo o trabalho a ser desenvolvido; b) a imparcialidade do mediador; c) a independência tanto do mediador com as partes, como das partes no decorrer do desenvolvimento dos trabalhos; d) a credibilidade que deve ser depositada no mediador escolhido e e) a confidencialidade, tudo que acontecer nas reuniões deve permanecer ali.
Apresentam-se como as principais características do processo de mediação: a privacidade; a economia financeira e de tempo; a oralidade; a reaproximação das partes; a autonomia das decisões; a voluntariedade; a eleição do mediador; cooperação entre as partes; informalidade; conhecimentos específicos do mediador; reuniões programadas pelas partes; acordo mútuo; ausência do sentimento de vitória ou de derrota e o equilíbrio das relações entre as partes.
Por se fundar na livre manifestação de vontade das partes e na escolha por um instrumento mais profundo de solução de conflito, mesmo ainda não tendo sida convertida em modelo oficial de resolução dos litígios, a mediação é amplamente difundida no Brasil, sendo utilizada, inclusive, pelos órgãos que compõe o Poder Judiciário.
Ademais, impende esclarecer que na mediação não se busca uma decisão que ponha um fim na controvérsia, como dito, a mediação pode se satisfazer apenas por permitir que os canais de comunicação antes interrompidos pelo cometimento de um conflito tenha se (re) estabelecido.
Para que exista um processo de mediação, imprescindível a presença de três elementos básicos: (i) a existência de partes em conflito, (ii) uma contraposição de interesse e (iii) um terceiro imparcial neutro e capacitado a facilitar a composição.
No tocante as partes, estas podem ser pessoas físicas ou jurídicas, entes despersonalizados, menores, desde que assistidas por seus representantes e gestores. Quanto ao conflito, este delimitará a amplitude da atividade a ser desenvolvida pelo mediador. E o mediador, como já dito, deve ser neutro, equidistante das partes e apto a interagir com elas.
A mediação é entendida como se fosse um trabalho artesanal, visto com base no diálogo e na cooperação entre as partes, de forma que por meio do qual se busca preenchidas as lacunas existentes nas relações, atingindo-se um consenso, ou, no mínimo, um compromisso. Por isso que cada caso é único, demandando tempo e estudo já que o mediador deve enxergar os interesses por trás das posições externalizadas pelos envolvidos.
Assim, atualmente, o elemento central para se compreender a mediação é a formação de uma cultura de pacificação, pautada no diálogo, em contraposição à cultura existente em torno da imprescindibilidade de uma decisão judicial para que a lide possa ser resolvida.
Deve-se aqui, abrir um parêntese, para que seja esclarecido que a mediação não é sinônimo de conciliação. São instrumentos de gestão de conflitos, porém, completamente diferentes. A mediação é entendida como um meio alternativo e voluntário de resolução de conflitos no qual um terceiro imparcial orienta as partes para a solução das controvérsias, sem sugestionar. Na mediação, as partes se mantêm autoras de suas próprias soluções.
Enquanto que a conciliação é uma alternativa de solução extrajudicial de conflitos. Aqui, um terceiro imparcial intervirá para buscar, em conjunto com as partes, chegar voluntariamente a um acordo, interagindo, sugestionando junto às mesmas. O conciliador pode sugerir soluções para o litígio, entrando no mérito da causa.
Ou seja, com a mediação, visa-se recuperar o diálogo entre as partes. Por isso mesmo, são elas que decidem. As técnicas de abordagem do mediador tentam primeiramente restaurar o diálogo para que posteriormente o conflito em si possa ser tratado. Só depois se pode chegar à solução, enquanto que a conciliação pode ser mais indicada quando há uma identificação evidente do problema, quando este problema é verdadeiramente a razão do conflito – não é a falta de comunicação que impede o resultado positivo. Diferentemente do mediador, o conciliador tem a prerrogativa de sugerir uma solução.
Ressalta Leonardo Sica (SICA, 2007, p. 50) que na conciliação, o terceiro neutro não tem o poder de decidir sobre o problema trazido pelas partes, mas tem um papel ativo na resolução da disputa: na tentativa de chegar a um acordo entre as partes o conciliador tem uma função diretiva na promoção da conciliação e no controle e orientação da discussão sobre elementos tidos como úteis. Enquanto que a mediação, ao inverso, é um processo de resolução dos conflitos no qual é deixado às partes, o poder, e consequentemente a responsabilidade, de decidir se e como encontrar uma solução ao conflito, sendo o mediador um mero facilitador da comunicação.
Humberto Pinho e Karol Durço (PINHO e DURÇO, 2010, p. 382), sobre a diferença entre conciliação e mediação complementam:
Podemos, então, estabelecer três critérios fundamentais:
Quanto à finalidade, a mediação visa resolver abrangentemente o conflito entre os envolvidos. Já a conciliação contenta-se em resolver o litígio conforme as posições apresentadas pelos envolvidos.
Quanto ao métodos, o conciliador assume posição mais participativa, podendo sugerir às partes os termos em que o acordo poderia ser realizado, dialogando abertamente a este respeito, ao passo que o mediador deve abster-se de tomar qualquer iniciativa de proposição, cabendo a ele apenas assistir as partes e facilitar a sua comunicação, para favorecer a obtenção de um acordo de recíproca satisfação.
Por fim, quanto aos vínculos, a conciliação é uma atividade inerente ao Poder Judiciário, sendo realizada por juiz togado, por juiz leigo ou por alguém que exerça a função específica de conciliador. Por outro lado, a mediação é atividade privada, livre de qualquer vínculo, não fazendo parte da estrutura de qualquer dos Poderes Públicos. Mesmo a mediação paraprocessual mantém a característica privada, estabelecendo apenas que o mediador tem que se registrar no Tribunal para o fim de ser indicado para atuar nos conflitos levados à Justiça.
Assim, passada a diferença entre conciliação e mediação, insta frisar que a partir dos resultados positivos extraídos com o uso da mediação como modo de resolução dos conflitos, olhou-se a autocomposição com outros olhos, agora, sob a ótica da satisfação do usuário por meio da utilização de técnicas apropriadas, adequada ao ambiente dos debates e da relação social entre mediador e partes que favoreça o entendimento do dano causado e dos seus efeitos.
A sistemática da mediação implica na prática de uma negociação assistida por um terceiro, por isso que algumas orientações da teoria da negociação devem ser atendidas. Por exemplo, podem-se citar as estruturas alternativas de resolução de problemas que podem ser utilizadas pelo mediador durante o processo autocompositivo, aqui a proposta consiste em abandonar, quando possível, formas rudimentares de negociação, como a chamada negociação posicional, a fim de se buscar resultados mais satisfatórios aos interesses das partes em negociação. (Azevedo, 2012, p. 79)
O processo de mediação, basicamente, pauta-se em uma estrutura informal, simplificada e acessível para todos, uma vez que há a flexibilização dos procedimentos, a prática de sessões individualizadas, para cada caso é dada uma atenção específica e direcionada e, por fim, o tom informal, para que tal modelo seja acessível.
Por fim, impende esclarecer que a informalidade do processo de mediação, não implica no desatendimento dos direitos e garantias processuais do individuo, pelo contrário, como método apropriado de resolução de controvérsias, traz o contraditório, permitindo-se, que todos os envolvidos possam atuar de modo a tentar resolver o conflito, além da ampla defesa.
Deste modo, como a mediação é exercitada através de um processo que engloba os interesses e sentimentos das partes, existindo a figura do mediador um personagem que exerce um papel importante, porém, como coadjuvante, na medida em que fornece a estrutura e a proteção necessárias para aproximar as partes, permitir que estas percebam o conflito de forma mais positiva, apresenta-se como o novo modelo de justiça compatível com os novos conflitos e anseios da sociedade.
3. A MEDIAÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - CPC – O PRINCÍPIO DO ESTÍMULO DA SOLUÇÃO DO LITÍGIO POR AUTOCOMPOSIÇÃO
Ao passo em que o Estado monopolizou o dever de dar a solução aos litígios, acabou por sufocar e desestimular a adoção da mediação como uma alternativa.
Todavia, diante da crise de eficácia em que está imerso o sistema processual brasileiro, pois a mera aplicação de uma penalidade ao infrator não é satisfatório para, efetivamente, solucionar o litígio.
E mais. O aparato processual, no decorrer do tempo, apresentou-se cada vez mais desatualizado, aleatório à realidade vigente e extremamente burocrático o que o transformou em um sistema ineficaz, ineficiente, chegando-se ao ponto de, em certa forma, ser obsoleto.
Outro fator que contribui para esta crise é a postura que o Estado adota ao solucionar o conflito, visando, sempre, dar a melhor resposta que atenda aos seus interesses e aos fins colimados, olvidando-se, completamente, das pessoas envolvidas, dos aspectos sociais, psicológicos, emocionais e mentais que podem estar envolvidos.
Ao condenar uma parte em detrimento de outra, declarando uma parte vencedora e a outra derrotada pode até compensar o dano causado, mas, não necessariamente, encerra o conflito.
Frente a todos esses problemas a mediação, antes considerada como uma forma primitiva de resolução dos conflitos ressurge, como uma alternativa ao sistema processual, em que se pretende buscar a melhor solução para o caso concreto e não apenas para a parte agredida, além de ser um modelo que possibilita a análise de todos os aspectos que o litígio pode apresentar.
Desde o ano de 2010, quando o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, editou a Resolução n. 125, a mediação passou a ser vista com outros olhos. Abandonou-se a visão de que a mediação iria prejudicar a hegemonia estatal e criar respostas aos conflitos que seriam prejudiciais para a sociedade, passando-se a visualizá-la como uma alternativa para desafogar o Poder Judiciário e como um modelo que, efetivamente, soluciona o problema, em sua completude, todos os aspectos e peculiaridades.
Fredie Didier Jr. (DIDIER JR, 2015, p. 273) assevera que com a Resolução n. 125 do CNJ “instituiu-se, no Brasil, a política pública de tratamento adequado dos conflitos jurídicos, com claro estímulo à solução por autocomposição”.
Todavia, em que pese a Resolução nº 125, do CNJ ter trazido normas acerca da mediação e da conciliação, estimulando a utilização destas medidas desde o ano de 2010, como até então, no ordenamento jurídico brasileiro não existiam regras para concretizá-las tais disposições ficaram perdidas e sem muita efetividade.
Assim, diante desta carência normativa, o novo Código de Processo Civil ao trazer a valorização das formas alternativas de solução dos conflitos, encartadas desde o seu artigo 3º, merece aplausos, pois, enfim, regulamentaram-se os ideais trazidos na referida resolução do CNJ, ratificando as tentativas do Poder Judiciário em incentivar a resolução dos conflitos através da autocomposição, e, acima de tudo, reforçou esta nova tendência.
Nos precisos termos do §2º do citado artigo, “o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”, complementando, no §3º, há a previsão de que “a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”.
Este artigo 3º reproduz uma exigência constitucional de que não se excluirá da apreciação judicial a ameaça ou a lesão a direitos. Neste mesmo artigo assegura-se a arbitragem e se estabelece um dever de estímulo a autocomposição (mediação, conciliação e outros métodos de composição) pelas partes.
Através deste artigo criou-se um modelo multiportas do Poder Judiciário, pois traz outros modos para se solucionar os conflitos. O que antes eram meras medidas alternativas, atualmente, são adequadas e integradas, deixando o modelo judicial como uma alternativa e não mais o método principal. O nome do sistema é uma metáfora, pois a depender do seu problema haverá um direcionamento para a arbitragem, mediação, conciliação ou para o próprio o judiciário.
A demanda será separada a depender das suas características e peculiaridades e será um sistema integrado, se um método não funcionar poderá ser utilizado outro mecanismo. O novo CPC traz como um método eficiente para resolver as demandas.
A mens legis deste dispositivo e do novo CPC como um todo, no tocante à inclusão da mediação como forma legitimada a resolver os conflitos, visa dar a solução adequada para cada caso, resolvendo o litígio na sua completude. O foco não é a diminuição do número de processos que chegam aos Tribunais.
Neste sentido, Fredie Didier Jr. (DIDIER JR., 2015, p. 280), faz o seguinte alerta:
A autocomposição não deve ser vista como uma forma de diminuição do número de causas que tramitam no judiciário ou como técnica de aceleração dos processos. São outros os valores subjacentes à política pública de tratamento adequado dos conflitos jurídicos: o incentivo à participação do individuo na elaboração da norma jurídica que regulará o seu caso e o respeito a sua liberdade, concretizada no direito ao autorregramento.
Diante de tais normas, agora é um dever do Estado promover a resolução dos conflitos através das técnicas da conciliação e da mediação, abandonando-se o monopólio da jurisdição e abrindo o leque de atuação para novas possibilidades.
Tal promoção deve acontecer não visando o desafogamento do judiciário, mas, sim, a satisfação das partes envolvidas no conflito, a resolução do conflito na sua completude. Pois a medidas autocompositivas possuem uma essência mais construtiva. A diminuição no número de demandas deverá vir como uma consequência e não como foco principal.
Insta frisar que o novo CPC, não trouxe apenas uma base principiológica de estímulo à utilização da mediação. Há uma efetiva regulamentação acerca da mediação, quando traz uma seção inteira de um capítulo destinada a regulamentar a atividade dos conciliadores e dos mediadores judiciais (artigos 165 a 175).
A partir desta nova sistemática processual, surge, também, um novo princípio – o princípio do estímulo da solução por autocomposição -, que deverá orientar toda atuação estatal na resolução dos litígios.
Fredie Didier Jr. (DIDIER JR., 2015, p. 273) ao defender a importância deste princípio, aduz o seguinte:
Compreende-se que a solução negocial não é apenas um meio eficaz e econômico de resolução dos litígios: trata-se de importante instrumento de desenvolvimento da cidadania, em que os interessados passam a ser protagonistas da construção da decisão jurídica que regula as suas relações. Neste sentido, o estímulo à autocomposição pode ser entendido como um reforço da participação popular no exercício do poder – no caso, o poder de solução dos litígios. Tem, também por isso, forte caráter democrático.
O aparato trazido pelo novo CPC é de certa forma, completo, pois previu os órgãos que devem se criados, os mecanismos que podem ser utilizados, além de estipular as atribuições concernentes à atuação do conciliador e do mediador, os distinguiu, acabando com as interpretações dúbias da doutrina. Agora, o conciliador e o mediador são elevados à categoria de auxiliares da justiça, consoante expressamente consta no rol do art. 149.
Traz, ainda, determinação expressa dirigida aos Tribunais para criarem setores de conciliação e mediação (artigo 165, caput), como, também, outros programas estimuladores da autocomposição.
Esclarece Fredie Didier Jr. (DIDIER JR, 2015, p. 278) que “estes centros serão preferencialmente responsáveis pela realização das sessões e audiências de conciliação e mediação. Além disso, estes centros têm o dever de atender e orientar o cidadão na busca da solução do conflito.”.
O modelo trazido pelo novo CPC traz a conciliação e a mediação para o centro das preocupações do sistema processual, pois a todo tempo diz que antes de se buscar a resolução do litígio através de uma decisão judicial, deve o magistrado buscar uma solução consensual, construída pelas partes, mediante as concessões recíprocas.
No novo código há diversos dispositivos que visam estimular a resolução dos conflitos através das técnicas da mediação e da conciliação, dentre eles podemos citar: (i) capítulo inteiro que regula a mediação e a conciliação (arts. 165 a 175); (ii) estrutura o procedimento de modo à por a tentativa de autocomposição como ato anterior ao oferecimento da defesa pelo réu (arts. 334 a 695); (iii) permite a homologação judicial de acordo extrajudicial de qualquer natureza (art. 515, III e art. 725, VIII); (iv) permite que, no acordo judicial, seja incluída matéria estranha ao objeto litigioso do processo (art. 515, §2º); (v) permite acordos processuais (sobre o processo) atípicos (art. 190); (vi) a possibilidade da audiência de conciliação se desdobrar em mais de uma sessão, fixando o limite temporal de 2 meses para as tentativas de autocomposição (art. 334, §2º); (vii) o intervalo mínimo estabelecido entre as audiências, fixado em vinte minutos (art. 334, §12º); (viii) a imposição de sanção para a parte que injustificadamente não comparecer à audiência de conciliação, enquadrando a falta como ato atentatório à dignidade da justiça, sancionada com “multa até dois por cento, ou da vantagem econômica objetivada, revertida em favor da União ou do Estado” (art. 334, §8º).
Neste diapasão, o incentivo a utilização da autocomposição é um reforço ao princípio participativo, pilar do Estado Democrático de Direito, em que é concedido às pessoas o poder de solucionar os seus litígios.
Assim, em função deste novo princípio, haverá uma alteração nas políticas processuais, agora, focando-se na adoção de artifícios que visarão estimular a mudança da mentalidade litigiosa da sociedade brasileira, além de um consequente alargamento do centro judicial de resolução dos conflitos, abrindo, agora, espaço para os métodos de autocomposição, primordialmente, para a conciliação e para a mediação.
Tal princípio é interessante porque valoriza a forma de resolução de conflito que valoriza a capacidade das partes envolvidas chegarem à solução do seu conflito, como, também, passa para elas a percepção de capacidade, o que contribui significativamente com a obtenção da pacificação social. E como a mediação possui essa grande vantagem, pois visa restaurar os laços rompidos com o conflito e promover a convivência futura, apresenta-se como o modelo mais apropriado.
Entretanto, alguns doutrinadores já apresentam uma resistência contra a propagação deste estímulo à adoção das formas autocompositivas, alegando, em resumo, que há um sério risco dos acordos celebrados serem inexequíveis e antissociais, em que se busca tão somente a obtenção de um dado em um plano estatístico de casos, supostamente, resolvidos ou que ofereçam uma falsa sensação de apaziguamento.
Acrescentando, Daniel Amorim Assumpção Neves, (NEVES, 2015, p. 9) critica tal estímulo por acreditar que está em descompasso com a realizada prática, para tanto, sustenta o seguinte:
Por outro lado, em especial em determinadas áreas do direito material, como o direito consumerista, a distância econômica entre o litigante contumaz (fornecedor) e o litigante eventual (consumidor) gera transações – ou conciliações a depender da tão propalada pacificação social. Se parece interessante por variadas razões para o fornecedor, para o consumidor a transação é muitas vezes um ato de necessidade, e não de vontade, de forma que esperar que ele fique satisfeito pela solução do conflito é de uma ingenuidade e, pior, de uma ausência de análise empírica preocupantes.
E há mais, porque, a se consolidar a política da conciliação em substituição à jurisdição, o desrespeito às normas de direito material poderá se mostrar vantajoso economicamente para sujeitos que têm direito e estrutura para aguentar as agruras do processo e sabem que do outro lado haverá alguém lesado que aceitará um acordo, ainda que desvantajoso, somente para se livrar dos tormentos de variadas naturezas que o processo atualmente gera. OO desrespeito ao direito material passará a ser resultado de um cálculo de risco-benefício realizado pelos detentores do poder econômico, em desprestígio evidente do Estado Democrático do Direito.
Frente a estas críticas, impende fazer o seguinte esclarecimento, conforme explicitado, linhas atrás, o objetivo de se estimular o uso das medidas autocomposivas para solucionar os conflitos não é para desabarrotar o Poder Judiciário, muito menos, encerrar os processos que estão se arrastando há anos de qualquer jeito ou, pior ainda, resolver de qualquer jeito os conflitos novos, com o mero intuito de se evitar a provocação da jurisdição estatal e a demora no desenrolar do processo.
Com o estímulo a utilização da mediação, busca-se enxergar o conflito não só como um fenômeno jurídico, mas, também, como social, psicológico, emocional, valorativo, ou seja, como ele é de verdade, na sua inteireza, para que a solução ser construída atente para todos esses vieses e busque resolvê-los, também.
E mais. Não se utilizará destes mecanismos para cumprir as metas impostas pelo CNJ.
Por fim, importante deixar claro que, consoante às normas insculpidas tanto na Resolução 125/2010 do CNJ como no novo CPC, o mediador e o conciliador deverão ser profissionais preparados para diante de uma desigualdade material entre os litigantes não permitir que isso transcenda e influencia na composição celebrada. Como explicado quando foi dito sobre a figura do mediador, este deverá ter formação para atuar nesta qualidade, e deverá ser aceito por ambos os contendores.
Através deste novo modelo, as pessoas conseguirão resolver os problemas por uma via alternativa, pois é mais fácil resolver definitivamente um conflito através do diálogo do que por uma sentença impositiva, cuja execução demora um longo tempo e consome significativo volume de dinheiro público.
Procura-se criar mais um serviço organizado do Judiciário no sentido de resolver e prevenir litígios. O fundamental na resolução é criar uma mentalidade sobre tudo isso, uma cultura de que a mediação também é uma coisa muito boa do ponto de vista social e, por consequência, também é muito boa do ponto de vista dos serviços estatais.
CONCLUSÃO
Assim, em decorrência da monopolização pelo Estado das formas de resolução dos conflitos, houve uma diminuição, acentuada, na credibilidade e confiança depositadas pela sociedade no Poder Judiciário, surgindo, neste panorama uma crise de efetividade.
Como consequência desta crise houve uma redução no acesso à justiça e um aumento na utilização das práticas de vingança privada, o que só aumenta o problema da litigiosidade no Brasil.
Frente a esses problemas, o direito processual começa a buscar uma justiça que, efetivamente, seja mais acessível aos cidadãos e que dê uma solução satisfatória às querelas, de forma a evitar a morosidade e o formalismo exacerbado do atual sistema, proporcionando a todos o um, efetivo, acesso à justiça.
Neste contexto, estrutura-se um novo modelo que pretende trazer para o campo processual, as respostas autocompositivas para os conflitos, apresentando-se a mediação como o principal exemplo, pois a procura de meios consensuais atinge, sobretudo, aos ditames democráticos.
Tal modelo começou a ser estruturado desde 2010 com a Resolução n. 125 do CNJ, apresentando, agora, um passo muito importante com o novo CPC, que trouxe a regulamentação que faltava.
Encartado pelo princípio do estímulo da solução do litígio por autocomposição, o atual modelo, visa dar ao litígio uma resposta efetiva e completa, englobando todos os seus vieses.
Assim, com a mediação visa-se gerar uma democratização no acesso à justiça, pois ao minimizar as deficiências do sistema processual, consequentemente sanam-se as carências com uma humanização do processo, promovendo a abertura da mentalidade e evolução da população, abandonando-se a cultura de litigiosidade.
Por derradeiro, conclui-se que o novo CPC, ao prever e, também, repita-se, regulamentar os meios alternativos de resolução de conflitos, como uma opção à jurisdição, veio em harmonia com o Estado Democrático de Direito e a caça pela superação dos obstáculos que impedem a concretização do direito de acesso à justiça.
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