RESUMO: O tema se relaciona à prática administrativa e operacional do Departamento de Polícia Rodoviária Federal, e que pela natureza nacional, necessita de tratamento uniforme. Apesar disso, face à ausência de um núcleo jurídico nacional interna, essa homogeneidade resta prejudicada. À frente do Núcleo de Apoio Técnico da 20 SRPRF/SE, assessoria técnico jurídica de fato da regional PRF, deparei-me com questões ligadas essencialmente ao universo policial, muitas delas atreladas a questões de procedimentos criminais e cíveis. No presente trabalho, busco trazer à colação a experiência em busca da solução de problemas trazidos pela área operacional, atividade fim da instituição, e a serem resolvidos pela gestão do órgão. Abordaremos a temática das oitivas em juízo, se há ou não obrigatoriedade de deslocamento dos agentes federais à comarca requisitante, no caso desta não ser o domicílio do servidor, dando ensejo portanto, ao envio de carta precatória.
Palavras-chave: DPRF. Polícia Nacional. Questões jurídicas. Ausência de tratamento uniforme. Oitiva de servidor federal fora da Comarca de sua residência. Pluralidade de domicílios, necessário/funcional e voluntário. Discussão acerca da exigência de carta precatória.
1. INTRODUÇÃO
1.1. DA SITUAÇÃO FÁTICA
Ao iniciar os trabalhos à frente do Núcleo de Apoio Técnico da Regional Sergipana, pude perceber que a convocação de agentes federais para depoimento na qualidade de testemunhas é fato corrente. Como regra, essa prática judicial também é percebida no seio de outras corporações, tais como na polícia civil e militar.
Pois bem, é notório que, diferentemente doutros servidores públicos, que como regra são lotados em determinada localidade e ali permanecem durante todo, ou maior parte da sua vida funcional, essa regra não se aplica aos agentes policiais, muito menos aos federais.
A dinâmica da segurança pública, a migração da atividade criminosa, e a sua estruturação interna dos órgãos policiais em delegacias, batalhões, companhias etc, acabam por promover um frequente remanejamento de pessoal.
Essa alteração de lotação, por via de consequência, acaba por influenciar no domicílio funcional do servidor, quando não também no seu domicílio civil.
Não bastasse, como dito, as operações policiais de combate à criminalidade, por vezes exige a presença de maior contingente, de forma que servidores são convocados para cumprimento de mandados de prisão, realização de grandes operações com várias prisões em flagrante, etc.
Apesar da presença portanto, no momento da lavratura do flagrante, ao tempo da futura e eventual oitiva, como regra, o servidor não mais estará presente na localidade de realização da prisão. Nesse momento exsurge a temática deste capítulo, qual seja, a oitiva do agente público, seja por requisição de comparecimento, seja para oitiva via precatória. Passemos à análise mais aprofundada do tema.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. DO TESTEMUNHO COMO MUNUS PÚBLICO.
A matéria relacionada ao testemunho penal tem regulação pelos art. 202 e seguintes do CPP[1]. Eis que, tais dispositivos enunciam que testemunhar em juízo é obrigação daquele que tenha presenciado fato delituoso, vejamos a dicção do art. 206 e 207:
Art. 206. A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão, entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.
Art. 207. São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.
Assim sendo, se observa que testemunhar é um dever, não podendo a parte se eximir de depor, ressalvadas as vedações legais. A ausência à oitiva, desde que não justificada, pode até mesmo caracterizar o crime de desobediência, além de se poder aplicar multa ao faltoso, é o que se extrai do art. 219 do CPP:
Art. 219. O juiz poderá aplicar à testemunha faltosa a multa prevista no art. 453, sem prejuízo do processo penal por crime de desobediência, e condená-la ao pagamento das custas da diligência.
Em se tratando de servidores públicos, há grande divergência acerca da possibilidade da tipificação do crime de desobediência[2]. Essa discussão reside no fato de que tal tipo penal esta inserido no capítulo referente aos delitos praticados pelo particular contra A Administração em Geral:
CAPÍTULO II
DOS CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL
Desobediência
Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público:
Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.
Quanto à Jurisprudência, de início, era pacífica quanto à inaplicabilidade do art. 330 do CP ao servidor, conforme se observa abaixo:
HABEAS CORPUS - ORDEM DE PRISÃO DADA POR JUIZ DO TRABALHO - PRISÃO DETERMINADA A FUNCIONARIO PÚBLICO POR SUPOSTA DESOBEDIENCIA E PORQUE SERIA DEPOSITARIO INFIEL - INCOMPETENCIA - DELITOS NÃO CARACTERIZADOS. 1. NÃO PODE O JUIZ DO TRABALHO, SALVO EM CASO DE FLAGRANTE DELITO, DETERMINAR A PRISÃO DE QUALQUER PESSOA, POIS LHE FALTA COMPETENCIA PARA TANTO. 2. TORNA-SE IMPOSSIVEL O FUNCIONARIO PÚBLICO, DENTRO DE SUA FUNÇÃO, PRATICAR O CRIME DE DESOBEDIENCIA, SALVO SE AGINDO COMO PARTICULAR, O QUE NÃO FOI O CASO. 3. NÃO E DEPOSITARIO INFIEL, QUEM NADA SE DISPÕE A GUARDAR, AINDA PORQUE, SEGUNDO DEMONSTRADO, NÃO POSSUIA O PACIENTE A RESPECTIVA DISPONIBILIDADE FINANCEIRA, CORRESPONDENTE AO SEQUESTRO DE VERBAS QUE O JUÍZO LABORAL MANDOU EFETUAR. 4. ORDEM CONCEDIDA
(STJ - HC: 6000 DF 1997/0049412-8, Relator: Ministro ANSELMO SANTIAGO, Data de Julgamento: 17/11/1997, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJ 19.12.1997)
PENAL. PROCEDIMENTO CRIMINAL. INSTAURAÇÃO CONTRA PSICÓLOGO CONTRATADO POR PREFEITURA. ORDEM JUDICIAL. RECUSA. DESOBEDIÊNCIA. ATIPICIDADE.
Não configura o crime de desobediência o eventual descumprimento à ordem judicial quando esta é dirigida a quem não tem competência funcional para dar cumprimento às providências legais exigidas.
Os funcionários contratados por Prefeituras Municipais, no exercício de funções pertinentes aos serviços de saúde pública, atuam como agentes públicos, e nessa qualidade não cometem o crime de desobediência, pois tal delito pressupõe a atuação criminosa do particular contra a Administração.
Precedentes deste Tribunal. Habeas corpus concedido.” (RHC 9189 / SP – Ministro VICENTE LEAL - SEXTA TURMA- DJ 03/04/2000 p. 168).
Ocorre que, mais recentemente, o STJ passou a reconhecer que o servidor público pode sim ser sujeito ativo do crime de desobediência. Vejamos:
CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL, POR SECRETÁRIO DE SAÚDE DO ESTADO DE RONDÔNIA. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. POSSIBILIDADE DE CONFIGURAÇÃO. RECURSO PROVIDO.
O funcionário público pode cometer crime de desobediência, se destinatário da ordem judicial, e considerando a inexistência de hierarquia, tem o dever de cumpri-la, sob pena da determinação judicial perder sua eficácia. Precedentes da Turma.
Rejeição da denúncia que se afigura imprópria, determinando-se o retorno dos autos ao Tribunal a quo para nova análise acerca da admissibilidade da inicial acusatória.
Recurso especial provido, nos termos do voto do relator.
(REsp 1173226/RO, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 04/04/2011)
Pois bem, demonstrada a divergência do entendimento quanto à tipicidade ou não do crime de desobediência praticado pelo servidor público, certo é que não se discute acerca da obrigatoriedade do servidor prestar o respectivo depoimento. A discussão que nos cerca diz respeito a aonde esse ato deve ser praticado. Para respodermos a tal questionamento, mister que tratemos de dois temas, quais sejam, a competência jurisdicional e o domicílio do servidor.
2.2. A COMPETÊNCIA JURISDICIONAL – Breves Apontamentos
Pois bem, o judiciário é caracterizado pelo art. 2 da Constituição[3] como um poder da República, de forma que atua na pacificação dos conflitos postos à sua análise. Para tanto, a partir dos art. 92 e segs., o próprio texto magno estabelece a competência dos tribunais e juízes.
Na linha da doutrinado professor Leonardo Barreto,[4], “a competência é a medida da jurisdição, espaço dentro do qual o poder jurisdicional pode ser exercido. Jurisdição todo juiz possui, mas competência não. Assim, por exemplo, o STF tem competência sobre todo território nacional, enquanto um juiz de direito tem competência apenas na comarca em que exerce as suas funções.”
Assim sendo, o texto constitucional estabelece a competência dos tribunais superiores, dos tribunais estaduais e federais, dos juízes do trabalho, tendo como remanescente a competência dos juízes estaduais, enfim, afora normas específicas tratadas nos códigos de processo civil e processual penal, a Carta Republicana estabelece as linhas gerais de competeência jurisdicional.
Como regra, os agentes públicos são chamados a depor em face de questões de natureza penal, o que não exclui, com menor incidência, eventuais convocações para depoimento em juízos de natureza civil, e trabalhistas inclusive, mormente, nesse último caso, ter-se ampliado a atuação, em especial da PRF, no combate ao trabalho escravo[5] e aos crimes contra a organização do trabalho.
No campo penal, a competência enquanto limitação do poder jurisdicional esta disposta no artigo 69 e seus §§ no Código de Processo Penal. É a competência que determinará a abrangência da atuação jurisdicional de acordo com:
I) o lugar da infração (competência ratione loci) ou “em razão do local”;
II) pelo domicílio ou residência do réu (art. 72, CPP);
III) pela natureza da infração;
IV) por prevenção ou distribuição (art.69, IV, do CPP);
V) por conexão ou continência (art.76, 77 e ss do CPP)
VI) por prerrogativa de função, podendo ser em razão da pessoa ou de sua função (art.69, VII, do CPP).
Nesse sentir, enquanto limitador da jurisdição, tem-se que o juiz aplicará o direito aos casos postos a seu julgamento, sempre tendo por base as regras de competência.
Desta feita, a sua atuação jurisdicional segue os reflexos da sua competência, de forma que, a determinação de testemunho, acaso não se trate das exceções já comentadas, deverá ser cumprida, na comarca sob a jurisdição do juízo, ou, acaso a testemunha tenha domicílio diverso, nesta localidade, por meio do expediente denominado de carta precatória, senão vejamos:
CPP
Art. 222. A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo razoável, intimadas as partes.
2.3. DO DOMICÍLIO
A conceituação de domicílio, seja da pessoa natural ou jurídica, tem regramento no art. 70 e segs. do CC[6]/02, vejamos os dispositivos legais:
TÍTULO III –
Do Domicílio
Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo.
Art. 73. Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual, o lugar onde for encontrada.
(...)
Art. 75. Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é:
I - da União, o Distrito Federal;
II - dos Estados e Territórios, as respectivas capitais;
III - do Município, o lugar onde funcione a administração municipal;
IV - das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos.
§ 1o Tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados.
§ 2o Se a administração, ou diretoria, tiver a sede no estrangeiro, haver-se-á por domicílio da pessoa jurídica, no tocante às obrigações contraídas por cada uma das suas agências, o lugar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder.
O domicílio previsto em tais dispositivos é comumente denominado pela doutrina como voluntário[7], uma vez que depende somente do elemento volitivo do autor a sua fixação ou mesmo alteração.
A pluralidade de domicílios tem previsão legal, inclusive, para o domicílio voluntário, conforme se extrai do art. 71, vejamos:
Art. 71. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas.
Nesse sentido leciona a doutrina do civilista Silvio Rodrigues[8] (2000, p.99):
O Código Civil brasileiro admitiu a ideia da pluralidade de domicílios, adotando, assim, o critério da legislação alemã e fugindo à orientação do direito francês. Neste último sistema o domicílio é necessariamente um só, enquanto no Código alemão se admite a pluralidade de domicílios.
No que tange às atividades laborativas, o código civil traz normatização específica, in verbis:
Art. 72. É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida.
Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem.
Da leitura do caput do art. 72, e sua interpretação sistemática com o art 70, tem-se que é perfeitamente possível não só o duplo domicílio civil voluntário, isso porque, também é considerado domicílio os locais relacionados à profissão.
Exemplo do que afirmado no parágrafo anterior é que, uma vez intimado para servir como testemunha, o cidadão comum poderá ser requisitado pelo juízo do local da sua atividade laboral, se a questão posta em juízo tiver relação com seu exercício, ou mesmo no seu domicílio geral, nas demais causas.
Pois bem, tais regras relacionam-se, em princípio, ao cidadão “comum”, isto porque, há um conjunto de pessoas, dentre elas os servidores públicos, que possuem domicílio necessário, a teor da dicção do art. 76, in verbis:
Art. 76. Têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo e o preso.
Parágrafo único. O domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente; o do servidor público, o lugar em que exercer permanentemente suas funções; o do militar, onde servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar imediatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio estiver matriculado; e o do preso, o lugar em que cumprir a sentença.
Diante de tal regra, há de se perquirir, logo de inicio, se compatível a regra do domicílio voluntário com o domicílio necessário, assim como ocorre entre o primeiro e o domicilio laboral.
A melhor interpretação a ser dada exige a aplicação do brocardo ubi idem ratio, ibi idem jus (onde houver a mesma razão, aplica-se o mesmo direito). Nesse diapasão, a razão da existência do domicílio laboral para o trabalhador ordinário, facilitação de acesso à justiça, aplica-se, à inteireza ao servidor público. Inexiste, na espécie, motivos que justifiquem a diferenciação de tratamento.
PROCESSUAL CIVIL – CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – SERVIDOR PÚBLICO MILITAR – DUPLO DOMICÍLIO – FACILITAÇÃO DE ACESSO À JUSTIÇA – ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. Conflito negativo de competência suscitado pelo Juízo Federal da 1ª Vara de Niterói-RJ em face do Juízo Federal da 5ª Vara de São João de Meriti-RJ, em ação ajuizada por servidor público militar. 2. Não cabe ao Judiciário restringir a interpretação do domicílio do servidor público, para fins de fixação de competência, eis que o escopo das regras que culminaram com a regionalização e interiorização da Justiça Federal, foi o de facilitar o acesso à prestação jurisdicional de forma mais ágil e célere, na esteira da normatização emanada da Constituição Federal (art. 109, § 2º). 3. O referido artigo é claro ao estabelecer: "As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal". 4. In casu, o autor possui dois domicílios, visto que reside no Município de Nova Iguaçu e exerce suas atividades funcionais no Município de Niterói. A previsão legal de domicílio necessário para o servidor público não lhe retira a possibilidade de propor demandas no foro do seu domicílio voluntário, mais conveniente e que melhor atende à finalidade constitucional de facilitar e ampliar o acesso à Justiça. É de lhe ser facultada a escolha do foro, na forma do preceito constitucional aludido. 5. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 5ª Vara de São João de Meriti-RJ
(CC 200802010157949, Desembargador Federal FREDERICO GUEIROS, TRF2 - SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, 23/09/2009)
A jurisprudência e doutrina[9] apontam de forma pacífica para essa duplicidade, de forma que compatível também ao servidor público a concomitância de domicílios, voluntário e necessário, vejamos:
Conflito negativo de competência. PRETENSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO estadual. cobrança de diárias, indenizações e horas extras. distribuição da ação no foro do domicílio voluntário. declinação de ofício para o foro do domicílio necessário. impossibilidade. 1. O domicílio necessário não exclui o voluntário, de sorte que o servidor público pode se valer de qualquer deles, ex vi, a contrario sansu, o art. 94, § 1º, do Código de Processo Civil. Por outro lado, ainda se pudesse questionar referida exegese, por certo é que a questão haveria de ser ventilada pelo interessado, posto se tratar de competência territorial e, portanto, de natureza relativa. 2. Conflito de competência julgado procedente para o fim de fixá-la junto ao d. Juízo suscitado.
(TJ-SP - CC: 00586883320158260000 SP 0058688-33.2015.8.26.0000, Relator: Artur Marques (Pres. da Seção de Direito Privado), Data de Julgamento: 22/09/2015, Câmara Especial, Data de Publicação: 23/09/2015)
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. DOMICÍLIO LEGAL. EXISTÊNCIA DE DOIS DOMICÍLIOS, NECESSÁRIO E VOLUNTÁRIO. ESCOLHA DO FORO PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO. PRELIMINAR REJEITADA. REMOÇÃO A PEDIDO. CÔNJUGE TAMBÉM SERVIDOR. PEDIDO PROCEDENTE. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO NÃO PROVIDAS. 1. O artigo 76 do Código Civil estabelece ser o domicílio legal do servidor público aquele onde exerce suas funções. A expressão "domicílio" deve ser compreendida dentro de uma concepção ampla, uma vez que a ratio da norma foi favorecer o autor na busca da tutela jurisdicional. 2. Rejeitada a preliminar de incompetência absoluta, uma vez que, em havendo mais de um domicílio, sendo um necessário e outro voluntário, faculta-se aos autores a escolha do foro, tendo por base um ou outro domicílio. Precedentes (...)
(TRF-2 - AC: 200551010233620, Relator: Desembargador Federal MARCUS ABRAHAM, Data de Julgamento: 29/04/2014, QUINTA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: 13/05/2014)
2.4. DA ORIENTAÇÃO DA CORREGEDORIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SERGIPE
Uma vez instada a se manifestar, face o grande volume de convocações para que servidores federais fossem testemunha de fatos ocorridos em comarcas do interior do Estado, a Corregedoria do Tribunal de Justiça Estadual expediu orientação aos magistrados, a qual restou assim exposta:
“Assim, diante da legislação processual em vigor, o magistrado poerá, sempre que julgar necessária a oitiva de um Policial Rodoviário Federal, intimá-lo ou requisitá-lo, conforme à natureza da ação, a comparecer em Juízo ou, caso o servidor resida em comarca diversa do juízo processante, determinadrá a expedição de Carta Precatória, não necessáriamente, para a Comarca da capital (aracaju, como solicitado) e sim para a Comarca de residência do réu.
O Código de Processo Penal e o Código de Processo Civil preveêm, para a oitiva de servidores públcos civis, classe em que s insere o Policial Rodoviário Federal, que os mandados de intimação(processo criminal) ou ofício de requisição (processo cível) sejam destinados à Comarca de residência do servidor público civil, expedindo-se Carta Precatória somente se a residência não estiver localizada na jurisdição do juízo processante.”
Insta salientar que, “data vênia”, laborou em equívoco a orientação correicional, ao limitar a oitiva presencial dos servidores à sua comarca de residência. Como sobredito, forte na argumentação acima alinhavada, o servidor possui duplo domicílio, motivo pelo qual pode ser exigida sua presença tanto no seu domicílio voluntário, quanto no funcional, desde que o juízo possua competência sobre as duas circunscrições.
Nessa senda, a título de exemplo, o juízo da comarca A, com circunscrição sobre o município B, C e D, poderá exigir a presença do servidor, acaso possua domicílio voluntário ou necessário em qualquer destes municípios. Em sentido oposto, exigível que o juízo, em face da sua ausência de competência, emita a respectiva carta precatória para oitiva do servidor.
2.5. DA INTERPRETAÇÃO DO DOMICÍLIO APLICÁVEL À ESTRUTURA DA POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL
A Administração da Polícia Rodoviária Federal resta subdividida em Superintendências Regionais, sendo estas por sua vez, disposta em Delegacias, possuindo postos de policiamento sobre sua supervisão.
As delegacias, por sua vez, além de atuarem como unidade operacional, fazendo as vezes de posto, acumula a atividade administrativa, de forma que, todos os servidores possuem lotação na delegacia, e não nos postos.
Não resta dúvida de que, em se tratando de Delegacias, localizadas num mesmo Estado ou em unidades federadas diferentes, o servidor deve ser ouvidopor meio de carta precatória. Pensar de forma diferente, seria impor ao Executivo um ônus que compete à parte, ou em última análise ao Judiciário, isso porque, para deslocamentos que não sejam na área de circunscrição de seu trabalho, faz jus o servidor ao pagamento de diárias, vide art. 58 e segs da lei 8.112/90, regulamentado pelo Decreto 5.992/2006.
Art. 58. O servidor que, a serviço, afastar-se da sede em caráter eventual ou transitório para outro ponto do território nacional ou para o exterior, fará jus a passagens e diárias destinadas a indenizar as parcelas de despesas extraordinária com pousada, alimentação e locomoção urbana, conforme dispuser em regulamento.
§ 1o A diária será concedida por dia de afastamento, sendo devida pela metade quando o deslocamento não exigir pernoite fora da sede, ou quando a União custear, por meio diverso, as despesas extraordinárias cobertas por diárias.
§ 2o Nos casos em que o deslocamento da sede constituir exigência permanente do cargo, o servidor não fará jus a diárias.
§ 3o Também não fará jus a diárias o servidor que se deslocar dentro da mesma região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião, constituídas por municípios limítrofes e regularmente instituídas, ou em áreas de controle integrado mantidas com países limítrofes, cuja jurisdição e competência dos órgãos, entidades e servidores brasileiros considera-se estendida, salvo se houver pernoite fora da sede, hipóteses em que as diárias pagas serão sempre as fixadas para os afastamentos dentro do território nacional.
Eis que, em virtude dessa lotação funcional, ressoa o seguinte questionamento: O servidor é obrigado a comparecer pessoalmente em qualquer comarca da circunscrição administrativa da sua respectiva delegacia? Ou somente no município de base dessa unidade?
O caso concreto é assim explicitado:
O servidor é lotado na 2 delegacia, com sede no município de São Cristóvão, possuindo circunscrição sobre diversos municípios, dentre eles Estância e Cristinápolis, ambos sede de juízo. O juízo de Estância pode requisitar o comparecimento pessoal do servidor que labora no posto de Cristinápolis?
De início, devemos ter em mente que o Juízo de Estância não possui circunscrição jurisdicional sobre o município de Cristinápolis, município em que instalado o posto PRF. Apesar disso, a circunscrição dessa unidade operacional envolve o município de Estância, de forma que, fatalmente, a atuação do servidor na rodovia federal sob circunscrição deste município, exigirá, frequentemente, a oitiva de servidores federais que ai laboram.
Apesar do juízo da cidade de Estância não possuir jurisdição sobre o município sede do labor do servidor, temos que a atuação deste se desenvolve por todo o trajeto de circunscrição, no mínimo do seu posto base, podendo ser interpretado até mesmo sob toda a sua delegacia, uma vez que aí se deu a sua lotação.
Ademais, a realocação/distribuição de agentes entre os postos, por se tratar de fato sazonal, modificável ad nutum pelo Delegado, não importa em alteração da lotação do servidor.
Nesse sentido, entendemos que, considernado lotação do servidor em determinada delegacia PRF, a oitiva de servidores, determinada por qualquer juízo com circunscrição sobre a área de atuação dessa unidade PRF, deve ser atendida de forma presencial, e não por meio de precatória. Salientando que, em casos como o exposto, não há pagamento de diária.
2.6. A POSIÇÃO ADOTADA PELA AGU/CONJUR EM SERGIPE
Levada a discussão à Advocacia da União, foi emitido o parecer n° 01/2011-AGU/CGU/NAJ/SE-ALOB, cuja ementa restou assim ementada:
EMENTA: ADMINISTRATIVO. CONSULTA GENERICA. OBRIGATORIEDADE DE SERVIDOR COMPARECER, COMO TESTEMUNHA. A AUDIENCIA 'EM COMARCA' DIFERENTE DO SEU DOMICÍLIO. ART. 218, 219, 221, & 3, E 222 DO DECRETO-LEI N°3689/41 (C0DIGO DE PR'OCESSO PENAL). LEI NO 11.900/2009, RESOLUÇÃO CNJ Nº105/2010. DETERMINAÇÃO. LEGAL DA OITIVA DO SERVIDOR PÚBLICO TESTEMUNHA ATRAVÉS DE VIDEOCONFERENCIA OU ATRAVÉS DE CARTA PRECATORIA CONVENCIONAL AUSÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE DE COMPARECIMENTO X CRIME DE DESOBEDIENCIA. NECESSIDADE DE COMUNICAÇAO E SOLICITAÇAO DE CORREÇÃO DO PRECEDIMENTO RELATIVO AO LUGAR DA INQUISIÇAO DA TESTEMUNHA A CORREGEDORIA-GERAL DO PODER JUDICIARIO ENVOLVIDO.
A fundamentação do parecer, diferentemente do que defendido no presente trabalho, toma por conta uma interpretação restritiva do CPP, assim como o fez A Corregedoria do TJ/SE, restringindo a oitiva do servidor ao seu domicílio voluntário, local de sua residência, vejamos:
8. Assim, diante do quanto disposto no art. 222 do Código de Processo Penal, quando em um processo criminal o juízo determinana oitiva de testemunha (seja servidor publico ou não), que não resida na comarca onde se esta processando a causa, deverá haver a expedição de carta precatória para que a testemunha seja ouvida pelo juízo da comarca aonde resida, pois assim determina a lei.
10. Assim sertdo, no que diz respeito aos servidores públicos, no processo penal as comunicaçoe oficiais (notificação, intimação e citação), devem ser dirigidas ao endereço residencial ou profissional e, quando fizer necessaria sua oitiva como testemunha em local diverso do processo originario, deve ser expedida carta precatoria para ser inquirido pelo juiz da jurisdição da sua residência, comunicando-se, em quaisquer hipóteses, ao chefe da repartição a que servirem.
Em verdade portanto, a orientação da AGU foi seguida, na íntegra, o que gerou o expediente da lavra da Corregedoria do TJ/SE, já citado, no sentido de que os magistrados devem limitar sua atuação/determinação de oitiva à comarca sob sua jurisdição, e em sentido oposto, não dispondo de competência, deve ser remetida carta precatória para oitiva na comarca de residência do servidor, senão vejamos:
17. Contudo, diante da conduta, com a devida permissão, equivocada, de alguns magistrados em determinar a inquirição do servidor testemunha em comarca diferente da residencia dos mesmos, sou da opiniao de que a Autoridade Maxima do órgão oficie à Corregedoria-Geral do Poder judiciario relacionado aos juizes em questao (Federal au Estadual), a depender do caso, para que o Juiz Corregedor tenha conhecimento dos casos, e para que, apos analise da conduta dos magistrados, expeça ofício Circular aos juízes, orientando-os para a observância das normas procedimentais acerca das comunicaçoes oficiais/judiciais realizadas aos Servidores públicos, esclarecendo os comandos normativos referentes ao tema: Codigo de Processo Penal (Decreto-Lei. N°3689/41), Lei n°211/09 e Resolução CNJ n°105/2010.
3. CONCLUSÃO
Do exposto, concluímos que o diploma civilista aponta para o domicílio voluntário, funcional e o necessário. A pluralidade de domicílios é dita como lícita pela jurisprudência e doutrina, de forma que beneficia o acesso à justiça pelo cidadão.
Nesse sentido, entendemos equivocado o entendimento esposado pela AGU e pela Corregedoria do TJ/SE, ao limitar a oitiva ao município de residência do servidor.
Tem-se que, a jurisdição é definida como o limite da competência, de forma que o juízo apenas atua no exercício de sua função nos limites jurisdicionais da sua comarca.
Assim sendo, a convocação de servidor que resida ou atua noutra municipalidade sobre a a qual o juiz não detenha competência importa na aplicação do art. 222 do CPC, de forma a que, a oitiva do servidor deve se dar por meio de carta precatória.
Por fim, considerando as divisões e subdivisões administrativas do DPRF, em especial a peculiaridade de que delegacias e postos atuam na circunscrição de diversos municípios, é de se concluir que o juiz com jurisdição sobre qualquer município de atuação da delegacia PRF detém o poder jurisdicional de determinar a oitiva presencial do agente federal.
4. REFERÊNCIAS
Constituição - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
Código de Processo Penal - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm
Código Penal - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm
Código Civil - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm
Moreira Alves, Leonardo Barreto, em Competência Coleção Tribunais e MPU - Processo Penal - Para Técnico e Analista – (2015) 4aed.: Rev., amp. e atual.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Parte Geral. 31. ed. São Paulo: Sairava, 2000.
RIBEIRO, Pedro Melo Pouchain. Servidor público federal e pluralidade de domicílios . Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3095, 22 dez. 2011. Disponível em: . Acesso em: 28 fev. 2016.
lei 8.112/90 - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8112cons.htm
Decreto 5.992/06 - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5992.htm
Parecer n° 01/2011-AGU/CGU/NAJ/SE-ALOB
Resolução CNJ 105 - http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/resolucao/rescnj_105.pdf
[1]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm
[2]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm
[3]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
[4]Moreira Alves, Leonardo Barreto, em Competência Coleção Tribunais e MPU - Processo Penal - Para Técnico e Analista – (2015) 4aed.: Rev., amp. e atual.
[5]http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/trabalho-escravo/cartilha-trabalho-escravo-pfdc Moreira Alves,
[6]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm
[7]RIBEIRO, Pedro Melo Pouchain. Servidor público federal e pluralidade de domicílios . Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3095, 22 dez. 2011. Disponível em: . Acesso em: 28 fev. 2016.
[8]RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Parte Geral. 31. ed. São Paulo: Sairava, 2000.
Advogado da União. Consultor Jurídico da União no Estado do Acre.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRITO, Leonardo Toscano de. A oitiva de policiais por carta precatória Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 mar 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46124/a-oitiva-de-policiais-por-carta-precatoria. Acesso em: 22 nov 2024.
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