Mariana Faria Filard[1]
RESUMO: O presente trabalho tem o intuito de discorrer sobre a perícia criminal e sua importância no processo penal. É uma atividade, prevista no código em questão que é de fundamental importância e indispensável para a elucidação de crimes, desde que haja vestígios. É através da perícia que há a comprovação e averiguação dos fatos coletados, onde os testes são comprobatórios e as informações obscuras passam a ser detalhadas. A prova pericial tem sua importância tanto no processo civil como no processo criminal e quando não há mais vestígios para se coletar as evidencias a prova testemunhal, as filmagens, gravações e demais meios lícitos são considerados como provas. A prova pericial que comprova a materialidade do delito quando não é encontrado o corpo da vítima, está prevista na Constituição Federal e vem ganhando maior importância em relação às demais provas dando maior suporte à decisão, desde que bem realizada, e hoje está tendo uma maior aceitação nos tribunais, aplicando-se as jurisprudências como corrente majoritária nos julgamentos, desde que presentes alguns requisitos. Concluiu-se que, mesmo que não haja o corpo comprovando o delito de fato, as provas coletadas durante o processo, sejam elas testemunhais ou vestígios, tem o seu valor probatório, mesmo que o princípio da presunção de inocência seja devidamente respeitado.
PALAVRAS-CHAVE: Corpo. Homicídio. Materialidade. Perícia. Prova.
INTRODUÇÃO
A prova é o meio técnico pelo qual se demonstra a verdade real de um fato não sendo admitidas as provas obtidas contra a moral e os bons costumes violando as normas jurídicas estabelecidas.
A prova pericial, de acordo com Marques[2], é a “prova destinada a levar ao Juiz elementos instrutórios sobre normas técnicas e sobre os fatos que dependam de conhecimentos especiais; sendo realizada por um Perito que é auxiliar do Juízo”.
A perícia criminal tem sua importância, pois é através dela que se pode comprovar a existência de um crime mesmo não havendo o corpo material para se realizar o corpo de delito, utilizando-se da perícia criminal indireta para que possa sanar todas as dúvidas do juiz quanto ao delito cometido e possível autor do crime.
Possui como objetivo geral discorrer acerca da perícia indireta nos crimes de homicídio onde não há corpo para se comprovar a evidencia do motivo, os meios utilizados para matar e a autoria do crime.
Os objetivos específicos do presente trabalho são: a) explorar as provas admitidas no processo penal para se comprovar a materialidade do crime; b) discorrer acerca da materialidade e como comprovar a existência de um crime sem corpo; e c) explicar até que ponto a Perícia Criminal Indireta é aceita dentro do Sistema Processual atual em face do princípio de inocência como prova de existência de crime.
A presente pesquisa justifica-se pelo interesse em esclarecer como a justiça, através do Processo Penal, investiga os indícios criminais e a possível autoria quando não há corpo material que comprove o crime, sem ferir o princípio da presunção de inocência.
A perícia criminal é uma atividade realizada por peritos que consiste em examinar os vestígios materiais deixados pela infração penal comprovando-se o crime. Pode ser realizada indiretamente, analisando-se manchas de sangue deixadas no local, vidros ou objetos cortantes quebrados; ou pode ser diretamente, realizando a perícia no próprio corpo da vítima, chamado de corpo de delito[3].
REFERENCIAL TEÓRICO
1 DIREITOS E GARANTIAS NO PROCESSO PENAL
As garantias estão previstas na Carta Magna de 1988 e dizem respeito aos diretos dos homens juridicamente constituídos, de caráter assecuratório com o objetivo de proporcionar proteção, reparação, pleito e reingresso desses direitos quando os mesmos forem violados pelo Estado. Tem como finalidade o bem comum e a proteção da coletividade através do direito à liberdade, à prestação social, às boas condições de vida através do lazer, da moradia, do trabalho e da alimentação, bem como na proteção de direitos pertinentes à terceiros e vedando a discriminação, pregando o que diz a própria constituição onde os iguais devem ser tratados como iguais e os desiguais como o mesmo.
Acerca dos diretos e das garantias fundamentais, discorre a nossa Carta Maior em seu art. 5º:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
O processo penal tem como fundamento a garantia individual em relação ao Estado, influenciando tanto no processo quanto na aplicação das leis. É através do processo penal que se pode garantir aos indivíduos uma proteção contra eventuais abusos estatais, sejam eles cometidos através da força ou por conflitos inerentes a sociedade, seja ela em sua coletividade ou de forma individual.
Dentre as principais características contidas no processo penal, as mais importantes são a do juiz natural, da ampla defesa, do contraditório e da presunção de inocência antes da sentença definitiva transitada em julgado.
O juiz natural diz respeito ao processo ser julgado apenas pelo magistrado competente conforme prega o art. 5º, LIII da CF, bem como a vedação constitucional à criação de juízos ou tribunais de exceção para apreciar determinados casos.
A ampla defesa são os recursos disponíveis previstos no art. 5º, LV da CF onde o Estado tem como dever prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Ou seja, a ampla defesa é o oferecimento da resposta às acusações e o rebate das imputações formuladas.
O contraditório é a garantia de adentrar na esfera jurídica com um processo independente do pólo de relação processual em que se encontre, produzindo provas, realizando alegações, manifestações fundamentadas, dentre outros.
Presunção de Inocência significa que todos são inocentes até o transito em julgado da sentença, ou conforme expressa o art. 8 do Decreto 678 de 1992, “toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”.
As garantias aqui descritas são um direito de todos os cidadãos e devem ser respeitadas pelo Estado, garantindo assim a integridade moral e física do seu povo.
2 PROVAS NO PROCESSO PENAL
As provas são os meios utilizados e coletados para se comprovar o que foi alegado no processo para formar o convencimento do juiz e jurados presentes no tribunal, buscando-se uma solução para a lide bem como o descobrimento da verdade.
Para que se convença o juiz ou os jurados, as partes interessadas no processo deverão produzir essas provas, de meio lícito, para que o litígio seja discutido.
2.1 As provas admitidas no processo penal para se comprovar a materialidade do crime
A prova é a demonstração real dos fatos da conduta do autor, e conforme expõe Noronha[4]:
É o conjunto de atos legalmente ordenados, para a apuração do fato, da autoria e a exata aplicação da lei. [...] É a descoberta da verdade, o meio. [...] Provar é fornecer o conhecimento de qualquer fato, adquirindo para si, e gerando em outrem, a convicção da substancia ou verdade do mesmo fato.
No Direito Processual Penal, todas as provas colhidas na investigação ou no inquérito policial estão aptas para formar uma opinião ou até mesmo a convicção do juiz acerca do homicídio praticado, mesmo sem a existência do corpo, sendo ele baseado apenas em circunstâncias e evidências[5].
As provas são hierarquicamente iguais, não havendo distinção de superioridade ou tipologia entre elas. Devido a este fator, as provas tornam-se mais eficazes dentro de um curto espaço de tempo para a comprovação do delito.
Quando não se pode fazer a perícia criminal no corpo, pois este não há, vale-se da prova testemunhal para atestar a materialidade delitiva, conforme disposto no art. 167 do Código de Processo Penal. O CPP não se pode valer da confissão do suspeito, pois, de acordo com a Carta Magna, ninguém pode produzir prova contra si mesmo[6]. Na impossibilidade da materialidade do corpo, a prova testemunhal supre a omissão.
A natureza jurídica da prova é um direito subjetivo baseado na demonstração da verdade dos fatos.
2.2 Provas Inquisitoriais
As provas inquisitoriais são provas baseadas na investigação dos fatos do caso. O juiz, tem o arbítrio ou ao de participar na averiguação questionando as testemunhas e até mesmo em processos contraditórios. A admissibilidade deste tipo de prova permite que o juiz haja como um inquisidor, deixando de lado o seu arbitro da justiça.
As provas inquisitoriais são produzidas na fase do inquérito policial e é considerada a fase mais importante para a coleta de provas, pois, sua ação é imediata à suspeita de algum delito, então ao se chegar na fase da denúncia através da Ação Penal, essas provas já podem ter desaparecido.
2.3 Provas Judiciais
As provas judiciais são as mesmas obtidas durante o Inquérito Policial e que são levadas à julgamento. Recebem esse nome por serem provas licitas e por comprovarem a exatidão e autenticidade dos fatos que serão julgados.
Entende-se que a prova judicial é a resposta para a busca da verdade que tem como objetivo solucionar a lide pacificamente. Divide-se em verdade material e formal, onde a primeira é caracterizada como verdade real, dominando a verdade; e a segunda é apenas o resultado das provas produzidas pelas partes[7].
2.4 Provas cautelares
As provas cautelares são provas que podem desaparecer se houver demora em sua produção ou deferimento de aceitação.
Ou seja, quando se desconfia de alguém, mas não tem provas materiais, mas apenas indícios e é necessário pedir-se uma interceptação telefônica para que se consiga as provas judiciais. Como em todos os processos há que se conceder o direito da ampla defesa e do contraditório, estes são feitos em juízo, impugnando e oferecendo a contraprova.
3.5 Provas não repetíveis
Como o próprio nome diz, são provas que uma vez coletadas/realizadas, não podem mais ser produzidas em outra fase do processo. São provas produzidas para fundamentar uma decisão judicial e é realizada na fase do inquérito policial. Está previsto no art. 159, § 3o, CPP:
Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico.
3.6 Provas antecipadas
As provas antecipadas também são produzidas na fase do inquérito policial em juízo e na presença das partes sob a fiscalização de autoridade judiciária tendo em vista a sua urgência e qual a relevância que terá para o processo. Está prevista no art. 255 do CPP, que diz:
Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento.
3.7 Perícia
De acordo com a conceituação de Fernando Capez[8], o conceito de perícia é definido com base nas razões a seguir transcritas: “O termo ‘perícia’, originário do latim peritia(habilidade especial), é um meio de prova que consiste em um exame elaborado por pessoa, em regra profissional, dotada de formação e conhecimentos técnicos específicos, acerca de fatos necessários ao deslinde da causa. Trata-se de um juízo de valoração científica, artística, contábil avaliatório ou técnico, exercido por especialista, com o propósito de prestar auxílio ao magistrado em questões fora de sua área de conhecimento profissional”.
A legislação vigente do país discorre através de seus códigos e artigos acerca da importância da pericia médico-legal realizada pelos profissionais capacitados, como sendo um meio de prova indispensável e extremamente útil para a imposição da sentença acerca do delito cometido, submetido ao Poder Judiciário incumbido da função de solucionar o autor do fato, baseado nos dispositivos legais descritos: a) Código de Processo Penal – arts. 158 a 170, Capítulo 2 (Do Exame de Corpo de Delito e das Perícias em Geral); b) Código de Processo Civil – art.s 145 a 147 (Do Perito) e 420 a 439. c) CLT – art. 827; d) Lei n. 9.099, de 26.09.1.995 – art. 77, § 1º.
3 JUDICIALIZAÇÃO DAS PROVAS INQUISITORIAIS: COMO COMPROVAR A EXISTENCIA DA MATERIALIDADE DE UM CRIME SEM CORPO?
Materialidade, segundo Silva[9], é a existência real das coisas, que se vê, se apalpam se tocam, porque se constituem de substância tangível. A materialidade seria então, a comprovação física e indispensável para a condenação do réu pelo delito que deixou vestígios, provando-se assim a existência do crime por elementos presentes no corpo.
Mas quando não há corpo que comprove a materialidade do crime ou o fato, pode-se haver processo? O promotor e ex-presidente do Conselho Nacional dos Membros do Ministério Público, José Carlos Cosenzo, afirma que "é possível, juridicamente, processar o réu sem o corpo". Cosenzo explica que o crime exige dois pontos para a denúncia: "o indício de autoria e a materialidade", este último, seria o cadáver. Porém, o delegado pode prosseguir as investigações concentradas em elementos, por exemplo, "uma testemunha que viu o ocorrido, uma corrente, anel ou roupa que a pessoa estava usando no dia do crime"[10].
Acerca do crime, este só poder ser provado mediante a materialidade. Roberto Podval, advogado de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, é contrário ao entendimento de Cosenzo. Segundo ele, "sem o corpo, não tem crime". O advogado afirmou que em um inquérito policial, relacionado a homicídio, o corpo é a "materialidade" do que aconteceu e não encontrar o cadáver não só compromete como impossibilita provar que um sujeito é realmente autor do homicídio. No caso de Eliza, diz ele, há apenas indícios do paradeiro da estudante. "Sem o corpo, não há certeza de nada, o corpo é a principal prova de que ela está morta e não só desaparecida", disse Podval[11].
Nucci[12] entende que não há a possibilidade legal de se comprovar a materialidade de um crime que deixa indícios, por meros indícios, como regra. Na falta do exame do corpo de delito indireto, a única saída viável seria a produção de prova testemunhal, que não pode ser larga o suficiente, de modo a esvaziar a garantia de que a existência de um delito fique realmente demonstrada no processo penal.
Acerca do tema, Aury Lopes Junior[13] discorre:
Situação bastante complexa, e que eventualmente ocupa os tribunais brasileiros, é a (im) possibilidade de condenação pelo crime de homicídio quando não se encontra o cadáver da vítima (corpo de delito). A ocultação do cadáver (muitas vezes levada a cabo pelo próprio autor do homicídio) impossibilita o exame direto. Contudo, é predominante a jurisprudência brasileira no sentido de admitir o exame de corpo de delito indireto, consubstanciado em prova testemunhal suficiente, aliada em alguns casos, à prova pericial feita em armas ou vestígios de sangue, cabelos, tecidos, etc., encontrados no local do crime ou até mesmo no carro utilizado pelo réu para transportar o corpo.
De acordo com Nazareno César Moreira Reis[14], acerca da prova pericial:
“[...] Há clara inspiração na regras de produção de prova pericial do processo civil. Quer isso dizer, em resumo, que a prova pericial-criminal definitivamente passou a ser produzida em contraditório pleno, e não mais como ato unilateral do Estado e de seus agentes, com a ressalva apenas deque o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado, caso haja requerimento das partes (MP ou acusado), no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação.”
3.1 Vestígios
Etimologicamente, o termo deriva da palavra latina vestigium que, por sua vez, possui significado bastante abrangente: planta ou sola dos pés (das pessoas e dos animais), pegada, pista, rastro, traço, sinal, marca. Em termos periciais, o conceito de vestígio mantém a característica abrangente do vocábulo que lhe deu origem, podendo ser definido como todo e qualquer sinal, marca, objeto, situação fática ou ente concreto sensível, potencialmente relacionado a uma pessoa ou a um evento de relevância penal, e/ou presente em um local de crime, seja este último mediato ou imediato, interno ou externo, direta ou indiretamente relacionado ao fato delituoso. Os vestígios seriam o produto de um agente ou evento provocador. Ou seja, pressupõe-se que algo provocou uma modificação no estado das coisas de forma a alterar a localização e o posicionamento de um corpo no espaço em relação a uma ou várias referências fora e ao redor do dele[15].
Para alguns autores, o exame de corpo de delito indireto é aquele constituído pelo depoimento de testemunhas sobre a materialidade do delito, em face da eventual impossibilidade da realização do exame direto ensejada pelo desaparecimento dos vestígios (art.167 do Código de Processo Penal). Outros entendem que o exame indireto é aquele feito pelos peritos com base em elementos diversos da prova testemunhal que constarem do processo[16].
A ausência do cadáver é sempre um problema para a polícia e para a justiça, já que o Código de Processo Penal afirma ser indispensável o exame de corpo de delito, mas deixa lacunas na própria lei para que se puna o autor quando existirem outras evidências. Caso assim não fosse, bastaria que se escondesse o corpo da vítima de forma a não deixar rastros, para que se escapasse impune do crime.
3.2 Decisões dos Tribunais
“CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. OCULTAÇÃO DE CADÁVER. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. AUSÊNCIA DE LAUDO COMPROBATÓRIO DA MATERIALIDADE. IRRELEVÂNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO DEMONSTRADA. ORDEM DENEGADA. I. Havendo nos autos outros meios de provas capazes de levar ao convencimento do julgador, não há falar em nulidade processual por ausência do exame de corpo de delito. II. A impetração não conseguiu ilidir a prova da materialidade nem os indícios de autoria, não restando evidenciada qualquer ausência de suporte probatório para o oferecimento da exordial acusatória. III. O trancamento da ação penal, por falta de justa causa, só é possível quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, evidenciar-se a atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade, hipóteses não verificadas no caso dos autos. IV. Ordem denegada.” (HC n.º 39788-ES. STJ) (grifou-se)“REVISÃO CRIMINAL. - O requerente busca o reexame da condenação sem apresentar prova nova, alegando a precariedade da prova que ensejou sua condenação. Não é possível tratar a Revisão Criminal como uma segunda apelação. Precedentes. - Do voto do eminente Desembargador MANUEL JOSÉ MARTINEZ LUCAS, quando do julgamento do apelo, se constata claramente que a manutenção da condenação tem apoio em elementos de prova que constam dos autos. - Lembramos, quanto ao tema (''Prova da materialidade do homicídio''), passagem das lições do mestre HUNGRIA (''Será possível o êxito de um processo penal por crime de homicídio sem que apareça o cadáver da vítima? Dizia CARRARA: "Não se pode afirmar que existe crime de homicídio, enquanto não esteja averiguado que um homem tenha sido morto por obra de outro. E não se pode dizer que um homem haja morrido, enquanto não se encontra o seu cadáver ou, pelo menos, os restos deste, devidamente reconhecidos." Tal critério é demasiadamente rigoroso, e poderia, na sua irrestrição, conduzir à impunidade de manifestos autores de homicídio. Haja vista o caso citado por IRURETA GOYENA: dois indivíduos, dentro de uma barca no rio Uruguai, foram vistos a lutar renhidamente, tendo sido um deles atirado pelo outro à correnteza, para não mais aparecer. Foram baldadas as pesquisas para o encontro do cadáver. Ora, se, não obstante a falta do cadáver, as circunstâncias eram de molde a excluir outra hipótese que não fosse a da morte da vítima, seria intolerável deixar-se de reconhecer, em tal caso, o crime de homicídio. Faltava a certeza física, mas havia a absoluta certeza moral da existência do homicídio. Conforme justamente observa GOYENA, não se deve confundir o "corpo de delito" com o "corpo da vítima", e para a comprovação do primeiro basta a certeza moral sobre a ocorrência do evento constitutivo do crime.''). - Por outro lado, a alegação de insuficiência de provas não dá ensejo a revisão. Precedentes. - Tratando-se de processo da competência do Júri, não podemos olvidar da posição defendida pelo eminente DESEMBARGADOR IVAIR NOGUEIRA ITAGIBA, apoiada pelo ilustrado DESEMBARGADOR NELSON HUNGRIA, quando da discussão que resultou na aprovação da Conclusão XLV, da Conferência dos Desembargadores (in CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO ANOTADO, EDUARDO ESPÍNOLA FILHO, edição histórica, Tomo II, Vol VI, pág. 135, Editora Rio). REVISÃO CRIMINAL IMPROCEDENTE.” (Revisão Criminal Nº 70017801481, Primeiro Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio de Oliveira Canosa, Julgado em 03/08/2007).
Conforme exposto, a comprovação da materialidade de um homicídio sem corpo é aceita no tribunal desde que não haja dúvida quanto o delito cometido. Precisa haver testemunhas acima de tudo idôneas e outros meios que comprovem que o réu tinha a intenção de cometer algum delito contra a vítima. Mas da mesma forma que o tribunal pode condenar, ele também pode absolver sem face de não haver provas suficientes, trocando o in dúbio pro societaté pelo in dúbio pro réu.
4 ATÉ QUE PONTO A PERÍCIA CRIMINAL INDIRETA É ACEITA DENTRO DO SISTEMA PROCESSUAL EM FACE DO PRINCÍPIO DE INOCÊNCIA COMO PROVA DE EXISTÊNCIA DO CRIME
A perícia indireta é definida pelo art. 158 do CPP, que assim diz: "Quando a infração deixar vestígios será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-los a confissão do acusado".
A prova indireta é a coleta de vestígios que através do raciocínio, constrói-se uma lógica ao qual se chega aos fatos ou a circunstância que se tem intenção de provar. A prova indireta é baseada em indícios e presunções, sendo considerado o primeiro como circunstancias que permite verificar a existência de um fato.
Magalhães Noronha[17] explica que há uma diferença entre indicio e presunção, onde a presunção é um fato que não se tem prova, é fundado na experiência de um fato presumido; já o indicio é demonstrado por prova testemunhal ou documental formando assim uma convicção sobre o fato a se provar.
A condenação baseada em indícios é admitida no ordenamento jurídico brasileiro que possibilita a união dos dados até que se chegue ao autor do fato. A prova indiciária pode conduzir a uma condenação, porém, somente quando veemente sólida e induvidosa. Para o CPP, o laudo de exame de corpo de delito indireto realizado com base nos registros hospitalares do atendimento da vítima é apropriado e tem o mesmo valor probante que o exame direto.
A Perícia Indireta é uma necessidade e não uma alternativa e a sua previsão legal prezam por práticas éticas e responsáveis na prestação dos serviços. Mas a perícia indireta precisa além de provar, respeitar o princípio da presunção de inocência, conforme discorre Tourinho Filho[18]:
Cabe, pois, à parte acusadora provar a existência do fato e demonstrar sua autoria. Também lhe cabe demonstrar o elemento subjetivo que se traduz por dolo ou culpa. Se o réu goza da presunção de inocência, é evidente que a prova do crime, quer a parte objecti, quer a parte subjecti, deve ficar a cargo da Acusação.
Um exemplo de caso de grande repercussão nacional acerca da aceitação de prova pericial indireta que comprove a materialidade do crime sem corpo foi o da ex-namorada do jogador Bruno, goleiro do Flamengo, a Eliza Samudio.
Este crime deixou sangue, coletados pela perícia criminal, que possibilitou a produção de provas que houve homicídio. Os vestígios deixados, conforme expresso pelo art. 167 do Código de Processo Penal, estabelece que o corpo de delito pode ser suprido por um único meio de prova, no caso a testemunhal, principalmente quando os vestígios desaparecerem.
Art. 167, CPP – Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haver desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.
Uma linha de pensamento seguida por alguns doutrinadores, como Tourinho Filho[19], deixa claro que somente a prova testemunhal não pode ser considerada válida para os fins do art. 167 do CPP, pois além de não suprir a exigência legal, tal situação procura burlar o art. 158 do mesmo código. Ou seja, não basta que as testemunhas nada saibam de concreto sobre o fato ocorrido ou façam referência apenas à confissão, é preciso que a mesma tenha presenciado o fato, conforme expresso abaixo:
Se duas ou três pessoas viram, no Rio Amazonas, alguém decepar a cabeça de outrem, não há dúvida que ocorreu um homicídio. Mas como proceder ao exame, se as águas levaram o corpo de delito? Nesse caso, relatando as testemunhas o que viram, estará feito o exame indireto. É preciso, contudo, que elas tenham visto os vestígios. Se por um acaso não se fizer o exame direto ou indireto, a nulidade é tão grande que fulmina todo o processo, nos termos do art. 564, II, “b” do CPP. Mas se não houver nem um nem outro, a nulidade é absoluta. [...] . Quis e quer dizer o legislador que a ausência do exame direto de corpo de delito nos crimes que deixam vestígios acarreta nulidade a menos que se proceda ao exame indireto [...] .
É necessariamente indispensável, a tal ponto que chega essa indispensabilidade, que o art. 564, II, “b” do CPP diz que haverá nulidade se não for feito, nesses crimes, o exame de corpo de delito, ou na impossibilidade deste, que se observe ao menos, o disposto no art. 167, o denominado exame indireto de corpo de delito, realizado por outros meios, notadamente pela prova testemunhal. Nesses casos é preciso que a testemunha informe sobre o que efetivamente viu, para que se possa assim, suprir o exame direto de corpo de delito. Não é o fato de dizer que viu a vítima entrando neste ou naquele local, onde possivelmente estava o acusado, não é o fato de afirmar ter sabido da própria vítima o que aconteceu que constitui o exame indireto. A autoridade não está investigando se a vítima foi ou não neste ou naquele local, se disse ou não o que com ela aconteceu. Simplesmente vai indagar da testemunha se ela viu o corpo de delito, isto é, os vestígios materiais deixados pelo crime [...], se viu a vítima ensanguentada ser jogada no mar ou situações semelhantes [...].
Com o exposto pelo referido autor, ficou evidente que basta apenas existir uma testemunha para os fins do art. 167 do CPP e sim impor que a prova testemunhal seja presencial aos fatos.
Pelo exposto descrito, é possível e aceitável no ordenamento jurídico que um processo criminal relativo a um homicídio possa ter seu prosseguimento sem um cadáver encontrado, mas é preciso também que a materialidade deste seja suprida por uma prova testemunhal desde que apta e concreta, ou seja, que a testemunha tenha de fato presenciado o ato, sob pena de desrespeito ao expresso mandamento legal dos arts. 158, 167 e 564, II, “b” do CPP; e faltar justa causa para a persecução penal expresso no art. 648, I também do referido código, sanável por meio de habeas corpus.
CONCLUSÃO
O presente artigo discorreu acerca da importância, da necessidade e da possibilidade de se admitir, no ordenamento jurídico, a prova indireta para comprovar crimes sem a materialidade do corpo.
Quando há indícios ou denúncias de crimes a perícia realiza a coleta de provas que, juntamente com os indícios, poderá ser feita a comprovação da existência do crime sem que seja realizado o exame de corpo de delito.
A existência da materialidade de um crime sem um corpo é expresso legalmente em nosso ordenamento jurídico, descritos nos arts. 158, 167 e 564, II, “b” do CPP. Mas para se comprovar é preciso que as testemunhas arroladas tenham de fato, participado do ato, observando-se o princípio da presunção de inocência.
Conforme exposto, alguns autores têm em seu conceito que a prova pericial indireta não deveria ser aceita, pois preza pelo conceito de que se não há corpo não há crime. Já outros prezam pela teoria que deve haver investigações minuciosas para realmente se provar a autoria de um crime, para depois julgar e condenar o suspeito.
Já outros doutrinadores prezam que o princípio da presunção da inocência deve ser absoluto, pois segundo o entendimento deste princípio, se não há corpo, não há crime.
A ausência do corpo sempre foi considerada como sendo uma lacuna nos processos de homicídios, mas segundo os entendimentos recentes dos tribunais, a ausência de corpo não é mais “desculpa” para se deixar impune um homicida. Um exemplo clássico e de grande repercussão nacional foi o caso do goleiro Bruno do Flamengo, acusado e julgado culpado pelo assassinato de sua ex-amante Elisa Samudio. O referido crime chocou o País pela sua brutalidade e pela malicia em esconder o corpo. A vítima foi esquartejada e seus membros foram jogados aos cachorros para serem devorados.
Mas conforme exposto, o crime só é caracterizado mediante provas e testemunhas devidamente fundamentadas e embasadas em nosso ordenamento jurídico, pois mesmo tendo-se que condenar um culpado, deve o ordenamento jurídico preservar o princípio da presunção de inocência, bem como os seus direitos de defesa e não produzir prova contra si mesmo.
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[1] Professora Orientadora Mestre Ciência Jurídica Univale/SC; Professora de Direito Penal e Processual Penal da Uninorte - Laureate
[2] MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Forense, 1961, p. 300.
[3] TÁVORA, Nestor.; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 2012, p. 407.
[4] NORONHA, E. Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. 2003, pág. 87.
[5] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal.2013, pág. 220.
[6]TÁVORA, Nestor.; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 2012, p. 408.
[7] TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. A prova no processo do trabalho. 6. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 1994. p. 37-38.
[8] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 2010, p. 316
[9]SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 1973, p. 163.
[10] COSENZO, José Carlos. Lei Prevê Indiciamento por Homicídio sem Corpo. 07 de Julho de 2010. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/caso-bruno/lei-penal-preve-indiciamento-por-homicidio-sem-corpo,1248e9e72b7ea310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html>. Acesso em: 16 Set. 2015.
[11] PODVAL, Roberto. Lei Prevê Indiciamento por Homicídio sem Corpo. 07 de Julho de 2010. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/caso-bruno/lei-penal-preve-indiciamento-por-homicidio-sem-corpo,1248e9e72b7ea310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html>. Acesso em: 16 Set. 2015.
[12]Nucci, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 2010, p. 507-510.
[13] LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e Sua Conformidade Constitucional. 2010, p. 613.
[14] REIS, Nazareno César Moreira. Primeiras impressões sobre a Lei nº 11.690/2008. Jus Navegandi. Piauí, jun. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11414>. Acesso em: 27 Set. 2015.
[15] FILHO, Claudemir Rodrigues Dias. Cadeia Custódia: Do Local de Crime ao Trânsito em Julgado; do Vestígio à Evidência. artigo publicado na Revista dos Tribunais no. 883 em: 05 Mar 2010. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/27896611/Cadeia-de-custodia-do-local-de-crime-ao-transito-em-julgado-do-vestigio-a-evidencia>. Acesso em: 16 Set. 2015.
[16] BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. 2007. p. 315.
[17] MAGALHÃES NORONHA. E. Curso de Direito Processual Penal. 1978, pág. 130.
[18] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, 2009, p. 236.
[19] TOURIHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. 2009, p. 532-533 e 547-549.
Graduanda do Curso de Direito da Uninorte Laureate International Universities - UNINORTE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FABIANA MENDES CALDEIRA BRANDãO, . A importância da perícia criminal para a comprovação da materialidade no crime de homicídio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 mar 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46281/a-importancia-da-pericia-criminal-para-a-comprovacao-da-materialidade-no-crime-de-homicidio. Acesso em: 22 nov 2024.
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