RESUMO: O presente estudo tem por objetivo fazer um estudo da tipificação da transmissão dolosa do vírus HIV, fazendo-se inicialmente uma sobre AIDS, passando em momento posterior ao efetivo escopo deste artigo científico.
Palavras-Chave: Dolo; Transmissão de HIV; AIDS e Tipificação.
INTRODUÇÃO
No presente artigo, busca-se fazer uma análise das diferentes correntes sobre a tipificação da conduta de transmitir dolosamente o vírus da AIDS.
O artigo se faz relevante devido à falta de uniformidade no tratamento da conduta supramencionada pelos autores em seus manuais de direito penal, visando à colheita e unificação dos diferentes ensinamentos dos grandes penalistas, prestigiando-se sempre a simplicidade.
Primeiramente se fará uma breve introdução sobre a acquired immunodeficiency syndrome (AIDS); passando-se, após isso, à análise do efetivo escopo deste artigo.
Concluindo o artigo, será apresentada a posição julgada mais acertada por parte do presente subscritor.
DESENVOLVIMENTO
Antes de se falar da tipificação da conduta do indivíduo que transmite dolosamente acquired immunodeficiency syndrome (AIDS) a outrem e das demais controvérsias ligadas ao tema, faz-se mister uma breve introdução sobre AIDS.
A AIDS foi identificada em 1981. Seu agente etiológico é um vírus, o HIV (human immunodefiency vírus), isolado no ano de 1983. A doença é caracterizada por intensa e continua replicação viral, que resulta principalmente, na destruição das células de defesa CD4. Tal destruição, associada a outras alterações, leva a imunodeficiência.
Existe uma estimativa de que cerca de 40 milhões de pessoas estão infectadas com o vírus HIV. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a maioria delas foi infectada entre os anos de 1980 e 2001, anos em que foram notificados 215.000 casos, sendo a proporção de 3:1 em homens e mulheres respectivamente.
A AIDS não pode ser considerada uma doença venérea, porque, segundo Nadal (2003), doenças venéreas são aquelas transmitidas única e exclusivamente pelo ato sexual, ou seja, doença sexualmente transmissível apenas. O autor reconhece a AIDS como uma doença viral.
Dessa maneira, sabe-se que o vírus pode ser transmitido pelo sangue, sêmen, fluido pré-seminal, fluido vaginal, leite materno e outros fluidos que contenham sangue. Outros fluidos que podem transmitir o vírus são: o fluido cerebroespinhal, ao redor do cérebro e da medula espinhal; o líquido sinovial, presente nas articulações ósseas e o líquido amniótico que circunda o feto. Saliva, lágrimas e urina, não contem quantidades suficientes de HIV para transmitir a doença.
Atualmente, por meio da terapia antiretroviral altamente ativa, observa-se uma redução do quadro de desnutrição (comum em portadores do vírus), da incidência de infecções oportunistas e o controle da multiplicação da carga viral, além da redução dos efeitos colaterais como obesidade, dislipidemia e lipodistrofia. Ou seja, o uso da terapia aumentou a sobrevida dos pacientes, trazendo o status de doença crônica (Ministério da saúde).
Com isso, a mortalidade e a morbidade reduziram. Entretanto, a utilização da terapia antiretroviral apresentou como efeito colateral relacionado ao seu uso prolongado, diabetes mellitus, dislipidemia e nefrotoxicidade.
Poucos indivíduos infectados não apresentam sinais de progressão da doença mesmo após 12 anos ou mais de contágio. Os possíveis mecanismos envolvidos para tal característica seriam: infecção por uma linhagem menos virulenta ou presença de características protetoras do sistema imune.
A progressão da doença vai variar de indivíduo para indivíduo. O tratamento deve ser individualizado, ou seja, de acordo com as peculiaridades de cada paciente. As metas gerais do tratamento consistem em: prolongar e melhorar a qualidade de vida a longo prazo, restaurar e preservar a função imunológica, maximizar a supressão da replicação viral, otimizar e estender a utilidade das terapias atualmente disponíveis, minimizar a toxicidade das drogas, controlar seus efeitos colaterais.
Após essa breve explanação sobre o tema, analisado do ponto de vista das ciências médicas, vejam-se os assuntos relacionados ao campo jurídico.
Do ponto de vista jurídico, fica a dúvida sobre qual tipificação atribuir à conduta de um indivíduo que dolosamente (seja esse dolo direto ou eventual) pratica ato capaz de transmitir o vírus a outrem.
Podem-se seguir 4 (quatro) linhas de pensamento distintas, vejamo-las: (1) perigo de contágio venéreo qualificado (art. 130, §1º, do Código Penal) ou perigo de contágio de moléstia grave (art. 131 do Código Penal), dependendo do enquadramento da AIDS como doença venérea ou não; (2) homicídio (art. 121 do Código Penal); (3) lesão corporal gravíssima (art. 129, §2º, II, do Código Penal); (4) o crime praticado dependente do dolo do agente.
Há quem defenda que a tipificação correta seria a perigo de contágio venéreo qualificado (art. 130, §1º, do Código Penal), pois entendem que a AIDS seria uma doença venérea. Veja-se a redação do dispositivo:
Perigo de contágio venéreo
Art. 130 - Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
§ 1º - Se é intenção do agente transmitir a moléstia:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Há também que entenda que seria a hipótese de crime de perigo de contágio de moléstia grave (art. 131 do Código Penal), cuja redação é a seguinte:
Perigo de contágio de moléstia grave
Art. 131 - Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Alguns doutrinadores entendem que seria o caso de homicídio (art. 121 do Código Penal), tentado ou consumado, qualificado ou simples, a depender do caso. Veja-se o dispositivo legal:
Homicídio simples
Art 121. Matar alguem:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
(...)
Homicídio qualificado
§ 2° Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
II - por motivo futil;
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido;
V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
Finalizando, há uma corrente de pensamento que defende que a correta tipificação seria a de crime de lesão corporal gravíssima (art. 129, §2º, II, do Código Penal):
Lesão corporal
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano.
Lesão corporal de natureza grave
(...)
§ 2° Se resulta:
(...)
II - enfermidade incurável;
(...)
Pena - reclusão, de dois a oito anos.
Vistas as diversas linhas de pensamento, vejam-se a fundamentação de cada uma delas e suas respectivas críticas, além da questão na jurisprudência dos tribunais superiores.
A primeira corrente defende que a transmissão dolosa do vírus da AIDS deve ser capitulada como o crime de perigo de contágio venéreo (art. 130, §1º, do Código Penal).
Entretanto, essa corrente não logrou êxito, porquanto a AIDS pode ser transmitida de diversas formas, não somente através da prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso, não podendo ser considerada doença venérea; motivo pelo qual não pode a situação em análise ser capitulada no art. 130, §1º, do Código Penal, que trata da exposição de alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, à contágio de moléstia venérea.
Outros doutrinadores entendem que o caso deve ser tratado como crime de perigo de contágio de moléstia grave (art. 131 do Código Penal), justamente por entenderem que a AIDS não é doença venérea, sendo um contrapondo à corrente anterior.
Essa corrente já foi defendida pelo Supremo Tribunal Federal, conforme se observa no seguinte julgado:
Resta a questão alusiva à submissão do paciente ao Tribunal do Júri. Observem a interpretação sistemática. Descabe cogitar de tentativa de homicídio na espécie, porquanto há tipo específico considerada a imputação – perigo de contágio de moléstia grave. Verifica-se que já, até mesmo, presente o homicídio, a identidade quanto ao tipo subjetivo, sendo que o do artigo 131 é o dolo de dano, enquanto, no primeiro, tem-se a vontade consciente de matar ou assunção de risco de provocar a morte. Descabe potencializar este último a ponto de afastar, consideradas certas doenças, o que dispõe o artigo 131: ‘praticar, com o fim de transmitir a outrem, moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio’. Admita-se, como o fez o próprio acusado, a existência da moléstia grave e o fato de havê-la omitido. Esses elementos consubstanciam não o tipo do artigo 121 do Código Penal, presente até mesmo dolo eventual, mas o específico do artigo 131. Frise-se, por oportuno, que as vítimas mantiveram relação com o paciente, que se mostrou até certo ponto estável [1].
Há também o entendimento segundo o qual a transmissão dolosa da AIDS deve ser tipificada como homicídio (art. 121 do Código Penal) tentado ou consumado, a depender do caso.
Nesse sentido, vejamos a explanação de alguns jurisconsultos:
a) Guilherme de Souza Nucci:
Quando o agente buscar transmitir o vírus da AIDS, propositadamente, pela via da relação sexual ou outra admissível (ex.: atirando sangue contaminado sobre a vítima), deve responder por tentativa de homicídio ou homicídio consumado (conforme o resultado atingido) [2];
b) Rogério Greco:
Mais do que uma enfermidade incurável, a AIDS é considerada uma doença mortal, cuja cura ainda não foi anunciada expressamente. Os chamados ‘coquetéis de medicamentos’ permitem que o portador leve uma vida ‘quase’ normal, com algumas restrições. Contudo, as doenças oportunistas aparecem, levando a vítima ao óbito. Dessa forma, mais do que uma enfermidade incurável, a transmissão dolosa do vírus HIV pode se amoldar, segundo nosso ponto de vista, à modalidade típica prevista no art. 121 do Código Penal, consumado ou tentado [3];
c) David Medina da Silva:
É indiscutível a letalidade de quem transmite a outrem o vírus causador da síndrome em comento. Qualquer infecção superveniente à conduta encontrará, na vítima, as condições próprias para prosperar e causar-lhe a morte, inserindo-se, pois, na linha natural de desdobramento da conduta do agente. Se a vítima morre, nada pode afastar a hipótese de homicídio doloso, porquanto esta morte foi totalmente previsível pelo agente, que não teria qualquer razão para confiar na descoberta da cura ou outro fato científico ou milagroso, o que deslocaria o resultado para a esfera da culpa consciente [4];
d) Millaray Atalia Cortez Zambon:
Infelizmente, é muito difícil saber o animus do agente. Porém uma coisa é certa: se o autor sabe de sua condição de portador do vírus, e ainda assim mantém relações sexuais, sem comunicar a outra parte de que é portador do HIV e mesmo, ciente de sua condição, não usa preservativo, assume com isto o risco de transmitir a doença letal, caracterizando assim a tentativa de homicídio com dolo eventual [5];
e) Fernando Capez:
Quanto à Aids, a transmissão dessa doença não configura o delito do art. 130 do CP, pois, além de não ser considerada doença venérea pela medicina, não é transmissível somente por meio de relações sexuais, mas também, por exemplo, por transfusão de sangue, emprego de seringas usadas. Do mesmo modo, a transmissão desse vírus também não configura o delito do art. 131, mas homicídio tentado ou consumado [6].
Mas fica uma dúvida: como imputar a morte ao agente, se o que a causa efetivamente não é a AIDS em si, mas alguma doença oportunista?
Simplesmente, usando-se a teoria da superveniência de causa relativamente independente superveniente, que se encontra prevista no §1º do art. 13 do Código Penal, cujos termos são: “a superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou”. Simplificando, tem-se que só aqueles resultados que se encontrarem como um desdobramento natural da ação, ou seja, estiverem na linha de desdobramento físico da mesma, é que poderão ser imputados ao agente. É lógico que a contaminação por uma doença oportunista pode ser considerada um desdobramento físico da aquisição da AIDS; devendo, por isso, o resultado morte ser imputado ao agente transmissor da AIDS.
Existe quem entenda que o correto seria a capitulação no crime de lesão corporal gravíssima (art. 129, §2º, II, do Código Penal), devido ao fato de haver a transmissão de doença incurável. Vejam-se alguns doutrinadores que assim pensam e alguns julgados nesse sentido:
a) Andrei Zenkner Schimidt
Quando o portador do vírus omite conscientemente essa sua condição para as pessoas que praticam, ou quando o infectado obriga, moral ou materialmente, a vítima não-infectada a expor-se a arriscada aventura, ou induz a erro (...) tendo em vista a atuação finalisticamente orientada à transmissão da doença, deve haver imputação do delito de lesão corporal qualificada por enfermidade incurável, na forma do art. 129, §2º, II, do CP brasileiro [7];
b) Juarez Tavares:
Tomemos, agora um exemplo um tanto polêmico: alguém infectado pelo vírus da AIDS mantém relações sexuais com outra pessoa sadia, transmitindo-lhe a doença.
(...)
(a) questão que se põe é acerca de que tipo, afinal, o agente infectado realiza, se homicídio ou lesões corporais graves. Aqui, o critério a vigorar será o de que o dolo, como vontade de realização da ação e do resultado, deve referir-se a uma ação imediata, e não a uma ação que, por sua cronicidade, conduza à morte. Portanto, só pode haver crime de lesão corporal grave e não homicídio [8];
c) Quinta turma do STJ:
HABEAS CORPUS. ART. 129, § 2.º, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL. PACIENTE QUE TRANSMITIU ENFERMIDADE INCURÁVEL À OFENDIDA (SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA). VÍTIMA CUJA MOLÉSTIA PERMANECE ASSINTOMÁTICA. DESINFLUÊNCIA PARA A CARACTERIZAÇÃO DA CONDUTA. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA UM DOS CRIMES PREVISTOS NO CAPÍTULO III, TÍTULO I, PARTE ESPECIAL, DO CÓDIGO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. SURSIS HUMANITÁRIO. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DAS INSTÂNCIAS ANTECEDENTES NO PONTO, E DE DEMONSTRAÇÃO SOBRE O ESTADO DE SAÚDE DO PACIENTE. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADO.
1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 98.712/RJ, Rel. Min. MARCO AURÉLIO (1.ª Turma, DJe de 17/12/2010), firmou a compreensão de que a conduta de praticar ato sexual com a finalidade de transmitir AIDS não configura crime doloso contra a vida. Assim não há constrangimento ilegal a ser reparado de ofício, em razão de não ter sido o caso julgado pelo Tribunal do Júri.
2. O ato de propagar síndrome da imunodeficiência adquirida não é tratado no Capítulo III, Título I, da Parte Especial, do Código Penal (art. 130 e seguintes), onde não há menção a enfermidades sem cura. Inclusive, nos debates havidos no julgamento do HC 98.712/RJ, o eminente Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, ao excluir a possibilidade de a Suprema Corte, naquele caso, conferir ao delito a classificação de "Perigo de contágio de moléstia grave" (art. 131, do Código Penal), esclareceu que, "no atual estágio da ciência, a enfermidade é incurável, quer dizer, ela não é só grave, nos termos do art. 131".
3. Na hipótese de transmissão dolosa de doença incurável, a conduta deverá será apenada com mais rigor do que o ato de contaminar outra pessoa com moléstia grave, conforme previsão clara do art. 129, § 2.º inciso II, do Código Penal.
4. A alegação de que a Vítima não manifestou sintomas não serve para afastar a configuração do delito previsto no art. 129, § 2, inciso II, do Código Penal. É de notória sabença que o contaminado pelo vírus do HIV necessita de constante acompanhamento médico e de administração de remédios específicos, o que aumenta as probabilidades de que a enfermidade permaneça assintomática. Porém, o tratamento não enseja a cura da moléstia.
5. Não pode ser conhecido o pedido de sursis humanitário se não há, nos autos, notícias de que tal pretensão foi avaliada pelas instâncias antecedentes, nem qualquer informação acerca do estado de saúde do Paciente.
6. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, denegado [9].
Por fim, a última linha de pensamento analisa o dolo do agente para se descobrir por qual crime ele deverá responder, tendo em vista que o direito penal brasileiro é finalista, analisando a vontade do agente.
Para pormenorizar essa corrente, vejam-se alguns julgados e entendimentos doutrinários:
a) Cezar Roberto Bitencourt:
A AIDS, que não é moléstia venérea e que não se transmite somente por atos sexuais, poderá tipificar o crime do art. 131, lesão corporal seguida de morte ou até mesmo homicídio, dependendo da intenção do agente, mas nunca o crime de perigo de contágio venéreo [10];
b) Luiz Regis Prado:
A AIDS não é moléstia venérea, ainda que passível de contágio através de relações sexuais ou de outros atos libidinosos. A prática de ato capaz de transmiti-la poderá configurar, segundo o propósito do agente, o delito insculpido no art. 131 (perigo de contágio de moléstia grave), lesão corporal grave ou homicídio, se caracterizado o contágio [11];
c) Ex-ministro Ayres Britto:
Daí porque tenho que a controvérsia é de ser resolvida com a máxima o finalismo penal, expressa na chamada ‘intenção do agente’; ou seja, fosse o propósito do agente apenas transmitir o vírus do HIV, o crime seria o do art. 131 do CP; fosse a intenção do réu ofender a integridade física das vítimas, o delito seria o do inciso II do §2º do art. 129 do CP; enfim, fosse o intento do autor da ação matar as vítimas, estaria configurado o homicídio (tentado ou consumado) [12].
Vistas todas as correntes defensáveis, expõe-se a que ora se julga mais acertada.
Conforme já fora dito, a transmissão dolosa de AIDS não pode caracterizar o crime de perigo de contágio venéreo qualificado (art. 130, §1º, do CP), pois essa doença não pode ser tida como venérea, havendo diversas outras formas de transmissão da mesma.
Portanto, restam apenas 3 (três) possíveis tipificações ao fato em questão: homicídio, lesão corporal gravíssima e perigo de contágio de moléstia grave.
O crime pelo qual o agente deverá responder dependerá de seu dolo, porquanto o direito penal brasileiro é finalístico, devendo ser analisada a vontade do agente criminoso.
Assim, se ele pratica a conduta com o fim de causar a morte de outrem (agindo com animus necandi), deve responder por tentativa de homicídio ou por homicídio consumado (art. 121 do CP); se a sua intenção era lesionar a integridade física de outra pessoa (agindo com animus vulnerandi), transmitindo-lhe a AIDS, deverá responder por lesão corporal de natureza gravíssima pela transmissão de doença incurável (art. 129, §2º, II, do CP); se não possuía intenção de lesar a integridade física da pessoa nem causar a sua morte, tão somente querendo praticar atos libidinosos ou conjunção carnal com a mesma, mesmo que sabendo estar contaminado com o vírus da AIDS, deverá responder perigo de contágio de moléstia grave (art. 131 do CP).
Outra indagação que se faz necessária é a seguinte: e se a vítima consentir com a prática de ato libidinoso com o agente sabidamente soropositivo?
Nesse caso, não poderia ser aplicada a causa supralegal excludente de ilicitude do consentimento do ofendido, pois bem atingido é indisponível; não podendo, por isso, aplicar tal circunstância justificante.
Diante de tudo quanto exposto, fica evidente a necessidade de o legislador brasileiro criar um tipo específico para o caso da transmissão dolosa da AIDS, visando a evitar a grave insegurança jurídica que paira sobre o assunto. Isso porque, conforme foi visto, há diversas correntes tratando do tema, podendo haver condenações em um ou noutro sentido para casos extremamente semelhantes, uma vez que todas as correntes supramencionadas são plausíveis e defensáveis.
CONCLUSÃO
Portanto, diante de tudo quanto exposto, viu-se a importância da criação de um tipo específico para a transmissão dolosa da AIDS, visando a evitar o tratamento desigual entre casos semelhantes.
Analisou-se a doença em si e, posteriormente, as diversas correntes a respeito da conduta de transmitir dolosamente o vírus da AIDS.
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[1] STF, HC 98.712/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 17.12.2010
[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 10. Ed. São Paulo: RT, 2010, p 658
[3] GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 5. Ed. Niterói, RJ: Impetus, 2011, p 297
[4] SILVA, David Medina da. O crime doloso. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p 115
[5] CORTEZ ZAMBON, Millaray Atalia. A adequação típica da transmissão sexual do HIV. Revista Jurídica do GAPA/RS, Ano I, número I, p 12
[6] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos. 12. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p 207
[7] SCHIMIDT, Andrei Zenkner. in: Aspectos Jurídico-Penais da transmissão da AIDS. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 37, ano 10, jan/mar. 2002, p 231
[8] TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p 290
[9] STJ, HC 160982/DF, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 28/05/2012
[10] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa. 12. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p 250
[11] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, v. 2, 2010, p 145
[12] STF, HC 98.712/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 17.12.2010, Voto Vista do Min. Ayres Britto
Policial Rodoviário Federal lotado na 1º Delegacia da 15ª SRPRF/RN, Graduado em Direito pela Universidade de Cuiabá, Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes e em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PACHECO, Tiago Marques. Dolo de transmitir HIV e sua tipificação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jan 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45854/dolo-de-transmitir-hiv-e-sua-tipificacao. Acesso em: 22 nov 2024.
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