RESUMO: O presente trabalho visa analisar o instituto da coisa julgada. Objetiva-se demonstrar a evolução do entendimento quanto sua natureza jurídica, se material ou processual e a sua eficácia preclusiva. Neste estudo foi realizada a pesquisa bibliográfica, tendo sido utilizado o método dedutivo. O Código de Processo Civil em vigor adota a teoria processual. A importância da coisa julgada reside em ser um instrumento concretizador da segurança jurídica. A eficácia preclusiva da coisa julgada se manifesta no impedimento que surge, com o trânsito em julgado, à discussão e apreciação de questões suscetíveis de influir, uma vez solucionadas, no teor do pronunciamento judicial, ainda que não examinadas pelo juiz. A doutrina moderna vem adotando a possibilidade de desconsideração da coisa julgada material.
Palavras-chave:Coisa julgada. Natureza jurídica. Eficácia preclusiva.
ABSTRACT: This study aims to analyze the institute of the res judicata. The objective is to demonstrate the evolution of understanding about its legal nature, whether substantive or procedural, its effectiveness and the extent of preclusive immutability conferred by res judicata to judicial pronouncements. In this study bibliographic research was performed and the deductive method was the one used. The up to date Code of Civil Procedure adopts the procedural theory. The importance of res judicata is to be an instrument concretizing of legal certainty. The preclusive effectiveness of res judicata is manifested in the impediment that comes with the final judgment, to the discussion and consideration of matters susceptible to influence, once solved, the content of judicial pronouncement, although not examined by the judge. The modern doctrine has taken the possibility of mitigating the material res judicata.
KEYWORDS: Res judicata. Legal nature. Preclusive effectiveness.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito e natureza jurídica da coisa julgada. 2.1 Conceito. 2.2. Natureza jurídica. 3. Coisa julgada formal e material. 3.1. Eficácia preclusiva da coisa julgada. 3.2. Relativização da coisa julgada material. 4. Considerações finais. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo analisar de forma pormenorizada a coisa julgada, demonstrando a evolução do entendimento quanto à sua natureza jurídica e eficácia preclusiva. A coisa julgada se caracteriza por ser um instituto de função essencialmente prática que existe com a finalidade de assegurar estabilidade à tutela jurisdicional e evitar a perenização dos conflitos.
Uma vez transitado em julgado o processo, constitui-se a denominada coisa julgada formal e, em sendo o processo encerrado com resolução do mérito, a coisa julgada material, com a conseqüente proteção à imutabilidade do conteúdo da sentença proferida pelo órgão julgador. A noção mais comum de coisa julgada a identifica com qualquer pronunciamento do juiz que se tornou imutável por não, ou não mais, ser cabível recurso.[1]
No que concerne a natureza jurídica da coisa julgada delineia-se a percepção da existência da teoria material e da teoria processual. A primeira enxerga na sentença o fundamento para a formação de relações de direito material das partes no que concerne ao objeto do litígio, confirmando a sentença justa a situação jurídica atual e para ela criando um novo fundamento, enquanto a sentença injusta o constitui em conformidade com o seu conteúdo. A segunda, por sua vez, enxerga a essência da coisa julgada na vinculação futura de todos os juízes à declaração contida na sentença, obrigando-os a julgar o mesmo litígio no mesmo sentido.
A eficácia preclusiva da coisa julgada se manifesta no impedimento que surge, com o trânsito em julgado, à discussão e apreciação de questões suscetíveis de influir, uma vez solucionadas, no teor do pronunciamento judicial, ainda que não examinadas pelo juiz. Importante pontuar as funções positiva e negativa da coisa julgada. Aquela consiste em por fim ao litígio e proporcionar o resultado pretendido pelos litigantes, qual seja extinguir o estado de dúvida em que se encontravam e ao mesmo tempo vincular o juiz em um futuro processo ao conteúdo da decisão proferida em um processo anterior. A imutabilidade que a caracteriza é o sinal marcante da função positiva da coisa julgada. A sua função negativa constitui a proibição endereçada aos juízes de julgar novamente os litígios já transitados em julgado, impedindo que o conflito de interesses já resolvido, possa a qualquer tempo ser novamente julgado. Trata-se, a função negativa, do reflexo do princípio do ne bis in idem, baseado na idéia de consumação da ação.[2]
A doutrina moderna vem adotando a possibilidade de desconsideração da coisa julgada material, a qual encontra respaldo em situações previstas no Código de Processo Civil (CPC) em vigor, evidenciando que a segurança jurídica, perseguida pelo Estado Democrático de Direito, é por vezes afastada para rediscussão da lide já transitada em julgado.
No primeiro capítulo de desenvolvimento é iniciada a discussão pelo conceito da coisa julgada, prosseguindo a análise desse instituto demonstrando as concepções quanto a sua natureza jurídica, se material ou processual.
O capítulo seguinte é dedicado à compreensão da questão da coisa julgada formal e material, sua eficácia preclusiva e a tendência moderna à relativização a coisa julgada material.
A Metodologia compreende um conjunto de instrumentos produzidos e administrados para a consecução de um trabalho e inclui prática de estudo da realidade consistente em dirigir o espírito na investigação da verdade. A pesquisa bibliográfica é uma das técnicas decisivas para a pesquisa em ciências sociais e humanas. Ela é indispensável porque a maior parte das fontes escritas é quase sempre a base do trabalho de investigação, uma vez que a pesquisa jurídica fundamentalmente se efetiva por meio de fontes bibliográficas, da legislação e dos pronunciamentos judiciais.
No desenvolvimento do presente artigo foi utilizado o método dedutivo, partindo-se dos posicionamentos doutrinários, bem como dispositivos constitucionais e legais para análise do tema enfrentado.
A fim de analisar, compreender e demonstrar as nuances e extensão da coisa julgada foi realizada a revisão bibliográfica da doutrina e análise documental da legislação referentes ao tema objeto deste trabalho.
2. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA COISA JULGADA
2.1 CONCEITO
Entre os romanos, o particípio iudicata qualificava o substantivo res para indicar, em relação a este, a situação particular que advinha de já se ter proferido o julgamento, tal como a expressão in iudicium deducta remetia a res submetida ao conhecimento do juiz, mas ainda não julgada, sendo ressaltado em ambas as expressões "algo que se punha como objeto da atividade cognitiva judicial"[3].
Enfatiza que seria estranho entre os romanos identificar a noção de coisa julgada com a própria sentença, ou com o seu respectivo conteúdo, ou com sua eficácia em geral ou com um dos seus efeitos ou ainda com uma qualidade da sentença, mas que o direito moderno tem caminhado no sentido de deslocar a tônica do conceito, do substantivo coisa para o adjetivo julgada.
Aponta o autor que na outrora denominada Lei de Introdução do Código Civil (LIC), em seu art. 6, § 3°, a coisa julgada é identificada com a sentença da qual não é cabível impugnação por meio de recurso, firmando a equação coisa julgada=sentença irrecorrível. Na doutrina alemã identificava-se a coisa julgada com o efeito declaratório da sentença insuscetível de recurso, enquanto Carnelutti na Itália pretendia equiparar a coisa julgada à eficácia, ou imperatividade da decisão, ao passo que o Código Civil Italiano de 1942 a relacionou ao conteúdo da sentença. Considera ser puramente adjetiva a concepção de Liebman para o qual a coisa julgada consistiria na imutabilidade do comando nascente de uma sentença.
Considera ser a coisa julgada um instituto de função essencialmente prática que existe com a finalidade de assegurar estabilidade à tutela jurisdicional. Afasta, por insatisfatória, a noção contida na outrora designada LIC por apenas indicar o momento em que se forma a coisa julgada, não informando sobre a essência do fenômeno em si. Critica ainda a visão alemã, pois a sentença não produz uma declaração, antes a contém[4].
Ressalta BARBOSA MOREIRA que não há de se confundir "coisa julgada" com "autoridade da coisa julgada", pois a coisa julgada não se identifica nem com a sentença transitada em julgado, nem com a imutabilidade da qual ela se reveste, mas sim com a situação jurídica que passa a existir após o trânsito em julgado da decisão judicial[5].
ARAGÃO propõe o estudo do significado da locução "coisa julgada" para adentrar na conceituação desta. O substantivo "coisa",palavra esta por si multívoca, pode corresponder ao vocábulo " bem" tal qual descrito no Código Civil. Remete-se o autor à Chiovenda para pontuar que se ao invés de coisajulgada fosse possível dizer bem julgado, estabeleceria-se de modo mais evidente a diferença entre coisas julgadas e questões julgadas e contrapõe a opinião de Carnelutti para o qual o termo res (coisa) não significa bem, mas antes simboliza a relação jurídica, o conflito. A palavra "julgada, por sua vez, constitui o particípio passado do verbo julgar[6].
Deduz o autor, que da análise da locução "coisa julgada" facilmente percebe-se que esta corresponde ao "bem", à "relação", ao caso sobre o qual as partes litigaram em juízo após a demanda restar solucionada pela sentença que houver rejeitado ou acolhido o pedido da parte autora, podendo esse bem ser tanto uma coisa em si quanto um direito, sendo que este "bem da vida" assegurado às partes pela sentença constitui a coisa julgada.
Explica ainda que pregressamente no Direito Romano a locução res iudicata designava a própria sentença, condenatória ou absolutória, podendo ainda ser sujeita a recurso. Com a contribuição do Direito Canônico a expressão res iudicata passou a significar a sentença investida da autoridade de coisa julgada.Relembra que o antigo Direito Francês conservou o entendimento romano, de modo que os julgamentos tinham autoridade de coisa julgada desde que proferidos, ainda que fossem cabíveis recursos. Porém, para o direito atual, a locução "coisa julgada" não designa apenas o julgamento da res, mas sim, a autoridade de que fica revestida quando preclui ou se esgota a faculdade de contra ele recorrer, sendo pois a imutabilidade do julgamento que consubstancia a coisa julgada.[7]
ALVIM aponta que no direito romano a coisa julgada era a "expressão de exigência de certeza e segurança no gozo dos bens da vida", passando em julgado apenas a sentença, assentando a coisa julgada num pressuposto de ordem prática, qual seja garantir ao vencedor o bem da vida reconhecido na sentença, não soando o pronunciamento judicial como verdade, mas sim em lugar da verdade. Já no direito medieval a coisa julgada era compreendida como uma presunção de verdade daquilo que o juiz declarava, entendimento representado pela máxima res iudicata facit de albonigrum, de quadratorotundum. ("coisa julgada transforma o branco em preto e o quadrado em redondo")[8].
GASTAL pondera que na raiz de todas as concepções acerca da coisa julgada reside a idéia de que o seu propósito é o de não permitir a perenização dos conflitos de modo a ensejar estabilidade e certeza às relações jurídicas, pois a definitividade de que se reveste o comando judicial após a apreciação de uma determinada relação jurídica, enquanto apresentar os mesmos contornos que a delineavam quando judicialmente apreciada, é justamente o que dá sentido ao exercício da função jurisdicional[9].
2.2 NATUREZA JURÍDICA
O estudo sobre a natureza jurídica da coisa julgada conduz à percepção de existirem duas correntes principais e conflitantes quanto ao entendimento de ser ela um instituto de natureza substancial, concepção abraçada pela teoria material ou de ser um instituto de natureza processual, a compor a denominada teoria processual da coisa julgada.
BARRETO ensina que num primeiro momento, por influência do Direito Romano, não se falava em autonomia do direito material ante o processual, de forma que "a coisa julgada nada mais era do que o próprio direito consumado pela actio, de modo que a resiudicata se tornava o único e exclusivo efeito do iudicatum.", sendo a coisa julgada a própria verdade jurídica reconhecida[10].
Analisa ARAGÃO as concepções das teorias material e processual entre os diferentes doutrinadores. Destaca Enrico Allorio para o qual "A antítese entre a doutrina substancial e a doutrina processual da coisa julgada nada mais é que o reflexo dessa mesma antítese entre os dois modos, fundamentalmente diversos, de conceber a destinação do processo civil", sendo que a teoria substancial estaria em relação direta com a concepção do processo como sendo um instituto destinado a alcançar a composição da lide, enquanto a teoria processual resulta da concepção do processo como instrumento para a atuação do direito.
Pondera que uma sentença pode ser substancialmente injusta, por ter chegado a um resultado incompatível com o direito aplicável à espécie e ao mesmo tempo ser processualmente justa porque era a solução que o caso comportava em decorrência do material probatório proporcionado pelos litigantes, como também pode seguir uma relação inversa e ser substancialmente justa e processualmente injusta, mas que o Direito sempre contou com a possibilidade de o juiz errar na apreciação da prova e por isso produzir uma sentença injusta.
A teoria material da coisa julgada, predominante durante certo tempo, enxerga na sentença o fundamento para a formação de relações de direito material das partes no que concerne ao objeto do litígio, confirmando a sentença justa a situação jurídica atual e para ela criando um novo fundamento (de extinção ou de constituição), enquanto a sentença injusta o constitui em conformidade com o seu conteúdo. A teoria é denominada material porque o direito receberia da sentença certa, a sua confirmação e a sentença errada criaria o direito diverso do previsto no ordenamento jurídico para incidir no caso concreto.
A teoria processual, a seu turno, nega qualquer influência da sentença passada em julgado no direito material e enxerga a essência da coisa julgada na vinculação futura de todos os juízes à declaração contida na sentença, obrigando-os a julgar o mesmo litígio no mesmo sentido. Visa abandonar a disputa sobre o acerto ou erro da sentença, considerando que o debate sobre o julgamento ser justo ou não só conduz a discussões inúteis sobre a injustiça da sentença, eliminadas pela autoridade da coisa julgada[11].
Nesse sentido, GASTAL considera que na concepção substancial da coisa julgada, o julgado vincula os futuros juízes por provocar uma modificação no direito pré-existente, fazendo surgir uma nova situação jurídica de direito material. Essa concepção atribui à coisa julgada uma consequência que vai repercutir sobre a situação material, com o fim de constituir, modificar ou extinguir o direito, a relação ou o estado que é objeto de litígio.
Pontua o autor que a hipótese da sentença injusta sempre se prestou à reflexão acerca da natureza jurídica do instituto da coisa julgada, servindo de impulso à concepção substancial desta, pois a possibilidade de discrepância entre o julgado e o direito material ficaria eliminada se se compreendesse a coisa julgada como uma situação jurídica nova, que se constitui no plano do direito material, de modo que, a sentença poderia ser considerada injusta em relação ao direito material pré-existente, mas não se poderia encontrar dissintonia entre a coisa julgada e o novo direito material resultante.
Explica ainda que a teoria processual da coisa julgada, desenvolvida no final do século XIX e XX por Stein e Hellwig, sustenta que o vínculo que constrange futuros juízes a acatar o contido no julgado é de cunho unicamente processual, de forma que, a coisa julgada não afeta a relação de direito material que é objeto do juízo, permanecendo esta inalterada em todos os seus elementos e que se a sentença foi injusta, porque o seu comando discrepava do disciplinado pelo ordenamento jurídico para o caso concreto, esta discrepância subsistirá.
Alude o autor que se o processo faz atuar o direito, o resultado daquele não pode revelar outra situação jurídica substancial, senão aquela própria cuja atuação constituía o seu propósito. A coisa julgada deverá ser mais bem compreendida como um vínculo, de ordem processual, para os juízes que no futuro serão confrontados a decidir sobre o mesmo objeto[12].
Distinguidas as teorias material e processual da coisa julgada, resta inclinar-se ao entendimento de ARAGÃO de que o CPC em vigor adota a teoria processual, denominada radical por Allorio, de nenhum juiz poder julgar de novo, ainda que seja no mesmo sentido, causa já composta por sentença passada em julgado, pois se tornar a julgá-la irá ofender a coisa julgada. Entendimento esse resultante da análise em conjunto dos art. 471, 267, V e § 3° e 268 do CPC atual[13].
Avançando na natureza jurídica da coisa julgada, exsurge esclarecer se ela é um dos efeitos da sentença ou uma qualidade que a ela adere. BARRETO discute que a sob tradição do Direito Romano, a coisa julgada seria um dos vários efeitos produzidos pela sentença ou se identificaria com o próprio efeito declaratório, não participando da coisa julgada os efeitos constitutivos e condenatórios das sentenças. Explica ainda que é possível encontrar em Chiovenda os fundamentos iniciais para superação desse entendimento, distinguindo os efeitos da sentença da coisa julgada, pois enquanto aqueles valem para todos, a coisa julgada se restringe às partes[14].
LIEBMAN foi o grande responsável pela visão atual do instituto da coisa julgada predominante na doutrina brasileira. Ensina o autor que permanecia o hábito de ver na coisa julgada o efeito próprio e específico da decisão judicial e que foram construídas teorias explicando a coisa julgada como ficção de verdade, verdade formal ou presunção de verdade, as quais foram finalmente repelidas da linguagem científica pela sua imprecisão, mas que a coisa julgada permaneceu presa à sentença como a decisão de uma questão duvidosa.
Assevera que Carnelutti escreveu que imutabilidade da decisão não corresponde ao seu caráter imperativo, mas sim à sua função declarativa e que a posição de Chiovenda, de também ver na coisa julgada um efeito da sentença, terminava por relacioná-la com a declaração emitida pelo juiz tal qual as demais várias fórmulas, que ao tentar explicar a coisa julgada, faziam-na equivaler à criação de uma declaração irrevogável.
Problematiza o autor que a decisão judicial tem frequentemente eficácia não meramente declarativa, mas também constitutiva, surgindo o questionamento sobre as relações existentes entre a coisa julgada e os efeitos da sentença, se seria ela considerada como um efeito da sentença ao lado dos demais efeitosexistentes ou se seria possível distinguir em toda a sentença uma parte que seria suscetível de adquirir a autoridade da coisa julgada[15].
Esclarece que a coisa julgada consiste na força vinculante da declaração, quer se apresente sozinha, quer acompanhada de efeito constitutivo, pois este nada tem a ver com a coisa julgada, desnecessária para que ele possa ser produzido, de modo que constitui erro lógico sistematizar a coisa julgada ao lado dos outros possíveis efeitos da sentença. Enfatiza que "Pode-se assim reconhecer que uma declaração destituída da autoridade da coisa julgada é para quem a obteve pouco menos que inútil", e que a coisa julgada é qualquer coisa mais que se ajunta para aumentar a estabilidade de quaisquer dos efeitos da sentença, de forma que identificar a declaração produzida pela sentença com a coisa julgada significa confundir o efeito com um elemento novo que o qualifica.[16]
No que tange ao enfrentamento do problema da posição da coisa julgada na teoria da sentença, LIEBMAN relembra que a lei confere efeitos à sentença mesmo antes do seu trânsito em julgado, exemplificando com a execução provisória e com a eficácia executória da sentença não mais sujeita aos recursos ordinários, devendo-se de igual modo reconhecer que todos os efeitos da sentença podem se produzir antes da sentença transitar em julgado.
Da afirmação acima exposta, depreende-se que a eficácia jurídica da sentença pode e deve ser distinguida da autoridade da coisa julgada, sendo acolhida a distinção de Carnelutti entre imperatividade e imutabilidade da sentença, pois esta é imperativa e produz todos os seus efeitos ainda antes e independentemente de transitar em julgado.
Nesse sentido extrai-se que "a autoridade da coisa julgada não é efeito da sentença, como postula a doutrina unânime, mas, sim, modo de manifestar-se e produzir-se dos efeitos da própria sentença, algo de que a esses efeitos se ajunta para qualificá-los e reforçá-los em sentido bem determinado."
Critica o autor a concepção de Hellwig, de ser a coisa julgada efeito específico da sentença irrecorrível e eficácia declaratória da sentença, afirmando que ele confundiu o efeito normal da sentença com a definitividade e incontestabilidade desse efeito. Pontua que a coisa julgada serve para evitar um novo pronunciamento judicial contraditório em face de uma sentença anterior, pois a mesma faz com que o efeito produzido por uma sentença permaneça irrevogavelmente adquirido, não sendo a coisa julgada um efeito diverso, mas sim, uma qualidade do próprio efeito[17].
Com a contribuição de LIEBMAN, a coisa julgada passou a ser compreendida não mais como um dos efeitos da sentença e a ser considerada como uma qualidade que adere à sentença potencializando a eficácia natural desta ao conferir-lhe imutabilidade.
BARBOSA MOREIRA manifesta-se criticamente à visão de Liebman sobre imutabilidade dos efeitos da sentença transitada em julgado e afirma que se alguma coisa escapa ao selo da imutabilidade são justamente os efeitos da sentença, sendo a imutabilidade apenas da própria sentença.
Esclarece o autor que os efeitos da sentença, mesmo que estranhos ao conceito de coisa julgada, em regra só começam a produzir-se no momento em que esta se forma e só em casos excepcionais e taxativos, a ela se antecipam. A imutabilidade não é dos efeitos da sentença, mas sim, do conteúdo desta, sendo importante discernir que a imutabilidade do conteúdo da sentença não implica na imutabilidade da situação jurídica concreta sobre a qual o incidiu o pronunciamento judicial. A mudança da situação jurídica concreta em nada afeta a autoridade da coisa julgada da sentença previamente proferida, uma vez que "A norma sentencial permanece imutável, enquanto norma jurídica concreta referida a uma determinada situação."[18].
Adentra-se nas linhas a seguir na análise dos conceitos referentes à coisa julgada formal e material. A lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), Decreto-Lei 4657 de 1942, ementa com redação determinada pela Lei. 12.376/10, dispõe em seu art. 6°,§ 3° que “Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso”, enquanto o art. 467 do CPC prescreve que “Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”
ARAGÃO aponta críticas ao art. 6°,§ 3° da LINDB, ressaltando que este se restringe ao aspecto cronológico da passagem da sentença em julgado, sem cuidar do aspecto ontológico da coisa julgada, considerando que neste artigo cabe apenas a idéia da coisa julgada formal, a qual surge com a exaustão dos recursos cabíveis contra a sentença ou com a impossibilidade de recurso pela mesma ter nascido irrecorrível.
Alude este doutrinador, que o art. 467 do CPC evoluiu quanto à definição da coisa julgada ao procurar conceituar a coisa julgada material, porém critica a redação deste artigo, pois considera que não é a coisa julgada material que torna imutável e indiscutível a sentença, mas sim o trânsito em julgado ou o exaurimento do duplo grau de jurisdição. Uma vez não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário, a sentença ou acórdão só produzirá coisa julgada material se houver solucionado o mérito da causa, uma vez que, se a sentença extinguir o processo sem apreciação do mérito, formará-se apenas a coisa julgada formal[19].
No que tange a coisa julgada em sentido formal, CHIOVENDA explica que esta corresponde a tornar-se definitiva a sentença. Elucida o autor que se a sentença não esta sujeita a recursos, é por si mesma definitiva e produz, logo, seus efeitos, a não ser que seus efeitos executórios estivessem subordinados a um prazo. Em sendo passível de recursos, a sentença tornará-se definitiva após decorrido o prazo fixado em lei para o recurso, sem que o mesmo tenha sido interposto uma vez que os prazos recursais são peremptórios. Existe ainda, a possibilidade da parte aceitar expressamente ou tacitamente uma sentença, importando em renúncia ao direito de impugná-la, tornando-a desta forma definitiva. Assevera o autor, que oferecida uma impugnação, a coisa julgada pode se formar mediante perempção do processo de impugnação ou renúncia a ele[20].
O trânsito em julgado, fenômeno processual antecedente à coisa julgada, representa um momento no curso do processo no qual ocorre a transição entre um estado dinâmico a um estado estático. KLIPPEL e BASTOSexplicam que no momento em que a cadeia de atos processuais alcança seu ponto final numa lide específica, verifica-se o trânsito em julgado, correspondendo este ao fim da atuação do procedimento para a formação de uma determinada norma concreta. Ressaltam os autores, que não há um momento único e estanque para a ocorrência deste fenômeno, em virtude de o procedimento nem sempre alcançar todas as possibilidades abstratamente postas à disposição dos litigantes, mas que de fato, o trânsito em julgado leva à estabilização da discussão de determinada lide, sendo por isso, o antecedente lógico da coisa julgada[21].
Nesse mesmo sentido, ALVIM ensina que uma vez proferida uma sentença de mérito, a parte interessada poderá utilizar-se dos meios recursais para impugná-la, podendo aquela ser objeto de modificação. Porém, em não sendo mais possível a modificação da decisão judicial, por não mais ser cabível qualquer recurso, pelos mesmos motivos já explanados por Chiovenda, a sentença transita em julgado, tornando-se imutável como ato processual dentro do mesmo processo no qual foi proferida. A essa imutabilidade conferida à sentença pela preclusão do prazo para recurso, chama-se coisa julgada formal.
Raciocina o doutrinador que, em se tornando imutável a sentença enquanto ato processual, sucede em conseqüência, a imutabilidade do conteúdo do ato, cujo comando, nele inserido,torna-se definitivo, estável, inatacável, e projeta-se para fora dos limites do processo em que fora praticado, tornando também imutáveis seus efeitos, com a sentença sendo a lei reguladora da espécie decidida, fenômeno este conhecido como coisa julgada material, sendo a coisa julgada formal um pressuposto da coisa julgada material[22].
A coisa julgada formal conforme LIEBMAN nada mais é que uma qualidade da sentença, quando a mesma já não é recorrível por força da preclusão dos recursos, sendo a coisa julgada material a sua eficácia específica e propriamente, a autoridade da coisa julgada, condicionada à formação daquela. Aponta o autor, que todas as sentenças são suscetíveis de coisa julgada formal, mas apenas aquelas que acolhem ou rejeitam o mérito são suscetíveis de coisa julgada material.
LIEBMAN critica a importância dada à distinção entre estes conceitos e enfatiza que a coisa julgada substancial não é um efeito da sentença, mas apenas um aspecto particular daquela qualidade que ela logra, quando ocorre a preclusão dos recursos, sendo a coisa julgada formal a imutabilidade da sentença como ato processual e a coisa julgada substancial a mesma imutabilidade em relação ao seu conteúdo e mormente aos seus efeitos.
Aprofunda-se no tema o autor ao problematizar que uma sentença que julgue os pressupostos processuais não logra coisa julgada diversa da sentença que acolhe ou rejeita a demanda na análise do mérito. No primeiro caso a sentença terá um efeito meramente interno no processo, perdendo sua importância, uma vez findo este. No segundo caso, a sentença, ao decidir sobre a relação deduzida em juízo, destina-se a projetar a sua eficácia para fora do processo e a sobreviver a este. A diferença entre as situações descritas repousa no comando contido na sentença e nos seus efeitos, permanecendo a coisa julgada sempre a mesma[23].
BARBOSA MOREIRA aponta que a variável extensão da imutabilidade da sentença abre ensejo à distinção entre coisa julgada formal e material, ocorrendo aquela quando a sentença se torna imutável apenas no âmbito do processo em que foi proferida, não havendo dessa forma, óbice a que se profira nova decisão com o mesmo objeto num outro processo. Já a coisa julgada material ocorre quando a imutabilidade da sentença proferida em um processo prevalece em relação à processos distintos, sendo que, a discriminação, em concreto, dos casos em que a esta imutabilidade se estende a todos ou se restringe a um processo, será a que resulte do direito positivo de cada ordenamento jurídico.
Pondera que nenhuma decisão deixa de produzir a coisa julgada, ao menos em seu sentido formal, uma vez que inexiste no direito dos países do ocidente, série infinita de recursos, não havendo processo que não se encerre em um determinado momento, a tornar imutável no seu âmbito, as decisões proferidas[24].
Antes de adentrar na análise da eficácia preclusiva da coisa julgada, urge tecer considerações acerca da preclusão, a qual não se confunde com aquela, haja vista ser a coisa julgada apenas uma das várias situações jurídicas sujeitas à preclusão.
ARAGÃO ensina que no sentido técnico o termo preclusão exprime a idéia de extinção de um poder, para o juiz ou tribunal e a perda de uma faculdade para a parte, enquanto o princípio preclusivo associa-se à divisão do procedimento em fases distintas, remetendo a idéia de perda ou extinção de uma oportunidade porque foi ultrapassada a ocasião propícia para exercê-la. Ressalta que no Brasil adota-se o conceito formulado por Chiovenda para o qual a preclusão significa a perda, extinção ou consumação de uma faculdade processual que sofre pelo fato de não se haver observado a ordem prescrita em lei ao uso de seu exercício, ou de se haver realizado uma atividade incompatível com o exercício de uma faculdade, uma propositura de uma exceção incompatível com outra e a realização de ato incompatível com a intenção de recorrer ou de já se haver validamente exercido a faculdade, recaindo na consumação[25].
A preclusão não é ato, não é praticável, sendo em verdade um acontecimento, um fato, que surge no processo, ou como resultado da ausência de outro fato ou como consequência de determinado ato, que por ter sido praticado tempestivamente, consumou a faculdade, ou o poder, para o juiz, de praticá-lo uma segunda vez ou como decorrência de haver ou não sido praticado algum ato incompatível com a prática de outro. Assim, a preclusão surge sempre e necessariamente como um efeito, um resultado. Percebe-se com facilidade a influência do princípio da preclusão no processo civil brasileiro como, por exemplo, ao dividir o processo nas fases postulatórias, instrutória e decisória e na adoção da máxima da eventualidade[26].
LIEBMAN interrelaciona o fenômeno da preclusão à coisa julgada formal ao dispor que esta é uma qualidade da sentença, quando já não é recorrível por força da preclusão dos recursos[27]. GRINOVER, entretanto, critica a posição da doutrina brasileira em acolher a distinção estruturada por Liebman entre coisa julgada formal e material e em equiparar a coisa julgada formal à preclusão. Assevera a doutrinadora que estes institutos são dois fenômenos distintos, na perspectiva de decisão irrecorrível, ligados entre si por uma relação lógica de antecedente-consequente, sendo a preclusão, subjetivamente, a perda de uma faculdade processual e, objetivamente, um fato impeditivo, enquanto a coisa julgada formal consiste na qualidade da decisão, ou seja, sua imutabilidade dentro do processo[28].
CÂMARA conceitua a preclusão como a perda de uma posição jurídica processual ativa, pelas partes ou pelo juízo, sendo o resultado decorrente de algum fenômeno que gere essa perda. Configura fenômeno essencial ao andamento ordenado do processo, assegurando que o processo mova-se para diante, de forma que, sem a preclusão o processo poderia tornar-se interminável.
A preclusão pode ser lógica, temporal ou consumativa. Na preclusão lógica a perda da posição decorre do fato de se ter praticado anteriormente algum outro ato que com ela seja incompatível, tal qual no cumprimento voluntário da sentença antes de impugná-la. Ocorre a preclusão temporal quando a perda da posição processual decorre da ultrapassagem do prazo para o seu exercício como ocorre após o decurso do prazo para interposição de um recurso. A preclusão consumativa, aseu turno, ocorre quando a posição processual deixa de existir por já ter sido exercida[29].
Passando a análise da eficácia preclusiva da coisa julgada em si, BARBOSA MOREIRA esclarece que esta se manifesta no impedimento que surge, com o trânsito em julgado, à discussão e apreciação de questões suscetíveis de influir, uma vez solucionadas, no teor do pronunciamento judicial, ainda que não examinadas pelo juiz. A fim de evitar dispêndio inútil da atividade processual, simplesmente exclui-se que essas questões possam ser suscitadas com o escopo e atacar a coisa julgada.
Considera o citado doutrinador, que a eficácia preclusiva da coisa julgada material é pan-processual, pois seu efeito preclusivo projeta-se para fora do processo, fazendo-se sentir nos eventuais processos subsequentes, enquanto que a eficácia preclusiva da coisa julgada formal restringe-se ao interior do processo no qual foi proferida. Essa eficácia preclusiva visa excluir que o resultado do processo, após o trânsito em julgado, venha a ser objeto de contestações juridicamente relevantescom base em alegações que já tenham ou não sido examinadas.
Explica BARBOSA MOREIRA que o expediente usado pela lei (art.287 do CPC de 1939) tem mera função instrumental, pois a preclusão das questões logicamente subordinantes não é um fim em si mesma, senão simples meio de preservar a imutabilidade do julgado. Esclarece, entretanto, que a preclusão das questões logicamente subordinantes apenas prevalece em feitos nos quais a lide seja a mesma já decidida ou tenha solução dependente da que se deu à lide já decidida, e que, fora desses limites, ficam abertas à livre discussão e apreciação as mencionadas questões, independentemente da circunstância de terem sido examinadas pelo primeiro juiz ao assentar as premissas da sua conclusão.
Esclarece o autor, que a eficácia preclusiva da coisa julgada material atinge as questões de fato, as de direito e as solúveis mediante aplicação de direito ao fato e referentes à relação jurídica ou cuja existência ou inexistência se subordina a relação jurídica sobre a qual versa o pedido. Ressalta, porém, que a eficácia preclusiva não atinge os fatos supervenientes, apenas aqueles existentes (que já aconteceram), sendo desnecessário, contudo, que fossem conhecidos pela parte[30].
A eficácia preclusiva da coisa julgada encontra-se positivada no art. 474 do CPC em vigor, o qual estabelece que "passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido.” SÁ alude que o artigo supracitado impede que não apenas o que a parte perdeu possa ser rediscutido, como também tudo aquilo que ela poderia ter alegado, mas não o fez, ressaltando-se que tal impedimento se refere aos argumentos que poderiam ser alegados dentro de uma mesma lide. Todas as questões que foram e poderiam ter sido levantadas em juízo ficam repelidas pela segurança que se impõe à coisa julgada como fenômeno de pacificação social, de forma que aquilo que não foi alegado torna-se irrelevante e mistura-se com o objeto litigioso que restou imunizado, como se tivesse sido julgado implicitamente.
Enfatiza o autor que a eficácia preclusiva da coisa julgada consiste na preclusão paras as partes discutirem questões apreciadas ou não de forma incidental em demanda anterior que possam influenciar na matéria já imunizada, não se tratando de conferir eficácia à decisão, mas sim à coisa julgada, constituindo um efeito inerente a ela. Esclarece que não se admite a propositura de nova demanda para discutir a mesma lide, ainda que com novas alegações. Em que pese os limites objetivos da coisa julgada restringirem-se ao dispositivo da sentença, as questões pertencentes a mesma lide que tiveram aptidão de influenciar no mérito da demanda anterior são atingidas pela eficácia preclusiva da coisa julgada.[31]
Frisa que a eficácia preclusiva da coisa julgada tem natureza instrumental e visa manter a imutabilidade da decisão anterior, uma vez que a coisa julgada objetiva gerar a imutabilidade do que foi decidido para determinadas partes, sobre um pedido com base em certa causa de pedir. Qualquer situação distinta configurará nova demanda.[32]
O instituto da coisa julgada configura instrumento de pacificação social e concretização da segurança jurídica no Estado Democrático de Direito ao imutabilizar o conteúdo das sentenças transitadas em julgado, impedindo a perenização do conflito acobertado pelo seu manto. Entretanto, em decorrência da falibilidade inerente à condição humana, as decisões judiciais transitadas em julgado podem ser substancialmente ou processualmente injustas ou inconstitucionais, resultando no questionamento acerca da validade de erigir a coisa julgada a um valor absoluto.
Nesse sentido, surgem argumentos no sentido da relativização da coisa julgada material. THEODORO JÚNIOR relembra que as idéias emanadas da Revolução Francesa, no que concerne a delimitação do poder político do Estado, resultaram na preocupação constante em garantir a Supremacia da Constituição, como única forma de assegurar aos cidadãos a certeza da tutela da Segurança e da Justiça como valores máximos da organização da sociedade.
No que tange ao tema de inconstitucionalidade, o autor pontua que sempre houve uma preocupação com a desconformidade apenas dos atos legislativos com a Constituição, mantendo-se os atos judiciais imunes a ataques, ainda que fossem inconstitucionais, especialmente após ocorrida a coisa julgada, consagrando o princípio a intangibilidade da coisa julgada, de modo que, após a coisa julgada resguardava-se a segurança jurídica, em detrimento de uma preocupação com a justiça[33].
Ressalta que "À vista da busca sempre constante da constitucionalidade, pode-se dizer que o ato que não a contempla tem um valor negativo. Fala-se, assim, do desvalor do ato inconstitucional.", não podendo a coisa julgada suplantar a lei, em tema de constitucionalidade, sob pena de colocar-se como algo mais importante que a lei e a própria Constituição.
Esclarece o autor que, a regra constitucional prescrita no art. 5°, XXXVI da CRFB é dirigida ao legislador ordinário na medida em que disciplina a edição de outras normas jurídicas pelo legislador, de forma que a intangibilidade da coisa julgada no ordenamento brasileiro não tem sede constitucional, resultando antes da norma contida no art. 457 do CPC, não estando imune ao princípio da constitucionalidade, o qual lhe é hierarquicamente superior[34].
Consoante pontua CÂMARA, existem duas tendências na doutrina moderna, uma delas negando a possibilidade de relativização da coisa julgada como Leonardo Greco eoutra afirmando a necessidade de permitir-se a rescisão a qualquer tempo de sentenças transitadas em julgado que sejam "objetivamente desarrazoadas" como Sérgio Gilberto Porto e José Maria Rosa Tesheiner, prevalecendo, mais recentemente, a segunda.
Posiciona-se pelo entendimento de ser a coisa julgada uma garantia constitucional, porém não absoluta, sendo passível de relativização, até mesmo por normas infraconstitucionais, mas que essa relativização deve ser feita por meios processuais adequados como a ação rescisória, os embargos do executado e a querela nullitatis[35].
Entretanto, relembra a limitação temporal para rescisão do julgado ao prazo de dois anos a contar da formação da coisa julgada e que nos mecanismos processuais supracitados, a questão sobre a inconstitucionalidade da decisão judicial configura a questão principal do processo a ser instaurado.
Não deixa de ressaltar que a relativização da coisa julgada pode gerar instabilidade e insegurança prejudicial à pacificação social e propõe como solução acréscimo de um novo parágrafo único ao art.485 do CPC, prescrevendo a ação rescisória como único meio de desconstituição de sentença transitada em julgado ao estabelecer que:
A sentença de mérito transitada em julgado que ofende a Constituição só deixa de produzir efeitos após rescindida na forma prevista nesse Capítulo, permitida a concessão, pelo relator, de medida liminar que suspenda temporariamente seus efeitos se houver o risco de que sua imediata eficácia gere dano grave, de difícil ou impossível reparação, sendo relevante a fundamentação da demanda rescisória[36].
Em seu posicionamento, NERY JÚNIOR afirma que
O risco político de haver sentença injusta ou inconstitucional no caso concreto parece ser menos grave do que o risco político de instaurar-se a insegurança geral com a relativização (rectius: desconsideração) da coisa julgada...Desconsiderar a coisa julgada é eufemismo para esconder-se a instalação da ditadura, de esquerda ou de direita, que faria desaparecer a democracia que deve ser respeitada, buscada e praticada pelo processo.
Relembra a Lei para Intervenção do Ministério Público no Processo Civil, assinada em 15.7.1941 por Adolf Hitler, a qual dava poderes ao Ministério Público para decidir se a lei era justa ou injusta, se atendia aos anseios do povo alemão e aos fundamentos do Reich alemão, servindo como instrumento do totalitarismo para interpretar a coisa julgada e rescindi-la.
Para o autor, Desconsiderar a coisa julgada configura ofensa à CRFB, deixando-se de dar aplicação ao princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, só sendo possível abrandar a coisa julgada nas espécies taxativamente previstas em lei como a ação rescisória, os embargos do devedor na execução por título judicial, a revisão criminale a coisa julgada segundo o resultado da lide[37].
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer deste trabalho foi discutido sobre o instituto da coisa julgada.Ao longo de cada capítulo foram expostas considerações sobremaneira importantes para o alcance das conclusões obtidas. Com isso, concretiza-se a finalidade do trabalho de pesquisa monográfica, respondendo às questões formuladas e atendendo às pretensões deduzidas no seu desenvolvimento.
Pôde-se constatar que a coisa julgada é um instituto de função essencialmente prática que existe com a finalidade de assegurar estabilidade à tutela jurisdicional e que corresponde ao "bem", à "relação", ao caso sobre o qual as partes litigaram em juízo após a demanda restar solucionada pela sentença que houver rejeitado ou acolhido o pedido da parte autora, podendo esse bem ser tanto uma coisa em si quanto um direito, sendo que este "bem da vida" assegurado às partes pela sentença constitui a coisa julgada[38].
No que tange a sua natureza jurídica, vimos existirem duas correntes principais e conflitantes, sendo que para uma delas a coisa julgada era um instituto de natureza substancial e para a outra ela era um instituto de natureza processual e que, uma vez distinguidas ambas as correntes, pôde-se perceber que o CPC em vigor adota a teoria processual. Foram também demonstradas asfunções positiva e negativa da coisa julgada.
A coisa julgada pode ser formal e/ou material, sendo que conforme LIEBMAN, a primeira nada mais é que uma qualidade da sentença, quando a mesma já não é recorrível por força da preclusão dos recursos, sendo a coisa julgada material a sua eficácia específica e propriamente, a autoridade da coisa julgada, condicionada à formação daquela. Todas as sentenças são suscetíveis de coisa julgada formal, mas apenas as que acolhem ou rejeitam o mérito são suscetíveis de coisa julgada material[39].
Foi discutida a eficácia preclusiva da coisa julgada, tendo-se concluído que esta se manifesta no impedimento que surge, com o trânsito em julgado da decisão, à discussão e apreciação de questões suscetíveis de influir, uma vez solucionadas, no teor do pronunciamento judicial, ainda que não examinadas pelo juiz.
Pôde-se perceber que existem duas correntes atuais quanto à possibilidade ou não de relativização da coisa julgada material. Uma delas posiciona-se pelo entendimento de ser a coisa julgada uma garantia constitucional, porém não absoluta, sendo passível de relativização, até mesmo por normas infraconstitucionais, mas que essa relativização deve ser feita por meios processuais adequados como a ação rescisória, os embargos do executado e a querela nullitatis, a fim de se evitar que a possibilidade de desconsideração da coisa julgada gere insegurança jurídica.
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[2] ARAGÃO, Egas Moniz de. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide Ed, 1992, p. 216; GASTAL, Alexandre Fernandes. A coisa julgada: sua natureza e funções in Eficácia e coisa julgada: atualizada de acordo com Código Civil de 2002. C.A. Alvaro de Oliveira (org). Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.195-197.
[3] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ainda e sempre a coisa julgada. Revista dos Tribunais. São Paulo: jun/1970, p.09.
[4]MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ainda e sempre a coisa julgada. Revista dos Tribunais. São Paulo: jun/1970, p.09-11.
[5]Ibid, p.16-17.
[6] ARAGÃO, Egas Moniz de. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide Ed, 1992, p.189-191.
[7] ARAGÃO, Egas Moniz de. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide Ed, 1992, p.192-194.
[8] ALVIM, José Eduardo Carreira. Elementos da teoria geral do processo. Rio de janeiro: Forense, 1998, p.283.
[9] GASTAL, Alexandre Fernandes. A coisa julgada: sua natureza e funções in Eficácia e coisa julgada: atualizada de acordo com Código Civil de 2002. C.A. Alvaro de Oliveira (org). Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.187.
[10] BARRETO, Lucas Hayne Dantas. Responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais: releitura à luz do direito fundamental à boa jurisdição. Dissertação (Mestrado), Universidade Federal da Bahia, 2012, p.157.
[11] ARAGÃO, Egas Moniz de. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide Ed, 1992, p.207-213.
[12] GASTAL, Alexandre Fernandes. A coisa julgada: sua natureza e funções in Eficácia e coisa julgada: atualizada de acordo com Código Civil de 2002. C.A. Alvaro de Oliveira (org). Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.188-192.
[13] ARAGÃO, Egas Moniz de. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide Ed, 1992, p.215.
[14] BARRETO, Lucas Hayne Dantas. Responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais: releitura à luz do direito fundamental à boa jurisdição. Dissertação (Mestrado), Universidade Federal da Bahia, 2012, p.158.
[15] LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Tradução de Alfredo Buzald e Benvindo Aires; tradução dos textos posteriores à edição de 1945 e notas relativas ao direito brasileiro vigente, de Ada Pellegrini Grinover, 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p.15-17.
[16]Ibid., p.19-20.
[17] LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Tradução de Alfredo Buzald e Benvindo Aires; tradução dos textos posteriores à edição de 1945 e notas relativas ao direito brasileiro vigente, de Ada Pellegrini Grinover, 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 37-42.
[18] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ainda e sempre a coisa julgada. Revista dos Tribunais. São Paulo: jun/1970, p.11-15.
[19] ARAGÃO, Egas Moniz de. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide Ed, 1992, p.238-242.
[20] MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil/Giuseppe Chiovenda. Campinas: Bookseller,1998, p. 249-251.
[21]KLIPPEL, Rodrigo; BASTOS, Antonio Adonias Bastos. Manual de Processo Civil, 2.ed.atual. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 451.
[22] ALVIM, José Eduardo Carreira. Elementos da teoria geral do processo. Rio de janeiro: Forense, 1998, p.284-285.
[23] LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Tradução de Alfredo Buzald e Benvindo Aires; tradução dos textos posteriores à edição de 1945 e notas relativas ao direito brasileiro vigente, de Ada Pellegrini Grinover, 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 60-61.
[24]MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ainda e sempre a coisa julgada. Revista dos Tribunais. São Paulo: jun/1970, p.14-15.
[25]ARAGÃO, Egas Moniz de. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide Ed, 1992, p.219-221.
[26]Ibid, p.227-228.
[27] LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Tradução de Alfredo Buzald e Benvindo Aires; tradução dos textos posteriores à edição de 1945 e notas relativas ao direito brasileiro vigente, de Ada Pellegrini Grinover, 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p.60.
[28]LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Tradução de Alfredo Buzald e Benvindo Aires; tradução dos textos posteriores à edição de 1945 e notas relativas ao direito brasileiro vigente, de Ada Pellegrini Grinover, 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p.68.
[29] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2011, p.507-508.
[30] MOREIRA, José Carlos Barbosa. A eficácia preclusiva da coisa julgada material. Revista dos Tribunais. São Paulo, jul/1972, p.15-21.
[31] SÁ, Renato Montans de. Eficácia preclusiva da coisa julgada. São Paulo: Saraiva, 2011, p.210-215.
[32]Ibid p. 234.
[33] THEODORO JÚNIOR, Humberto. A reforma do processo de execução e o problema da coisa julgada inconstitucional. Revista Brasileira de Estudos Políticos, n.89, jan-jun/2004, p.67-71.
[34]Ibid, p.76-81.
[35] CÂMARA, Alexandre Freitas. Relativização da coisa julgada material. Relativização da coisa julgada: Enfoque crítico/Fredie Didier Jr.(organizador), Salvador: jusPODIVM, 2004, p.16-19.
[36] CÂMARA, Alexandre Freitas. Relativização da coisa julgada material. Relativização da coisa julgada: Enfoque crítico/Fredie Didier Jr.(organizador), Salvador: jusPODIVM, 2004, p. 24-27.
[37] NERY JÚNIOR, Nelson. A polêmica sobre a Relativização (Desconsideração) da coisa julgada e o estado democrático de Direito in Relativização da coisa julgada: Enfoque crítico. Fredie Didier Jr.(organizador), Salvador: jusPODIVM, 2004, p.194-200.
[38] ARAGÃO, Egas Moniz de. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide Ed, 1992, p.197.
[39] LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Tradução de Alfredo Buzald e Benvindo Aires; tradução dos textos posteriores à edição de 1945 e notas relativas ao direito brasileiro vigente, de Ada Pellegrini Grinover, 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p.60.
Advogada e Médica. Servidora Pública Federal: Perita Médica Previdenciária do INSS. Bacharela em Direito pela Universidade Federal da Bahia em 04/2014. Médica pela Universidade Federal da Bahia em 08/2001. Pós graduada em Processo Civil pela Universidade Estácio de Sá em 11/2014. Pós graduada em Auditoria de Sistemas de Saúde pela Portal F/Universidade Estácio de Sá em 2010. Pós graduação em Direito Administrativo pela Universidade Estácio de Sá em curso<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Flávia Barbosa da. Coisa julgada: conceito e natureza jurídica e coisa julgada formal e material Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jan 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45796/coisa-julgada-conceito-e-natureza-juridica-e-coisa-julgada-formal-e-material. Acesso em: 22 nov 2024.
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