Introdução
O Direito Penal é cenário para diversos temas repletos de controvérsias e polêmicas. Um deles é o tipo penal “infanticídio”. Por lidar com o estado puerperal que é uma situação muito específica, mas ao mesmo tempo indeterminada, aquele abre espaço para diversas discussões sobre sua aplicabilidade.
Desenvolvimento
O infanticídio é um tipo penal doloso, próprio e contra a vida que, portanto, é julgado pelo tribunal de júri. Tal crime está especificado no art. 123 do Código Penal, o qual o define como “matar, sob influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após”, estipulando como pena a detenção de 2 (dois) a 6 (seis) anos. Como é possível observar, trata-se de um crime muito específico, o que justifica uma análise mais profunda de suas peculiaridades e de seu alcance.
O crime em questão atravessa o âmbito puramente jurídico relacionando-se, também, com questões psicológicas e hormonais. Não há uma determinação oficial sobre o que seria o estado pós parto ao qual o tipo se refere; trata-se de uma questão muito particular, além disso há divergências no padrão adotado pela Organização Mundial de Saúde, o Brasil, por exemplo tende a aceitar esse período como o equivalente ao período da amamentação. Isso demostra a tendência que o Direito tem de tentar controlar o corpo feminino, tarefa que nem a medicina conseguiu realizar satisfatoriamente. Mesmo tendo um critério psicológico como fundamental – o qual pode até ser classificado como uma elementar do tipo - deve-se pensar em modos de analisar se a mulher é realmente imputável em tal situação, zelando por uma abordagem que coloque a mulher como protagonista. Nesse aspecto, pode-se fazer uma crítica ao texto penal atual, a qual se relaciona essencialmente à análise da culpabilidade
Outro ponto interessante a ser discutido em relação ao tema é a possibilidade do concurso de pessoas em crimes como esse, o que envolve a questão de ser ou não possível a acusação de partícipes e coautores em tal situação. Por se tratar de crime de mão própria, alguns juristas afirmam que não é possível que existam partícipes e coautores, mas é uma matéria controversa;
Ademais, por ser um crime julgado pelo júri popular, é interessante pensar em como esse julgamento do povo pode afetar a agente, uma vez que uma mulher que mata o próprio filho é muito mal vista na sociedade, muitas vezes é julgada sem que os fatos concretos sejam analisados. Esquecendo-se do contexto no qual ocorreu o crime, o juri tende a ver somente o bebê como protagonista do fato, o que cria implicações negativas para a parte ré.
Cabe ainda realizar um questionamento sobre a pena da mãe no quesito perda; a mulher, além de estar com problemas psicológicos e hormonais, também perde um filho, muitas vezes devido a uma situação momentânea. O questionamento sobre a diferença substantiva de penas entre o homicídio e o infanticídio pode caracterizar bem esse ponto.
Trata-se, portanto, de tema alvo de discussões que permeiam searas como a do direito, da medicina e da psicologia, exigindo o enlace de tais esferas para uma melhor compreensão do fato. No trabalho em questão, pretende-se ter como foco as implicações de tal fato na área do direito, o que não significa, entretanto, a exclusão das influências das outras áreas supracitadas.
CONCLUSÃO
A partir da análise feita, é possível reafirmar que o crime infanticídio é um tipo penal problemático. Lida com questões totalmente externas ao Direito, mas ao mesmo tempo deve seguir todos os princípios do Direito Penal.
Portanto, uma análise delicada de cada caso particular deve ser feita para que as decisões sejam justas e coerentes.
Além disso, é importante que durante o processo, especialistas de outras áreas conexas sejam ouvidos. Diferentes especialistas com diferentes visões de mundo.
Somente quando esse estudo particular de cada caso concreto for feito será possível analisar ainda mais objetivamente o tipo penal em questão.
BIBLIOGRAFIA
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
BRASIL. Código Penal, Decreto-Lei nº 2.848, de 7 dezembro de 1940. Diário Oficial da
União, Rio de Janeiro, RJ, 31 dez. 1940.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Área Técnica de Saúde da Mulher. Pré-natal e Puerpério: atenção qualificada e humanizada -Manual Técnico.
Brasília: Ministério da Saúde, 2005MUAKAD, Irene Batista. O infanticídio: análise da doutrina médico-legal e da prática jurídica. São Paulo. Mackenzie, 2002.
DEAN, P. J. Child homicide and infanticide in New Zealand. Int J Law Psychiatry 2004; 27:339-48.
PROSPERI, Adriano. A Dar a Alma - História de um Infanticídio. São Paulo. Cia das Letras. 2009.
SPINELLI, M. G. Maternal infanticide associated with mental illness: prevention and the promise of saved lives. Am J Psychiatry 2004 September; 161(9):1548-57.
VALENCA, Alexandre Martins. Aspectos psicopatológicos e forenses de mulheres homicidas com diagnóstico de transtornos psicóticos primários: estudo de série de casos. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Rio de Janeiro, v. 57, n. 4, 2008, p. 253-260
Precisa estar logado para fazer comentários.