RESUMO: Este trabalho tem por objetivo analisar o instituto do agente infiltrado como forma de obtenção de provas para apurar infrações penais praticadas por organizações criminosas. Esta análise consiste na observância dos direitos fundamentais, bem como nas garantias processuais e no respeito ao sistema acusatório, adotado pela constituição de 1988. A partir dessa análise, compreender a forma de atuação do agente infiltrado na atividade de investigação da organização criminosa, bem como das infrações por ela praticadas e sua eventual efetividade na atual conjuntura do estado brasileiro.
Palavras chaves: Agente infiltrado. Direitos fundamentais. Devido processo Legal. Sistema acusatório.
ABSTRACT: This work aims to analyze the institute the undercover agent in order to obtain evidence to investigate criminal offenses committed by criminal organizations. This analysis is the observance of fundamental rights and the procedural guarantees and respect for the adversarial system, adopted by the constitution of 1988. From this analysis, understand the form of undercover operations in the research activity of the criminal organization, as well as the offenses committed by it and its possible effectiveness at this juncture of the Brazilian state.
Key words: infiltration agent. Fundamental rights. Due legal process. Adversarial system.
INTRODUÇÃO
A Lei 12.850/13, ainda recente dentro do ordenamento jurídico brasileiro, dispõe sobre os meios de investigação da organização criminosa e as formas de obtenção de provas das infrações penais praticadas no âmbito das organizações criminosas.
Ab initio, cabe ressaltar que esta lei dispõe de vários mecanismos para que sejam levantadas provas, cujo objetivo é desmantelar e combater as infrações penais praticadas pelas organizações criminais.
O termo infrações penais aqui empregado, abrange tanto as contravenções penais, previstas no Decreto-Lei nº 3.688, de 03 de outubro de 1941, bem como os crimes em geral.
Decerto que na atual conjuntura brasileira, mormente os crimes conhecidos como de “colarinho branco”, que em regra são praticados por organizações que possuem as características previstas na Lei de Organização Criminosa, fez-se necessária uma legislação específica que tratasse do tema com suas particularidades.
Portanto, ainda que seja recente a legislação contra a organização criminosa, seu principal objetivo é conter e, sobretudo desmantelar as organizações criminosas.
II – AGENTE INFILTRADO
Conforme disposto no art. 3º, VII da Lei 12.850/13, em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção de provas: (i) infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma do art. 11.
Antes de se estabelecer o conceito de agente infiltrado é preciso refletir sobre o texto constitucional que cautela a incolumidade pública.
Nos termos do art. 144, IV, da Constituição Federal, a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos é, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (i) polícias civis.
O parágrafo 3º aduz que as polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvadas a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as Militares.
Isso posto, se esclarece que a infiltração por policiais trata-se de agentes integrantes da polícia judiciária, a qual é incumbida da apuração de infrações penais.
Conforme leciona Eduardo Araújo da Silva:
A infiltração de agentes consiste numa técnica de investigação criminal ou de obtenção de provas, através da qual o Estado, mediante prévia autorização judicial, se infiltra numa organização criminosa, simulando a condição de integrante, para obter informações a respeito de seu funcionamento. Apresenta, segundo a doutrina, três características básicas: (i) a dissimulação, ou seja, a ocultação da condição de agente oficial e de suas verdadeiras intenções; (ii) o engano, posto que toda a operação de infiltração se apoia numa encenação que permite ao agente obter a confiança do suspeito; (iii) e finalmente a intenção, isto é, uma relação direta e pessoal entre o agente e o autor potencial (Silva. 2014, p. 92).
Decerto que o agente infiltrado invade a esfera da liberdade e privacidade dos eventuais integrantes da organização criminosa com o objetivo de obter provas da organização e das infrações por ela praticadas.
Essa conduta por si violaria os direitos fundamentais do sujeito passivo da relação processual, bem como as garantias processuais previstas dentro do sistema acusatório.
Na visão de Nucci:
O instituto da infiltração de agentes destina-se justamente a garantir que agentes de polícia, em tarefas de investigação, possam ingressar, legalmente, no âmbito da organização criminosa, como integrantes, mantendo identidades falsas, acompanhando as suas atividades e conhecendo a sua estrutura, divisão de tarefas e hierarquia interna. Nessa atividade, o agente infiltrado pode valar-se da ação controlada – descrita no capítulo anterior – para mais adequadamente desenvolver seus objetivos (NUCCI. 2013, p. 75).
Destarte, na infiltração do agente de polícia nos átrios da organização criminosa, certamente que há a mitigação de direitos fundamentais, assim, acentua-se um conflito entre esses direitos e a incolumidade pública, o que deve ser sopesado no momento em que o magistrado deferir a infiltração do agente.
III – MITIGAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
É inegável que nesse cenário tem-se a mitigação de direitos fundamentais do indivíduo, todavia, por outro lado, a incolumidade pública também é um direito fundamental que deve ser acautelada. Destarte, tem-se um conflito de direitos fundamentais que precisa ser equalizado pelo aplicador da norma.
Conforme Alexandre de Moraes:
Os direitos humanos fundamentais, dentre eles os direitos e garantias individuais e coletivos consagrados no art. 5º da Constituição Federal, não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.
Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (Princípio da relatividade ou conveniência das liberdades públicas).
Dessa forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos e garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade recíproca (MORAES. 2015, p. 30-31).
Portanto, não há direito que seja absoluto dentro da democracia brasileira, dessa forma, a infiltração do agente nos átrios da organização criminosa não ofendem a Constituição Federal.
Ademais, nos termos da Convenção das Nações Unidas contra o crime Organizado Transacional, ratificada pelo Brasil (Decreto nº 5.015/04), art. 20, item 1: se os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico nacional o permitirem, cada Estado Parte, tendo em conta as suas possibilidades e em conformidade com as condições prescritas no seu direito interno, adotará as medidas necessárias para permitir: (i) as operações de infiltração, por parte de autoridades competentes no seu território, a fim de combater eficazmente a criminalidade organizada.
Essa convenção foi recepcionada pela Lei 12.850//13, que dispõe especificamente sobre o combate as organizações criminosas, bem como a Lei 11.343/06, a qual prevê, no art. 53, I a figura do agente infiltrado com a seguinte redação: em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios: (i) a infiltração por agentes de polícia, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes.
Decerto que a previsão de agente infiltrado já foi recepcionada por várias leis dentro do ordenamento jurídico brasileiro, o que demonstra que a agência legiferante tem demonstrado estrita atenção para o crime de organização criminosa, bem como para as infrações praticadas por seus integrantes.
IV – ATUAÇÃO DO AGENTE INFILTRADO
Tendo em vista a complexidade dessa forma de obtenção de provas, nos exatos termos do caput do art. 10 da Lei 12.850/13, a infiltração de agentes de polícia será possível apenas precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites.
Destarte, a autorização para que o agente policial possa infiltrar nos átrios da organização criminosa é concedida através de ordem judicial e esta ordem deve ser: (i) circunstanciada, ou seja, deve descrever minuciosamente as atividades praticadas pelo agente; (ii) motivada, isto é, deve ser precedida de motivação idônea, a fim de comprovar a real necessidade da medida; (iii) sigilosa, isto significa que este ato deve ser restrito às partes durante a investigação criminal, bem como durante a instrução processual, até que seja concluída.
Eduardo Araújo da Silva faz uma reflexão sobre o direito comparado:
No direito contemporâneo, é traço comum à operação de infiltração de agentes a exigência de prévia autorização judicial: na Espanha, a infiltração de agentes, tutelada pela LO 5/99, de 13 de janeiro, que introduziu o art. 282-bis LECr., exige como um dos pressupostos básicos a autorização concedida pelo Juiz Instrutor competente ou pelo Ministério Público, que deverá comunicar imediatamente o juiz; na Alemanha, dispõe o art. 110, alínea c, da lei processual penal que a autorização deve ser concedida por um membro do Ministério Público; porém, em casos de urgência, é dispensada tal ordem, devendo a operação ser cessada no terceiro dia se ainda não houver autorização; em Portugal, prevê o art. 3º, nº 3 da Lei nº 101/01 que a ação infiltrada no âmbito do inquérito depende de autorização do “magistrado” do Ministério Público, que comunicará obrigatoriamente o juiz de instrução (SILVA. 2014, p. 94).
Percebe-se que vários países têm voltado as suas atenções para o combate às organizações criminosas, haja vista que as infrações por elas praticadas alcançam toda a sociedade, atingindo, inclusive, as estruturas estatais em determinadas situações.
Nucci assevera que:
São requisitos para a infiltração de agentes (art. 10 da Lei 12.850/13): a) ser agente policial: a anterior Lei 9.034/95 permitia também a atuação de agentes de inteligência, advindos de órgãos diversos da polícia. Tal situação não é mais admitida; somente agentes de polícia, federais ou estaduais, podem infiltrar-se em organizações criminosas; b) estar em tarefa de investigação: demonstra a necessidade de não se elaborar investigação informal, especialmente infiltrada. É fundamental a instauração de inquérito, em caráter sigiloso, para que se faça a infiltração; c) autorização judicial motivada: cabe ao juiz, que acompanha o desenvolvimento da investigação criminal, autorizar a infiltração de agentes em organização criminosa. Poder-se-ia argumentar não ser ideal a participação ativa do magistrado nesta fase da investigação criminal, porque ele poderia comprometer a sua isenção (NUCCI. 2013, p.76).
Além da autorização judicial, é necessária a observância de alguns requisitos previstos no art. 10, § 2º da Lei 12.850/14, quais sejam, a existência de indícios de infração penal de que trata o art. 1º e se a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis.
É necessário que exista indícios da infração penal prevista no art. 1º de referida lei, ou seja, deve existir indícios da existência de uma organização criminosa para que seja autorizada a infiltração de agentes de polícia.
Ademais, esta forma de meio de obtenção de provas tem caráter subsidiário, haja vista que a rigor do texto da lei, somente será possível obter a prova por meio de agente infiltrado quando não for possível obtê-la por outros meios de provas (art. 10, § 2º, Lei 12.850/13).
V – LIMITES À ATIVIDADE DO AGENTE INFILTRADO
A atividade probatória deve estar em sintonia com a Constituição Federal, aliás, conforme o art. 5º, LVI, são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.
Essa garantia constitucional foi recepcionada pelo Código de Processo Penal, no art. 157 e seus parágrafos.
Conforme leciona o professor Eugênio Pacelli:
Mais que uma afirmação de propósitos éticos no trato das questões do Direito, as aludidas normas, constitucional e legal, cumprem uma função ainda mais relevante, particularmente no que diz respeito ao processo penal, a saber: a vedação das provas ilícitas atua no controle da regularidade da atividade estatal persecutória, inibindo e desestimulando a adoção de práticas probatórias ilegais por parte de quem é o grande responsável pela sua produção. Nesse sentido, cumpre função eminentemente pedagógica, ao mesmo tempo em que tutela determinados valores reconhecidos pela ordem jurídica.
A norma assecuratória da inadmissibilidade das provas obtidas com violação de direito, com efeito, presta-se, a um só tempo, a tutelar direitos e garantias individuais, bem como a própria qualidade do material probatório a ser introduzido e valorado no processo.
Em relação aos direitos individuais, a vedação das provas ilícitas tem por destinatário imediato a proteção do direito à intimidade, à privacidade, à imagem (art. 5º, X), à inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI), normalmente os mais atingidos durante as diligências investigatórias.
A vedação das provas obtidas ilicitamente também oferece repercussão no âmbito da igualdade processual, no ponto em que, ao impedir a produção probatória irregular pelos agentes do Estado – normalmente os responsáveis pela prova – equilibra-se a relação de forças relativamente à atividade instrutória desenvolvida pela defesa (OLIVEIRA. 2013, p.343).
Nessa diapasão, constata-se que não há a possibilidade de obtenção de provas senão aquelas previstas na legislação processual, ou seja, o rol é taxativo, assim, não se admite outros meios de provas.
No mesmo sentido assevera Paulo Rangel:
O direito à prova encontra limites nos direitos e garantias constitucionais, pois já dissemos acima (cf.item 1.3, supra) que a busca da verdade processual não passa por cima das liberdades públicas, e estas não são absolutas. Não. O juiz, embora tenha que dar a cada um o que é seu (ao pobre a pobreza e ao rico a riqueza), encontra limites à liberdade da prova.
O princípio da verdade processual tem que estar em harmonia com a liberdade da prova e esta encontra limites no campo da admissão das provas obtidas por infringência às normas legais.
Veda-se, destarte, o depoimento colhido através da utilização de lie detector, tortura ou qualquer outro meio desumano ou degradante (cf. art. 5º, III da CRFB), bem como a interceptação telefônica, colhendo informações comprovadoras da prática de crime, sem a devida autorização judicial.
No Estado Democrático de Direito, os fins não justificam os meios. Não há como se garantir a dignidade da pessoa humana admitindo uma prova obtida com violação às normas legais em vigor. Do contrário, estaríamos em um Estado opressor, totalitário e não Democrático de Direito (cf. art. 1º CRFB).
A prova obtida por meios ilícitos enquadra-se na categoria da prova vedada, que, se admitida e valorada pelo juiz em sua sentença, acarreta a sua nulidade (RANGEL. 2012, p. 453).
De modo diferente aduz o professor Aury Lopes Júnior, quando assevera que:
Os sistemas processuais, ao longo de sua evolução, adotaram diferentes disciplinas em relação à taxatividade ou não dos meios de provas. Na sistemática atual, existe uma restrição inicial em relação aos limites da prova penal, que vem imposto pela lei civil, nos termos do art. 155 do Código de Processo penal.
Superada essa questão, a pergunta é: somente as provas previstas no CPP podem ser admitidas no processo penal? O rol é taxativo?
Como regra, o rol é taxativo. Entendemos que, excepcionalmente e com determinados cuidados, podem ser admitidos outros meios de prova que não previstos no CPP. Mas, atente-se: com todo o cuidado necessário para não violar os limites constitucionais e processuais da prova, sob pena de ilicitude ou ilegitimidade dessa prova (JÚNIOR. 2013, p. 581).
Isso posto, torna-se inequívoca a afirmação feita pelo professor Alexandre de Moraes (2015) de que não existe direito absoluto em nossa ordenamento jurídico. Evidentemente que, com as devidas ressalvas, outros meios de provas podem de fato integrar o ordenamento jurídico. Prova dessa premissa é os vários meios de obtenção de provas previstos na Lei 12.850/13, que objetivam desmantelar as organizações criminosas.
Seria uma ingerência a afirmação de que outros meios de provas, não previstos na legislação processual penal não poderiam ser admitidas. Não admitir provas obtidas por meios ilícitos, assim como as derivadas das ilícitas que de fato não devem ser admitidas dentro do ordenamento jurídico.
O sistema acusatório deve sempre ser observado, haja vista que o processo penal é uma forma de limitação do poder estatal.
O professor Aury Lopes aduz que:
Finalmente, no século XVIII, a Revolução Francesa e suas novas ideologias e postulados de valorização do homem levam a um gradual abandono dos traços mais cruéis do sistema inquisitório.
Na atualidade, a forma acusatória caracteriza-se pela: (i) clara distinção entre as atividades de acusar e julgar; (ii) a iniciativa probatória deve ser das partes (decorrência lógica da distinção entre as atividades); (iii) mantém-se o juiz como um terceiro imparcial, alheio ao labor de investigação e passivo no que se refere à coleta de prova, tanto de imputação como de descargo; (iv) tratamento igualitário das partes (igualdade de oportunidades no processo); (v) procedimento é em regra oral (oi predominantemente); (vi) plena publicidade de todo o procedimento (ou de sua maior parte); (vii) contraditório e possibilidade de resistência (ampla defesa); (ix) ausência de uma tarifa probatória, sustentando-se a sentença pelo livre convencimento motivado do órgão jurisdicional; (x) instituição, atendendo a critérios de segurança jurídica (e social) da coisa julgada; (xi) possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição (JÚNIOR. 2013, p. 108-109).
Decerto que ignorar todas essas garantias seria um retrocesso na história da evolução processual. Volitar-se-iam ao arbítrio estatal em detrimento dos mais remotos direitos inerentes a pessoa humana.
Nesse cenário é possível visualizar uma relativização da liberdade probatória. A atuação do agente infiltrado pode ser, de fato, considerada uma relativização da plena liberdade de produção de provas.
Conforme Alexandre de Moraes:
Salienta-se, porém, que a doutrina constitucional passou a atenuar a vedação das provas ilícitas, visando corrigir distorções a que a rigidez da exclusão poderia levar em casos de excepcional gravidade. Esta atenuação prevê, com base no princípio da proporcionalidade, hipóteses em que as provas ilícitas, em caráter excepcional e em casos extremamente graves, poderão ser utilizadas, pois nenhuma liberdade pública é absoluta, havendo possibilidade, em casos delicados, em que se percebe que o direito tutelado é mais importante que o direito à intimidade, segredo, liberdade de comunicação, por exemplo, de permitir-se sua utilização (MORAES. 2015, p. 117).
Isso posto, tem-se que a afirmação de que o meio de obtenção de prova da prática de infrações penais através da infiltração de agentes de polícia é legítima, portanto.
Tema que é de clara complexidade são os limites de atuação do agente infiltrado, haja vista que este, quando incorporado à estrutura da organização criminosa certamente irá praticar infrações penais. Nesse caso, como ficaria a punibilidade desse agente?
O professor Eduardo Araújo da Silva aduz que:
A punibilidade do agente que atua de forma infiltrada é uma das questões mais angustiantes do direito penal contemporâneo, pois para a total integração do agente numa organização criminosa, a hipótese de praticar alguns crimes não pode ser descartada. Como observa Muñoz Sanchez, ao buscar infiltrar-se no mundo da droga, o policial deve acostumar-se ao consumo e ao tráfico para se relacionar com aqueles que se dedicam a esses crimes; ao buscar relação com uma quadrilha de falsificadores, deverá possuir dinheiro ou documentos falsos e equipamentos destinados à falsificação de papéis (SILVA. 2014, p. 97).
Ponto de maior complexidade é a valoração das palavras do agente infiltrado. Quanto aos elementos de provas colhidos por ele, a discussão é mais pacificada, contudo, quando não há provas objetivas e deve ser valorado os seus depoimentos para elucidação dos fatos, bem como para sustentar uma eventual condenação que a situação fica delicada.
Conforme Eduardo Araújo:
A valoração dos depoimentos de policiais sempre foi fonte de divergências na jurisprudência, ante o temor de que sua participação nas investigações que conduziram ao processo possa influenciar a imparcialidade de suas palavras. Todavia, assim como não há como se desprezar, a priori o depoimento do policial que, como qualquer pessoa, pode figurar como testemunha no processo penal (art. 202 do Código de Processo Penal), também não há como creditar valor absoluto às suas palavras, as quais devem ser recebidas com cautela, pois inegavelmente sua participação nas diligências pode exercer influência sobre o seu depoimento em juízo. Como resume Aranha, “se não são suspeitos, têm eles todo o interesse em demonstrar legitimidade do trabalho realizado” (SILVA. 2014, p. 104).
IV – CONCLUSÃO
Além de constitucional, a infiltração de agente de polícia para obter provas das infrações praticadas pelas organizações criminosas são de real valor para sociedade. As infrações penais praticadas pelas organizações criminosas geram um prejuízo social incalculável na sociedade.
Em geral, as organizações criminosas atuam como um estado paralelo, além de possuírem estrita organização, estrutura, inclusive hierarquizada, estrutura física, criminosos infiltrados dentro do governo e nos poderes que compõe o Estado.
Portanto, a infiltração de agentes de polícia nos átrios das organizações criminosas a fim de levantarem provas das infrações por elas praticadas, desde que observados os limites constitucionais e processuais, é legítima e de grande relevo para a sociedade.
Ademais, especificamente no Brasil, um dos objetivos da República é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Assim, desmantelar eventual organização criminosa é uma forma de colaborar para construção dessa sociedade modelo constitucional.
REFERÊNCIAS
CURY, Rogerio, Vade Mecum Penal. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2015.
JÚNIOR, Aury Lopes, Direito Processual Penal. 10ª ed. rev., amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013.
MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional. 31ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015.
NUCCI, Guilherme de Souza, Organização criminosa. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de, Curso de Processo Penal. 17ª ed. rev., ampl e atual. São Paulo: Atlas, 2013.
RANGEL, Paulo, Direito Processual Penal. 20ª ed. rev., ampl. São Paulo: Atlas, 2012.
SILVA, Eduardo Araújo da, Organizações Criminosas, aspectos penais e processuais da Lei 12.850/14. São Paulo: Atlas, 2014.
Advogado Criminalista no escritório - Leandro Camargos Advocacia Criminal. Pós Graduando em Ciências Penais pela Prontifica Universidade Católica de Minas Gerais.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HERCULANO, Leandro Camargos. O agente infiltrado como forma de obtenção de provas de infrações penais praticadas no âmbito das organizações criminosas - Lei 12.850/13 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 mar 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46283/o-agente-infiltrado-como-forma-de-obtencao-de-provas-de-infracoes-penais-praticadas-no-ambito-das-organizacoes-criminosas-lei-12-850-13. Acesso em: 22 nov 2024.
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