Resumo: O presente artigo objetiva analisar a realização de interceptação telefônica, objeto de intensas controvérsias na Operação Lava-Jato e nos demais inquéritos criminais. Sem pretender esgotar a discussão jurisprudencial sobre o tema, será realizado um confronto entre a Lei nº 9.296/96 e o entendimento dos Tribunais Superiores.
Palavras Chave: inquérito policial, Constituição, Direito Penal, interceptação telefônica, serendipidade.
1. Introdução: previsão Constitucional e primeiros delineamentos do tema
A Constituição Federal prevê no art. 5º, XII, ser inviolável o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
As comunicações telefônicas, de per si, são fontes de prova, pois é delas que se extrai a comprovação de uma infração penal ou do envolvimento de um agente com um crime. A interceptação telefônica, por sua vez, funciona como meio de obtenção de prova, mais especificamente como medida cautelar processual, de natureza coativa real, consubstanciada em uma apreensão imprópria.
Pela redação do texto Constitucional, é forçoso concluir que a interceptação telefônica requer autorização judicial e não se aplica de forma ampla e irrestrita, mas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, e requer lei regulamentando.
Antes do surgimento da Lei nº 9.296/96, os juízes autorizavam interceptações telefônicas com base no art. 52, II, “e” do Código Brasileiro de Telecomunicações. O STF e o STJ declararam ilícitas tais provas, por entender que o Art. 5º, XII é norma constitucional não autoaplicável (dependente de regulamentação). Nesse sentido:
“(...) A escuta telefônica realizada antes da Lei n.º 9.296/96, ainda que calcada em ordem judicial, não estava juridicamente amparada, acarretando prova obtida por meio ilícito (Precedentes do Pretório Excelso)”. (STJ, REsp 225450/RJ, 5ª T, j. 15.02.00)
“HABEAS-CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. PROVA ILÍCITA. EXTENSÃO DA ORDEM A CO-RÉUS NA MESMA SITUAÇÃO. Escuta telefônica autorizada anteriormente à vigência da Lei 9.296/96. Prova ilícita reconhecida em outro writ. Anulação, ab initio, da ação penal. Extensão aos pacientes que se encontram em idêntica situação (CPP, artigo 580). Ordem deferida”. (STF, HC 81494/SP, 05.03.02, 2ª T)
Com a edição da Lei nº 9.296/96, a interceptação telefônica passou a ser regulamentada, e previu expressamente a necessidade de ordem do juiz competente, constituindo crime a operação sem a autorização judicial:
Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.
Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.
Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
No entanto, não obstante a lei específica tenha regulamentado a interceptação telefônica, nota-se que o tema é objeto de inúmeras decisões jurisprudenciais, razão pela qual o presente artigo se propõe a realizar um confronto entre o entendimento positivado e o jurisprudencial.
2. O conceito de interceptação telefônica: Necessária distinção entre interceptação, escuta e gravação telefônica
É comum a confusão entre os conceitos de interceptação telefônica com escuta telefônica e gravação telefônica. Note-se, em linhas gerais, as diferenças entre cada um deles:
INTERCEPTAÇÃO telefônica |
ESCUTA telefônica |
GRAVAÇÃO telefônica |
Ocorre quando um terceiro capta o diálogo telefônico travado entre duas pessoas, sem que nenhum dos interlocutores saiba. |
Ocorre quando um terceiro capta o diálogo telefônico travado entre duas pessoas, sendo que um dos interlocutores sabe que está sendo realizada a escuta. |
Ocorre quando o diálogo telefônico travado entre duas pessoas é gravado por um dos próprios interlocutores, sem o consentimento ou a ciência do outro. Também é chamada de GRAVAÇÃO CLANDESTINA (obs: a palavra “clandestina” está empregada não na acepção de “ilícito”, mas sim no sentido de “feito às ocultas”). |
Ex: polícia, com autorização judicial, grampeia os telefones dos membros de uma quadrilha e grava os diálogos mantidos entre eles. |
Ex: polícia grava a conversa telefônica que o pai mantém com o sequestrador de seu filho. |
Ex: mulher grava a conversa telefônica no qual o ex-marido ameaça matá-la. |
Para que a interceptação seja válida é indispensável a autorização judicial (entendimento pacífico). |
Para que seja realizada é indispensável a autorização judicial (posição majoritária). |
A gravação telefônica é válida mesmo que tenha sido realizada SEM autorização judicial. A única exceção em que haveria ilicitude se dá no caso em que a conversa era amparada por sigilo (ex: advogados e clientes, padres e fiéis). |
No entanto, existem outras situações similares à interpretação, mas que com esta não se confundem. Nesse sentido, Renato Brasileiro[1] traz outros conceitos:
a) Comunicação ambiental: refere-se às comunicações realizadas diretamente no meio ambiente, sem transmissão e recepção por meios físicos, artificiais, como fios elétricos, cabos óticos etc. Enfim, trata-se de conversa mantida entre duas ou mais pessoas sem a utilização do telefone, em qualquer recinto, privado ou público;
b) Interceptação ambiental: é a captação sub-reptícia de uma comunicação no próprio ambiente dela, por um terceiro, sem conhecimento dos comunicadores. Não difere, substancialmente, da interceptação em sentido estrito, pois, em ambas as hipóteses, ocorre violação do direito à intimidade, porém, no caso da interceptação ambiental, a comunicação não é telefônica. A título de exemplo, suponha-se que, no curso de investigação relativa ao crime de tráfico de drogas, a autoridade policial realize a filmagem de indivíduos comercializando drogas em uma determinada praça, sem que os traficantes tenham ciência de que esse registro está sendo efetuado;
c) Escuta ambiental: é a captação de uma comunicação, no ambiente dela, feita por terceiro, com o consentimento de um dos comunicadores. Por exemplo, imagine-se a hipótese de cidadão vítima de concussão que, com o auxílio da autoridade policial, efetue o registro audiovisual do exato momento em que funcionário público exige vantagem indevida para si em razão de sua função;
d) Gravação ambiental: é a captação no ambiente da comunicação feita por um dos comunicadores (ex. gravador, câmeras ocultas etc.).
Parte da doutrina considera que o art. 1° da Lei n° 9.296/96, já transcrito alhures, abrange tanto a interceptação telefônica em sentido estrito quanto a escuta telefônica. Isso porque ambas consistem em processos de captação da comunicação alheia. Não estão abrangidas pelo regime jurídico da Lei n° 9.296/96, por consequência, a gravação telefônica, a interceptação ambiental, a escuta ambiental e a gravação ambiental.
Segundo Renato Brasileiro[2], assiste razão a essa corrente. Ao tratar da interceptação telefônica, admitindo-a, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que fosse estabelecida em lei, para fins de investigação criminal e instrução processual penal (art. 5°, XII, in fine), a Constituição Federal refere-se à interceptação feita por terceiro, sem conhecimento dos dois interlocutores ou com conhecimento de um deles. Não fica incluída a gravação de conversa por terceiro ou por um dos interlocutores, à qual se aplica a regra genérica de proteção à intimidade e à vida privada do art. 5°, X, da Carta Magna.
A Lei n° 9.296/96 não abarca, portanto, a gravação de conversa telefônica por um interlocutor sem o conhecimento do outro. Fica esta hipótese fora do regime da lei, sendo considerada válida a gravação como prova quando houver justa causa, como ocorre em casos de sequestro. Nada impede que o juiz autorize a escuta, se houver requerimento nesse sentido. Mas não é necessária a autorização judicial, pois se houver a gravação sem ela, mas estiver fundada em justa causa, a prova pode ser utilizada. Prevalece, então, o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que as gravações telefônicas não estão amparadas pelo art. 5°, XII, da constituição Federal, devendo ser consideradas meios lícitos de prova, mesmo que realizadas sem ordem judicial prévia, pelo menos em regra.
No entanto, certo é que a realização de escuta telefônica poderá ser determinada pela autoridade judiciária sempre que houver justa causa, por força do princípio da proporcionalidade, como se dá nos casos de gravações efetuadas pela polícia de conversas entre sequestradores e familiares da vítima, com prévia autorização destes. Sobre o tema, vejamos alguns entendimentos jurisprudenciais:
Gravação ambiental feita pela polícia para obter confissão – prova ilícita:
“Gravação clandestina de "conversa informal" do indiciado com policiais. 3. Ilicitude decorrente – quando não da evidência de estar o suspeito, na ocasião, ilegalmente preso ou da falta de prova idônea do seu assentimento à gravação ambiental - de constituir, dita "conversa informal", modalidade de "interrogatório" sub- reptício, o qual - além de realizar-se sem as formalidades legais do interrogatório no inquérito policial (C.Pr.Pen., art. 6º, V) -, se faz sem que o indiciado seja advertido do seu direito ao silêncio.” (STF, 1ª T, HC 80949/RJ, j . 30.10.01).
Em processo que apure a suposta prática de crime sexual contra adolescente absolutamente incapaz, é admissíveis a utilização de prova extraída de gravação telefônica efetivada a pedido da genitora da vítima, em seu terminal telefônico, mesmo que solicitado auxílio técnico de detetive particular para a captação das conversas. STJ. 6ª Turma. Resp 1.026.605-ES, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Julgado em 13/05/2014.
RELAÇÃO DAS ÚLTIMAS LIGAÇÕES NA MEMÓRIA DO CELULAR: Não configura nem interceptação telefônica, nem quebra de sigilo telefônico. “(...) O fato de ter sido verificado o registro das últimas chamadas efetuadas e recebidas pelos dois celulares apreendidos em poder do co-réu, cujos registros se encontravam gravados nos próprios aparelhos, não configura quebra do sigilo telefônico, pois não houve requerimento à empresa responsável pelas linhas telefônicas, no tocante à lista geral das chamadas originadas e recebidas, tampouco conhecimento do conteúdo das conversas efetuadas por meio destas linhas (...)”. (STJ, HC 66.368/PA, j. 05.06.07, 5ª T. v.u.)
3. Alcance da interceptação telefônica
A expressão comunicação telefônica não deve se restringir às comunicações por telefone. Por força de interpretação progressiva," a expressão comunicação telefônica deve também abranger a transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por meio de telefonia, estática, ou móvel (celular). Por conseguinte, é possível a interceptação de qualquer comunicação via telefone, conjugada ou não com a informática, o que compreende aquelas realizadas direta (fax, modens) e indiretamente (internet, e-mail, correios eletrônicos).
Embora exista divergência doutrinária, a exemplo de Rogério Greco[3], que defende ser a interpretação restrita do significado de comunicação telefônica), os Tribunais têm considerado válida a interceptação das comunicações telemáticas. Aliás, especificamente quanto às conversas realizadas em "sala de bate papo" da internet, o STJ tem considerado que não há falar em proteção do sigilo das comunicações, já que o ambiente virtual é de acesso irrestrito e destinado a conversas informais:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. PENAL. ART. 241. INTERNET. SALA DE BATE PAPO. SIGILO DAS COMUNICAÇÕES. INVIABILIDADE. TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. NECESSIDADE DE EXAME APROFUNDADO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.
1. A conversa realizada em "sala de bate papo" da internet, não está amparada pelo sigilo das comunicações, pois o ambiente virtual é de acesso irrestrito e destinado a conversas informais.[4]
Especial atenção também deve ser dispensada ao denominado E-MAIL CORPORATIVO, assim compreendida a comunicação eletrônica disponibilizada ao empregado para fins estritamente profissionais, podendo o empregador monitorar e rastrear a atividade do empregado no ambiente de trabalho, daí por que não se pode considerar ilícita a prova assim obtida. Nesses casos, não há expectativa de privacidade do usuário, mormente quando advertido de que o e-mail se destina a mensagens profissionais. Nessa linha, como já se pronunciou o Tribunal Superior do Trabalho, se se cuida de e-mail corporativo, declaradamente destinado somente para assuntos e matérias afetas ao serviço, o que está em jogo, antes de tudo, é o exercício do direito de propriedade do empregador sobre o computador capaz de acessar a Internet e sobre o próprio provedor[5]. Concluiu-se, assim, que a prova obtida mediante monitoramento desse e-mail corporativo não é ilícita para fins de se demonstrar a justa causa para a despedida decorrente do envio de material pornográfico a colega de trabalho.
4. Quebra do sigilo de dados telefônicos e interceptação telefônica
A interceptação das comunicações telefônicas NÃO se confunde com a quebra de sigilo de dados telefônicos. A interceptação de comunicação telefônica diz respeito a algo que está acontecendo; já a quebra do sigilo de dados telefônicos está relacionada aos registros documentados e armazenados pelas companhias telefônicas, tais como data da chamada telefônica, horário da ligação, número do telefone chamado, duração do uso, ou seja, se refere à registros pretéritos.
Destarte, o objeto da Lei n° 9.296/96 não abrange a quebra do sigilo de dados telefônicos. Como já se manifestou a jurisprudência, a Lei n° 9.296/96 é aplicável apenas às interceptações telefônicas (atuais, presentes), não alcançando os registros telefônicos relacionados a comunicações passadas. Logo, a quebra do sigilo dos dados telefônicos contendo os dias, os horários, a duração e os números das linhas chamadas e recebidas, não se submete à disciplina das interceptações telefônicas regidas pela Lei 9.296/96. Em outras palavras, a proteção a que se refere o art. 5°, inciso XII, da Constituição Federal, é da comunicação de dados, e não dos dados em si mesmos.
Portanto, diversamente da interceptação telefônica, a quebra do sigilo de dados telefônicos não está submetida à cláusula de reserva de jurisdição. Logo, além da autoridade judiciária competente, Comissões Parlamentares de Inquérito também podem determinar a quebra do sigilo de dados telefônicos com base em seus poderes de investigação (CF, art. 58, §3°), desde que o ato deliberativo esteja devidamente fundamentado.
Ainda em relação à quebra do sigilo de dados telefônicos, há precedente do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a verificação direta por parte da autoridade policial das últimas chamadas efetuadas ou recebidas pelo agente não configura prova obtida por meios ilícitos. Confira-se:
O fato de ter sido verificado o registro das últimas chamadas efetuadas e recebidas pelos dois celulares apreendidos em poder do correu, cujos registros se encontravam gravados nos próprios aparelhos, não configura quebra do sigilo telefônico, pois não houve requerimento à empresa responsável pelas linhas telefônicas, no tocante à lista geral das chamadas originadas e recebidas, tampouco conhecimento do conteúdo das conversas efetuadas por meio destas linhas. É dever da Autoridade policial apreender os objetos que tiverem relação com o fato, o que, no presente caso, significava saber se os dados constantes da agenda dos aparelhos celulares teriam alguma relação com a ocorrência investigada (HC 66368; Rel. Min. Gilson Dipp).
5. Momento de decretação da interceptação telefônica
A interceptação telefônica para fins de investigação criminal pode ser efetivada independentemente da prévia instauração de inquérito policial, pode ser determinada para a investigação criminal (até antes, portanto, de formalmente instaurado o inquérito) e para a instrução criminal, depois de instaurado o processo penal.
A interceptação telefônica também pode ser decretada durante o curso da instrução processual penal. Apesar da decretação da interceptação telefônica ser mais comum durante a fase investigatória, é perfeitamente possível o deferimento da medida durante a instrução processual penal. Com efeito, podem surgir, no curso do processo, circunstâncias novas, desconhecidas, que recomendem a realização imediata da interceptação telefônica.
Como a Constituição Federal e a Lei n° 9.296/96 dispõem que a interceptação telefônica só pode ser autorizada para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, não é possível que essa medida seja determinada no curso de um processo de natureza cível, comercial, trabalhista, administrativa, etc., apesar de sabermos que há precedentes de Tribunais Estaduais em sentido contrário. Porém, uma vez decretada a realização de uma interceptação telefônica para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, nada impede que os elementos probatórios aí obtidos sejam utilizados em outro processo, a título de prova emprestada.
Juiz que recebeu a prova emprestada pode decretar sua ilicitude:
“Muito embora a autorização para a interceptação de comunicações telefônicas tenha sido deferida pela Justiça Federal, é perfeitamente possível a análise de sua licitude ou não pelo e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo se, conforme deflui da leitura da exordial acusatória, os dados obtidos a partir daí serviram, entre outros elementos, de base para a instauração de ação penal perante a Justiça Estadual, ainda que como prova emprestada.” (STJ, HC 60229/SP, 5ª T., j. 25.09.2007)
A jurisprudência entende que dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessa prova, conforme se infere de julgado do STF:
Penal. Interceptação telefônica. Escuta ambiental. Autorização judicial e produção para fim de investigação criminal. Suspeita de delitos cometidos por autoridades e agentes públicos. Dados obtidos em inquérito policial. Uso em procedimento administrativo disciplinar, contra outros servidores, cujos eventuais ilícitos administrativos teriam despontado à colheita dessa prova. Admissibilidade. Resposta afirmativa a questão de ordem. Inteligência do art.5º, inc. XII, da CF, e do art. 1º da Lei federal nº 9.296/96. Precedente. Voto vencido. Dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessa prova[6].
6. Realização do contraditório na interceptação e hipóteses vedadas de interceptação telefônica
O contraditório será diferido, ante a própria natureza da interceptação telefônica como medida cautelar inaudita altera parte. Serão observados, a posteriori, tão logo concluída a diligência. Este o motivo pelo qual o Supremo Tribunal Federal confirmou que a defesa deve ter pleno acesso aos autos de inquérito policial, aí incluídos os dados obtidos em decorrência de interceptações telefônicas, entendimento em consonância com a súmula vinculante 14 do STF[7].
Pelo teor da aludida súmula, conjugado ao entendimento jurisprudencial, o advogado não pode acompanhar as interceptações em andamento, mas pode consultar as interceptações já encerradas e juntadas aos autos do apenso do IP:
Inclusive, é possível impetrar habeas corpus, desde que possa advir prejuízo à liberdade de locomoção, ainda que não iminente, que poderia vir a ser decretada com base na ilegalidade contra a qual se insurge o impetrante.
Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:
I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;
II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;
III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.
Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.
7. Requisitos para a interceptação telefônica
a) ordem judicial devidamente fundamentada: O deferimento da interceptação telefônica é exclusividade do Poder Judiciário, independente da natureza do aparelho telefônico (se público ou particular). Por isso, a ausência de ordem judicial macula eventual diligência de interceptação telefônica.
Ademais, não é válida a interceptação telefônica realizada sem prévia autorização judicial, ainda que haja posterior consentimento de um dos interlocutores para ser tratada como escuta telefônica e utilizada como prova em processo penal.
Todo e qualquer juiz criminal pode, em tese, conceder a ordem de interceptação, seja no âmbito da Justiça Estadual, da Justiça Federal, da Justiça Eleitoral, da Justiça Militar da União, seja no âmbito da Justiça Militar dos Estados. Lado outro, estando o juiz no exercício de competência não-criminal, não está autorizado a conceder a interceptação telefônica.
Se a própria Lei n° 9.296/96 estabelece que a interceptação de comunicações telefônicas depende de autorização do juiz competente da ação principal (art. 1°), deve ser considerada nula a autorização judicial para interceptação telefônica concedida por juiz incompetente.
Logo, se durante a realização de inquérito policial militar, que apurava a prática de crime impropriamente militar (subtração de armas e munições da corporação, conservadas em estabelecimento militar), a interceptação foi deferida pela Justiça Comum Estadual, deve-se declarar a nulidade da prova ilicitamente obtida, em virtude da incompetência do juízo.
O STF e o STJ vêm reiteradamente decidindo que se a ilicitude da prova não foi arguida na instância inferior, não pode a instância superior apreciar a questão, sob pena de supressão de instância. Nesse sentido:
“A preliminar de mérito suscitada pelo impetrante, referente à nulidade da interceptação telefônica, não foi apreciada no julgamento do Superior Tribunal de Justiça, e conhecê-la nesta Corte configuraria supressão de instância”. (STF, HC 97542/PB, j. 24.11.09).
“Tendo em vista que as alegações de incompetência territorial e ilegalidade das escutas telefônicas realizadas não foram sequer suscitadas perante o e. Tribunal a quo, motivo pelo qual não foram apreciadas, fica esta Corte impedida de apreciar as questões, sob pena de supressão de instância”. (STJ,HC 91.115/RJ, 5ª T, j. 20.05.08)
Para a jurisprudência, todavia, quando a interceptação telefônica for decretada no curso de investigação criminal como medida cautelar, a exigência de que a autorização seja feita pelo juiz competente da ação principal deve ser entendida e aplicada com certo temperamento, para evitar eventual obstáculo da atuação da Justiça.
Para a TEORIA DO JUIZO APARENTE, se, no momento da decretação da medida, os elementos informativos até então obtidos apontavam para a competência da autoridade judiciária responsável pela decretação da interceptação telefônica, devem ser reputadas válidas as provas assim obtidas, ainda que, posteriormente, seja reconhecida a incompetência do juiz inicialmente competente para o feito.
Inclusive, em recente julgado, o STJ[8] já se manifestou no sentido de que, durante interceptação telefônica deferida em primeiro grau de jurisdição, a captação fortuita de diálogos mantidos por autoridade com prerrogativa de foro não impõe, por si só, a remessa imediata dos autos ao Tribunal competente para processar e julgar a referida autoridade, sem que antes se avalie a idoneidade e a suficiência dos dados colhidos para se firmar o convencimento acerca do possível envolvimento do detentor de prerrogativa de foro com a prática de crime.
b) nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer;
c) para fins de investigação criminal (medida cautelar preparatória) ou instrução processual penal (medida cautelar incidental).
d) Indícios razoáveis de autoria e participação: O procedimento de interceptação telefônica possui natureza cautelar, razão pela qual devem estar presentes o fumus comissi delicti e o periculum in mora.
Como a lei exige a presença de, pelo menos, indícios de autoria ou participação na infração penal, depreende-se que a interceptação telefônica não pode ser deferida para dar início a uma investigação. Logo, apesar de se tratar de prática investigatória rotineira, "não existe interceptação telefônica pré-delitual, fundada em mera conjectura ou periculosidade (de uma situação ou de uma pessoa).
Não é possível interceptação telefônica para verificar se uma determinada pessoa, contra a qual inexiste qualquer indício, está ou não cometendo algum crime. É absolutamente defesa a chamada INTERCEPTAÇÃO DE PROSPECÇÃO, desconectada da realização de um fato delituoso, sobre o qual ainda não se conta com indícios suficientes.
e) Quando a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis: a interceptação telefônica deve ser utilizada como medida de ultima ratio, sob pena de ilicitude da prova.
Na visão do STJ, a interceptação telefônica é medida constritiva das mais invasivas, sendo imprescindível, para o seu deferimento, que a informação somente seja obtida por tal meio, e, que haja a devida motivação, sob pena de ser reconhecida a ilicitude da prova por ela obtida[9].
f) Infração punida com reclusão: Estando a decretação da interceptação telefônica condicionada à investigação de crime punido com reclusão, não basta que a conduta do agente seja apenas típica. Deve se aferir também se sua conduta é antijurídica e culpável. Há de se verificar, ademais, a presença de alguma causa extintiva da punibilidade, condições objetivas de punibilidade e condições de procedibilidade, etc. Em síntese, somente quando se visualizar a real possibilidade de punição é que se deve autorizar a decretação da interceptação telefônica.
Nessa linha, em relação aos crimes materiais contra a ordem tributária, o Superior Tribunal de Justiça tem concluído que, antes de encerrado o procedimento administrativo fiscal, condição objetiva de punibilidade desses delitos, não é cabível a autorização de interceptação telefônica[10]. Para o STJ, a existência do crédito tributário é condição absolutamente indispensável para que se possa dar início à persecução penal pela prática de delito dessa natureza, sendo que o lançamento definitivo do tributo é condição objetiva de punibilidade dos crimes definidos no artigo 1°, da Lei 8.137/90. Logo, a autorização judicial para quebra do sigilo das comunicações telefônicas e telemáticas, para o efeito de investigação de crime de sonegação de tributo, é ilegal se deferida antes de configurada a condição objetiva de punibilidade de delito.
Na medida em que o art. 2°, inciso III, da Lei n° 9.296/96, demanda que a infração penal seja punida com pena de reclusão, depreende-se que não é possível a decretação de interceptação telefônica para investigar crimes de responsabilidade em sentido estrito (Lei n° 1.079/50 e Decreto-Lei n° 201/67). Afinal, tais crimes não têm natureza jurídica de infração penal, mas sim de infração político-administrativa, passível de sanções político-administrativas, aplicadas por órgãos jurisdicionais políticos (normalmente órgãos mistos, compostos por parlamentares ou por parlamentares e magistrados). Logicamente, se ao crime de responsabilidade corresponder uma infração penal comum, punida com pena de reclusão, não haverá qualquer óbice à autorização para a interceptação telefônica. Aliás, segundo o art. 3° da Lei n° 1.079/50, "a imposição da pena referida no artigo anterior (art. 2°) não exclui o processo e julgamento do acusado por crime comum, na justiça ordinária, nos termos das leis de processo penal".
g) Delimitação do objeto da investigação: será sempre obrigatória a descrição com clareza da situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.
8. SIGILO PROFISSIONAL DO ADVOGADO
A Conversa pessoal e reservada entre advogado e cliente tem toda a proteção da lei, porquanto, entre outras reconhecidas garantias do advogado, está a inviolabilidade de suas comunicações. Como estão proibidas de depor as pessoas que, em razão de profissão, devem guardar segredo, é inviolável a comunicação entre advogado e cliente.
No entanto, o STJ já decidiu que, acaso haja indícios de envolvimento do advogado com o crime objeto da investigação, não há falar em proteção ao sigilo profissional, sendo plenamente válida a interceptação de sua comunicação telefônica[11].
Não se trata, pois, de imunidade absoluta, mas sim de legítima prerrogativa, a ser preservada quando relacionada ao exercício da função. Logo, não merece acolhida eventual alegação relativa à violação da liberdade de exercício profissional, se sobressai que a medida foi tomada devido à possível participação do advogado em ilícitos criminais. Ainda que atuasse como advogado, as prerrogativas conferidas aos defensores não podem acobertar delitos, sendo certo que o sigilo profissional não tem natureza absoluta.
9. Encontro fortuito de elemento probatório em relação a outros fatos delituosos (serendipidade)
Supondo-se que uma interceptação telefônica tenha sido autorizada para apurar crime punido com reclusão (v.g., tráfico de drogas) praticado por determinado agente, indaga-se se seria possível a utilização de elementos probatórios colhidos casualmente ao longo da diligência em relação a outras infrações penais (v.g., homicídio, desacato, jogo do bicho, etc.), e/ou em relação a outras pessoas. Nesse caso, tem sido aplicada pelos Tribunais a TEORIA DO ENCONTRO FORTUITO OU CASUAL DE PROVAS (SERENDIPIDADE).
Fala-se em encontro fortuito de provas, portanto, quando a prova de determinada infração penal é obtida a partir de diligência regularmente autorizada para a investigação de outro crime. Nesses casos, a validade da prova inesperadamente obtida está condicionada à forma como foi realizada a diligência: se houve desvio de finalidade, a prova não deve ser considerada válida; se não houve desvio de finalidade, a prova é válida.
Luiz Flávio Gomes[12] defende que duas circunstâncias marcam esse encontro fortuito:
a) Ocorre por uma razão técnica (na hora da execução da interceptação, não há condições técnicas de distinguir a priori o que versa sobre o objeto da investigação e o que lhe é distinto);
b) Se concretiza sem autorização judicial, o que é vedado pelo ordenamento jurídico, justamente por tratar-se de restrição a direito fundamental.
Conclui o autor que é válida a prova se se descobre fato delitivo conexo com o investigado, mas desde que de responsabilidade do mesmo sujeito passivo. Logo, se o fato não é conexo ou se versa sobre outra pessoa, não vale a prova. Cuida-se de prova nula. Mas isso não significa que a descoberta não tenha nenhum valor: vale como fonte de prova, é dizer, a partir dela pode-se desenvolver nova investigação. Vale, em suma, como uma notitia criminis. Nada impede a abertura de uma nova investigação, até mesmo nova interceptação, mas independente. Nessa hipótese, não há falar em prova ilícita ou prova ilícita derivada.
10. Decretação de interceptação telefônica e procedimento
O magistrado NÃO pode atuar de ofício na fase pré-processual, não podendo decretar de ofício a interceptação telefônica. No entanto, uma vez em curso o processo, a autoridade judiciária passa a deter poderes inerentes ao próprio exercício da função jurisdicional, podendo determinar a interceptação telefônica de ofício.
O órgão do Ministério Público pode requerer a interceptação telefônica na fase investigatória e durante o curso da instrução processual. Ademais, tendo em conta que a jurisprudência tem admitido o poder investigatório do Ministério Público, nada impede que uma interceptação telefônica seja solicitada no curso de procedimento investigatório criminal presidido pelo próprio órgão ministerial.
Sobre o assunto, dispõe a Lei de interceptação:
Art. 3° A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento:
I - da autoridade policial, na investigação criminal;
II - do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal.
Art. 4° O pedido de interceptação de comunicação telefônica conterá a demonstração de que a sua realização é necessária à apuração de infração penal, com indicação dos meios a serem empregados.
§ 1° Excepcionalmente, o juiz poderá admitir que o pedido seja formulado verbalmente, desde que estejam presentes os pressupostos que autorizem a interceptação, caso em que a concessão será condicionada à sua redução a termo.
§ 2° O juiz, no prazo máximo de vinte e quatro horas, decidirá sobre o pedido.
Nos crimes de ação penal pública, a lei não confere legitimidade à vítima para requerer a interceptação telefônica, independentemente de ela ter-se habilitado (ou não) como assistente no processo. Se a vítima não tem legitimidade para requerê-la, queremos crer, porém, que pode sugerir à autoridade policial ou ao órgão do Ministério Público que requeiram a diligência.
Presentes os requisitos, o juiz poderá decretar a medida, não se tratando de mera faculdade do magistrado. No entanto, se for indeferido o pedido pelo juiz, restará ao Ministério Público impetrar mandado de segurança. Apesar de se tratar de decisão interlocutória, para a qual o juiz teria o prazo de 5 (cinco) dias, previsto no art. 800, II, do CPP, a própria Lei n° 9.296 estabelece um prazo mais exíguo, a saber, o de 24 (vinte e quatro) horas, o que acaba por confirmar a natureza urgente da medida.
Art. 5° A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.
É indispensável que o magistrado aponte, de maneira concreta, as circunstâncias fáticas que apontam no sentido da adoção da medida cautelar, sob pena de manifesta ilegalidade do decisum, e, por consequência, ilicitude da prova assim obtida.
Aponta Luiz Flávio Gomes[13] que o juiz deve exercer o controle judicial prévio da medida cautelar, deixando claro no decisum o seguinte:
a) Quais são os concretos indícios de autoria ou de participação (art. 2º, I);
b) Quais são as provas existentes a respeito da infração penal (materialidade) (art. 2º, I);
c) Que se trata de infração punida com reclusão (art. 2°, III);
d) Que a interceptação é necessária em virtude da inexistência de outros meios disponíveis para a obtenção da prova (art. 2°, II, e art. 4°);
e) A descrição com clareza da situação objeto da investigação (delimitação fática da medida, isto é, qual é o crime, onde está ocorrendo, desde quando vem ocorrendo etc.) (art. 2., parágrafo único); f) indicação e, se possível, a qualificação do sujeito passivo da medida (identificação do investigado ou dos investigados (art. 2°, parágrafo único);
f) A individualização da linha telefônica que servirá de fonte para a captação da comunicação;
g) Quais meios serão empregados para a execução da medida (quais recursos tecnológicos, quais operações serão feitas etc.) (art. 4°);
h) Qual será a forma de execução da diligência — recursos próprios da polícia, recursos da concessionária, técnicos da concessionária etc. (art. 5°);
i) Qual é a duração da medida (o prazo não pode exceder quinze dias);
j) Qual é a intensidade da medida (captação de todas as comunicações ou só das chamadas feitas ou só das chamadas recebidas, ou ambas, apenas constatação das chamadas sem importar o conteúdo etc.);
k) Que a interceptação é proporcional no caso concreto, em razão da gravidade da infração, da necessidade da prova, dos interesses afetados etc.;
l) Que tudo deve ser feito "sob segredo de justiça" (art. 10).
Para os Tribunais, não se exige fundamentação exaustiva, sendo suficiente que a decisão, ainda que de forma sucinta, concisa, analise a presença, no caso, dos requisitos legais ensejadores da interceptação telefônica.
11. Duração da interceptação e prazo de renovação
A execução da diligência não pode ultrapassar o limite de 15 (quinze) dias. Evidentemente, esse prazo de 15 (quinze) dias não se inicia da decisão judicial que autoriza a interceptação telefônica, mas sim do dia em que a medida é efetivada. Havendo necessidade de renovação do prazo da interceptação, esta deve se dar antes do decurso do prazo fixado na decisão originária, mediante decisão judicial motivada, evitando-se uma solução de continuidade na captação das comunicações telefônicas.
Quanto ao número de vezes em que o prazo da interceptação telefônica pode ser renovado, há 4 (quatro) correntes distintas:
a) A renovação só pode ocorrer uma única vez: logo, a duração máxima da interceptação seria de 30 (trinta) dias;
b) A renovação só pode ocorrer uma única vez. Porém, quando houver justificação exaustiva do excesso e quando a medida for absolutamente indispensável, é possível a renovação do prazo da interceptação, mas esse excesso não pode ofender a razoabilidade. Em caso concreto em que as interceptações telefônicas perduraram por quase 02 (dois) anos, a 6a Turma do STJ concluiu haver evidente violação ao referido princípio, daí por que considerou ilícita a prova resultante de tantos e tantos dias de interceptação das comunicações telefônicas;
c) O limite máximo seria de 60 (sessenta) dias: quando decretado o Estado de Defesa (CF, art. 136), o Presidente da República pode limitar o direito ao sigilo da comunicação telegráfica e telefônica. Esse estado não pode superar o prazo de 60 (sessenta) dias (CF, art. 136, §2°). Se durante o Estado de Defesa a limitação não pode durar mais de 60 (sessenta) dias, em estado de normalidade esse prazo também não pode ser maior;
d) O prazo da interceptação pode ser renovado indefinidamente, desde que comprovada a indispensabilidade do meio de prova (posição majoritária): no art. 5° da Lei n° 9.296/96, a expressão uma vez deve ser compreendida como preposição, e não como adjunto adverbial: Renato Brasileiro defende ser essa a posição mais acertada, ao fundamento de que, com a crescente criminalidade em nosso país, é ingênuo acreditar que uma interceptação pelo prazo de 30 (trinta) dias possa levar ao esclarecimento de determinado fato delituoso. A depender da extensão, intensidade e complexidade das condutas delitivas investigadas, e desde que demonstrada a razoabilidade da medida, o prazo para a renovação da interceptação pode ser prorrogado indefinidamente enquanto persistir a necessidade da captação das comunicações telefônicas.
O art. 5º da Lei 9.296/96 dispõe que o prazo é de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova. O STF e o STJ já decidiram que a renovação por quinze dias pode ocorrer quantas vezes forem necessárias, desde que fundamentada a necessidade de cada prorrogação.
“(...) A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento segundo o qual as interceptações telefônicas podem ser prorrogadas desde que devidamente fundamentadas pelo juízo competente quanto à necessidade para o prosseguimento das investigações. Precedentes: HC nº 83.515/RS, Rel. Min. Nelson Jobim, Pleno, maioria, DJ de 04.03.2005; e HC nº 84.301/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, unanimidade, DJ de 24.03.2006. (...)” (STF, RHC 88371/SP, 2ª T., j. 14.11.06).
12. Execução da interceptação telefônica e degravação das gravações efetuadas
Art. 6° Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização.
§ 1° No caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será determinada a sua transcrição.
§ 2° Cumprida a diligência, a autoridade policial encaminhará o resultado da interceptação ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas.
§ 3° Recebidos esses elementos, o juiz determinará a providência do art. 8° , ciente o Ministério Público.
Entende Renato Brasileiro[14] que NÃO há necessidade de degravação integral das gravações efetuadas, desde que assegurado às partes o acesso à integralidade dos registros. Isso se justifica, pois não há na lei qualquer exigência no sentido de que a degravação seja submetida à perícia. Além disso, é desnecessário que a transcrição das gravações resultantes da interceptação telefônica seja feita por peritos oficiais: cuidando-se de tarefa que não exige conhecimentos técnicos especializados, pode ser realizada pelos próprios policiais que atuaram na investigação. No mesmo sentido, já assentou o STF[15].
Sobre o procedimento de interceptação telefônica, prossegue a Lei:
Art. 7° Para os procedimentos de interceptação de que trata esta Lei, a autoridade policial poderá requisitar serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público.
Art. 8° A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas.
Parágrafo único. A apensação somente poderá ser realizada imediatamente antes do relatório da autoridade, quando se tratar de inquérito policial (Código de Processo Penal, art.10, § 1°) ou na conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente do disposto nos arts. 407, 502 ou 538 do Código de Processo Penal.
A pessoa investigada não pode ter conhecimento da realização das diligências, pois, do contrário, seria totalmente frustrada a possível eficácia desse meio de investigação.
O contraditório será diferido, ou seja, quando concluídas as diligências pertinentes à interceptação telefônica, ao investigado e a seu defensor deve ser franqueado o acesso ao conteúdo integral das gravações, a fim de que possam impugnar a prova produzida, exercendo o direito à ampla defesa.
Cumprida a diligência, a autoridade policial encaminhará o resultado da interceptação ao Poder Judiciário, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas (Lei n° 9.296/96, art. 6°, §2°), mesmo quando a interceptação não tenha tido êxito. Esse auto circunstanciado é formalidade essencial à valia da prova resultante de degravações de áudio e interceptação telefônica, sendo que eventual vício dele constante é considerado causa de nulidade relativa.
Recebidos esses elementos, o Juiz determinará sua autuação em apartado, ficando apensado aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas. Com o apensamento aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, os elementos obtidos por meio da interceptação telefônica poderão servir para a formação da opinio delicti do órgão ministerial, bem como influenciar na formação da convicção do magistrado.
Ao ter acesso ao resultado da diligência, a defesa pode arguir a licitude ou ilicitude da prova, hipótese em que poderá requerer seu desentranhamento dos autos, com fundamento no art. 157, caput, do CPP. Poderá discutir também a idoneidade técnica da operação de interceptação, a autenticidade da prova documental, a própria identificação da voz etc.
13.Incidente de inutilização da interceptação telefônica
Prevê a Lei nº 9.296/96 a possibilidade de inutilizar a prova, para os casos de gravação que não interesse à prova, ocasião em que poderá ser proposto o incidente de inutilização:
Art. 9° A gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada.
Parágrafo único. O incidente de inutilização será assistido pelo Ministério Público, sendo facultada a presença do acusado ou de seu representante legal.
O requerimento para a inutilização das gravações pode ser formulado pelo Ministério Público ou pela parte interessada, aqui compreendida como qualquer pessoa que demonstre legítimo interesse na destruição das gravações, seja o investigado ou mesmo um terceiro que tenha se comunicado com o sujeito passivo da interceptação. Esse requerimento pode ser formulado no curso das investigações ou durante a instrução processual, devendo existir prévia autorização judicial para a inutilização da interceptação telefônica.
Contra a decisão que defere (ou não) a inutilização da gravação, o recurso adequado será o de apelação, já que se trata de decisão com força de definitiva não listada no rol do art. 581 do CPP. Em relação ao terceiro, que também tem interesse na destruição das gravações de conversas impertinentes e irrelevantes para a prova, caso seu pedido não seja atendido pelo juiz, poderá impetrar mandado de segurança contra o ato jurisdicional que indeferir sua pretensão à preservação da intimidade.
14. Conclusão
A realização de interceptações telefônicas constitui um excelente meio de prova, afinal, inúmeros delitos são rotineiramente descobertos e apurados a partir das interceptações. No entanto, é necessária a diligência das autoridades públicas e respeito ao princípio da reserva de jurisdição, para não efetivá-la de forma ilícita e, com isso, contaminar a prova eventualmente obtida.
A edição da lei nº 9.296/96 foi salutar, como mecanismo de positivar o procedimento para a interceptação telefônica. No entanto, com apenas doze artigos, e em face da infinidade de situações possíveis, o caráter interpretativo ficou a cargo dos Tribunais Superiores.
Os precedentes judiciais são inúmeros, sob as mais diversas questões, e conduzem à necessidade de constante acompanhamento e atualização do operador do direito da jurisprudência pátria.
15. Referência Bibliográficas
BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. 5ª edição atualizada. São Paulo. Saraiva, 2009.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da República, Casa Civil: Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br > Acesso em 04/04/2016.
BRASIL. Lei Nº 9.296, De 24 De Julho De 1996. Presidência da República, Casa Civil: Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9296.htm > Acesso em 04/04/2016.
DE LIMA, Renato Brasileiro. Legislação Criminal Especial Comentada. 2ª ed. Salvador: Jus Podvum, 2014.
GOMES, Luiz Flávio. Legislação criminal especial. 2ª Ed. São Paulo: RT, 2010.
GRECO FILHO, Rogério. Interceptação telefônica: considerações sobre a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996. 2ªed. São Paulo: Saraiva, 2009.
STF. Inq-QO-QO 2424RJ. Rel: Min. Cezar Peluso. Tribunal do Pleno. Dje: 24/08/2007.
STJ. RHC 18116/SP. Rel. Min Helio Quaglia Barbosa. 6ª Turma. DJe 16/02/2006.
STJ. HC 49.146/SE. Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura. 6ª Turma. DJe: 07/06/2010.
STJ. REsp 1257058/RS. Rel: Min. Mauro Campbell Marques. 2ª Turma. DJe: 18/08/2015.
STJ. HC 307.152-GO. Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz. 6ª Turma. DJe 19/11/2015.
STJ. HC 210351/PR. Rel: Min. Marilza Maynard. 6ª Turma. Dje: 01/09/2014.
TST. RR- 613/2000-013-10-00. Rel. Min. João Oreste Dalazen. 1ª Turma. DJe: 10/06/2005.
[1] DE LIMA, Renato Brasileiro. Legislação Criminal Especial Comentada. 2ª ed. Salvador: Jus Podvum, 2014. P.135.
[2] DE LIMA, Renato Brasileiro. Op. Cit. P.137.
[3] GRECO FILHO, Rogério. Interceptação telefônica: considerações sobre a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996. 2ªed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 9.
[4] STJ. RHC 18116/SP. Rel. Min Helio Quaglia Barbosa. 6ª Turma. DJe 16/02/2006.
[5] TST. RR- 613/2000-013-10-00. Rel. Min. João Oreste Dalazen. 1ª Turma. DJe 10/06/2005.
[6] STF. Inq-QO-QO 2424RJ. Rel: Min. Cezar Peluso. Tribunal do Pleno. Dje: 24/08/2007.
[7] Súmula Vinculante 14: É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.
[8] STJ. HC 307.152-GO. Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz. 6ª Turma. DJe 19/11/2015.
[9] STJ. HC 49.146/SE. Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura. 6ª Turma. DJe: 07/06/2010.
[10] STJ. REsp 1257058/RS. Rel: Min. Mauro Campbell Marques. 2ª Turma. DJe: 18/08/2015.
[11] STJ. HC 210351/PR. Rel: Min. Marilza Maynard. 6ª Turma. Dje: 01/09/2014.
[12] GOMES, Luiz Flávio. Legislação criminal especial. 2ª Ed. São Paulo: RT, 2010. P. 437.
[13] GOMES, Luiz Flávio. Op. Cit. P. 452.
[14] DE LIMA, Renato Brasileiro. Op. Cit. P.162.
[15] (...) Tampouco é necessário o traslado de todas as gravações produzidas na investigação de origem. À acusação basta trazer a estes autos as gravações que tenha por relevantes. Havendo interesse pela defesa, poderá ser solicitado ao juízo de origem acesso à integralidade das gravações. Após seleção, poderá a defesa trazer aos autos as gravações que reputar de seu interesse. 7. A transcrição integral das gravações é desnecessária. STF. Inq 3705/DF. Rel. Min. Gilmar Mendes. 2ª Turma. DJe: 02/036/2015.
Advogada, graduada pela UFPE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CABRAL, Camilla Cavalcanti Rodrigues. Interceptação telefônica: Análise da Lei nº 9.296/96 segundo o entendimento dos Tribunais Superiores Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 abr 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46430/interceptacao-telefonica-analise-da-lei-no-9-296-96-segundo-o-entendimento-dos-tribunais-superiores. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
Precisa estar logado para fazer comentários.