Resumo: A questão da propriedade, no entender de muitos intelectuais, é um dos temas mais polêmicos e controversos desde a o surgimento das sociedades complexas e respectivamente, do Estado. Por essa razão, tem merecida atenção de diversas áreas das ciências sociais, como o Direito e a Sociologia.
A configuração da propriedade é um tema sempre presente nos estudos sociais, tanto das correntes de esquerda quanto nas de direita, cada qual com sua óptica.
O presente trabalho procura explanar a origem da propriedade privada ao longo da história, analisando as forças que comungam para sua perpetuação, bem como defender a importância da observância da sua função social.
Palavras-chave: Função social. Propriedade. Constituição Federal 1988.
Abstract: The question about the private property, in the opinion of many intellectuals, is one of the most controversial and contentious issues since the appearance of the complex societies and respectively the origin of the State. For this reason, it has deserved attention from various fields fields of social sciences, suchas Lawand Sociology.
This article attempts to explain the origin of private property through history, analyzing the forces which share for its perpetuation and defend the importance of respect for its social function.
Keywords : Social function. Property. Brazilian Federal Constitution.
Sumário: . Introdução; 2. A origem da propriedade privada; 3. O absolutismo monárquico e a consolidação da propriedade privada no Estado liberal; 4. Da propriedade absoluta (Estado Liberal) à propriedade restrita (Estado Social); 5. O direito de propriedade na Constituição de 1988; 6. Considerações finais; 7. Referências.
“Aliado à burguesia local – a “lúmpen-burguesia” - e ao “operário de colarinho branco”, o imperialismo comanda, na periferia, o subdesenvolvimento, que multiplica o atraso, o desemprego, a doença, a ignorância, a miséria e a solidão.” (Ariosvaldo Figueiredo- Ciências Sociais, barbárie e socialismo v.1- 1997)
INTRODUÇÃO
A propriedade decorre de um fator histórico, na medida em que, conforme a complexidade das sociedades aumentava no tempo em razão de diversos fatores, como o surgimento de novas técnicas que ocasionaram o aumento da produção etc, as relações entre os indivíduos também se modificavam e de certo modo, se aprimoravam, tornou-se conditio sine qua non, o surgimento de institutos que atendessem a troca de experiência e relações entre os indivíduos, como o surgimento do Estado e do Direito (tanto como ciência, quanto norma jurídica), este último, com propósito de trazer segurança a essas novas relações e garantir a manutenção do status quo de determinada sociedade, qualquer que fosse ela.1
Na história dos Estados, é pacífico que concorrem para sua formação, três elementos necessários – população, território e governo – “nascendo”, assim, um Estado.
Ao que se tem apurado, os primeiros Estados, teriam surgido de uma consequência natural da evolução das sociedades humanas. Emergindo no umbral de sociedades primitivas de forma paulatina. (Sahid Maluf. 2007, p. 39)
Inúmeras são as teorias que pretendem explicar a origem do Estado, problemática bastante difícil, e todas elas possuem aspectos interessantes e convincentes, como a teoria da força ou origem violenta do Estado2, cuja origem do Estado quedaria na violência dos mais fortes, decorrente de lutas travadas onde o vencedor impunha sua hegemonia e controle ao vencido, necessitando, de um poder público que regulamentasse essa dominação. E, a teoria da origem familiar, dividida em duas principais correntes, que seriam: a teoria patriarcal, cujo Estado seria uma ampliação da família sob a autoridade de um ancião, patriarca e a teoria matriarcal, que parte da premissa da mater semper certa, em decorrência dos casamentos grupais existentes Teoria essa, defendida por Lewis Morgan e Durkheim e corroborada por Engels em seu livro “Der Ursprung Der Familie, Des Privateigentaums Und Des Staats”, publicado em 1884.
Conforme a concepção marxista, o materialismo tem como fator determinante a reprodução humana (propriamente dita, como perpetuação da espécie) e a produção dos meios de subsistência, como alimentos, ferramentas, e outros meios para que o homem possa sobreviver. “A ordem social em que vivem os homens de determinada época histórica e de determinado país está condicionada por esses dois tipos de produção: de um lado, pelo grau de desenvolvimento do trabalho e, de outro, pela família”3. Visto que, a posse da terra dá origem ao Estado, por meio do desenvolvimento de um poder público, sendo o fator econômico, determinante dos fenômenos sociais.
Grosso modo, para Marx, o Estado é concebido para garantir o status quo da elite dominante, pois forma-se uma organização econômica exploradora, e essa forma de organização econômica geradora de acumulação de riquezas, se organiza e forma um Estado, do qual será seu instrumento de dominação. Por tal razão, para ele, modificando esse modelo econômico (capitalismo), muda-se, ipso facto, o sistema de opressão4.
Diametralmente, Bakunin afirma que grupos dominantes, dominam as demais pessoas de uma sociedade por meio do Estado, e a partir daí, decidem organizar economicamente a sociedade a seu próprio benefício, de tal forma, que para Bakunin, não basta mudar o modelo econômico, deve-se mudar a origem do Estado ab initio, na busca da liberdade.
2. A origem da propriedade privada
Engels, como já mencionado, nos traz, com base em estudos de Lewis Morgan, as diversas etapas da consolidação da propriedade privada (principalmente a da terra, mais significante, ao menos, para o nosso trabalho) em razão da modificação dos paradigmas da família que foram se alterando no decorrer do tempo.
De forma bastante resumida, houve até então, “três estágios fundamentais” da evolução da humanidade, que correspondem a três formas principais de casamento. São, portanto:
a) estágio selvagem - período que corresponde à infância da raça humana até a invenção do arco e flecha e o predomínio da apropriação de produtos da natureza já prontos. Foi basicamente a Idade da Pedra, onde subsistiram o casamento por grupos. A família comunista, onde todos trabalham para o bem comum, em razão da pequena densidade demográfica, não havia necessidade de grande produção de bens de consumo, apenas o necessário à subsistência da comunidade.
b) estágio da barbárie - há a introdução da cerâmica, a criação de animais, o cultivo em larga extensão, poderíamos dizer aqui, com propriedade, que esse estágio corresponde a Idade dos Metais, onde se domina a técnica da fundição do cobre e estanho, o bronze e posteriormente o ferro. A terra cultivada continuou, nesse período, a ser propriedade da tribo. Tem-se o casamento pré- monogâmico.
Jean- Jacques Rousseau, filósofo humanista, assevera com bastante pesar: “Para o poeta foram o ouro e a prata, mas para o filósofo, foram o ferro e o trigo que civilizaram os homens e perderam o gênero humano”5;
c) estágio da civilização - período de incremento da aprendizagem; artes, o homem passa a produzir superavit de produção, podendo comercializar o excedente. Há a consolidação da moeda, da compra e venda, surgindo de tal modo, o comércio e a figura do comerciante, que para Engels é: “Uma classe que se transforma no intermediário indispensável entre dois produtores e explora ambos”6. Surge, nesse período, o casamento monogâmico da concentração das grandes riquezas nas mãos do pater familia, com o desejo de transmitir a seus herdeiros (filhos seus), excluindo os filhos de qualquer outro homem.
A divisão do trabalho é, portanto, a primeira fase da evolução econômica, e geradora de desigualdade, formal e material, mas principalmente material- “La ley es como la serpiente; solo pica a los descalzos”7. O anarquista Jean- Pierre Proudhon, intelectual brilhante, define essa divisão do trabalho de forma contundente:
“Aí está a fórmula dessa nova lei de antagonismo, à qual devemos as duas doenças mais antigas da civilização, a aristocracia e o proletariado: o trabalho, ao se dividir segundo a lei que lhe é própria e que é a condição primeira de sua fecundidade, termina na negação de seus fins e se destrói a si mesmo; em outros termos, a divisão, fora da qual não há progresso nem riqueza nem igualdade, subalterna o operário, torna a inteligência inútil, a riqueza nociva e a igualdade impossível.”8
Antes mesmo da divisão da terra, há a divisão do trabalho remunerado, a introdução da escravidão é considerada essencial para manter o constante aumento da produção. Essa divisão entre exploradores e explorados, aliada à diferença de riqueza entre os pater familias, condenou a família comunista ao passado remoto e acabou com o trabalho comum dos integrantes da comunidade. Essa escravidão aumentou numericamente de forma considerável no decorrer da civilização, e ganhou contornos incontroláveis. Veja, v.g.:
“A Grécia Antiga, (1100 a. C a 146 a. C.) chamada de berço da democracia, tinha por volta de 21 mil cidadãos livres, e 400 mil escravos. Os gregos marginalizavam a mulher, os estrangeiros, valorizavam o trabalho intelectual e discriminavam o trabalho manual dos pobres e dos escravos. A democracia grega, discriminadora e imperfeita, na verdade era uma aristocracia, muito comum ao que vemos hoje.”9
Engels resume o estudado com mestria:
“Chegamos dessa maneira ao limiar da civilização. Ela é inaugurada por um novo progresso na divisão do trabalho. No estágio inferior, os homens produziam somente para suas necessidades diretas. As trocas reduziam-se a casos isolados e tinham por objeto os excedentes eventualmente obtidos. Na fase média da barbárie, entre os povos pastores, encontramos no gado já uma propriedade que, a partir de certo tamanho dos rebanhos, fornece regularmente um excedente da produção em relação às necessidades próprias. Encontramos simultaneamente uma divisão do trabalho entre os povos pastores e as tribos atrasadas e sem rebanhos, isto é, dois estágios diferentes de produção coexistindo o que implica em condições para o surgimento de uma troca regular. Na fase superior da barbárie apresenta uma nova divisão do trabalho, entre a agricultura e as artes e ofícios, e desse modo, a produção de uma parte sempre crescente dos resultados do trabalho para a troca, ou seja, a elevação da troca entre produtores individuais à categoria de necessidade vital da sociedade.”10
Conforme assevera Venosa, antes do surgimento de Roma (século VIII, a.C.) que surgiu de uma pequena comunidade agrícola estabelecida ao longo do Mediterrâneo, nas comunidades primitivas, somente existia a propriedade para as coisas móveis, em geral utensílios e objetos de uso pessoal, como vestuário etc:
“O solo pertencia a toda a coletividade, todos os membros da tribo, da família, não havendo o sentido de senhoria, de poder de determinada pessoa. A propriedade coletiva primitiva é, por certo a primeira manifestação de sua função social.”110
Venosa continua sua digressão:
“Não estava o homem preso ao solo, porque essa constante movimentação não o permitia. Destarte, não havia noção de utilização privativa bem imóvel. No curso da história, a permanente utilização da mesma terra pelo mesmo povo, pela mesma tribo e pela mesma família passa a ligar então o homem à terra que usa e habita, surgindo daí, primeiramente, a concepção de propriedade coletiva e, posteriormente, individual. Houve povos que nunca instituíram a propriedade individual, enquanto outros somente a conceberam após muito tempo, não sem grandes lutas e sacrifícios.”12
Rousseau, certa vez, disse em um célebre discurso sobre a desigualdade entre os homens:
“O primeiro que, tendo cercado um terreno, atreveu-se a dizer: Isto é meu, e encontrou pessoas simples o suficiente para acreditar nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, quantas misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, houvesse gritado aos seus semelhantes: Evitai ouvir esse impostor. Estareis perdidos se esqueceres que os frutos são de todos e que a terra não é de ninguém!”13
Ele, descontente com a concentração de riquezas nas mãos de alguns e a pobreza de muitos, preferia o estado natural do homem ao seu estágio civilizado, pois para ele, o estado de natureza era a felicidade perfeita14(chamado de “mito do bom selvagem”). Fica claro que o surgimento da metalurgia e a agricultura, no período de transição da barbárie para o civilizatório, engendrou as desigualdades sociais, abafando a piedade e a justiça, tornando os homens violentos avaros, licenciosos e perversos.15
3. O absolutismo monárquico e a consolidação da propriedade privada no Estado liberal
Em linhas gerais, a monarquia absolutista assentava-se no fundamento teórico do direito divino dos reis166 . A autoridade do soberano era considerada como de natureza divina, ou seja, proveniente diretamente de Deus, desconhecendo, dessa forma, qualquer limitação do poder do Rei (ao rei, tudo pode).
O monarca, é individualmente o proprietário do Estado (MALUF, 2007. p. 120), concentrando todo o poder em si mesmo.
Mister citar algumas características essenciais do chamado Antigo Regime:
a) poder político absoluto e ilimitado do monarca;
b) sociedade estamental, dividida em três partes – povo, clero e nobreza (segundo conceito do abade Sieyès, na sua obra “Qu'est-ce que le Tiers-État ?”)
c) feudalismo e posterior desenvolvimento do mercantilismo ou capitalismo comercial como modelo econômico;
d) intolerância e perseguições religiosas a tudo que fosse associado à ciência e a cultura iluminista da razão.
O monarca funcionava como um mediador entre a nobreza (privilegiada e parasitária) e a burguesia, detentora de prestígio econômico, com sedenta necessidade de ampliar seu poder para conduzir a seu bel prazer suas atividades comerciais.
Conforme cita Sahid Maluf, as pregações racionalistas incutiam no espírito popular, uma clara consciência de liberdade em face do arbítrio absolutista do monarquismo. Surgem históricos expoentes do iluminismo e do antiabsolutismo, como John Locke e o já apresentado Rousseau, ambos contratualistas e pregadores da limitação da autoridade real pela soberania do povo. Essa nova mentalidade abalou profundamente as estruturas do absolutismo.
Para Sahid Maluf:
“O Estado, segundo Locke, resulta de um contrato entre o Rei e o Povo, contrato esse que se rompe quando uma das partes lhe viola as cláusulas. Os direitos naturais do homem são anteriores e superiores ao Estado, por isso que o respeito a esses direitos é uma das cláusulas principais do contrato social. A monarquia absoluta, como forma de governo, desconhecendo limitações de qualquer natureza, é incompatível com os justos fundamentos da sociedade civil. Se os homens adotaram a forma de vida em sociedade e organizaram o Estado, fizeram-no em seu próprio benefício, e não é possível, dentro dessa ordem, que o poder se afirme com mais intensidade do que o bem público exige.”177
Como visto, essa doutrina liberalista, parcialmente dignificadora da espécie humana (parcialmente, pois a maioria dos autores aceita a desigualdade econômica como normalidade), foi sustentada por inúmeros filósofos, juristas e publicistas dos séculos XVII e XVIII, notadamente por Montesquieu, Rousseau, Voltaire etc. Estava preparada a resistência invencível, impulsionada pela vontade transcendente das massas sacrificadas, o que viria a culminar, posteriormente, na independência dos Estados Unidos da América do Norte e na Revolução Francesa de 1789, que para Kropotkin, duas correntes preparam e fazem a Revolução Francesa: “a) a corrente das ideias, vindas da burguesia; b) a corrente da ação, surgida com as massas populares, então oprimidas e revoltadas.”188
O Estado Absolutista, dessa forma, dá lugar ao Estado liberal, o liberalismo, com origem na Inglaterra por meio a Carta de Direitos imposta à Coroa pelo parlamento inglês, em 1689 (originária do próprio termo liberalismo), onde se estabeleciam, em seus treze artigos, dentre outros direitos, princípios da liberdade individual, porte de armas etc.
O Estado Liberal estava preocupado com a intervenção absolutista do Estado nas relações entre os cidadão, que muita das vezes, se dava de forma arbitrária, sem embasamento legal, já que o monarca tudo podia, e por nada respondia. Era desejável, portanto, um Estado mínimo, de atuação negativa19, como oposição ao Ancien Régime Europeu. Define assim, o saudoso professor Sahid Maluf:
Era a realização plena do conceito de direito natural, do humanismo, do igualitarismo político que o escritores do século XVIII deduziram da natureza racional do homem, segundo a fórmula conclusiva de que “os homens nascem livres e iguais em direitos; a única forma de poder que se reveste de legitimidade é a que for estabelecida e reconhecida pela vontade dos cidadãos.”20
Em um momento de grandes autores, surge o conceito dominante e revolucionário de liberdade, igualdade e fraternidade.21
Nesse período, surgem os direitos de primeira dimensão, ligados ao valor de liberdade individual, sendo chamados de direitos civis e políticos, incluído o direito de propriedade.22
A Revolução Francesa recepciona a ideia romana. Napoleão, amparado pela aristocracia francesa, golpeia em 1799 as conquistas da revolução, declarando-se Imperador Supremo da República Francesa. Atendendo o interesse da elite dominante que apoiou o seu golpe anti-republicano, o Código Napoleônico, como consequência, traçou uma concepção extremamente individualista da propriedade, conforme o artigo 544: “ a propriedade é o direito de gozar e dispor das coisas do modo mais absoluto, desde que não se faça uso proibido pelas leis ou regulamentos.”23
Esse era o arcabouço teórico do Estado liberal, defendido pela classe burguesa à época. Porém, longe da realidade, “realizado em uma coletividade de deuses, nunca numa coletividade de homens”.24
Rousseau, inclusive, exerceu grande influência na revolução francesa, com seus ideais libertários, talvez, a contrário senso do próprio filósofo, serviu para a solidificação do capitalismo no plano econômico da Europa, processo iniciado já no absolutismo monárquico. A burguesia não mais se contentava com o poder econômico, apenas, queria também o poder político.25 Curiosamente, as liberdade democráticas, que foram amplamente debatidas pelos pensadores da época, concretizaram apenas as realidades políticas, a burguesia alcançou sua meta, e os pobres, que lutaram junto dela, foram jogadas para baixo novamente. Sem nenhum ou pouco progresso material, o povo nunca chega ao poder.
Marx e Engels, em “A Ideologia Alemã”, definem muito bem o propósito de um pensamento de uma classe que almeja chegar ao poder e tornar-se dominante:
“Por isso, cada nova classe que ocupa o lugar da que dominava anteriormente vê-se obrigada, para atingir seus fins, a apresentar seus interesses como sendo o interesse comum de todos os membros da sociedade; ou seja, para expressar isso em termos ideais; é obrigada a dar às suas ideias a forma de universalidade, a apresentá-las como as únicas racionais e universalmente legítimas. A classe revolucionária aparece, desde logo, simplesmente pelo fato de defrontar com uma classe, não como classe, mas como força representante da sociedade ante a única classe dominante.”26
Seguem os referidos autores no raciocínio exposto: “Quando a burguesia francesa acabou com a dominação da aristocracia, ela possibilitou que vários proletários se elevassem acima do proletariado, mas apenas no sentido em que também se tornaram burgueses.”27
Ad argumentandum tantum, algumas questões importantes, foram postas em prática, contudo, insuficientes, como as liberdades religiosas, a abolição da escravidão, do trabalho gratuito dos camponeses na construção de estradas, supressão das corporações de ofício e a emancipação das fazendas reais.28
O maior golpe sofrido pelo Estado liberal foi a Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra em 1770, gerando problemas desconhecidos até então, no entanto, previsíveis, formando na Europa, abismos sociais, jogando pessoas aos milhares na rua, sem emprego, descartadas pela substituição de sua mão de obra pelas força das novas máquinas. O professor Maluf disserta com mestria:
“O trabalho humano passa a ser negociado como mercadoria, sujeito à lei da oferta e da procura. O operário se vê compelido a aceitar salários ínfimos e a trabalhar quinze ou mais horas por dia para ganhar o mínimo necessário à sua subsistência. A mulher deixa o lar e procura no trabalho das fábricas um reforço ao salário insuficiente do marido. As crianças não podem frequentar as escolas e são atiradas ao trabalho impróprio, prejudicial à sua formação física e moral, na luta pela subsistência que o pai não pode prover. E, assim, o liberalismo trazia mias no seu bojo, inconscientemente, a desintegração da família.”29
A título de exemplo, como cita Ha-Joon Chang, ilustre economista Coreano, professor de Cambridge nos traz um caso real e histórico:
“Em 1819, um novo projeto de lei para regulamentar a mão de obra infantil entrou em pauta no parlamento Inglês. A regulamentação era incrivelmente “leve” de acordo com os padrões atuais. Ela proibia o trabalho de crianças pequenas, ou seja, aquelas com menos de 9 anos de idade. As crianças mais velhas (com idade entre 10 e 16 anos) continuaram a ter permissão para trabalhar, mas com as horas de trabalho restringidas a doze horas por dia (isso mesmo, eles estavam realmente sendo gentis com as crianças) As novas regras só se aplicam às fábricas de algodão, que reconhecidamente eram extremamente perigosas para a saúde dos trabalhadores.”30
Chang continua sua análise:
“A proposta causou enorme controvérsia. Os adversários achavam que ela solapava a inviolabilidade da liberdade de contrato, destruindo portanto a própria base do livre mercado. Ao discutir a lei, alguns membros da Câmara dos Lordes se opuseram a ela alegando que a “mão de obra deveria ser livre”. O argumento deles era o seguinte: as crianças querem (e precisam) trabalhar, e os donos das fábricas querem empregá-las; qual é o problema?”31
Percebemos que esse raciocínio, digamos no mínimo, simplista (para não falarmos em clarividente má-fé), enxerga a exploração do ser humano com um olhar necessário. Como se a pessoa quisesse trabalhar doze, quinze, dezesseis horas por dia, não porque se ela não o fizer outro fará, mas porque ela é egoísta, adora o cansaço, despreza suas horas de sono e repouso.
O saudoso Ariosvaldo Figueiredo, brasileiro de corpo e alma, ao citar Proudhon diz: em 1840, em Paris, Proudhon publica “Qu'est-ce que la propriété?” ou “Recherche sur le principe du Droit et du Gouvernement”, que o faz famoso em todo o mundo. Ele pergunta o que é a propriedade e ele mesmo responde: “É o roubo”.32
O próprio Proudhon cita, desiludido, que a propriedade será o último problema que a humanidade conseguirá resolver.33
4. Da propriedade absoluta (Estado Liberal) à propriedade restrita (Estado Social)
O planeta Terra, visivelmente mais desigual no século XIX, a distribuição da propriedade da terra ineficiente e injusta, fez com que alguns cientistas da época como o francês Alexis Tocqueville e o inglês John Stuart Mill34 e outros, trabalhassem com o processo de igualdade e liberdade, demonstrando preocupação com a desigualdade social desordenada que assolava a sociedade.35
Stuart Mill, filósofo e economista inglês, pensador liberal e feminista, critica como se engendrou a inaplicabilidade do princípio da propriedade privada, que foi usada e abusada como princípio absoluto, inafastável:
“O princípio da propriedade privada nunca foi tentado com honestidade em país algum, e neste país, talvez menos do que em alguns outros. As estruturas sociais da Europa moderna provieram de uma distribuição da propriedade que foi o resultado não de repartição justa ou de conquista pelo trabalho, mas da conquista bruta da violência; e a despeito daquilo que o empenho humano tem feito durante muitos séculos para modificar esse produto da força, o sistema ainda conserva muitas e grandes características de sua origem. Até hoje, nunca as leis que regem a propriedade obedeceram aos princípios sobre os quais repousa a justificação da propriedade privada. Elas decretaram coisas que nunca deveriam ser propriedade, e estabeleceram propriedade absoluta lá onde só deveria existir uma propriedade sobre condições.”
E, logo a seguir, arremata ainda com total mestria:
“Essas leis não mantiveram um justo equilíbrio entre os seres humanos, senão que acumularam impedimentos sobre algumas pessoas, para dar vantagem a outras; propositalmente fomentaram desigualdade e impediram a todos de começarem a luta da existência em igualdade de condições”.36
A igreja Católica perceptiva dessa “panela de pressão social” que encruzilhava o Estado mínimo, fez com que o Papa Leão XIII, em 1891 publicasse a encíclica Rerum Novarum, tamanha era o receio da Igreja em perder todo seu ouro e suas terras.37
A Revolução Industrial impulsiona o século XIX, que testemunha o nascimento do Evolucionismo, do Anarquismo e do Marxismo.
Dissidentes das ideias de igualdade formal propostas por boa parte dos teóricos do positivismo38, os teóricos do socialismo começam a promover suas ideias de igualdade, muito mais palpáveis, ao ponto de incomodarem as elites econômicas, políticas e clericais. A burguesia, como bem lembra o professor José Afonso da Silva, jamais postulou um regime de igualdade tanto quanto reivindicara o de liberdade. Afinal, o regime da igualdade (material) contraria os interesses da burguesia.39
O Socialismo ganha força com as obras Marx e Engels, e se apresenta como um contraponto, uma antítese ao liberalismo individualista. O Estado evolucionista se apresenta como uma necessidade de controle e intervenção na ordem econômica e social, com restrições ao acúmulo desenfreado de capital, removendo e prevenindo injustiças, trazendo democracia para todos. Isso é visualizado no Estado Social40, decorrente da social-democracia alemã (movimento da qual Rosa Luxemburgo41 é grande expoente), onde se procurou romper com essa dicotomia, esse maniqueísmo de burguesia- proletariado, graças a participação do operariado e seus representantes no parlamento alemão (com grande volume de representantes), conquistada com muito sangue e suor do trabalhador Fez-se necessário, portanto, um dever de agir do Estado, ao revés dos direitos negativos impostos pela primeira geração de direitos fundamentais. Assim discorre José Rodrigo Rodriguez ao analisar Franz Neumann, precursor da ciência política alemã:
“A entrada da classe operária no Parlamento provocou, por meio de sua participação no jogo eleitoral e parlamentar, uma mudança profunda nas estruturas do estado de direito. A face mais visível deste processo foi a criação de direitos sociais (direitos trabalhistas, direito à educação, à saúde etc.).”42
Por incontáveis anos a propriedade privada opôs-se ao homem em caráter absoluto, oposição patentemente patrimonialista, nitidamente de feitio burguês. Percebeu-se porém, com a introdução do Estado Social contemporâneo, em substituição ao Estado liberal a necessidade de regulá-la, pois é senão, uma das maiores fontes das desigualdades sociais.
O liberalismo, apresentado como doutrina anti-estado.43 Individualista, pregador do Estado mínimo e, a política do capitalismo do laisse-faire44, aprofundaram as desigualdades sociais que já existiam desde o fim das famílias comunistas.
O hedonismo dominante arraigado ao intervencionismo mínimo do Estado, que passa a cuidar, apenas da segurança dos cidadãos, tendo por base um juspositivismo propositalmente desigual, onde o tratamento dado pela lei aos cidadãos era estritamente formal, demonstrou-se insuficiente para controlar o comportamento egoísta dos detentores do capital e poder. Na análise do abstencionismo estatal, dissertam Lenio Streck e Bolzan:
“uma postura ultraindividualista, assentada em um comportamento egoísta; uma concepção individualista e formal da liberdade no qual há o direito, e não o poder de ser livre; e a formação do proletário em consequência da Revolução Industrial e seus consectários, tais como a urbanização, condições de trabalho, segurança pública, saúde etc.” 45
Evidentemente que, para o pensamento liberal a propriedade privada não pode, nem deve estar ao alcance de todos da sociedade, e sim apenas para uma parcela, que é a elite detentora de capital econômico.
Para o livre mercado, ideologia que perdura até os dias atuais, cujo estágio que vivemos é a ditadura do capitalismo financeiro e rentista, é justamente o que assevera Cesar Boschetti:
“Hoje, como resultado dessa nova utopia, temos um Mundo completamente anacrônico. Perto de 1 bilhão de desempregados; superprodução de alimentos de um lado com milhões de subnutridos de outro; cerca de 60% da população global abaixo de um padrão decente de vida; 10 trilhões de dólares especulativos circulando pelos mercados financeiros mundiais sem produzirem um único prego; trabalho infantil e semi-escravo em países subdesenvolvidos e até mesmo em alguns desenvolvidos e, finalmente, como aberração maior do paradigma da propriedade privada, o imenso contingente dos sem nada.” 46
Como se não bastasse as incontáveis chances que tiveram de criar “um mundo mais justo”, evidentemente fracassadas, todas, propuseram a desregulamentação dos mercados, do sistema financeiro, garantindo assim, a concentração de renda que assolam os EUA e os países subdesenvolvidos seguidores da cartilha neoliberal.
Stuart Mill disserta no seu ótimo livro “Princípios de Economia politica”:
“Sem dúvida, seria inconciliável com qualquer lei de propriedade privada que todos começassem em condições totalmente iguais. Contudo, se o empenho que se teve em agravar a desigualdade de oportunidades, decorrente dos efeitos naturais das leis da propriedade privada, tivesse existido, na mesma escala, para mitigar essa desigualdade com todos os meios que não destruam o princípio como tal, se a tendência da legislação tivesse sido no sentido de favorecer a difusão da riqueza em vez de favorecer a sua concentração -- estimular a subdivisão dos grandes acervos, em vez de procurar mantê-los em poucas mãos – ter-se-ia constatado que o princípio da propriedade individual não tem nenhum nexo necessário com os males físicos e sociais que quase todos os autores socialistas presumem ser inseparáveis dele.”47
Em síntese, resumimos o capítulo da seguinte forma. O liberalismo tem como pressupostos a autoregulação, em outras palavras, o livre mercado. O Estado preocupar-se-ia , apenas com a proteção patrimonial, nas palavras de Charles Koch48: “um vigia noturno”, Estado policialesco (Estado negativo, quase um não Estado Liberal).
Na passagem do Estado liberal para o Estado social, no entanto, a regulamentação jurídica passa a ter papel relevante, em razão dos conflitos sociais e da elevação dos direitos fundamentais (direitos humanos no plano interno do país, ou seja, aqueles positivados no ordenamento), a status de norma cogente, e não meras normas programáticas, como eram tratados de praxe, nas constituições anteriores à 2ª Grande Guerra. E justamente, em razão dessa elevação dos direitos fundamentais à condição de normas a serem observadas obrigatoriamente, o Estado passou a regulamentar as relações econômicas, tratando os direitos fundamentais de forma horizontal (entre particulares) e não apenas de forma vertical (entre Estado e o particular).49 Projeta-se portanto, um modelo no qual o bem-estar e o desenvolvimento social pautam as ações do ente público.
Nessa linha de pensamento Discorre o doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo, Fernando Haddad:
“O cenário complicou-se ainda mais à luz do horizonte histórico posto pelo pós-guerra: O Estado de Bem-Estar social, entendido como uma tríplice recusa à primeira metade do século XX, desarmou a fé no liberalismo concorrencial “puro” (ou supostamente puro) devido à crise de 1929; fincou o pé na democracia, rejeitando as experiências nazifascistas, e ofereceu uma alternativa industrial ao planejamento estatal soviético baseada no consumo e na política fiscal.”50
O caráter absoluto do direito de propriedade conforme a “Déclaration des droits de l’homme et du citoyen” de 1789 (declaração burguesa) foi gradativamente sendo superado, desde a aplicação da teoria do abuso do direito, limitações negativas a terceiros, e posteriormente, imposições positivas ao proprietário, com deveres e ônus, e por fim, desaguar na função social da propriedade e na propriedade socialista.51
José Afonso da Silva, entende que essa evolução ao direito de propriedade implicou na superação da propriedade como direito natural para o direito de propriedade como um direito real, ou seja, sem confundir o potencial direito que uma pessoa tem de um dia, talvez, vir a ser proprietário de um bem, com o real e efetivo direito de propriedade sobre esse bem, cuja característica é a faculdade de usar, fruir e dispor de seus bens, nos termos da lei.52
Mais do que uma diferença entre Estado Liberal e o Estado Social Democrático de Direito, apresenta-se como uma ruptura, pois no Estado de bem- estar social, há um dever do Poder Público para buscar a efetiva consagração dos direitos fundamentais, em especial, os direitos sociais. Dever imposto, principalmente a partir da constituição, que dispõe de normas diretivas e compromissórias dirigidas ao Estado.
5. O direito de propriedade na Constituição de 1988
O Brasil, na questão de distribuição de terras, é eivado de seríssimas e crônicas vicissitudes. O latifúndio no Brasil é algo institucional, problema quase que intocável, sob pena de golpe de Estado53. A elite latifundiária brasileira e junto com ela, a classe média54 intolerante, associa qualquer reforma social como subversiva à ordem, à ameaça comunista , destruição da democracia etc. Pregam, desse modo, a proteção dos latifúndios improdutivos, e a atuação dos capitais monopolistas estrangeiros e nacionais. Defendem, ainda, um golpe militar que proteja a “democracia” e os “valores da família tradicional”. Darcy Ribeiro bem observou tais intenções, nessa passagem de seu livro – “O Brasil como Problema”, publicado em 1995:
“Para avaliar nossas elites é bom compará-las com outras. A elite norte-americana exemplifica bem o papel altamente positivo que um patronato e um patriciado podem exercer dentro de uma sociedade capitalista. A nossa, ao contrário, tem sido o principal fator causal do desempenho medíocre do Brasil, expresso na incapacidade de criar uma economia de prosperidade generalizada. As elites norte-americanas, por exemplo, abriram todo seu Oeste, imensíssimo, aos pioneiros que quisessem ir para lá plantar uma roça e fazer uma casa, garantindo-lhes o direito a uma propriedade de 30 hectares. Criaram, assim, uma infraestrutura de milhões de granjeiros que constituíram a base da economia norte americana e o fundamento de sua propriedade. Nossa elite, consagrou o latifúndio, obrigando cada trabalhador, ao sair de uma fazenda, a cair em outra igual.”55
Para entender a função socializante presente no direito brasileiro, em especial, na questão da propriedade privada, mister discorrer sobre alguns conceitos de direitos reais (relação jurídica entre uma pessoa e um bem, móvel ou imóvel)
As normas cogentes56 são preponderantes quando definidoras dos direitos reais e da amplitude respectiva de seu conteúdo. Essa preponderância guarda relação direta com o conteúdo institucional da propriedade, que varia no tempo e no espaço. Os ditames fundamentais do direito de propriedade devem sempre vir disciplinados na Constituição, ou seja, na “grundnorm” (norma fundamental – Kelsen)57.
a) propriedade: gozo jurídico pleno de uso, fruição e disposição do bem, v.g., proprietário pleno;
b) domínio útil: um dos elementos da propriedade plena (referida acima), exemplo, o enfiteuta, que detém o uso e gozo;
c) posse: manifesta-se com o exercício da conduta de dono daquele domínio pela pessoa em relação a coisa. É, segundo Venosa, a exteriorização da propriedade.58 Quando nos referimos à usucapião59, a posse é seu requisito mais importante (posse ad usucapionen).60
No que diz respeito ao conceito de Constituição, dados por diversos autores europeus, ao longo dos séculos XIX e XX, podemos elencar os considerados por nós, mais relevantes para o trabalho.
Ferdinand Lassalle entende as constituições sobre um aspecto sociológico, para ele a constituição seria a soma dos fatores reais de poder que regem o país, em outras palavras, seria o poder exercido pelos banqueiros, pela elite, pela classe média, pelos pobres e etc. Não seriam problemas jurídicos, e sim de poder. Juntam-se esses fatores reais de poder e escreve-se uma folha de papel, dando-lhe o nome de Constituição. Carl Schimitt, traz sentido político à Constituição, a considerando como uma decisão política fundamental. Vista apenas, como um documento político. Hans Kelsen, enxerga na Constituição, apenas um sentido lógico- jurídico, considerada uma “grundnorm”, uma norma pura, sem pretensões filosóficas, políticas ou sociológicas, apenas jurídica.
Como bem assinala José Afonso: o sentido jurídico de constituição não se obterá, se apreciarmos desgarrada da totalidade da vida social, sem conexão com o conjunto da comunidade.61 O professor José Afonso da Silva, encampando o sentido normativo, ensina que deve-se buscar uma concepção estrutural de Constituição, com a norma constitucional adequada e conexa à realidade social, a trazer um conteúdo fático e sentido axiológico.62 Defende que independente da perspectiva adotada pelo estudioso, a Constituição não pode ser alijada à realidade social, política e econômica que norteiam o Estado. Como âmbito de proteção, a Constituição da República Federativa do Brasil, assegura no artigo 5º, XXII, XXVI a XXXI, prima facie, o direito de propriedade de bens móveis e imóveis, materiais e imateriais, como bem observa o professor Marcelo Novelino, por ter seu estatuto fundamental previsto na Constituição, a propriedade é uma instituição submetida ao regime de direito público.63
A constituição de 1988 é voltada para a transformação da realidade brasileira64, detentora de um texto dirigente e compromissório, isto é, a não efetivação de direitos lá positivados, impõe omissão e responsabilidade do Estado.65
A doutrina Clássica, irrigada de patrimonialismo, tratava o direito de propriedade como absoluto, exclusivo e perpétuo. Como dito alhures, no entanto, o direito de propriedade possui diversas restrições, não sendo tratado mais como um direito absoluto, que é afastado pelas limitações de ordem pública, como a própria função social da propriedade (art. 5º, XXIII, CRFB).
O caráter exclusivo, é rechaçado pelas servidões e requisições civis e militares (forma de intervenção administrativa na propriedade – artigos 5º, XXV e 139, VII da CRFB), E o caráter perpétuo, pela possibilidade legal de desapropriação, confisco e usucapião, e as limitações de ordem privada, como o direito de vizinhança.67
A função social da propriedade é elencada como um direito fundamental e como princípio da ordem econômica (artigo 170, III, da CRFB). Desde então, mais do que um direito real decorrente de uma relação contratual (entre pessoa e coisa), a propriedade assumiu um caráter socializante, de interesse transindividual.
A função social não limita o direito de propriedade; ela é um dever jurídico, essencial e inseparável do próprio direito de propriedade, em outras palavras, ela compõe o direito de propriedade, usa-se a propriedade conforme o direito.68 A função social não permite absoluta autonomia privada - primeiro cumpre-se a função, para depois “com o que sobrar”, exercer liberdades – agora sim, de forma plena e exclusiva. Como José Afonso da Silva explica:
Os juristas brasileiros [...]. Confundem o princípio da função social com as limitações de polícia, como consistente apenas no “conjunto de condições que se impõe ao direito de propriedade a fim de que seu exercício não prejudique o interesse social”, isto é, mero conjunto de condições limitativas.”69
Em julgamento de ADI 2.213/DF, o ministro e relator da ação, Celso de Mello fez a seguinte definição: “ O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente, (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial provada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e procedimentos fixados na própria Constituição da República”,70em outras palavras, A propriedade só se legitima a partir do momento em que cumpre a sua função social e atende a coletividade.
A própria Constituição Federal impõe restrições ao não cumprimento total do direito de propriedade, seja ela urbana ou rural. Em verdade, a intervenção do Estado na propriedade vem se mostrando cada vez mais frequente, sempre com o propósito de atender ao interesse público. Enfim, a função social se manifesta na própria configuração estrutural do direito de propriedade, implicando nos modos de aquisição, gozo e fruição.71
A função social da propriedade urbana, tratada no artigo 182 da CF, define:
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
A referida função da propriedade urbana72, é cumprida quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor 73(182, § 2º, CF).
O Estatuto das Cidades, norma federal de diretrizes gerais, estabelece, entre outros, que o Plano Diretor deve conter os instrumentos urbanísticos a serem utilizados no parcelamento ou edificação compulsórios para a aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial progressivo no tempo e a desapropriação para fim de reforma urbana. O parcelamento do solo urbano é regulado pela Lei Federal n° 6.766, de 19.12.79 (alterada pela Lei n° 9.785, de 29.12.99), a qual dispõe, em seu artigo 2°, que o parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento.
O próprio artigo da referida lei traz o conceito de loteamento e parcelamento, in verbis:
“ § 1º - Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.
§ 2º- considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes”
Edificação e Utilização Compulsória não possuem leis específicas que as regule, mas fazem presentes no Estatuto da Cidade.Mariana Carnaes Ferreira comenta:
“[...] Edificar significa construir para fins residenciais, industriais, religiosos, ensino ou recreação. Edificação é a operação de edificar, dotando o solo urbano de uma construção residencial, industrial, religiosa, cultural ou de lazer. Utilização é o aproveitamento adequado e útil do solo urbano, de forma que a propriedade cumpra sua função social. Não edificado é o imóvel urbano destituído de qualquer benfeitoria edilícia, ou seja, de construção destinada à habitação, trabalho, culto, ensino ou recreação.” 74
Se por alguma razão, o proprietário insistir no descumprimento do direito fundamental da função social da propriedade, caberá ainda ao ente público, a progressividade do imposto sobre a propriedade territorial urbana (IPTU), na chamada progressividade no tempo75. E tal progressividade (aumento do imposto de forma gradativa) está relacionada à demora no cumprimento da obrigação de urbanizar, sendo tal majoração proporcional ao tempo gasto para dar função social à propriedade imóvel. Em se tratando de solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, os artigos 156, §1º e 182, §4º, ambos da CF, admitem o imposto sobre a propriedade para fins extrafiscais, como instrumento de pressão ao proprietário do bem imóvel que, devendo dar ao bem o adequado aproveitamento da propriedade, mantém-se recalcitrante à necessária função social do imóvel. Sendo assim, descumprida a função social da propriedade urbana, a administração pública tem o dever- poder de intervir na propriedade descumpridora do seu munus publico.
O imóvel rural, por sua vez, nos termos do artigo 186, CF, exerce sua função social da quando:
“Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.”
Assim, no tocante à função sócio-ambiental da propriedade rural (art. 186, CF/88)76, esta será cumprida quando, por exemplo, obedecer a Reserva Legal Florestal (RLF), e a Área de Preservação Permanente (APP). Cumprido esse dever jurídico, é possível exercer plenamente o direito de propriedade .
O imóvel rural não cumpridor de sua função social também poderá sofrer imposto territorial rural (ITR)77 progressivo no tempo78, como disciplinador da propriedade rural, como importante instrumento de política agrária, combatendo latifúndios improdutivos, promovendo a reforma agrária e redistribuição de terras, nas palavras do professor Sabbag: “o que se quer com tal exação não são ''proprietários'', mas ''proprietários assíduos e produtivos, em prol da nação''. ” Fora a progressividade no tempo, o descumprimento da função social autoriza a adoção de certas medidas restritivas do direito de propriedade, desde que, previstas na Constituição, como por exemplo, a desapropriação.
O instituto da desapropriação é espécie de intervenção administrativa na propriedade privada80, afetando o caráter perpétuo desta, como dito alhures, pois o Poder Público determina, por meio de lei específica, a transferência compulsória da propriedade particular, especialmente para o seu patrimônio ou de seus delegados seja ela por interesse social ou interesse público, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos das chamadas desapropriações-sanção, que incidem quando há o descumprimento da função social da propriedade urbana ou rural (artigo. 5º, XXIV)81, onde a indenização se fará mediante pagamento de títulos da dívida pública (para a propriedade urbana – títulos resgatáveis no prazo de 10 anos) ou da dívida agrária (para as propriedades rurais – cujo título é resgatável no prazo de 20 anos), já que a finalidade social deve auxiliar a preencher o desejo de justiça social. Bem não utilizado ou mal utilizado é constante motivo de inquietação social.82 A má utilização da terra e do espaço urbano gera desigualdade e exclusão social, um dois dos fatores preponderantes para violência e criminalidade.
Não há desenvolvimento sem o investimento do Estado, não há desenvolvimento sem a reforma agrária, e não há bem-estar social, nem socialismo sem ela. Reforma Agrária que atinge o interesse de ¼ da população nacional que vive e sobrevive do campo. Os ruralistas detentores de latifúndios improdutivos não querem a reforma agrária, os políticos cúmplices desses representados também não querem, por tal motivo, o País é novamente o campeão negativo, além de possuir uma das maiores taxas de concentração de renda do mundo, o Brasil tem o dissabor de ter uma das concentrações de terras mais altas do mundo. A socialização dessas propriedades improdutivas é condicio sine qua non para salvaguardar o agricultor e erradicar a fome no campo.83
Considerações finais
Como cita Venosa:
“O Estado intervem cada vez mais nos meios de produção e na propriedade privada. A intervenção do Estado é fato de extrema importância, sentida com maior ou menor peso por todas as nações. Ou seja, há forte tendência socializante no Estado capitalista.”84
Apesar de toda onda conservadora que assola o Brasil, com variações de intensidade, porém presente desde sempre85, a proposta de um Estado de bem- Estar social pela Constituição da República de 1988 e os governos do ex- presidente Lula, inauguraram uma nova fase progressista no Brasil.
Ainda que não seja o ideário de um revolucionário de esquerda, demonstra que pode-se romper paradigmas, mesmo sem rompimento total com o sistema capitalista globalizante que por sua natural contradição é ao mesmo tempo excludente, possibilitando, quem sabe, com a distribuição de renda e a possibilidade de acesso dos sem- propriedades à propriedades privadas, coletivas ou mesmo organizadas em cooperativas de trabalhadores, alcançarmos um futuro socialista, através de um Estado de bem- estar social. Nas palavras do saudoso Darcy Ribeiro, para deixarmo-nos de ser um “moinho de gastar gentes86”.
O Brasil existe para ele mesmo, não para atender reclamos alheios do capital estrangeiro, devemos ser fiéis ao povo engajado no trabalho, como forma da mais alta justiça!
REFERÊNCIAS
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86. Cfe escreve com mestria: “Por isso mesmo, o Brasil sempre foi, ainda é, um moinho de gastar gentes. Construímo-nos queimando milhões de índios. Depois, queimamos milhões de negros. Atualmente, estamos queimando, desgastando milhões de mestiços brasileiros, na produção não do que eles consomem, mas do que dá lucro às classes empresariais”. RIBEIRO, Darcy. O Brasil como Problema, ob. cit., p. 46.
2. De forma brilhante define Rizzatto Nunes: “ Com efeito, direito é um ideal sonhado por certa sociedade e simultaneamente um golpe que enterra esse ideal. É símbolo da ordem social e simultaneamente a bandeira da agitação...”. NUNES, Rizzatto. Manual de introdução ao estudo do direito: com exercícios em sala de aula e lições de casa./ Rizzatto Nunes.- 6. ed. rev., atual. E ampl. - São Paulo: Saraiva, 2005. p. 51. Para usar a expressão de Franz Neumann, o Direito possui dois gumes.
2 . MALUF, Sahid, Teoria geral do estado/ Sahid Maluf. - 27 ed. Rev. E atual. Pelo professor Miguel Alfredo Malufe Neto- São Paulo: Saraiva, 2007. p. 56.
3 . Cfe. ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade e do Estado. Tradução: Ciro Mioranza. Ed. Escala, 2009, p. 16.
4Será justamente o que Marx chamará de “ditadura do proletariado”, momento do qual o operariado se apropria dos meios de produção, vencendo, dessa forma, a opressão dos detentores do capital. É um período de transição até se atingir o comunismo.
5 . ROUSSEAU, Jean- Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens: precedido de discurso sobre as ciências e as artes/ J-J. Rousseau; cronologia e introdução Jacques Roger; tradução Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão.- 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. - (clássicos), p. 213.
6 . ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado, ob. cit, p. 204.
7. Segundo o professor Lenio Luiz Streck, foi uma frase de um camponês de El Salvador, referida por José Jesus de La Torre Rangel.
8 . PROUDHON, Pierre- Joseph. Sistema das contradições econômicas ou Filosofia da Miséria. Tomo I. Tradução de Antonio Geraldo da Silva. Editora Escala: SP. 2007. p. 119.
9. Sobre o tema da escravidão ver: QUARESMA DE OLIVEIRA, Diego. O caminho ao socialismo através do Estado de bem estar social. [dissertação]. Santos: Universidade Católica de Santos, 2011. p. 13.
1 0. ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, ob. cit., p. 204.
11. Cfe. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais / Sílvio de Salvo Venosa – 10. ed. - São Paulo : Atlas, 2010. - (Coleção direito civil; v. 5), p. 166.
1 2. COULANGES apud VENOSA, direitos reais, ob. cit., p. 166.
13. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. ob. cit., p. 203.
14. MALUF, Sahid, Teoria geral do estado, ob. cit., p.73.
1 5. Idem, ibidem, p. 73.
16. Tendo como grande expoente dessa teoria o bispo francês Jean Bodin - “sua soberania é perpétua, originária e irresponsável em face de qualquer outro poder terreno, ainda que espiritual”. (Cfe. MALUF, ob. cit., p. 120)
17. MALUF, Sahid, Teoria geral do estado, ob. cit., p. 121.
1 8. Apud, FIGUEIREDO, Ariosvaldo. Ciências Sociais, barbárie e Socialismo/ Ariosvaldo Figueiredo- Aracaju, 2000. xp.:v.2. p. 51.
1 9. Direitos negativos, das quais os direitos individuais fazem parte, são direitos que limitam o poder estatal, exigindo-lhe uma abstenção.
2 0. Idem, ibidem, p. 127.
2 1. MARX e ENGELS. A Ideologia Alemã – Feuerbach – A oposição entre as Concepções Materialista e Idealista. Editora Martin Claret, 2005. p. 79.
22. Cfe. Paulo Bonavides: “os direitos de primeira geração ou direitos de liberdades têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é o seu traço mais característico".Apud, LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado/ Pedro Lenza- 16.ed.rev, atual. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2012. p. 958.
2 3. VENOSA, direitos reais, ob. cit., p. 167.
2 4. Idem, ibidem, p. 129.
2 5. STRECK, Lenio Luiz. Ciência Política e teoria do estado/ Lenio Luiz Streck; José Luiz Bolzan de Morais. 8 ed. Rev. E atual. - Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014. p. 51.
2 6. MARX E ENGELS. A Ideologia Alemã. ob. cit., p. 80.
2 7. Idem ibidem.
2 8. STRECK, Lenio Luiz et al. Ciência Política e teoria do estado. ob. cit., p. 53.
2 9. MALUF, Sahid, Teoria geral do Estado, ob. cit., p. 130.
3 0. CHANG, Ho- Joon. 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo/ Ha- Joon Chang; Tradução: Claudia Gerpe Duarte. - São Paulo: Cultrix, 2013. p. 22.
3 1. idem ibidem, pp. 22 e ss.
3 2. FIGUEIREDO, Ariosvaldo. Ciências Sociais, barbárie e Socialismo, ob. cit., p. 28.
3 3. PROUDHON, Pierre- Joseph. Sistema das contradições econômicas ou Filosofia da Miséria. Tomo II. Tradução de Antonio Geraldo da Silva e Ciro Mioranza. Editora Escala: SP. 2007. p. 169.
34. Coforme menciona Ariosvaldo Figueiredo, Stuart Mill era defensor da liberdade individual, percursor da sociologia, John Mill, proclama que a natureza não é tão natural quanto as árvores e estrelas, ob. cit., p. 20.
3 5. Para ver mais sobre as dimensões dos direitos fundamentais instituídos com a revolução francesa, consulte nosso artigo. A Institucionalização do Estado de Bem-Estar Social Como Direito Fundamental de Quarta Dimensão. QUARESMA DE OLIVEIRA, Diego Renoldi. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.45854.>
3 6. MILL, John Stuart. Princípios de economia política com algumas de suas aplicações à filosofia social. Apresentação de Raul Ekerman. Tradução de Luiz João Baraúna. Editora Nova cultural- São Paulo. 1996. p. 267.
3 7. Como sustentamos em dissertação de conclusão de curso de graduação, a Igreja, em nosso ver, pretendeu: “demonstrar uma falsa posição defensiva na tentativa de manter suas terras seculares intactas de uma possível revolução socialista. Por tal motivo, critica arduamente a posição socialista da igualdade de classes. Mais uma vez a cruz e a espada se confundem em um manifesto a primeiro plano saudável, de uma posição vil de manter-se com seu poder e privilégios.” QUARESMA DE OLIVEIRA, Diego Renoldi. O caminho ao socialismo através do Estado de bem- estar social, ob. cit., p. 24.
3 8. Tanto August Comte, quanto Durkheim, apesar de promoverem o rompimento do Estado com a Igreja, ambos de pensamento conservadores, negavam a luta de classes entre patrões e empregados.
3 9. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. Malheiros editores, 2006. p. 211.
40. Lenio Streck e Bolzan exlicam: “A adjetivação pelo social pretende a correção do individualismo liberal por intermédio de garantias coletivas. Corrige-se o liberalismo clássico pela reunião do capitalismo com a busca do bem-estar social, fórmula geradora do Welfare state neocapitalista no pós-Segunda Gerra Mundial” STRECK, Lenio Luiz. Ciência Política e teoria do estado, ob. cit., p. 97.
4 1. Participou da fundação do grupo de tendência marxista do SPD, que viria a se tornar mais tarde o Partido Comunista da Alemanha (KPD).
4 2. RODRIGUEZ, José Rodrigo. Manual de sociologia jurídica / [coordenadores] Felipe Gonçalves Silva e José Rodrigo Rodriguez – São Paulo : Saraiva, 2013. p. 65.
43.STRECK, Lenio Luiz et al. Ciência Política e teoria do estado, ob. cit., p. 62.
4 4.“Laissez-faire, laissez-passer, le monde va de lui-même”. Em tradução livre: “Deixe fazer, deixe passar, que o mundo vai por si mesmo.” Célebre frase do fisiocrata francês François Quesnay, que representa o liberalismo e seu livre mercado.
4 5. Idem, ibidem, p. 70 .
4 6. Cfe. BOSCHETTI, Cesar. Absolutismo Global. Disponível em: <http://www.economiabr.net/colunas/boschetti/absolutismo.html.>
4 7. MILL, Jhon Stuart. Princípios da economia política, ob. cit., p. 268.
48. Segundo a revista Forbes em 2015: David Koch, “the 7th richest man in the world with a net worth of $42.7 billion”. Em tradução literal: “O sétimo homem mais rico do mundo, com uma fortuna de 42.7 bilhões de dólares”.
4 9. NOVELINO, Marcelo. Manual de direito constitucional ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo : método. 2013, p. 388.
5 0. O mundo real: socialismo na era pós- neoliberal / Tarso Genro...[et al.]; apresentação de Mário Soares e introdução de Fernando Haddad. - Porto Alegre, RS: L&PM, 2008, p. 13.
5 1. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 29ª edição, revista e atualizada . até a Emenda Constitucional nº 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007 . p. 272.
5 2.Idem ibidem.
5 3. O presidente João Goulart partidário progressista, tentava aplicar as medidas reformistas com inúmeros decretos leis, na intenção de iniciar tais reformas, que ampliaria e aprofundaria a social democracia no País. Porém fraco, sem aliados importantes, Jango é traído e entrega sem resistência, e entrega o País aos golpistas intolerantes que instauram o golpe militar em 01/04/1964.
5 4. Classe média que muita das vezes nada tem, mora de aluguel e é assalariada, fazendo jus ao termo “lumpen-proletariat” e lumpen- burguesia, de Marx e Rosa Luxemburgo.
5 5. RIBEIRO, Darcy. O Brasil como Problema / Darcy Ribeiro – Rio de Janeiro : Francisco Alves, 1995. p. 40.
5 6. Cfe. explana Rizzatto Nunes, normas cogentes são normas imperativas (proibitivas ou obrigatórias). No caso em estudo, as normas que tratam de direitos reais, principalmente a propriedade, são normas de observância e incidência obrigatória, não havendo prerrogativas subjetivas para o sujeito que se relaciona com tal instituto. NUNES, Rizzatto, Manual de introdução ao estudo do direito, ob. cit. p. 210.
5 7. Cfe. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais, ob. cit. p. 26.
5 8. Idem ibidem. p. 165.
5 9. A usucapião, para Caio Mario da Silva Pereira, é uma prescrição aquisitiva. Sendo forma de aquisição originária da propriedade decorrente de uma posse prolongada e qualificada – posse ad usucapionen.
6 0. Aliada às características de ser uma posse: pacífica; com animus domni, ou seja, conduta de dono daquele que a possui; justa; ininterrupta; continua e pública.
6 1. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo, ob. cit., p. 39.
6 2. Idem ibidem. p. 39.
6 3. Isto é, os olhos da coletividade voltam-se a propriedade. NOVELINO, Marcelo, ob. cit., p. 533. Podemos chamar ainda, de publicização da propriedade.
6 4. STRECK, Luiz e BOLZAN, ciência política e teoria do Estado, ob. cit., p.105.
6 5. Dessa forma, os direitos lá inseridos jamais podem ser visualizados como mera faculdade de consecução pelo Estado. Antes de tudo, é um Dever-ser.
6 7. “O proprietário do prédio vizinho não ostenta o direito de impedir que se realize edificação capaz de tolher a vista desfrutada a partir de seu imóvel, fundando-se, para isso, no direito de propriedade.” (RE 145.023, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 17-11-1992, Primeira Turma, DJ de 18-12-1992.
“O direito de edificar é relativo, dado que condicionado à função social da propriedade (...).” (RE 178.836, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 8-6-1999, Segunda Turma, DJ de 20-8-1999.)
6 8. Em famoso julgado da Favela Pullman [ECURSO ESPECIAL Nº 75.659 - SP (1995⁄0049519-8) ], assim proferiu o Ministro do STJ Aldir Passarinho Junior, em parte de seu voto como relator do caso, sobre a função social da propriedade: “Esse princípio não significa apenas uma limitação a mais ao direito de propriedade, como, por exemplo, as restrições administrativas, que atuam por força externa àquele direito, em decorrência do poder de polícia da Administração.
O princípio da função social atua no conteúdo do direito. Entre os poderes inerentes ao domínio, previstos no art. 524 do CC (usar, fruir, dispor e reivindicar), o princípio da função social introduz um outro interesse (social) que pode não coincidir com os interesses do proprietário. Veja-se, a esse propósito, José Afonso da Silva, Direito Constitucional Positivos, 5ª ed., p. 249⁄0, com apoio em autores europeus).
Assim, o referido princípio torna o direito de propriedade, de certa forma, conflitivo consigo próprio, cabendo ao Judiciário dar-lhe a necessária e serena eficácia nos litígios graves que lhe são submetidos.
10 - No caso dos autos, o direito de propriedade foi exercitado, pelos autores e por seus antecessores, de forma anti-social. O loteamento - pelo menos no que diz respeito aos nove lotes reivindicandos e suas imediações - ficou praticamente abandonado por mais de 20 (vinte) anos; não foram implantados equipamentos urbanos; em 1973, havia árvores até nas ruas; quando da aquisição dos lotes, em 1978⁄9, a favela já estava consolidada. Em cidade de franca expansão populacional, com problemas gravíssimos de habitação não se pode prestigiar tal comportamento de proprietários.
O jus reivindicandi fica neutralizado pelo princípio constitucional da função social da propriedade. Permanece a eventual pretensão indenizatória em favor dos proprietários, contra quem de direito.”
6 9. O querido mestre ainda explica: “Não prejudicar interesse social” é exigência que se satisfaz com a simples atuação do poder de polícia, que, precisamente, é concebido como mecanismo destinado a condicionar e restringir o uso e gozo de bens (assim, também, da propriedade)[...].Ora, se se introduziu princípio novo, além do poder de polícia já existente, é porque o constituinte desejou inserir, na estrutura mesma da concepção e do conceito de propriedade, um elemento de transformação positiva que a ponha ao serviço do desenvolvimento social. A atual Constituição, como se verá, no texto é ainda mais enfática nesse sentido, de tal sorte que a propriedade não se concebe senão como função social.” SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, ob. cit., p. 273/274.
7 0. “O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria CR. O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade.” (ADI 2.213-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 4-4-2002, Plenário, DJ de 23-4-2004.)
No mesmo sentido: MS 25.284, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 17-6-2010, Plenário, DJE de 13-8-2010.
7 1. Cfe. D' ANGELO, Fiorella, apud SILVA, Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, ob. cit., p. 284.
7 2. também pode se chamar de função sócio-ambiental da propriedade urbana.
7 3. é um instrumento de política urbana, obrigatório para os municípios com mais de 20 mil habitantes.
7 4. FERREIRA, Mariana Carnaes. Das políticas urbanas criadas para garantir a função social da propriedade
Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.phpn_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8166>.
7 5. Progressividade do IPTU inserida com a Emenda Constitucional n. 29/2000.
7 6. Mister ressaltar que a função ambiental da propriedade, como referido alhures, engloba o conceito de função social, por tal razão é chamada de função sócio-ambiental da propriedade.
7 7. O imposto sobre a propriedade territorial rural não incide sobre as edificações, somente sobre a terra.
7 8. Progressividade do ITR inserida com a Emenda Constitucional n. 42/2003.
8 0. Dentre as outras espécies do gênero intervenção administrativa na propriedade, podemos citar: o confisco (afeta a propriedade); a requisição e a ocupação administrativa (afetam a posse); a limitação, a servidão e o tombamento (afetam seu uso).
8 1. art. 5º, XXIV - “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;”
8 2. Cfe. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais, ob. cit, p. 168.
8 3. A ocupação e divisão de terras coloca camponeses contra camponeses, multiplica os inimigos da revolução – diz Rosa Luxemburgo, apud Ariosvaldo Figueiredo. Ciências sociais, barbárie e socialismo. v.II, ob. cit., p. 14
84. Sobre o tema da escravidão ver: QUARESMA DE OLIVEIRA, Diego Renoldi. O caminho ao socialismo através do Estado de bem estar social. [dissertação]. Santos: Universidade Católica de Santos, 2011. p.47
8 5. Como não lembrar das frases do poeta e dramaturgo alemão Bertold Brecht: "A cadela do fascismo está sempre no cio." e “Não há nada mais parecido a um fascista do que um burguês assustado.”
Advogado Criminalista integrante do Escritório Massarelli & Renoldi Advogados. Especialista em Sociologia pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (2016). Mestrando em Direito Penal pela Facultad de Derecho, Universidad Nacional de Buenos Aires, Argentina. É professor de Direito. Professor conteudista no Estratégia Concursos nas matérias de Direito Penal, Direito Processual Penal e Língua Inglesa. É autor de diversos artigos jurídicos em revistas jurídicas nacionais e internacionais. Sua última obra publicada: Ações Autônomas de Impugnação em Matéria Penal pela editora CRV.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Diego Renoldi Quaresma de. A propriedade privada e sua função social no Brasil pós- 1988: Aspectos jussociológicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 abr 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46351/a-propriedade-privada-e-sua-funcao-social-no-brasil-pos-1988-aspectos-jussociologicos. Acesso em: 03 dez 2024.
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