RESUMO: O presente artigo apresenta um estudo acerca das espécies de sanções administrativas, corolário do poder disciplinar da Administração Pública, no âmbito das licitações e contratos administrativos. Tece considerações acerca dos tipos de sanções, seus efeitos, considerando a discussão doutrinária e jurisprudencial a respeito do tema, além da possibilidade jurídica de aplicação do corporate self-cleaning (autossaneamento), bastante utilizada no direito comparado, especialmente o da União Européia e nos Estados Unidos da América.
PALAVRAS-CHAVE: Sanções administrativas. Licitações e contratos. Corporate self-cleaning.
ABSTRACT: This article presents a study on the species of administrative sanctions, disciplinary of power corollary of Public Administration, as part of bids and administrative contracts. It weaves considerations about kinds of sanctions, its effects, considering doctrinal and jurisprudential debate on the subject, beyond the legal possibility of applying the self-cleaning theory, widely used in the comparative law, especially the European Union and the United States of America ones.
KEYWORDS: Administrative sanctions. Tenders and contracts. Corporate self-cleaning.
1 INTRODUÇÃO
A Administração Pública, ao contratar com o particular não deixa de exercer sua posição de supremacia, sendo que o direito sancionador decorre desta posição, sendo uma das cláusulas exorbitantes previstas no ordenamento jurídico. Nesse sentido, a norma confere ao Estado o poder de sancionar os licitantes e contratados, a fim de resguardar o interesse público e suas repercussões constitucionais inerentes, quando há infração contratual ou no certame licitatório, retirando-a do mercado competitivo por prazo determinado ou indeterminado, conforme cada caso.
A Constituição Federal, em seu artigo 22, inciso XVII, estabeleceu que competirá privativamente à União legislar acerca de normas gerais de licitações e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas e as suas autarquias e fundações públicas, de todas as unidades da Federação. Nesse sentido, adveio a Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993, instituindo para toda a Administração, normas para licitações e contratos. Por conseguinte, nos idos de 2002, a União publicou a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, o qual consta sanção administrativa específica para essa forma de contratação (sistema de pregão). Importante ressaltar ainda que tal norma de caráter geral, não tem o condão de outras normas elaboradas pelos diversos entes federativos, podendo complementar o contido nas referidas normas.
2 DAS ESPÉCIES DE SANÇÕES ADMINISTRATIVAS
A Lei nº 8.666/93 concedeu ao poder estatal, no uso do seu poder disciplinador, a possibilidade de aplicar as seguintes sanções administrativas: a advertência, a multa compensatória e a moratória, a suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração Pública e a declaração de inidoneidade. Senão vejamos o que dispõe o citado dispositivo:
Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:
II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;
III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;
IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.
Não obstante a existência dessas sanções, a Lei nº 10.520/02, que estabelece o procedimento da modalidade licitatória do pregão, trouxe a possibilidade, conforme previsto em seu artigo 7º, de sancionar a empresa por período maior que o previsto na Lei nº 8.666/93:
Art. 7º Quem, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será descredenciado no SICAF, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4º desta Lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais.
Passemos agora a enumerar os tipos de sanções contratuais decorrente do poder sancionador inerente ao Estado, com algumas considerações pertinentes.
2.1 Da advertência
A sanção prevista no artigo 87, inciso I da Lei nº 8.666/93 possui efeito meramente intimidador, de caráter moral e tem aplicação em casos de menor repercussão (faltas leves) e que não tenham causado danos à Administração Pública por culpa exclusiva da empresa contratada. É importante o registro cadastral da aludida sanção no procedimento do referido contrato, vez que esta pena pode ser considerada para aplicação de sanção mais gravosa em caso de reincidência. Nesta, a sanção fica adstrita ao contrato firmado com o órgão ou entidade, não surtindo efeitos externos.
2.2 Da multa compensatória e moratória
Do mesmo modo, as multas relacionam-se somente com o contrato firmado com a Administração, não repercutindo em contratos de outros órgãos e entidades, uma vez que a empresa ainda se mantém ativa, não existindo nenhum fator de impedimento competitivo.
Quanto a aplicação da multa, é pertinente afirmar que se faz necessária sempre a inclusão desta no contrato administrativo firmado. Caso haja contratação, por exemplo, por meio de uma simples nota de empenho, no qual a Administração Pública realiza em contratos de valores de pouca monta, restará inviabilizada a aplicação de qualquer multa a empresa. Por isso, não é recomendável, embora mais prático, a contratação sem a formalização contratual, pois prejudica a aplicação do direito sancionador.
Existem dois tipos de multas que podem ser aplicadas ao contratante: a moratória e a compensatória, distinguindo-as, entre a simples mora e o inadimplemento contratual, ou seja, entre inadimplemento relativo e absoluto.
Haverá mora ou inadimplemento relativo, quando houver um simples atraso na execução do contrato, cujo contrato, e que mesmo a destempo ainda haja interesse à administração pela sua continuidade. Neste tipo, a Lei nº 8.666/93 estabelece suas coordenadas, in verbis:
Art. 86. O atraso injustificado na execução do contrato sujeitará o contratado à multa de mora, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato.
§ 1o A multa a que alude este artigo não impede que a Administração rescinda unilateralmente o contrato e aplique as outras sanções previstas nesta Lei.
§ 2o A multa, aplicada após regular processo administrativo, será descontada da garantia do respectivo contratado.
§ 3o Se a multa for de valor superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, a qual será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou ainda, quando for o caso, cobrada judicialmente.
Noutros casos, de desinteresse justificável da administração ou inexecução total do contrato, atribuir-se-á à situação a pecha de inadimplemento absoluto, sendo clássico na doutrina, então, a noção de que a multa tem função compensatória. Nesta, o aplicador pretende a composição patrimonial que a Administração sofreu em virtude do não cumprimento do contrato. Nestes termos, o professor Renato Geraldo Mendes nos ensina:
A multa compensatória, também de natureza sancionatória, tem por finalidade compensar a outra parte pelo dano que lhe é causado pela inadimplência ou infração do contratado. Essa multa é fixada em função do dano presumido pelo descumprimento da avença. (MENDES, Renato Geraldo. Lei de Licitações e Contratos Anotada – Notas e Comentários à Lei nº 8.666/93. 8ª ed. Curitiba: Zênite, 2011, pg. 990)
É importante frisar que para a aplicação de tais multas deve estar sempre caracterizada a culpa do contratante, analisada por procedimento administrativo, garantida a ampla defesa e o contraditório, bem como as hipóteses de incidência da sanção devem estar previstas no instrumento convocatório e no contrato, além de percentuais e base de cálculo.
2.3. Da suspensão temporária do direito de licitar e impedimento de contratar com a Administração e da declaração de inidoneidade
Tais sanções possuem como natureza jurídica primordial a colaboração entre os entes públicos, uma vez que se uma empresa comete um deslize contratual grave que necessita deste tipo de sanção, a decisão desta comunica-se a toda a Administração Pública no caso da declaração de inidoneidade e na suspensão para licitar/contratar, segundo a jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça.
O artigo 87 da Lei nº 8.666/93 descreve como possíveis sanções possíveis de serem aplicadas a suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração pelo prazo máximo de dois anos, sendo que como alhures mencionado, a Lei nº 10.250/02 estendeu esse prazo para cinco anos, quando a contratação se dá por meio do sistema do pregão. Nesta espécie de sanção, a empresa fica impossibilitada de participar de licitações e de contratar com a Administração Pública pelo prazo estabelecido na decisão.
A declaração de inidoneidade tem caráter similar, porém somente pode ser aplicada pelo Secretário ou Ministro de Estado (artigo 87, §3º) e possui uma maior abrangência, uma vez que sua decisão alcança todos os entes e órgãos da Administração, embora haja decisões do Superior Tribunal de Justiça contrariando essa tese, como veremos adiante.
Quanto ao âmbito de incidência desta sanção administrativa, a doutrina e a jurisprudência mostram-se claudicantes, com entendimentos diversos acerca do assunto. O Superior Tribunal de Justiça entende que a penalidade aplicada atinge não só o órgão em que foi proferida, mas sim órgãos e entidades de todas as esferas federativas da Administração. Vários são os arestos que demonstram essa conclusão. Vejamos:
ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. HABILITAÇÃO SOMENTE DA MATRIZ. REALIZAÇÃO DO CONTRATO POR FILIAL. IMPOSSIBILIDADE. DESCUMPRIMENTO DO CONTRATO. SANÇÕES. PROPORCIONALIDADE. ADMINISTRAÇÃO X ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DISTINÇÃO. AUSÊNCIA.
1. Cuida-se, na origem, de mandado de segurança impetrado pela Petrobrás Distribuidora S/A contra ato do Presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, o qual, após rescindir o contrato celebrado entre as partes, para a aquisição de 140.000 litros de gasolina comum, com fornecimento parcelado em dozes meses, aplicou sanções de pagamento de multa, no valor de R$ 72.600,00 e de impedimento de licitar e contratar com o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, pelo prazo de um ano.
2. Inicialmente, cabe destacar que é incontroverso nos autos que a Petrobrás Distribuidora S/A, que participara da licitação com documentação da matriz, ao arrepio do que exigia o contrato, forneceu combustível por meio de sua filial sediada no Estado de São Paulo, a quem era devedora do ICMS.
3. Por sua vez, o artigo 87 da Lei nº 8.666/93 prevê expressamente entre as sanções para o descumpridor do acordo a multa, a suspensão temporária de participação em licitação e o impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos.
4. Na mesma linha, fixa o art. 7º da Lei nº 10.520/2002.
5. Ademais, o §2º do artigo 87 da Lei de Licitação permite a aplicação conjunta das citadas sanções, desde que facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo processo no prazo de cinco dias úteis.
6. Da mesma forma, o Item 12.2 do edital referente ao contrato em questão estabelece a aplicação das sanções estipuladas nas Leis nº 10.520/02 e nº 8.666/93, bem como na Resolução nº 5/93 do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo ao inadimplente.
7. Já o mencionado contrato dispunha na Cláusula Oitava sobre a possibilidade de aplicação ao contratado, diante da inexecução total ou parcial do ajuste, de qualquer das sanções previstas na Lei de Licitações, a juízo fundamentado da prefeitura, de acordo com a gravidade da infração.
8. Nesse contexto, não obstante as diversas advertências efetuadas pelo Tribunal de Contas no sentido de que não poderia a recorrente cometer as irregularidades que motivaram as sanções, esta não cuidou para que a unidade responsável pela execução do contrato apresentasse previamente a documentação que atestasse a observância das normas da licitação e das cláusulas contratadas, de modo que não há que se falar em desproporcionalidade da pena aplicada, sobretudo diante da comprovação das condutas imputadas à recorrente, o que autoriza a aplicação da multa e da sanção de impedimento de contratar com a Administração pelo prazo de um ano, tudo para bem melhor atender ao interesse público.
9. Note-se, ainda, que esta Corte já apontou pela insuficiência da comprovação da regularidade fiscal da matriz e pela necessidade de a filial comprovar tal regularidade se a esta incumbir o cumprimento do objeto da licitação. Precedente.
10. Por fim, não é demais destacar que neste Tribunal já se pontuou a ausência de distinção entre os termos Administração e Administração Pública, razão pela qual a sanção de impedimento de contratar estende-se a qualquer órgão ou entidade daquela. Precedentes.
11. Recurso ordinário não provido. (STJ, RMS nº 326.628/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 14.09.2011.)
MANDADO DE SEGURANÇA. PENALIDADE APLICADA COM BASE NA LEI 8.666/93. DIVULGAÇÃO NO PORTAL DA RANSPARÊNCIA GERENCIADO PELA CGU. DECADÊNCIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. LEI EM TESE E/OU ATO CONCRETO. DANO INEXISTENTE.
1. O prazo decadencial conta-se a partir da data da ciência do ato impugnado, cabendo ao impetrado a responsabilidade processual de demonstrar a intempestividade.
2. A Controladoria Geral da União é parte legítima para figurar em mandado de segurança objetivando atacar a inclusão do nome da empresa no PORTAL DA TRANSPARÊNCIA, por ela administrado.
3. O writ impugna ato concreto, oriundo do Ministro dirigente da CGU, inexistindo violação de lei em tese.
4. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a penalidade prevista no art. 87, III, da Lei 8.666/93, suspendendo temporariamente os direitos da empresa em participar de licitações e contratar com a administração é de âmbito nacional.
5. Segurança denegada. (STJ, MS nº 19.657/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 23.08.2013.)
Em contrapartida, o Tribunal de Contas da União entende, apesar de encontrarmos decisões episódicas de forma contrária, que a suspensão para licitar/contratar atinge apenas o órgão ou a entidade que proferiu a decisão. Veja a ementa a seguir:
Representação formulada por empresa apontou suposta ilegalidade no edital do Pregão Eletrônico 13/2013, conduzido pela Seção Judiciária do Rio de Janeiro da Justiça Federal, com o objetivo de contratar empresa especializada em serviços de manutenção de instalações civis, hidrossanitárias e de gás e rede de distribuição do sistema de combate a incêndios. Constou do edital disposição no sentido de que “2.2 – Não será permitida a participação de empresas: (…) c) suspensas temporariamente de participar em licitações e contratar com a Administração? d) declaradas inidôneas para licitar ou para contratar com a Administração Pública?”. O relator, por aparente restrição ao caráter competitivo do certame, suspendeu cautelarmente o andamento do certame e promoveu a oitiva do órgão, medidas essas que vieram a ser ratificadas pelo Tribunal. O relator, ao examinar os esclarecimentos trazidos aos autos, lembrou que “a jurisprudência recente desta Corte de Contas é no sentido de que a sanção prevista no inciso III do art. 87 da Lei nº 8.666/93 produz efeitos apenas no âmbito do órgão ou entidade que a aplicou (Acórdãos 3.439/2012 Plenário e 3.243/2012 Plenário)”.
E mais: “Interpretação distinta de tal entendimento poderia vir a impedir a participação de empresas que embora tenham sido apenadas por órgãos estaduais ou municipais com base na lei do pregão, não estão impedidas de participar de licitações no âmbito federal”. Anotou, ainda, que, a despeito de o edital em tela não explicitar o significado preciso do termo “Administração” constante do item 2.2, “c”, os esclarecimentos prestados revelaram que tal expressão “refere-se à própria Seção Judiciária do Rio de Janeiro da Justiça Federal” e que, portanto, “o entendimento do órgão está em consonância com as definições da Lei nº 8.666/93, assim como com o entendimento desta Corte”. Por esse motivo, considerou pertinente a revogação da referida cautelar e o julgamento pela improcedência da representação. A despeito disso e com o intuito de “evitar questionamentos semelhantes no futuro”, considerou pertinente a expedição de recomendação ao órgão para nortear a elaboração de futuros editais. O Tribunal, ao acolher a proposta do relator, decidiu: a) julgar improcedente a representação e revogar a cautelar anteriormente concedida? b) “recomendar à Seção Judiciária do Rio de Janeiro da Justiça Federal que, em seus futuros editais de licitação, especifique que estão impedidas de participar da licitação as empresas que tenham sido sancionadas com base no art. 87, III, da Lei nº 8.666/93, somente pela própria Seção Judiciária do Rio de Janeiro da Justiça Federal. (TCU, Acórdão nº 842/2013, Plenário, Rel. Min. Raimundo Carreiro, DOU de 10.04.2013.)
A decisão é proferida nos termos acima, seguindo a interpretação de que foi a própria legislação assim que distinguiu, vez que utilizou de expressões diversas no artigo 87, III (suspensão) e no inciso IV (declaração de idoneidade), respectivamente, Administração e Administração Pública, tendo seus conceitos definidos pela própria legislação (artigos 6º, incisos XI e XII da Lei nº 8.666/93):
Art. 6º Para os fins desta Lei, considera-se:
...............................................
XI - Administração Pública a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas?
XII - Administração órgão, entidade ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente?
Dessa forma, aplica-se o famoso brocardo hermenêutico cum effectu sunt accipienda, ou seja, a lei não contém palavras inúteis, não se admite que o legislador não tivesse pretendido diferenciar os dois tipos de sanção com adoção de expressões distintas, dando-lhe efeitos similares. Não é contraproducente afirmar, como o Superior Tribunal de Justiça decide, que as sanções teriam a mesma abrangência em virtude da unicidade da Administração Pública, sob fundamento do artigo 1º da Constituição Federal.
Outro ponto que os distingue é a gravidade do fato. Pergunta-se: qual seria o sentido de existir duas modalidades de sanção, tendo os mesmos efeitos? Assim, se os gestores, sob o manto da discricionariedade motivada que os rege, optam por aplicar a sanção de suspensão (art. 87, inc. III, da Lei nº 8.666/93) no lugar da declaração de inidoneidade (art. 87, inc. IV) ou do impedimento (art. 7º da Lei nº 10.520/02) é porque entendem que a falta em que incorreu a contratada/licitante não foi suficientemente grave a ponto de lhe aplicar uma sanção que obste sua contratação por todos os entes da Administração Pública.
Dessa forma, tal discussão torna ainda mais importante que os administradores estudem com maior aprofundamento a questão da reabilitação empresarial, especialmente o autossaneamento empresarial (corporate self-cleaning), visando a manutenção dessa empresa no mercado competitivo, desde que se promova a sua reabilitação, após cumprir certos requisitos impostos em procedimento administrativo próprio instaurado na Administração que a penalizou.
3 A QUESTÃO DA REABILITAÇÃO. AUTOSSANEAMENTO EMPRESARIAL (SELF-CLEANING) E SUA APLICAÇÃO NO BRASIL
As sanções de suspensão/impedimento do direito de contratar e licitar e de declaração de inidoneidade possuem caráter eminentemente punitivo, proibindo por um período relativamente longo que a empresa contrate com a Administração Pública, culminando certamente em declínio econômico da mesma e, conseqüentemente, desemprego e diminuição da atividade econômica.
Dessa forma, importante mencionar estudos acerca do assunto, para que se coibir abusos das referidas empresas sem causar decréscimo patrimonial que leve à sua bancarrota.
No direito comparado, especialmente no mercado norte-americano e na União Européia, emerge a doutrina do autossaneamento empresarial, ou o corporate self-cleaning, alterando este enfoque meramente punitivo das sanções administrativas em detrimento de iniciativas de reabilitação, uma vez que o sistema moderno exige a construção de um sistema empresarial mais robusto, dinâmico e anti-corrupto.
O autossaneamento de modo algum deve estimular a impunidade ou reduzir a busca da probidade administrativa. As medidas de correção devem ser necessariamente rigorosas, implicam pesados custos para os infratores e produzem alterações radicais nas empresas afetadas. Sua justificativa é que a necessária repressão à infração e aos infratores não deve implicar sacrifício de interesses coletivos mais bem atendidos pela manutenção da atividade econômica da empresa infratora que por sua destruição. Não há autossaneamento sem um severo programa de eliminação das condições que ensejaram a infração pretérita, a fim de se assegurar a impossibilidade de repetição da conduta ilícita.
Consubstanciado na literatura acerca do assunto, e, principalmente, no conteúdo de decisões no direito comparado acerca do assunto, deduz-se a existência de alguns elementos em que as medidas de self-cleaning devem conter. São elas: o esclarecimento dos fatos; a reparação dos danos e medidas de pessoal, estruturais e organizacionais; aprimoramento dos controles internos, instituindo programas mais eficientes de ética; colaboração com as investigações; pagar as penalidades pecuniárias; punir seus empregados envolvidos em práticas corruptas; implementar medidas corretivas na empresa, em sua organização e estrutura, a fim de evitar que haja cometimento de deslizes contratuais futuros.
Atualmente, as sanções visam primordialmente afastar um potencial licitante de futuras contratações com a Administração Pública por um período definido, no caso das suspensões/impedimentos e por um período indefinido, na declaração de inidoneidade. Dessa forma, o enfoque é puramente repressivo e sancionador, uma vez que exclui de futuros certames e contratos empresa vinculada a atos ilícitos praticados anteriormente.
O autossaneamento tem ótica diametralmente oposta, pois não visa a simples punição, e sim reconstrução da empresa ao atender alguns requisitos que evitem novos deslizes contratuais.
Nesse diapasão, a sua aplicação concreta se dá no regime da suspensão do direito de licitar ou impedimento para contratar, e, principalmente, na declaração de idoneidade, uma vez que a própria Lei contém a expressão “enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição”. A adoção de correção futura da estrutura administrativa do contratante, seguindo os requisitos impostos em procedimento administrativo próprio, corresponderá em supressão dos motivos determinantes que ensejaram a aplicação da medida sancionatória, retornando a empresa ao status possuidor de habilitação para participar de certame licitatório.
Sob a ótica do autossaneamento, a interpretação escorreita com os princípios constitucionais é o de possibilitar a extinção da medida constritiva tão logo a empresa tenha condições de provar que a ilicitude praticada não se voltará a repetir. Dessa maneira, uma vez satisfeita as medidas de autossaneamento, a empresa se reabilitará, podendo novamente participar de certame licitatório e contratar com a Administração Pública.
A análise das medidas autossaneadoras competirá a autoridade administrativa ou judicial que determinou a constrição contratual, através de procedimento administrativo próprio, onde se fiscalizará o efetivo cumprimento das medidas requeridas para a sua reabilitação.
Em suma, o a aplicação da teoria do autossaneamento empresarial deve ser acompanhado de uma sofisticação dos instrumentos legislativos e concretos de combate à corrupção, uma vez que já é percebido que a sanção repressiva pura não atende mais aos anseios de uma boa administração pública, porém, a aplicação desse novel instituto jurídico deve ser feita com bastante cautela e zelo, evitando que a Administração incorra em mais prejuízo patrimonial por decorrência da conduta desregrada da empresa.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dessa forma, como visto anteriormente, a aplicação das sanções administrativas decorrente de infração contratual, no direito brasileiro, tem caráter eminentemente sancionador ou repressivo, ou seja, visa apenas punir a empresa que cometeu o deslize contratual, retirando-a da competição com as demais por um período longo ou pior, sem prazo, até que ocorra a sua reabilitação.
Dessa forma, a doutrina do autossaneamento vem conferir aplicabilidade jurídica a outro tipo de enfoque, especialmente de manutenção da empresa no mercado econômico, vez que, após o cumprimento de requisitos impostos em procedimento administrativo próprio, a empresa será reabilitada para poder novamente concorrer em certames licitatórios e contratar com a Administração Pública normalmente.
No Brasil, esta teoria pode ser invocada para servir de embasamento para a reabilitação da empresa em caso de punição por declaração de inidoneidade e nas suspensões e impedimentos para licitar/contratar, caso a Administração entenda que os efeitos daquela sanção se estendam a toda a Administração Pública, devendo ser proferida a sua reabilitação mediante procedimento próprio em que se fiscalize o atendimento das medidas de autossaneamento.
REFERÊNCIAS
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Bacharel em direito pela Universidade Tiradentes, pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Anhanguerra(UNIDERP. Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Carlos Adolfo Costa Prado. Das infrações e sanções administrativas no âmbito das licitações e contratos administrativos e a aplicação da teoria do autossaneamento empresarial (Corporate self-cleaning) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 mar 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46152/das-infracoes-e-sancoes-administrativas-no-ambito-das-licitacoes-e-contratos-administrativos-e-a-aplicacao-da-teoria-do-autossaneamento-empresarial-corporate-self-cleaning. Acesso em: 26 nov 2024.
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