RESUMO: O presente artigo tem por escopo discorrer sobre o instituto da condução coercitiva. Especialmente sobre a possibilidade de realização da condução coercitiva do investigado em ato imediatamente, pós-intimação e recusa de comparecimento na fase investigativa, Adotando-se o estudo de um caso de condução coercitiva extremamente polêmico de um ex-presidente investigado por cometimento de crimes no Brasil. Analisar-se-á a fundamentação da condução coercitiva baseada na segurança do ex-presidente. Enfrentar-se-á o tema sob a ótica de que o artigo 260 do Código de Processo Penal foi recepcionado pela Constituição de 1988. No caso concreto, da condução coercitiva de um ex-presidente da República, investigado por crimes no Brasil, e que foi decretada por um Juiz de Direito, foram geradas inúmeras controvérsias sobre violação de direitos constitucionais deste. Ocorrendo posicionamentos de que a fundamentação apresentada, baseada na segurança e na incolumidade física do ex-presidente investigado seria violação ao devido processo legal e se configuraria em estado de exceção.Adotar-se-á um procedimento hermenêutico na análise do tema, com base no ainda na análise do caso concreto da condução coercitiva do referido ex-presidente brasileiro investigado.
PALAVRAS-CHAVE: Condução coercitiva. Segurança do investigado, Ponderação de princípios, Possibilidade. Processo Penal., Estado de Exceção.
ABSTRACT: This article is scope discuss the forceful Institute. Especially about the possibility of realization of coercive conduct of the investigation into action immediately after summons and refusal to attend the investigative phase Adopting the extremely controversial study of a forceful case of a prior president investigated for committing crimes in Brazil. It will analyze the reasons for the coercive driving based on safety of the former president. Facing It will be the topic from the perspective that Article 260 of the Criminal Procedure Code was approved by the 1988 Constitution. In this case, the coercive conduct of a prior president, investigated for crimes in Brazil, which was ordered by a Judge, were generated numerous controversies about violation of constitutional rights of this. Occurring positions of the reasons given, based on security and physical safety of the prior president would be investigated violation of due process and would set in state of emergency. It will adopt a hermeneutic procedure on the subject of analysis, based on further analysis in the case of coercive conduct of said prior Brazilian president investigated.
KEYWORDS: forceful. Safety investigated Weighting principles, possibility. Criminal Procedure Exception State
SUMÁRIO: 1. A previsão legal para a condução coercitiva do investigado. 2. A condução coercitiva fundamentada na segurança do acusado e a ponderação de princípios. 3. A polêmica em torno da (i)legalidade na forma de realização da condução coercitiva do ex-presidente brasileiro. 4. Conclusão da legalidade de realização da condução coercitiva do investigado em ato imediatamente, pós-intimação e recusa de comparecimento. 5. Conclusão da legalidade de realização da condução coercitiva do investigado em ato imediatamente, pós-intimação e recusa de comparecimento.
1. A previsão legal para a condução coercitiva do investigado
O tema proposto será enfrentado sob a ótica de que o artigo 260 do Código de Processo Penal foi recepcionado pela Constituição de 1988, uma vez que o STF não foi instado para falar da (in)constitucionalidade do artigo 260.
O art. 260 do Código de Processo penal apresenta o seguinte: “Se o acusado não atender a intimação para o interrogatório (…) a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença”. Assim frise-se: “Se o acusado não atender a intimação” - (CPP de 1942).
Portanto, na forma do artigo 260 do Código de Processo Penal, o acusado pode ser conduzido coercitivamente apenas por ordem de autoridade judiciária. Ou seja, a legislação brasileira não confere poder para que a autoridade policial determine a condução coercitiva ao acusado.
Admite, entretanto, a possibilidade de que o investigado possa ser conduzido coercitivamente por ordem da autoridade policial, delegados civis de carreira, dependendo do caso, após uma conclusão nesse sentido depois de feita uma análise de razoabilidade e proporcionalidade do caso em concreto. Conforme Pedro Lenza (2013, pag. 169) “podemos acrescentar que os meios implicitamente decorrentes das atribuições estabelecidas de modo explícito devem passar por uma análise de razoabilidade e proporcionalidade.”.(1)
Tal conclusão do doutrinador estaria alicerçada no art. 144, §4° da Constituição Federal, o qual dispõe que “às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incubem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.”
De modo que exercício desta competência conferiria ao órgão de polícia judiciária legitimidade para utilizar os meios necessários à satisfação dos fins que lhe foi incumbido. Argumentando que esta tese estaria em consonância com a teoria dos poderes implícitos de origem norte americana, a qual foi adotada pela Suprema Corte brasileira.
A auto executividade, que é um dos atributos dos atos administrativos, dá força a esta tese, uma vez que existe a possibilidade de que atos administrativos sejam executados sem prévia análise da autoridade judiciária.
O art. 201, §1°, do CPP vigente, que trata sobre o ofendido, discorre sobre a oitiva deste, definindo que “se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença de autoridade.”
Conforme o Art. 218 do Código de Processo Penal, se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública.
As testemunhas devem ser intimadas pessoalmente por oficial de justiça. Caso a intimação tenha ocorrido de forma regular, as testemunhas não podem se escusar de colaborar com a Justiça, sob pena do Juiz determinar a sua condução coercitiva.
Nesse diapasão a legislação brasileira confere previsão ao instituto da condução coercitiva para o ofendido, testemunha e acusado.
Observe-se, contudo, que a condução coercitiva não se trata em nenhuma espécie de prisão, visto que o lapso temporal em que o investigado é mantido na repartição pública para ser inquirido em ambiente distinto das pessoas já presas que porventura ali estiverem segregadas, não pode ser considerada “prisão” sob o prisma jurídico. De modo que o ato da condução coercitiva pode ser considerado um ato administrativo.
Demais disto, estão previstas código de Processo Penal do Brasil apenas seguintes hipóteses de prisão cautelar: a) prisão preventiva; b) prisão temporária; c) prisão em flagrante; d) prisão em decorrência de sentença condenatória que ainda cabe recurso e; e) prisão em virtude de pronúncia. Não se incluindo nesse dispositivo a condução coercitiva.
Michel Foucault, em sua obra Vigiar e Punir, bem esclarece a concepção da prisão, presente nela a finalidade da segregação social: “Ela se constitui fora do aparelho judiciário, quando se elaboraram, por todo o corpo social, os processos para repartir os indivíduos, fixa-los e distribuí-los espacialmente, classifica-los, tirar deles o máximo de tempo e o máximo de forças, treinar seus corpos, codificar seu comportamento contínuo, mantê-los numa visibilidade sem lacuna, formar em torno deles um aparelho completo de observação, registro e notações, constituir sobre eles um saber que se acumula e se centraliza.” (FOUCAULT, 2013, pag. 217). (2)
Assim, por todos os ângulos, a condução coercitiva não pode ser considerada nenhuma espécie de prisão.
2. A condução coercitiva fundamentada na segurança do acusado e a ponderação de princípios.
Na medida de condução coercitiva é dever do Estado resguardar a dignidade humana do conduzido, conforme disposto na Súmula Vinculante n° 11, que diz: “só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.
Extrai-se também da Súmula Vinculante a necessidade de amparo da integridade física daquele que é conduzido coercitivamente.
Não poderia ser diferente e o artigo 5º. da Constituição Federal assim determina: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”
Embora os direitos constitucionais de primeira geração sejam reconhecidos como os direitos e garantias individuais e políticos (liberdades públicas), que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais, entre as quais se destaca o princípio da liberdade; embora este caráter negativo, originário dos direitos de primeira geração tenha emergido da necessidade de opor uma resistência contra o abuso da intervenção estatal na liberdade do indivíduo, não se pode negar a existência de inúmeras decisões dos tribunais que acabaram por desenvolver um segundo caráter desses mesmos direitos: o caráter positivo, do dever de tutela estatal em face das agressões provenientes de particulares. Trata-se da possibilidade da expansão da interpretação do conceito originário.
A dignidade da pessoa humana é princípio muito abrangente. A incolumidade física do indivíduo, inserta na proteção da vida do cidadão, conforme previsto no artigo 5º. da Constituição federal de 1988, serve de fundamento para conferir maior peso ao dever estatal de proteção do cidadão. E, no confronto com o princípio da liberdade, deve sobressair o caráter positivo da proteção e da incolumidade física do investigado conduzido coercitivamente. Face ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade, denota-se de maior importância o caráter positivo da proteção da integridade física do investigado, proteção vital em relação ao caráter tradicional negativo de não interferir nos meandros de sua liberdade.
O dever de proteção do Estado é abrangente. Ele não só proíbe, obviamente, intervenções diretas do Estado na vida em desenvolvimento, como também ordena ao Estado posicionar-se de maneira protetora e incentivadora diante dessa vida, ou seja, protegê-la antes de tudo de intervenções ilícitas provenientes de terceiros particulares.
“O cumprimento do dever de proteção do Estado deve ser perseguido tão mais consequentemente quanto mais elevado o grau hierárquico do bem jurídico em questão, dentro da ordem axiológica da Grundgesetz”.(3)
Sem embargos, a vida humana representa um valor supremo dentro da ordem da Grundgesetz; é a base vital da dignidade humana e o pressuposto de todos os demais direitos fundamentais.
Diante da colisão dos referidos princípios, no caso alisado, proteger a integridade física e a vida do ex-presidente se mostrava ser o mais importante.
O caso em concreto envolve uma repercussão na mídia sem precedentes. A figura pública do ex-presidente é de uma importância inquestionável. Não se pode negar inúmeras evidências de que terceiros, grande porcentagem da população, furiosa com notícias na mídia, representam um potencial risco à vida e à integridade física do ex-presidente.
Não parece, pois, que a condução coercitiva do ex-presidente, baseada em sua segurança, configure-se em uma alegação absurda.
Ponderando-se os princípios, conforme exposto, conclui-se perfeitamente razoável a fundamentação para condução coercitiva baseada na segurança do próprio ex-presidente.
No caso em concreto, resta demonstrado que existe previsão legal para que o investigado possa, por ordem judicial, ser conduzido coercitivamente. Sendo plausível que a fundamentação da condução coercitiva tenha se baseado na segurança e incolumidade física do próprio ex-presidente.
3. A polêmica em torno da (i)legalidade na forma de realização da condução coercitiva do ex-presidente brasileiro.
Entretanto, alguns juristas e advogados renomados têm se posicionado de que neste caso ocorreram ilegalidades e ofensa aos direitos constitucionais do ex-presidente. Afirmam que as ilegalidades e a ofensa aos direitos fundamentais residem no fato de que o ex-presidente não tenha se recusado a comparecer a nenhuma prévia intimação anterior.
Ledo engano ou posicionamentos que se deram sem o conhecimento do despacho do Juiz, o qual determinou intimação de comparecimento ex-presidente, e somente em caso de recusa de comparecimento, ato contínuo, fosse realizada a sua condução coercitiva.
Destaque-se, neste ponto, a literalidade e o detalhe técnico do despacho do juiz:
“O mandado só deve ser utilizado ou cumprido, caso o ex-presidente, convidado a acompanhar a autoridade policial para depoimento recuse-se a fazê-lo”.
5. Conclusão da legalidade de realização da condução coercitiva do investigado em ato imediatamente, pós-intimação e recusa de comparecimento.
A leitura do despacho indica que o Juiz determinou fosse feita primeiramente a intimação para comparecimento do ex-presidente investigado. De modo, que não pode dizer que a condução coercitiva foi ilegal pelo fato de não ter ocorrida uma prévia convocação de comparecimento.
O artigo 260 prevê que a autoridade judicial poderá mandar conduzir coercitivamente o investigado, se este não atender a intimação para o interrogatório.
Portanto, não há que se falar em ilegalidade, ou violação de preceitos constitucionais na medida de condução coercitiva, com base na alegação de que a mesma desobedeceu ao artigo 260 do CPP, por ausência de intimação anterior à condução.
A intimação resistida da intimação e a realização ato contínuo da condução coercitiva constituem-se de atos realizados conforme está determinado na lei (artigo 260 do CPP), embora existam posicionamentos discordantes, o fato é que literalidade do artigo 260 do CPP permite o ato como foi realizado, já que o art. 260 do CPP não faz qualquer menção sobre interregno de tempo entre os atos da intimação resistida e a realização da condução coercitiva.
Tratando-se a intimação e a condução coercitiva de atos processuais e partindo-se do fato demonstrado que não houve afronta à legislação (art. 260 do CPP), qualquer crítica que seja realizada à forma da realização de ambos os atos resolve-se pelo princípio da instrumentalidade das formas.
Alegações de que a condução coercitiva na forma realizada configurou-se em estado de exceção é um excesso, uma alegação aparentemente com suspeito fim impactante, o que torna o crítico suspeito e tendencioso, pois a descomplicada definição de estado de exceção explica ser esta, uma medida decretada pelo chefe do poder executivo em situações excepcionais, que resulta na restrição de direitos fundamentais dos indivíduos.
Descabida e realmente suspeita tal afirmação, uma vez que ainda que a medida da condução coercitiva determinada em face do ex-presidente tivesse alguma ilegalidade que afrontasse seus direitos constitucionais, a questão teria outra conclusão pois qualquer medida ilegal praticada por uma autoridade judicial jamais poderia ser definida como estado de exceção, já que autoridades judiciais não se confundem com medidas que somente podem ser adotadas por chefes do Poder Executivo. Ressalte-se ainda que a decretação de estado de exceção tem previsão constitucional e é medida perfeitamente legal desde que presentes as reais excepcionalidades previstas.
Portanto, alegação de estado de exceção, realmente não serve desqualificar a condução coercitiva que foi decretada em face do ex-presidente, e por outro ângulo tal alegação parece ter o condão de colocar o ex-presidente em uma posição de injustiçado.
Conclui-se, por fim, diante da análise do despacho do Juiz, que a condução coercitiva do ex-presidente, na forma realizada, foi lícita, pois não desrespeitou o artigo 260 do CPP. Do mesmo modo, a fundamentação da medida mostrou-se proporcional e razoável, conforme a ponderação de princípios e, considerando a atual situação que perpassa a situação política do Estado Brasileiro.
6. Referências Bibliográficas
(1)LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 17ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
(2) FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 19.ed. Petrópolis- RJ: Vozes,
(3)HERMES, Georg. Das Grundrecht auf Schutz von Leben und Gesundheit, 1987
Advogado, Mestre em Direito Constitucional pelo UNIFIEO - Osasco/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: QUILLES, José Fernando Silveira. A possibilidade de realização da condução coercitiva do investigado em ato imediatamente, pós-intimação e recusa de comparecimento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 abr 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46381/a-possibilidade-de-realizacao-da-conducao-coercitiva-do-investigado-em-ato-imediatamente-pos-intimacao-e-recusa-de-comparecimento. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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