RESUMO: O presente trabalho discute a violência doméstica e a origem, efetividade e transformação da Lei n° 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Discorre quanto às formas de violência que podem ser utilizadas pelo agressor para vitimar seus alvos – violências física, patrimonial, sexual, psicológica e moral. É demonstrado que o Direito, como não poderia deixar de ser, acompanhou a evolução social e previu mecanismos de proteção à parte hipossuficiente na questão da violência de gênero. Esses mecanismos foram apresentados e foi discutida a importância deles para efetividade da Lei Maria da Penha.
Palavras chave: Violência Doméstica. Lei Maria da Penha. Violência contra a Mulher.
INTRODUÇÃO
Há muitos males sociais com os quais a sociedade e o direito devem se preocupar. Poucos tão enraizados na cultura popular como a violência doméstica. Este fenômeno, a violência doméstica, ainda convive (ou convivia, como discutiremos no decorrer do trabalho) com alguns agravantes: a passividade das vítimas em procurar a justiça, a aceitabilidade dos não envolvidos diretamente e a descrença do agressor na punibilidade e, pior, na própria malignidade da conduta ofensiva. Este ceticismo, por sinal, é o grande causador da reincidência nos casos de violência intrafamiliar. Improvável precisar a data de surgimento dessa espécie de crime, pois suas bases propulsoras nos levam a crer que seu início coincide com o próprio começo da noção de família. As vítimas mais comuns desta violência são as crianças, mulher e idosos, mas é possível também que tenhamos o homem como sujeito passivo.
Nesse trabalho a violência doméstica contra a mulher ganha destaque. A banalização dos acontecimentos e a forma com que os crimes e agressores eram tratados motivaram um sentimento de revolta nas mulheres, que pouco a pouco conseguiram conscientizar grande parte da sociedade a rechaçar a sobreposição, especialmente física, do homem perante a mulher. Esta mobilização social, que teve importantes vitórias no século XX, no Brasil, teve seu grande marco com a promulgação da Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006. Esta Lei, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha – nome em homenagem a uma das grandes batalhadoras pela criação da Lei -, trouxe mudanças significativas na forma de se encarar a violência doméstica contra a mulher, tanto na esfera das possibilidades policiais como na esfera judicial, colocando a disposição das autoridades responsáveis mecanismos de prevenção e repressão. A Lei 11.340/2006 alcançou: a vítima, como, por exemplo, na seção intitulada Das Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida; o agressor, a exemplo da seção Das Medidas de Urgência que Obrigam o Agressor; e ainda terceiros envolvidos, como no caso dos filhos.
1. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
1.1 Considerações iniciais
Para entendermos o significado de violência, devemos, primeiramente, ampliarmos nossa visão do que realmente é este fenômeno. É comum vislumbrarmos a violência, unicamente, quando a força é usada para subjulgar. Esta noção não está incorreta, todavia expandiremos nosso olhar para aprofundamento do tema.
Deve-se atentar de início que a noção de violência variará de acordo com o lugar e o tempo. Um ato avaliado como violento e opressor em uma determinada época pode ser moralmente aceito em outra. É, pois, subjetivo o julgamento de um fato como violento, sendo, a percepção de violência, moldada pelos costumes e, principalmente, pelas leis vigentes no Estado.
Note-se, também, que o emprego do termo violência abrange outras situações. Observando atentamente, percebemos que o uso do vocábulo violência está sempre ligado ao constrangimento de direito alheio pelo uso da força do detentor do poder.
Nos casos de violência doméstica, que é o enfoque principal do trabalho, a concentração do poder patinará conforme o contexto estrutural da família e as condições pessoais e sociais dos indivíduos envolvidos na relação. A relação homem versus mulher tem o ser masculino, via de regra, como o elo mais forte. De igual forma, os pais se sobrepõem aos filhos e os mais novos “dominam” os mais idosos. A agressão doméstica é, assim, um vértice bastante cruel da violência, porquanto atinja os mais fracos física, emocional e socialmente, dentro do ambiente familiar. Vigorou por bastante tempo na consciência social a ideia de que no ambiente intrafamiliar, por ser, indubitavelmente, referência de afeto e solidariedade, os casos de violência no seio familiar se resumiam a acontecimentos esporádicos, muitas vezes promovidos por enfermos mentais lato sensu - o que inclui os alcoólatras e os viciados em tóxicos. Porém, o crescente número de ocorrências e a exposição destas fez com que, pouco a pouco, a realidade fosse absolvida pela população. E como não podia deixar de ser, o direito teve que se ajustar a essa mazela que progredia a passos largos. Tanto é que no dia 17 de junho de 2004 a Lei nº 10.886 adicionou o § 9º ao art. 129 do Código Penal, que trata do crime de lesão corporal:
§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena – Detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
O legislador, preocupado com a banalização do comportamento opressor, diferenciou esta espécie de lesão corporal, majorando sua pena máxima. Cabem, por oportuno, dois esclarecimentos referentes ao referido parágrafo: I) Para a configuração do delito, não é necessário que os parentes referenciados no tipo residam juntos. Assim, se o filho visita o pai e por ocasião de uma discussão este vem a lhe bater, o fato de não coabitarem não ilide o tipo penal; II) As relações domésticas não se restringem a parentesco, havendo, do mesmo modo, violência doméstica se o patrão agride a empregada doméstica ou se um amigo fere o outro em uma república de estudantes.
É evidente que a citada majoração de pena não serviu para mais que sinalizar a gradativa importância legislativa para com esse delito, uma vez que os resultados práticos, por óbvio, não seriam atingidos apenas com uma medida isolada.
1.2 Formas de Violência
Embora seja a mais comum, a violência física não é a única forma de agredir. A Lei 11.340/06, conhecida como a Lei Maria da Penha, que estudaremos a finco no próximo capítulo, traz no caput do art. 5º os tipos possíveis de violência:
art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
Isto posto, passamos a detalhar cada forma de violência:
1.2.1 Violência Física
É a violência na qual o agressor se vale da força bruta ou de instrumento capaz de provocar ferimentos para penitenciar a vítima. Assim, pode-se dizer que, na violência física, o agente, aproveitando-se da vulnerabilidade de outrem, utiliza-se de qualquer meio para ofender sua integridade física. O procedimento de constatação da agressão corpórea passa, necessariamente, pelo exame pericial. É através deste que restará demonstrada a materialização do delito.
1.2.2 Violência Psicológica
É o comportamento que tem por fim causar dano à autoestima, ao desenvolvimento intelectual e social da pessoa, gerando, inclusive, crise de identidade. Aqui o agressor busca ferir o emocional da vítima, atacando-a com humilhações constantes, mantendo-a isolada do convívio social, manipulando suas atitudes e, de um modo geral, constrangendo-a psicologicamente. Este tipo de violência é difícil identificação prática, pois se trata de uma forma subjetiva de ataque, que não deixa marcas externas, mas apenas no íntimo de quem o sofre.
1.2.3 Violência Sexual
Nesta forma de violência, o agente utiliza as formas de violências já citadas, física e psicológica, para finalidade específica, que é o constrangimento sexual. O conceito de constrangimento sexual abarca várias situações, que variam desde intimidar a vítima a manter ou presenciar relação sexual não desejada a impedi-la de usar qualquer método contraceptivo.
Convém esclarecer que, conquanto não seja simples provar e punir, até mesmo pela falta de conhecimento da população, é possível caracterizar a violência sexual entre cônjuges ou companheiros. É que a relação marital não suprime direitos básicos como o de dispor do próprio corpo e a dignidade da pessoa humana. Assim, é possível o estupro intra-matrimônio, não sendo a coação sexual, nestes casos, exercício regular do direito, como defendem alguns, mas, sim, abuso de direito.
1.2.4 Violência Moral
Configura-se essa forma de violência quando o agressor atinge com palavras a honra subjetiva ou objetiva da vítima, ou imputa a esta a prática de um crime. Conforme o art. 7°, inciso V da Lei 11.340/06, violência moral é aquela conduta que tipifique calúnia, difamação ou injúria, que são crimes contra a honra, previstos, respectivamente, nos artigos 147, 148 e 149 do Código Penal. Calúnia é imputar a outrem a autoria de crime que sabe não ser este o autor. Difamação é o ataque a honra objetiva da vítima, ou seja, é manchar a imagem que a sociedade tem do indivíduo. Injúria, por sua vez, é a ofensa a honra subjetiva, ofendendo o sentimento de dignidade que a própria pessoa tem dela.
1.2.5 Violência Patrimonial
A violência patrimonial se dirige aos bens, objetos, instrumentos de trabalho e valores da vítima. Nesta situação, as ações praticadas pelo agressor são reter, destruir e subtrair.
1.3. Efetividade da Lei 11.340/2006 – MARIA DA PENHA
Nesse ponto, cumpre explanar como a Lei Maria da Penha se materializou no mundo do Direito e como que efetivamente ajuda no combate a violência. Os mecanismos de prevenção, proteção e punição que foram criados pela Lei Maria da Penha que modificaram o modo de enfrentar essa questão tão prejudicial à sociedade.
De certo que tais mudanças ajudarão no decréscimo quantitativo de casos de violência contra a mulher, mas, mesmo após seis anos da publicação da Lei 11.340/2006, não há meios de cravar os resultados da Lei em análise, porquanto não haja integração de um sistema que trate especificamente dos números relativos a ataques contra a população em decorrência da violência doméstica.
Dito isso, passa-se a analisar individualmente os mais importantes mecanismos previstos na Lei Maria da Penha que visam, sobretudo facilitar o acesso feminino à justiça, dar qualidade de vida às mulheres que sofrem ou sofreram com comportamento agressivo do homem e, porque não, erradicar a própria cultura machista de domínio e impunidade.
1.3.1. Das Medidas Protetivas de Urgência
Eis aqui o ponto chave à efetividade da Lei em comento. A lei 11.340/06 trouxe no seu capítulo II as medidas protetivas imediatas que devem ser usadas como arma pelo Estado, representado nesta atuação pelo magistrado, pelo membro do Ministério Público e pela autoridade policial, para combater a violência contra a mulher. Trata-se, portanto, do rol de opções que podem (devem) ser tomadas, cumulativamente ou não, de forma cautelar, para assegurar principalmente a segurança da vítima, uma vez que estas ficariam ainda mais vulneráveis a agressões depois de externar as autoridades a violência sofrida.
Os artigos 22 e 24 enunciam em seu bojo as medidas protetivas de urgência. Não é, diga-se, um rol exaustivo, nuremus clausus. Assim, há medidas esparsas na Lei que também podem servir como meio de proteção a ser aplicado pelo Estado-juiz.
Faz-se necessário esclarecer que as medidas cautelares tuteladas em face da proteção da integridade física, psicológica e patrimonial da mulher, de forma sumária, não ficam sujeitas ao previsto no art. 806 do digesto processual civil, que reza: Cabe à parte propor a ação, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data da efetivação da medida cautelar, quando esta for concedida em procedimento preparatório. É que a natureza das medidas protetivas da Lei Maria da Penha tem caráter satisfativo, não podendo se limitar a temporalidade prevista na seara civil. E não poderia ser de outra forma. Se da inércia da parte em iniciar a ação principal em 30 (trinta) dias resultasse a sustação da medida cautelar, a eficácia concreta da lei restaria fragilizada.
Há na Lei uma subdivisão entre as medidas protetivas de urgência. São elas: as medidas protetivas que obrigam o agressor e as que protegem a vítima, as quais passamos a estudar agora.
1.3.2. Que obrigam o agressor
O inciso I do art. 22 da Lei 11.340/06 prevê a possibilidade de ser decretada a suspensão da posse ou restrição do porte de armas. De pronto percebemos a preocupação do legislador com a incolumidade física da mulher. Para correta aplicação dessa medida, deve-se observar a legalidade na posse ou do porte da arma, pois em se tratando de manutenção irregular da arma, não é caso de aplicação da medida cautelar aqui tratada, mas sim de enquadramento nos artigos 12, 14 ou 16 da Lei 10.826/03, conforme o caso, devendo a arma ser apreendida pela autoridade policial e posteriormente inutilizada. Assim, fácil perceber que a cautelar prevista no inciso I da Lei Maria da Penha se refere à posse ou ao porte autorizado de arma. Neste caso, é necessário pedido judicial para que suspenda ou restrinja o uso da arma e que seja comunicado o órgão encarregado do registro e licença, para que esta se for à hipótese, seja cassada.
É cabível também a determinação de outras medidas como o afastamento do lar, domicílio ou local de convivência (art. 22, II), proibição de aproximação com a vítima (art. 22, III, alínea a) e a restrição ou suspensão de visitas aos dependentes (art. 22, IV). Como se vê, em suma, as medidas que obrigam o agressor objetivam a proteção da ofendida, evitando o contato entre vítima e agressor. Verifica-se que a preocupação do legislador não é apenas com o ambiente familiar, pois a perturbação psicológica pode se estender a outros locais, como o local de trabalho da vida. Outrossim, não se restringe a vítima a necessidade de distanciamento, podendo a ser suspensa a convivência com os familiares e com as testemunhas.
Existe previsão no já citado artigo 22 que a ofendida pode requerer a prestação de alimentos provisionais ou provisórios (inciso V). Esclarece-se, por oportuno, que a doutrina não faz distinção entre os termos “provisionais” e “provisórios”, sendo aplicados ao fenômeno de prestação precária. Esta é uma medida bastante sensata e tem como pressuposto lógico a aplicação cumulativa de alguma das medidas que preveem o afastamento do ambiente familiar. Tendo a mulher dependência financeira e estrutural do marido, faz-se mister a prestação provisional dos alimentos, sob pena de se impor a vítima outro sofrimento. Ademais, como somos sabedores, o sistema judiciário brasileiro tem como característica a lentidão, provocada, dentre outros motivos, pelo excesso de impugnações e recursos que podem ser interpostos. Destarte, não pode ficar a vítima, durante toda a pendência do litígio, desamparada economicamente.
1.3.3. Que Protegem a Vítima
Para tratar dessa espécie de medida protetiva de urgência, cabe colacionar o artigo 23 da Lei Maria da Penha.
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I – encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
II – determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após o afastamento do agressor;
III – determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV – determinar a separação de corpos.
O inciso I se complementa com o art. 35, I e II que prevê a criação e manutenção pelos entes públicos dos centros de atendimento integral e multidisciplinar e das casas-abrigos. A Lei diz que a competência para encaminhar a vítima para este programa de proteção é da autoridade policial e do juiz. Todavia, é atribuição do Ministério Público a requisição de serviços públicos de segurança, pelo que se entende que o órgão também detém competência para imposição dessa medida.
Quanto aos incisos II, III e IV, é preferível comentá-los conjuntamente, porquanto o último abranja os primeiros. Cuida-se da possibilidade de determinar a separação de corpos entre o agressor e a vítima. Interessante atentar para o fato que o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher só é competente para apreciar e aplicar o pedido de separação de corpos como medida protetiva de urgência, de modo que se houver interesse da vítima ingressar com ação principal, de separação judicial ou outras afins, a vara competente é a de Família.
Convém explicar que a medida de separação de corpos também é aplicável nas relações homoafetivas e nos casos de união estável, uma vez que com a promulgação da carta magna de 1988 restou equiparado o instituto da união estável com o casamento civil. Ademais, em respeito aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, não há mais que se falar em distinção de tratamento legal em razão de orientação sexual.
1.3.4 Da equipe de atendimento multidisciplinar
Muito já se foi falado sobre os danos psicológicos e físicos que decorrem de uma situação de agressão doméstica. De igual forma, já foi exposto os sentimentos que circundam um processo com tal origem – medo, insegurança, dúvida, etc. Pois bem. Foi provavelmente pensando nisto que a Lei Maria da Penha trouxe nos artigos 29 a 32 disposições sobre a criação e funcionamento de uma equipe multidisciplinar para atuar junto aos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher. Estas equipes seriam formadas por profissionais especializados nas áreas de psicossocial, jurídica e de saúde.
A área psicossocial deve contar com psicólogos e assistentes sociais, a jurídica com advogados, enquanto que a de saúde com médicos, psiquiatras, etc. Os objetivos dessas equipes estão dispostos no artigo 30, quais sejam, elaborar laudos e falar em audiência visando melhor embasar fática e tecnicamente o membro do Ministério Público, o Juiz e o Defensor público, além de desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento e prevenção endereçados ao agressor, a vítima e demais familiares envolvidos nessa problemática.
Creio ser fundamental esse tipo de acompanhamento, uma vez que, nem que seja no aparelho estatal, a vítima precisa encontrar apoio para suprir a vulnerabilidade social enfrentar e se sentir amparada pelos meios de justiça. Pela óptica do Estado-juiz também se faz importante essa equipe, pois são especialistas que têm contato mais próximo (em comparação ao juiz) com a vítima e capacidade profissional pra embasar os atos jurídicos dos aplicadores do direito. É óbvio que o Juiz, Promotor de Justiça ou Defensor Público não ficam adstrito ao laudo ou opinião da equipe médica, pois se assim fosse estaria transferindo a atividade julgadora para estes, o que não se admite. Deve se ter em vista também o vértice quanto ao agressor. Trata-se, via de regra, de pessoa de temperamento desequilibrado, em quem um apoio sócio-psicológico pode influir de maneira bastante positiva, evitando, possivelmente, casos de reincidência.
Um óbice ao mecanismo de auxílio aqui tratado é o material. Como se sabe, não há como ser, de pronto, implantadas essas equipes em todos os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Na verdade, nem os Juizados foram criados em todas as comarcas. Pior: não há prazo estabelecido em lei para implementação deles. Espera-se, devido a sua importância no combate à violência doméstica, que recursos sejam disponibilizados para o surgimento dos JVDFM e com eles as equipes de atendimento multidisciplinar.
1.3.5. Do atendimento pela autoridade policial
Criticava-se bastante a forma com que as vítimas eram recebidas em sede de delegacia para relatar um caso de violência doméstica contra a mulher. Analisando a atitude da mulher agredida em procurar uma delegacia de polícia para relatar um caso delicado como o da violência doméstica, percebe-se que ela pode advir de dois comportamentos: de uma atitude impetuosa da vítima que acabara de ser violentada ou de ação que resultou de um período longo de coação, no qual houve muita reflexão sobre a atitude correta a se tomar. Em ambos os casos, a vítima, após ir procurar ajudar policial, voltavam com o mesmo sentimento: frustração. É que, antes da Lei Maria da Penha, as normas vigentes e, por que não, as próprias autoridades não davam ao atendimento policial para com a vítima do crime em tela a importância devida. A vítima chegava à delegacia, relatava seu caso e saia de lá sem nenhuma garantia policial, às vezes mais insegura do que quando chegou.
Com o advento da 11.340/2006, essa situação mudou. Previu-se na lei uma série de possibilidades e deveres de a autoridade policial se fazer mais participativa em delitos dessa natureza. O artigo 11 trouxe as providências a serem tomadas enquanto que o artigo 12 dispõe sobre os procedimentos a serem observados.
No rol de providências que podem ser efetuadas estão: garantir proteção policial; encaminhar a ofendida ao hospital; havendo risco de vida, transportar a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro; acompanhar a ofendida até a sua residência para que retire seus pertences; e informa-la quantos aos direitos e serviços que estão a disposição dela. Percebe-se, de imediato, a preocupação do legislador em garantir à vítima, quando necessário, um mínimo de independência em relação ao agressor, levando-a ao hospital, garantindo abrigo, acompanhando-a a residência, etc. Essa proteção policial é deveras importante, especialmente em crimes contra a mulher, nos quais temos a marcante presença da vulnerabilidade e do temor da vítima.
Entre os principais procedimentos a serem observados em sede policial destacamos a lavratura do boletim de ocorrência (não mais apenas o termo circunstanciado, que se refere apenas a crimes de menor potencial ofensivo), e a remessa no prazo de 48h do expediente ao Juiz já com as medidas protetivas requisitadas pela ofendida, o que representa um avanço. As medidas protetivas, tratadas em tópico a parte, podem ser requisitas pela vítima na própria delegacia, o que dá celeridade na busca por proteção, essencial à efetividade da medida.
1.3.6. Identificação Criminal
Segundo a Constituição Federal de 1988, o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal. Porém, o próprio constituinte originário possibilitou que a lei infraconstitucional trouxesse ressalvas. E foi assim com a Lei de Crimes Organizados. E é assim com a Lei Maria da Penha. Essas exceções permitem que mesmo o agressor portando documento de identificação, será submetido à datiloscopia e a identificação fotográfica
2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o exposto, percebe-se que o direito avançou significativamente no combate às desigualdades que envolvem as relações domésticas como um todo e mais precisamente na relação homem versus mulher. Essa revolução promovida pelo direito foi precedida de muitos movimentos sociais que materializaram o inconformismo da sociedade para com os crimes intrafamiliares e de gênero. Nas inovações trazidas pela Lei Maria da Penha, observamos mecanismos capazes de mudar o panorama da violência contra a mulher. Para isso, é necessário que os poderes responsáveis apliquem-nos. Não cabe apensas ao judiciário a tarefa de dar aplicabilidade à Lei em comento. Vimos que a autoridade policial tem importante tarefa, prestando as medidas imediatas de urgência.
Pelo que foi apresentado, entendo que, com o advento da Lei 11.340/2006, um passo importante foi dado em defesa da mulher. Porém, é fundamental que a vontade de mudança não se restrinja a pureza da Lei, necessitando de participação ativa dos aplicadores do direito e da polícia, tanto administrativa como judiciária, pois, ao que parece, na pratica, os comandos legais são entendidos por estes como discricionários.
Noto também a relevância da continuidade da mudança na legislação. O legislador deve ficar atento à eficácia e efetividade dos mecanismos que foram criados, para que as inovações tão importantes à sociedade sejam otimizadas e alcancemos o objetivo de proteger a mulher e equilibrar as relações de gênero, na medida em que os hipossuficientes não se sintam oprimidos diante das agressões e passem a acreditar na eficiência dos mecanismos legais.
REFERÊNCIAS
BIANCHINI, Alice. Lei Maria da Penha: Aspectos Assistenciais, Protetivos e Criminais da Violência de Gênero. Editora: Saraiva, 2014.
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: A Lei Maria da Penha Comentada por Artigo. Editora: Revista dos Tribunais, 2014.
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. A efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Editora: Revista dos Tribunais, 2010.
HERMMAN, Leda Maria. Maria da Penha Lei com Nome de Mulher. Violência Doméstica e Familiar: considerações à Lei nº 11.340/2006 comentada artigo por artigo. Editora: Servanda, 2007.
SCHRAIBER, L. B., D’OLIVEIRA, A. F. P. L. Violência contra mulheres: interfaces com a saúde. Interface – Comunic., Saúde, Educ., v.3, 1999.
Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: WALDIR DE FREITAS MATIAS JúNIOR, . Violência doméstica e a aplicabilidade da lei Maria da Penha Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 abr 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46412/violencia-domestica-e-a-aplicabilidade-da-lei-maria-da-penha. Acesso em: 22 nov 2024.
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