RESUMO: Trata-se de análise, no texto do Novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 2016, dos benefícios da participação do amicus curiae, espécie de terceiro interessado na solução de demandas que envolvam a discussão de temas de grande interesse para a sociedade em geral, ampliando o debate, possibilitando a uniformização e a revisão de jurisprudência de uma maneira mais completa, de forma a conferir maior legitimidade democrática ao Poder Judiciário e respeito, por parte do jurisdicionado, às suas decisões.
PALAVRAS-CHAVES: Novo Código de Processo Civil; Amicus Curiae; Jurisprudência e Precedente; Poder Judiciário; Democracia.
ABSTRACT: This paper analyses, in the text of the New Brazilian Civil Procedure Code, that will come into force in 2016, the benefits of the participation of amicus curiae, who is a kind of a third party interested in resolving disputes involving the discussion of topics of major interest to the society, in a general context, widening the debate, allowing standardization and review of jurisprudence in a more complete manner, so as to give greater democratic legitimacy to the judiciary and respect by the claimants to its decisions.
KEYWORDS: New Civil Procedure Code; Amicus Curiae; Jurisprudence and Precedent; Judiciary; Democracy.
1. INTRODUÇÃO
O tema deste trabalho insere-se num momento histórico de crise da jovem democracia brasileira, uma vez que, nos últimos anos, cidadãos de todos os cantos do país, pertencentes a todas as classes sociais têm ido às ruas protestar contra o desrespeito da classe política aos anseios da população por mais segurança pública, saúde, educação, combate à corrupção, transporte público de qualidade, transparência e eficiência na gestão pública etc.
Nesse diapasão, vale ressaltar, no entanto, que não houve – ou, se houve, não foi muito noticiado – demandas para uma abertura do Poder Judiciário à participação do povo na solução de demandas judiciais que tenham implicações que ultrapassem os interesses das partes nos processos. O objetivo desse estudo é justamente analisar como os cidadãos, por meio da figura do amicus curiae, podem intervir nas decisões judiciais, conferindo maior legitimidade e caráter democrático ao Poder Judiciário.
2. TEORIA DO PRECEDENTE JUDICIAL
Nos últimos anos, o Brasil, país de tradição romano-germânica quanto à aplicação das leis pelos magistrados, tem, assim como outros países que seguem o chamado civil law, adotado muitos dos procedimentos aplicados no sistema de common law, isto é, ganha força o entendimento de que a interpretação formada nos tribunais quando da aplicação da lei, em seu sentido lato, às demandas a eles submetidas também serve como fonte do Direito, mormente no contexto da República Nova, em que a visão do juiz como mero bouche de la loi resta totalmente ultrapassada. Nesse diapasão, cresce a necessidade do estudo do que se convencionou em chamar “Direito Jurisprudencial” e da elaboração de uma teoria dos precedentes adequada à realidade constitucional e processual brasileira.
2.1. Da confluência dos sistemas de civil law e common law: influências na jurisprudência brasileira
Os dois grandes sistemas de aplicação e interpretação do direito são o civil law, de tradição romano-germânica, e o de common law, de origem anglo-saxã. Enquanto o primeiro tem suas origens que remontam à compilação de textos, leis e decisões da Roma antiga, realizada durante a Idade Média, o que culminaria no Corpus Juris Civilis, o segundo seria baseado num continuum histórico, em que “as coisas sempre foram como sempre são” (WAMBIER, 2012, p. 20 e 24). Em apertada síntese, pode-se dizer que o civil law baseia-se, precipuamente, na interpretação da lei, em seu sentido lato, de forma que o common law fundamenta-se muito mais na reiteração de entendimentos dos tribunais – ou da Câmara dos Lordes, no caso da Inglaterra – , isto é, no respeito aos precedentes, apesar de que esta ideia não surgiu desde o início, mas da vontade de respeito aos costumes. Nesse sentido, esclarece Wambier (2012, p.20):
O common law, é interessante observar, não teve início com a adoção da explícita premissa ou da regra expressa de que os precedentes seriam vinculantes. Isso acabou acontecendo imperceptivelmente, desde quando a decisão dos casos era tida como a aplicação do direito costumeiro, antes referido, em todas as partes do reino, até o momento em que as próprias decisões passaram a ser consideradas direito. Assim, desenvolveu-se o processo de confiança nos precedentes e, a rigor, nunca foi definido com precisão o papel dos precedentes e o método correto de argumentação a partir dos precedentes. Neste contexto é que foi concebida a teoria declaratória, já que os juízes declaravam um direito que “já existia” (sob forma de costume), embora fossem às suas decisões que se dava (e se dá) o valor e o status de ser direito. (destaques do original).
Pode-se verificar, pela leitura do excerto acima que, o common law teria forte vinculação ao jusnaturalismo, enquanto que o civil law, mormente de quando de seu fortalecimento, após a Revolução Francesa, ligar-se-ia ao juspositivismo. Destaque-se que, quando da referida revolução, por se entender que a magistratura fazia parte e apoiava o regime estamental do ancien régime, a forma de controlar os juízes seria obrigando-os a aplicar tão somente a lei, criada pelos representantes do povo, mais precisamente os burgueses[1].
Na atualidade, segundo a moderna teoria do Direito, marcantemente influenciada pelos princípios e normas constitucionais, o juiz repetidor da lei (bouche de la loi) é figura ultrapassada e a ser evitada, uma vez que, incumbe ao juiz interpretar a lei à luz da doutrina, dos princípios, da jurisprudência, podendo também fazer mão da analogia e dos costumes (art. 4º da LINDB).
Ultrapassado esse incurso histórico, a doutrina é unânime em afirmar que não há mais país que siga totalmente o civil law ou o common law. Nessa senda, afirma Taruffo (2011, p. 140):
Pesquisas desenvolvidas em vários sistemas jurídicos têm demonstrado que a referência ao precedente não é há tempos uma característica peculiar aos ordenamentos do common law, estando agora presente em quase todos os sistemas, mesmo os de civil law. Por isso, a distinção tradicional segundo a qual os primeiros seriam fundados sobre os precedentes, enquanto os segundos seriam fundados sobre a lei escrita, não tem mais – admitindo-se que realmente tenha tido no passado – qualquer valor descritivo. De um lado, na verdade, nos sistemas de civil law se faz amplo uso da referência à jurisprudência, enquanto nos sistemas de common law se faz amplo uso da lei escrita e inteiras áreas desses ordenamentos – do direito comercial ao direito processual – são, na realidade, “codificadas”.
No âmbito do civil law, adotado no Brasil, em razão da crescente necessidade de interpretação da lei e da Constituição, cheia de conceitos fluidos e com abertura para as mais diversas interpretações, surge, ao lado do já conhecido princípio da legalidade, a necessidade de decisões que respeitem o princípio da igualdade e o da segurança jurídica, na sua acepção de não surpresa. Wambier (2012, p. 32) resume essa preocupação ao afirmar que “é inútil a lei ser a mesma para todos, se os tribunais podem interpretá-la de modos diferentes e surpreender os jurisdicionados”.
Tal preocupação aumenta ainda mais pelo fato de o Brasil ter, desde a promulgação da Constituição de 1988, aumentado enormemente o seu grau de litigiosidade, crescendo, por conseguinte, o número de decisões com os mais diversos matizes. Mesmo os tribunais superiores, responsáveis pela uniformização do entendimento quanto à matéria constitucional, no caso do Supremo Tribunal Federal (STF), e infraconstitucional, proferindo milhares de acórdãos, bem como súmulas, orientações jurisprudenciais, súmulas vinculantes etc., ainda não sistematizaram, de forma coesa e harmônica, como a sua jurisprudência deva ser formada, alterada e superada, agravando o grau de insegurança jurídica, prejudicando as relações privadas e a atuação do Poder Público.
É nesse cenário, que se insere o estudo da Teoria dos Precedentes, adequando-o à realidade processual brasileira, mormente no contexto da recente promulgação do Novo Código de Processo Civil.
2.2. Da formação à superação de precedentes: conceitos e aplicações
Primeiramente, insta esclarecer alguns conceitos que serão aplicados ao longo do presente estudo. O primeiro deles é que precedente não se confunde com jurisprudência. Esta traz a intrínseca ideia de conjunto, de uma pluralidade de decisões, sejam num só sentido, sejam simplesmente entendidas como uma “massa de pronunciamentos produzida pelo Judiciário” (ABBOUD, 2012, p. 142).
Precedente, por outro lado, segundo a acepção de Redondo (2013, p. 406), “consiste na decisão jurisdicional tomada em relação a um caso concreto, cujo núcleo é capaz de servir como diretriz para a resolução de demandas semelhantes”. Prossegue o autor, afirmando o seguinte:
Todo precedente é, portanto, uma decisão judicial, mas nem toda decisão pode ser qualificada como sendo um precedente. Como característica fundamental do precedente tem-se o surgimento de uma norma geral construída pelo órgão jurisdicional, a partir de um caso concreto, que passa a servir de diretriz para situações assemelhadas (REDONDO, 2013, p. 406).
Assim, se, digamos, um determinado magistrado julgou um caso concreto de uma determinada forma, aparecendo-lhe, posteriormente outro, com questões de fato e de direito semelhantes ao anterior, poderá aplicar o entendimento usado no anterior a este. Forma-se, daí, um precedente[2].
Esse núcleo ou norma geral criado pelo precedente é o que a doutrina chama de ratio decidendi. Baseando-se em Cruz e Tucci, Didier Jr., Braga e Oliveira (2008, p. 350) apresentam o conceito e a caracterização da ratio decidendi da seguinte forma:
A ratio decidendi – ou, para os norte-americanos, a holding – são os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão; a opção hermenêutica adotada na sentença, sem a qual a decisão não teria sido proferida como foi; trata-se da tese jurídica acolhida pelo órgão julgador no caso concreto. “A ratio decidendi (...) constitui a essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso concreto (rule of law)”. Ela é composta: (i) da indicação dos fatos relevantes da causa (statement of material facts), (ii) do raciocínio lógico-jurídico da decisão (legal reasoning) e (iii) do juízo decisório (judgement). [trecho citado entre aspas de Cruz e Tucci]
À parte do julgado que for utilizada como argumento acessório e que não será aproveitada na ratio decindi dá-se o nome de obter dictum (ou dicta, se no plural). Significa, literalmente, algo dito de passagem, pelo caminho (MITIDIERO, 2012, p. 72). A despeito de, a priori, ser considerado prescindível para a resolução da demanda, o obter dictum poderá servir para indicar uma “futura orientação do tribunal ou de elemento de persuasão em posterior tentativa de superação do precedente” (REDONDO, 2013, p. 408).
Impende, então, analisar as técnicas de como o precedente é interpretado, aplicado, confrontado, afastado e superado.
A primeira, e mais conhecida delas, é a do distinguishing, da distinção entre os casos. Souza (2006, p. 142) explica seus delineamentos básicos:
Ela [a técnica do distinguishing] nos leva de volta à noção de fatos fundamentais (material facts). Em linhas gerais, se os fatos fundamentais de um precedente, analisados no apropriado nível de generalidade, não coincidem com os fatos fundamentais do caso posterior em julgamento, os casos devem ser considerados, pelo tribunal ou juiz do caso posterior, como distintos. Consequentemente, o precedente não será seguido.
Vale ressaltar, todavia, que o magistrado, mesmo que encontre alguma peculiaridade do caso sub examine em relação ao caso paradigma, pode ainda usar a ratio decidendi (tese jurídica), se entender que, a despeito das diferenças, a ratio ainda lhe é aplicável, dando-se a tal interpretação o nome de ampliative distinguishing, enquanto que a citada por Souza acima seria uma restrictive distinguishing (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2008, p. 353)[3].
Ainda sobre o distinguishing, ressalta Mitidiero (2012, p. 73) que as distinções entre os casos devem ser consistentes, ou seja, “realizadas a partir de uma real diferenciação subjacente entre as questões examinadas pelo órgão jurisdicional” (grifos do original). Afirma, no entanto, que é comum que, nos Estados Unidos, existam casos em que há distinção parcial, mas sem apresentar critérios seguros para tanto. É o que chama de elaboração de distinções inconsistentes (drawing of inconsistent distinctions). Prossegue o autor, aduzindo o seguinte:
Normalmente, a elaboração de distinções inconsistentes serve para mostrar que o órgão jurisdicional está em dúvidas sobre o acerto da solução contida no precedente e que provavelmente o superará em breve. Nesse sentido, a técnica de distinções inconsistentes funciona como sinalização de um movimento esboçado pela Corte a respeito da solução de determinada questão. (MITIDIERO, 2012, p. 73, com destaque do autor)
O segundo tipo de técnica aplicável à interpretação de precedentes é a decisão per incuriam, que literalmente quer dizer “decisão por falta de cuidado”, que ocorre quando se ignorou um precedente obrigatório ou uma lei relativa ao caso. Destaca Souza (2006, p. 147) que é “necessário ficar caracterizado que, se a corte tivesse tido ciência do precedente ou da lei, teria, certamente, chegado a uma conclusão diversa no caso”. Na prática, a decisão per incuriam acaba não sendo utilizada.
Outra importante técnica é a de overruling, que é revogação do precedente. Explicitam-no Didier Jr., Braga e Oliveira (2008, p. 354):
Overruling é a técnica através da qual um precedente perde a sua força vinculante e é substituído (overruled) por um outro precedente. Como esclarece LEONARDO GRECO, o próprio tribunal que firmou o precedente pode abandoná-lo em julgamento futuro, caracterizando o overruling. Assemelha-se à revogação de uma lei por outra. Essa substituição pode ser (i) expressa (Express overruling), quando um tribunal resolve, expressamente, adotar uma nova orientação, abandonando a anterior; ou (ii) tácita (implied overruling), quando uma orientação é adotada em confronto com posição anterior, embora sem expressa substituição desta última – trata-se de hipótese rara.
Vale ressaltar o alerta dos autores acima ao afirmarem que “a decisão que implicar overruling exige como pressuposto uma carga de motivação maior, que traga argumentos até então não suscitados e a justificação complementar da necessidade de superação do precedente” (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2008, p. 355). Vê-se, assim, que a prática de superação de um precedente deve ser feita de maneira bastante cuidadosa e plenamente justificada (e justificável).
O overruling classifica-se quanto à forma de superação e quanto à eficácia da alteração. Na primeira, ele pode ser express overrruling (revogação expressa) ou implied overruling (revogação tácita, também conhecida como transformation, em que ocorre o abandono da posição anterior sem a expressa substituição pelo subsequente) (MARINONI apud REDONDO, 2013, p. 413).
Quanto à eficácia da alteração, o overruling pode ser retrospectivo (efeitos ex tunc), prospectivo (efeitos ex nunc) ou antecipado[4], “variando conforme a opção que o tribunal adote ao sopesar os princípios da juridicidade, da isonomia, da segurança jurídica e da não surpresa (ou da confiança)” (REDONDO, 2013, p. 413).
Importa diferenciar o overruling do overriding, que é uma superação parcial de um precedente, que ocorre “quando o tribunal apenas limita o âmbito de incidência de um precedente, em função da superveniência de uma regra ou princípio legal” (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2008, p. 355).
Por fim, vale destacar a interessante técnica da technique of signaling, espécie de meio-termo entre distinguishing e overruling. Redondo (2013, p. 414), com base na doutrina de Marinoni, esclarece-a:
Por meio desta técnica, o tribunal não revoga o precedente, nem realiza uma adequada distinção. A corte identifica que o conteúdo do precedente está equivocado ou que deve deixar de subsistir, mas, em nome da segurança jurídica, deixa de revogá-lo naquele momento, vindo apenas a apontar para a sua perda de consistência, sinalizando para a sua provável e futura revogação.
Feitas essas considerações, impende analisar como as mesmas poderão ser aplicadas no NCPC.
2.3. Da uniformização e revisão da jurisprudência no Novo Código de Processo Civil: perspectivas
O Congresso Nacional, almejando conferir maior celeridade aos processos e baseando-se no sucesso do sistema de precedentes do sistema de common law, tem buscado alternativas de consolidar a jurisprudência, mormente a dos tribunais superiores, bem como estabelecer formas precisas de revisá-la, mantendo-a atual com a Constituição, a legislação e a própria vontade popular.
Nesse sentido, dispõem os arts. 926 e 927 do NCPC:
Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
§ 1o Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.
§ 2o Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II - os enunciados de súmula vinculante;
III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
§ 1o Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1o, quando decidirem com fundamento neste artigo.
§ 2o A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.
§ 3o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
§ 4o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.
§ 5o Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.
Como se vê, de forma louvável, pretendeu o legislador infraconstitucional que se busque um sistema de coerência nas decisões judiciais, devendo a jurisprudência e as súmulas dos tribunais superiores serem respeitadas por todos os magistrados e tribunais (incisos I a IV do art. 927), que também devem seguir “a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados” (inciso V do art. 927).
Ratificam-se, dessa forma, as funções e importância da jurisprudência no ordenamento jurídico brasileiro:
De certa forma, a função básica da jurisprudência é interpretação e a concretização do próprio direito. Assim, a jurisprudência teria quatro funções primordiais em relação à lei, que seriam: explicativa, supletiva, diferencial e renovadora.
[...] Nessa perspectiva é que, atualmente, a lei e a jurisprudência não devem mais ser confrontadas como fontes jurídicas colocadas em grau diferente de hierarquia, uma vez que, atualmente elas devem ser consideradas fontes complementares, sendo insensata a análise de uma estanque em relação à outra (ABBOUD, 2012, p. 504-505).
Na verdade, hodiernamente verifica-se que a jurisprudência dos tribunais é uma das principais influenciadoras na criação e alteração de leis, medidas provisórias, emendas constitucionais etc. pelo Poder Legislativo, bem como na criação de normas regulamentares pelo Poder Executivo. A influência do Judiciário sobre os demais poderes, neste século XXI é algo inarredável.
Por outro lado, a forma como a jurisprudência é criada, alterada, revogada e cobrada no Brasil é bastante confusa, até porque não se pode tão somente “importar” a teoria dos precedentes sem fazer um devido estudo, considerando-se as peculiaridades do sistema judiciário brasileiro[5].
3. AMICUS CURIAE
3.1. Conceito e origens históricas.
O termo amicus curiae (ou amici curiae, no plural) é considerado, por alguns, como de origem romana, quando havia o consiliaurius, figura cuja intervenção, no entanto, só ocorria em caso de convocação do magistrado que atuaria em tal função, devendo esta ser neutra em face das partes (MENEZES, 2009, p. 36). Bueno assevera, no entanto, que suas origens remontam ao século XVII na Inglaterra, mas que só veio a ter sua aplicação ampliada em solo estadunidente. Referido autor, ressalte-se, entende ser inócuo buscar traduzir para o português o amicus curiae como “amigo/colaborador da corte”, até porque referido termo “não tem referencial na nossa história jurídica e, por isso, fica carente de verdadeira identificação” (BUENO, 2011, p. 113-114).
O que importa para o presente estudo, assim, é que se conceitue e se busque a natureza jurídica do amicus curiae, bem como o histórico de sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo no entendimento do STF.
Bueno apresenta um conceito bastante completo de tal espécie sui generis de intervenção de terceiro:
O amicus curiae deve ser entendido como um especial terceiro interessado que, por iniciativa própria (intervenção espontânea) ou por determinação judicial (intervenção provocada), intervém em processo pendente com vistas a enriquecer o debate judicial sobre as mais diversas questões jurídicas, portando, para o ambiente judiciário, valores dispersos na sociedade civil e no próprio Estado, que, de uma forma mais ou menos intensa, serão afetados pelo que vier a ser decidido, legitimando e pluralizando, com a sua iniciativa, as decisões tomadas pelo Poder Judiciário (BUENO, 2011, p. 115). (grifos do original)
Ressalta Medina (apud FONTE; CASTRO, 2013, p. 877) que o amicus curiae leva à tribuna os valores, os interesses dos grupos por ele representados. Como ressaltado por Bueno acima, uma das funções precípuas dos amici curiae é enriquecer o debate judicial, trazendo novas nuances para serem interpretadas e avaliadas pelo julgador.
De tradição tipicamente norte-americana, o amicus curiae foi, timidamente, introduzido no Brasil por meio do art. 31 da Lei 6.385/1976, o qual previa que a Comissão de Valores Mobiliários deveria sempre ser intimada para apresentar parecer ou esclarecimentos em processos que abordassem matéria de sua competência. Posteriormente, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica também teve a possibilidade de interferir, como assistente, em processos de seu interesse, conforme previa a, já revogada, Lei 8.884/1994 em seu artigo 89.
O amicus curiae passou a adquirir real envergadura quando foi previsto no Projeto de Lei 2.960/97, proposto pelo, à época, Ministro da Justiça Nelson Jobim, segundo o qual, a introdução da participação desse terceiro permitiria ao STF “decidir as causas com pleno conhecimento de todas as suas implicações ou repercussões” (BRASIL, Câmara dos Deputados, 1997, p. 10828). Referido projeto converteu-se na Lei 9.868/99, a Lei da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), que previu expressamente a intervenção de terceiros nos processos de controle concentrado de constitucionalidade:
Art. 7º. [omissis]
§1º. [omissis]
§2º. O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.
A Lei da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), Lei 9.882/99, semelhantemente, previu a oitiva de “pessoas com experiência e autoridade na matéria” em audiências públicas, permitindo ainda ao relator da ação autorizar a juntada de memoriais ou mesmo a sustentação oral dos interessados no processo (art. 6º, §§ 1º e 2º). Destaque-se que o procedimento de convocação e realização de audiências públicas no STF é regulamentado pelos arts. 13, XVII, 21, XVII e 154, parágrafo único, do Regimento Interno do STF (RISTF).
Feito esse breve incorso histórico, cumpre analisar os fundamentos jurídico-filosóficos que ensejaram sua criação.
3.2. A sociedade aberta dos intérpretes: amicus curiae como agente de pluralização na interpretação
Boa parte da doutrina moderna[6] entende que a tese sobre a “sociedade aberta dos intérpretes”, elaborada por Häberle em 1975, estabeleceu os fundamentos para que se criasse a figura do amicus curiae.
Häberle (1997, p. 12) critica o fato de que a interpretação constitucional sempre esteve mais vinculada a uma sociedade fechada de intérpretes, geralmente composta por juízes. Propõe referido autor que a interpretação deverá se dar pela e para uma sociedade aberta:
Propõe-se, pois, a seguinte tese: no processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes da Constituição (HÄBERLE, 1997, p. 13).
O doutrinador alemão, nesse sentido, crê que os critérios de interpretação constitucional serão tão mais abertos quanto mais pluralista for a sociedade. Lembra Häberle que, para a compreensão de sua tese, deve-se partir da ideia de que Teoria da Interpretação e Teoria da Democracia devem andar juntas, uma vez que os cidadãos que se sujeitam às normas constitucionais acabam, direta ou indiretamente, sendo intérpretes dessas:
Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este contexto é, indireta ou, até mesmo diretamente, um intérprete dessa norma. O destinatário da norma é participante ativo, muito mais ativo do que se pode supor tradicionalmente, do processo hermenêutico. Como não são apenas os intérpretes jurídicos da Constituição que vivem a norma, não detêm eles o monopólio da interpretação da Constituição (HÄBERLE, 1997, p. 15)
O catedrático da Universidade de Augsburg sugere, então, alguns dos possíveis participantes no processo de interpretação constitucional: a) requerente/recorrente e requerido/recorrido; b) outros participantes do processo, com direito à manifestação ou de integração à lide (algo como os terceiros interessados no sistema processual brasileiro); c) pareceristas ou experts; d) peritos e representantes de interesses (e.g. sindicalistas), associações, partidos políticos); e) grupos de pressão organizados (poderíamos entender como as organizações não governamentais, as igrejas, as associações e os representantes do Movimento dos Sem-Terra, do Movimento Passe Livre etc); e f) os requerentes ou partes nos procedimentos administrativos de caráter participativo (líderes comunitários em assembleias de orçamento participativo, por exemplo) (HÄBERLE, 1997, p. 21-22. Exemplos sugeridos por nós).
Tratando sobre como se daria, na prática, a atuação da sociedade aberta de intérpretes no processo constitucional, explana o autor:
Os instrumentos de informação dos juízes constitucionais – não apesar, mas em razão da própria vinculação à lei – devem ser ampliados e aperfeiçoados, especialmente no que se refere às formas gradativas de participação e à própria possibilidade de participação no processo constitucional (especialmente nas audiências e nas “intervenções”). Devem ser desenvolvidas novas formas de participação das potências públicas pluralistas enquanto intérpretes em sentido amplo da Constituição. O direito processual constitucional torna-se parte do direito de participação democrática (HÄBERLE, 1997, p. 47-48).
Tendo em vista as considerações de Häberle acima, é inafastável concluir sua grande importância na formação da doutrina acerca do amicus curiae. Comentando a obra do autor alemão, Coelho pugna pela plena participação da população na interpretação da norma constitucional:
Em suma, no contexto de um Estado de direito, que se pretende democrático e social, torna-se imperioso que a leitura da Constituição se faça em voz alta e à luz do dia, no âmbito de um processo verdadeiramente público e republicano, pelos diversos atores da cena institucional - agentes políticos ou não - porque, ao fim e ao cabo, todos os membros da sociedade política fundamentam na Constituição, de forma direta e imediata, os seus direitos e deveres.
[...] afigura-se conveniente que todos possam participar do jogo interpretativo, quando mais não seja para que não se animem a virar-lhe a mesa ou a contestar o seu resultado. Na medida em que são partículas da Constituição, como diria Lassalle, ou agentes conformadores da realidade constitucional e forças produtivas de interpretação, na linguagem de Häberle, esses segmentos sociais não podem ficar à margem do processo de revelação da vontade constitucional (COELHO, 1998, p. 158). (grifos do original)
Assim, mormente num contexto político global e brasileiro em que a população não mais aceita que as decisões sobre seu futuro sejam tomadas apenas nas altas cúpulas dos Três Poderes, a efetivação de uma sociedade aberta de intérpretes fará cada vez mais comum a intervenção do povo não somente na decisão das políticas públicas e legislativas, mas nas próprias decisões dos tribunais, através de tal nobre modalidade de intervenção e colocação de seus interesses em pauta: o amicus curiae.
3.3. Amicus Curiae no Poder Judiciário brasileiro: da participação nas ações de controle concentrado de constitucionalidade à sistematização de sua intervenção no Novo Código de Processo Civil
Uma vez verificada a importância do amicus curiae na efetivação de um Estado Democrático de Direito, cumpre tecer alguns comentários sobre sua atuação, precipuamente no STF e a possibilidade de sua extensão a todos os graus de jurisdição, conforme previsão no NCPC.
Leia-se o que dispõe o art. 138 do NCPC:
Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.
§ 1o A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do § 3o.
§ 2o Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae.
§ 3o O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas.
Primeiramente, verifica-se que o legislador infraconstitucional, considerando a importância de o amicus curiae ser utilizado em outros tipos de ações, mormente naquelas ligados a direitos coletivos, em seu sentido lato, passa a permitir que tal figura jurídica seja também utilizada pelos juízes de primeiro grau ou mesmo pelos tribunais estaduais, regionais e superiores, que não o STF e o STJ, já legitimados para convocar/aceitar amici curiae.
Ressalte-se que, na opinião de Gontijo e Silva (2010, p. 88) a própria existência de amicus curiae tem fundamento constitucional em diversos dispositivos da Constituição de 1988, quais sejam: art. 1º, II (cidadania); art. 1º, V (pluralismo político); art. 1º, parágrafo único (exercício dos poderes constitucionais diretamente pelo povo); art. 5º, IV (livre manifestação do pensamento); art. 5º, VIII (direito à livre convicção política e/ou filosófica); art. 5º, XIV (direito de acesso à informação); art. 5º, LIV (direito ao devido processo legal); art. 1º, parágrafo único c/c art. 103 (representação da legitimidade ativa na propositura de ações constitucionais). Todos esses direitos seriam concatenados por meio do princípio da unidade da Constituição, de forma que, pela própria interpretação constitucional, poder-se-ia estender a possibilidade de convocar essa espécie de terceiro interessado.
Em segundo lugar, vê-se que a intervenção do amicus curiae deve ocorrer quando a matéria específica em debate for relevante, havendo grande repercussão social na controvérsia: é o caso de, por exemplo, eventual ação popular movida por um pajé de tribo afetada pelas obras da usina em Belo Monte, uma ação movida por sindicato de trabalhadores de indústria química quanto à insalubridade de materiais manipulados pelos obreiros, uma ação de obrigação de não fazer movida por um grupo de escoteiros contra uma obra de construção de complexo de condomínios em área de preservação ambiental, um recurso especial envolvendo matéria previdenciária, tributária ou consumerista etc. Todos esses exemplos de ações e recursos podem ser reforçados pela solicitação ou admissão de intervenção de amici curiae, que poderão defender, aprimorar, reforçar ou rebater as teses de autor e réu, aquilatando o debate e fornecendo maiores e melhores subsídios ao magistrado de primeira a última instância para a formação de seu convencimento.
Nesse sentido, não há como negar que o amicus curiae acaba se tornando um “agente do contraditório”, aqui entendido de acordo com o modelo constitucional de direito processual civil, em que o contraditório tem o sentido de “cooperação”, “coordenação”, “colaboração” (BUENO, 2011, p. 115). Nesse sentido, arremata Santana (2012, p. 523):
O fortalecimento do contraditório figura ainda como sustentáculo legitimador do amicus curiae no sistema processual brasileiro, como modo de afirmação da cidadania. Ele permite a introdução de dados e argumentos, fazendo com que a corte medite sobre a realidade subjacente à causa e os efeitos da decisão. Auxilia, ainda, na missão de encontrar a “interpretação constitucional mais adequada para as normas discutidas. Atualmente, encontra-se consagrada no plano científico, a exigência de uma interpretação valorativa, a partir da análise globalizada do sistema (jamais de normas isoladas)”, atenuando o risco de preconceitos na aplicação do direito, favorecendo a formação de juízos mais abertos e ponderados.
Como se daria, na prática, essa intervenção do amicus curiae? Como se viu no subitem 3.1, supra, as leis que tratam sobre ADI e ADPF permitem a apresentação de memoriais, a sustentação oral e a participação em audiências públicas. Vale ressaltar, no entanto, que o entendimento do STF sobre tais formas de intervenção nem sempre foi pacífico[7]. O Supremo, hodiernamente, reconhece e louva a intervenção do amicus curiae Nesse sentido, leia-se decisão monocrática do Min. Gilmar Mendes, fazendo excelente explanação sobre a importância e utilidade do “amigo da corte”:
Evidente, assim, que essa fórmula procedimental constitui um excelente instrumento de informação para a Corte Suprema. Não há dúvida, outrossim, de que a participação de diferentes grupos em processos judiciais de grande significado para toda a sociedade cumpre uma função de integração extremamente relevante no Estado de Direito.
Em consonância com esse modelo ora proposto, Peter Häberle defende a necessidade de que os instrumentos de informação dos juízes constitucionais sejam ampliados, especialmente no que se refere às audiências públicas e às "intervenções de eventuais interessados", assegurando-se novas formas de participação das potências públicas pluralistas enquanto intérpretes em sentido amplo da Constituição (cf. Häberle, Peter. Hermenêutica Constitucional. A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: contribuição para a Interpretação Pluralista e "Procedimental" da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre, 1997, p. 47-48).
Ao ter acesso a essa pluralidade de visões em permanente diálogo, este Supremo Tribunal Federal passa a contar com os benefícios decorrentes dos subsídios técnicos, implicações político-jurídicas e elementos de repercussão econômica que possam vir a ser apresentados pelos "amigos da Corte". Essa inovação institucional, além de contribuir para a qualidade da prestação jurisdicional, garante novas possibilidades de legitimação dos julgamentos do Tribunal no âmbito de sua tarefa precípua de guarda da Constituição.
É certo, também, que, ao cumprir as funções de Corte Constitucional, o Tribunal não pode deixar de exercer a sua competência, especialmente no que se refere à defesa dos direitos fundamentais em face de uma decisão legislativa, sob a alegação de que não dispõe dos mecanismos probatórios adequados para examinar a matéria.
Entendo, portanto, que a admissão de amicus curiae confere ao processo um colorido diferenciado, emprestando-lhe caráter pluralista e aberto, fundamental para o reconhecimento de direitos e a realização de garantias constitucionais em um Estado Democrático de Direito. (destaques nossos)
(STF, ADI 3494/GO, Decisão Monocrática, Relator Min. Gilmar Mendes, julgado em 22/02/2006, publicado em 08/03/2006, p. 45)
Em razão desse caráter democrático do amicus curiae, é louvável saber que o art. 138 do NCPC prevê que a atuação deste não deve ocorrer somente quando por solicitação do “candidato” a amicus curiae, podendo acontecer também por requerimento das partes ou mesmo ex officio. Nesse diapasão, é importante aferir o grau de representatividade do “candidato”. Sobre o tema, leciona Bueno (2011, p. 118):
Ter representatividade adequada não significa que o amicus curiae precise levar ao processo a manifestação unânime daqueles que representa. A legitimação democrática que justifica a sua intervenção não é – e nem pode ser nas democracias representativas – sinônimo de unanimidade. O que se quer é debate sobre pontos de vista diversos, sobre valorações diversas em busca de consenso majoritário; não a unanimidade. É pertinente, nesse sentido, a lembrança da Súmula 630 do STF segundo a qual: “A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria”. (grifos do texto original)
Assim, comprovada a devida representatividade da entidade (um sindicato, uma associação, um partido político etc), nada impede que a mesma atue como amicus curiae. Ressalte-se que a lei faculta a participação de pessoas físicas como amicus curiae, medida esta irretocável, até porque vários experts, como pesquisadores e professores universitários podem trazer suas conclusões cientificas e práticas sobre o assunto em debate.
Sobre o §1º do art. 138 do NCPC, que informa que não há alteração de competência, Bueno (2011, p. 118) vê grande importância nele, uma vez que “eventuais entes federais que intervenham no processo para fornecer informações, dados, elementos, em suma, elementos de convicção, mas que não titularizam direito no processo, apenas interesse institucional, não são bastantes para o deslocamento da competência para a Justiça Federal”.
Assim, considera-se salutar a vontade de o legislador infraconstitucional aumentar a possibilidade de atuação do amicus curiae a outros processos que não os já previstos atualmente, de forma a permitir maior acesso do povo à arena de debates judiciais.
4 FORMAÇÃO DEMOCRÁTICA DE PRECEDENTES
4.1. Democracia e Poder Judiciário: da legitimidade dos juízes e da fundamentação das decisões
No Brasil e na maior parte dos países ocidentais, os juízes não são eleitos, como o são os chefes do Poder Executivo e os membros do Poder Legislativo. Os magistrados de primeiro grau são aprovados por meio de concurso público de provas e títulos (art. 93, I, da CRFB). O art. 94 da CRFB prevê, por outro lado, que um quinto dos desembargadores dos tribunais regionais e estaduais será proveniente da advocacia e do Ministério Público. O STJ e o TST também têm ministros vindos dessas classes (art. 104, II e 111-A, I, da CRFB). O único tribunal cujos membros são escolhidos “livremente”, considerando-se seu notável saber jurídico e sua reputação ilibada, é o STF.
É inegável que desde a promulgação da Constituição de 1988, o Poder Judiciário passou a ter maior protagonismo, até porque as demandas perante ele, em todas as suas instâncias, aumentaram sobremaneira. As respostas a essas demandas têm sido ora meramente formais (legalistas), ora ativistas, o que, de uma forma ou de outra, acaba por levantar o questionamento quanto à legitimidade democrática dos magistrados, uma vez que, a despeito de comporem um dos Três Poderes, não foram eleitos na mesma sistemática que os chefes do Poder Executivo e os parlamentares. Assim, o que confere o caráter democrático aos juízes?
Cappelletti (1993, p. 32 e ss.), abordando o crescimento do Direito Judiciário (ou Jurisprudencial), primeiramente, explana as razões de o “Terceiro Poder” ter alcançado tanta importância ao longo do século XX, o que também acontece no Brasil nos dias atuais. Segundo ele, a revolta contra o formalismo, resumido na figura do juiz “boca da lei”; a criação do Estado do Bem-Estar Social (Welfare State), com o conseqüente aumento da legislação social[8] e dos direitos sociais; o aumento de ações de interesse coletivo (de caráter ambiental, sindical e consumerista, e.g.) e a crise (inclusive de legitimidade[9]) dos Poderes Executivo e Legislativo acabou por fortalecer o Poder Judiciário, chamado de “Terceiro Gigante” pelo doutrinador italiano. Nesse sentido, leia-se a opinião do autor:
[...] assistir-se-á então ao emergir do judiciário como um “terceiro gigante” na coreografia do estado moderno. Os tribunais judiciários ordinários – o “ramo menos perigoso”, segundo a célebre definição de Alexander Hamilton – passaram com audácia a aceitar a tarefa de ultrapassar o papel tradicional de decidir conflitos de natureza essencialmente privada. Todos os juízes, e não apenas alguns daqueles novos juízes especiais (ou “quase-judiciais”), tornaram-se, dessa maneira, os controladores não só da atividade (civil e penal) dos cidadãos, como também dos “poderes políticos”, nada obstante o enorme crescimento destes no estado moderno, e talvez justamente em virtude desse crescimento.
Certamente, o surgimento de um dinâmico terceiro gigante, como guardião e controlador dos poderes políticos do novo estado leviatã, constitui por si mesmo um acontecimento não unânime aos riscos de perversão e abuso. Existe, antes, certa semelhança entre esses riscos e os decorrentes de outras manifestações do gigantismo estatal, de natureza legislativa ou administrativa: riscos de autoritarismo, lentidão e gravosidade, de inacessibilidade, de irresponsabilidade, de inquisitoriedade policialesca (CAPPELLETTI, 193, p. 49).
É justamente em razão dessa expansão dos poderes e da responsabilidade do Judiciário que podem ocorrer os desvios acima referidos, tão típicos dos gestores públicos e dos parlamentares. Ocorre que, diferentemente destes, os juízes, no Brasil, não têm seu cargo por prazo determinado, mas, sim, vitalício (art. 95, I, da CRFB) e sua punição mais grave, em regra, é a aposentadoria compulsória (art. 42, V, da LC 35/1979). Mais uma vez vem o questionamento: o que confere legitimidade aos juízes, mormente num contexto de atuação ativista dos julgadores?
Cappelletti vem em defesa dos magistrados, levantando argumentos que comprovam sua legitimação democrática, dos quais, considerando a realidade brasileira, listamos os seguintes:
a) “Os cientistas políticos amplamente demonstraram que, mesmo no melhor dos mundos possíveis, a liderança legislativa e executiva, embora tradicionalmente considerada ‘diretamente responsável pelo povo’, nunca constitui, diferentemente do judiciário, perfeito paradigma de democracia representativa” (CAPPELLETTI, 1993, p. 94);
b) Tendo por exemplo a constante renovação (e oxigenação) do quadro de juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos (o que também ocorre no caso do STF), verifica-se que a filosofia política da corte “nunca permanece por muito tempo em contraste com a filosofia prevalecente nas maiorias políticas no poder dentro do país” (DAHL apud CAPPELLETTI, 1993, p. 96-97);
c) Diferentemente de quando levam suas demandas ao Executivo ou ao Legislativo[10], os membros de minorias têm melhor e maior acesso ao Poder Judiciário que, considerando o princípio da igualdade em sua faceta material (positiva), podem mais facilmente garantir que essas minorias sejam ouvidas e tenham seus pedidos acolhidos;
d) As regras e princípios de acesso à justiça (princípios da inércia, da imparcialidade e do contraditório[11]) acabam por conferir a legitimidade democrática aos juízes. Nesse sentido, conclui Cappelletti (1993, p. 105):
Em conclusão e síntese deste quarto argumento, pode-se dizer, portanto, que, embora a profissão ou a carreira dos juízes possa ser isolada da realidade da vida social, a sua função os constrange, todavia, dia após dia, a se inclinar sobre essa realidade, pois chamados a decidir casos envolvendo pessoas reais, fatos concretos, problemas atuais da vida. Neste sentido, pelo menos, a produção judiciária do direito tem a potencialidade de ser altamente democrática, vizinha e sensível às necessidades da população e às aspirações sociais. Trata-se, repito, de uma potencialidade que, contudo, necessita de certas condições para se tornar realidade. Examinei em outro lugar quais condições entendia, e ainda entendo, serem vitais. A primeira radica-se no sistema de seleção dos juízes, que deve ser aberto a todos os extratos da população, mesmo se inevitáveis certos requisitos de educação. A segunda é que todos tenham igual oportunidade de acesso aos tribunais.
e) O Poder Judiciário será tão ou mais democrático, quanto maior for o respeito à democracia e aos direitos fundamentais, agindo o “Terceiro Poder” como o fiel da balança no sistema de checks and balances[12].
Acrescentaríamos ao rol acima o fato de que nossa Carta Magna prevê que os julgamentos do Poder Judiciário “serão públicos e fundamentadas as suas decisões, sob pena de nulidade” (inciso IX do art. 93 da CRFB). Entende-se que a publicidade e, principalmente, o dever de fundamentação são elementos essenciais para conferir legitimidade democrática ao Poder Judiciário.
Ocorre que, pelas dimensões continentais do Brasil e outros fatores expostos no tópico a seguir, há vários tipos de fundamentação para dar ou negar provimento a casos semelhantes, seja em tribunais distintos, seja, dentro dos próprios tribunais, ou pior, de suas turmas, câmaras ou seções.
4.2. Da formação, revisão e superação da jurisprudência brasileira e da necessidade de respeito à igualdade e à segurança jurídica como forma de garantir a confiança na estabilidade das decisões
O Brasil é um país de estrutura judiciária gigantesca: possui cinco tribunais superiores, cinco tribunais regionais federais, vinte e sete tribunais estaduais e regionais eleitorais, vinte e quatro tribunais regionais do trabalho e três tribunais de justiça militar. São mais de noventa e cinco milhões de processos em trâmite, analisados por mais de dezesseis mil juízes[13]!
Em razão dessas proporções colossais, é inegável que é de interesse de todos – magistrados, políticos, empresários e população, em geral – que a referida carga de processos seja reduzida, inclusive em cumprimento ao princípio da razoável duração do processo, incluído na Constituição pela Emenda Constitucional 45/2004 através do inciso LXXVIII do art. 5º da CRFB.
É a busca pela efetividade e eficiência processual. Com base em Taruffo, os processualistas Theodoro Jr., Nunes e Bahia (2010, p. 21) afirmam que a eficiência pode ser quantitativa e qualitativa. A primeira tem a ver com a “velocidade dos procedimentos e redução de custos, na qual quanto mais barata e rápida a resolução dos conflitos, maior eficiência seria obtida, sendo a qualidade do sistema processual e de suas decisões um fator de menor importância”. Já a segunda, de outra banda, busca “a qualidade de técnicas processuais adequadas, corretas, justas, equânimes e, complementaríamos, democráticas para aplicação do direito”.
Para dar cabo de tantos processos, o Poder Judiciário tem buscado a padronização decisória, por meio de uniformização de sua jurisprudência. Esse é um, se não o principal, dos motes do Novo Código de Processo Civil. Nesse sentido, os arts. 926 e 927 do NCPC, já abordados anteriormente.
Atualmente essa busca de celeridade na tramitação dos processos pela padronização decisória já é prevista em dispositivos do CPC vigente, tais como o julgamento liminar da lide (art. 285-A, do CPC) e a negativa de subida de apelação contra sentença que seguiu entendimento sumulado por STF e/ou STJ (art. 518, §1º, do CPC). Há também outros exemplos do que se convencionou chamar de “jurisprudência defensiva”[14]: súmulas, súmulas vinculantes, repercussão geral, recursos extraordinário e especial repetitivos etc.
Alertam Theodoro Jr., Nunes e Bahia, todavia, que essa busca de padronização por “decisões padrão”, aproximando o sistema de civil law brasileiro ao já consolidado common law, não pode ser feita de forma açodada:
Nesses termos, percebe-se que nem em países nos quais é tradicional o uso de precedentes pode haver sua utilização mecânica sem a reconstrução do histórico de aplicação decisória e sem se discutir sua adaptabilidade, mesmo que se busque tal desiderato embasado em uma lógica tacanha da aplicação da igualdade.
[...]
E, dentro dessa tônica, uma das questões mais tormentosas é a tendência técnica de criação de mecanismos de padronização decisória para a resolução quantitativa das demandas seriais.
[...] se busca, mediante um pressuposto exegeta, padronizar comportamentos mediante decisões padrão que não conseguirão e não conseguem (como os grandes Códigos do século XIX não conseguiram) fechar o mundo nos textos (antes os Códigos, hoje as decisões padrão).
E aqui se deve pontuar, não se pretende negar o fenômeno da convergência de sistemas (common law e civil law), mas, entendê-lo, adaptá-lo e aplicá-lo de modo eficiente e legítimo (efetivo) em nosso país, com olhar acurado em nossas especificidades – e, inclusive, aprendendo com os erros e acertos trazidos por nossa experiência e pela de outros países. (THEODORO JR.; NUNES; BAHIA, 2010, p. 29-30)
A pressa em firmar “uma jurisprudência consolidada, pacífica, unânime” é tanta que, muitas vezes, os tribunais acabam se sentindo compelidos a rever decisões feitas sem um acurado debate. Para que haja, então, verdadeiro respeito à igualdade e à segurança jurídica por parte dos tribunais e, por outro lado, para que se possa corretamente empregar a sistemática de formação e de respeito a precedentes, os juízes, de primeira à última instância, deverão dar maior importância à fundamentação de suas decisões (eis que a ratio decidendi é deles extraída), do que simplesmente ao dispositivo, acórdão ou ementa de acórdão. Nesse azo, salutar a recomendação de Redondo (2013, p. 409):
A fundamentação de cada decisão judicial passa a conter, assim, não apenas um discurso voltado para o caso concreto (isto é, a solução individual, particular, concreta), mas também um discurso para a ordem jurídica e para a sociedade (fixação da ratio decidendi, tese jurídica do precedente da qual emanará a norma geral e abstrata). (destaques do original)
Conclui-se, assim, que a busca por maior uniformização do entendimento dos tribunais deverá ser realizada de maneira parcimoniosa, com amplo debate entre magistrados, partes, franqueando-se, outrossim, que o debate possa ser complementado por meio de “realização de audiências públicas e a participação de pessoas, órgãos ou entidades” (§2º do art. 927 do NCPC) – ou seja, franqueando a participação de amici curiae.
4.3. Da participação do amicus curiae nos debates de formação, revisão e superação da jurisprudência: da abertura do Poder Judiciário à democratização da análise dos precedentes
Até este momento, analisou-se a importância de o Brasil adotar uma sistemática de organização e coordenação de sua jurisprudência à luz de uma teoria dos precedentes temperada, considerando os acertos e desacertos dos sistemas de common law e civil law, bem como as particularidades do sistema judiciário brasileiro. De outro lado, constatou-se a importância de um especial tipo de intervenção de terceiros: o amicus curiae, cuja formatação atual provém dos Estados Unidos, devendo o “amigo da corte” participar em processos de relevante interesse da população em geral.
Pelo fato de se ver, comumente, o Poder Judiciário como um poder hermético, fechado, cresceu a preocupação não somente da academia, mas também do povo em como se formam os precedentes, questionando sua legitimidade.
Com base na moderna doutrina processualista e constitucionalista brasileira, conclui-se que a adoção, de maneira mais sistemática, de audiências públicas, com a oitiva de órgãos, associações, sindicatos, universidades e pesquisadores interessados em fomentar o debate poderá, justamente, conferir esse caráter de legitimidade democrática aos precedentes e, por conseguinte, ao próprio Poder Judiciário.
Vale destacar que a própria doutrina americana de stare decisis deve muito à intervenção de pessoas que tentavam demonstrar, por meio do distinguishing que o caso concreto de um precedente não seria aplicável ao caso concreto objeto da lide.
Era necessário que o precedente tivesse uma generalidade tal que pudesse se aplicar a todos os casos que se assemelhassem. Atingir essa generalidade era a tarefa mais complicada. Foi preciso construir um aporte ideológico que viabilizasse a aplicação do precedente, o que, de certo modo, adequou-se à ideia de stare decisis.
O Estado que decide de um modo em determinado caso, para ser justo (entendida aqui a justiça como isonomia), precisa aplicar o mesmo entendimento em caso semelhante. O princípio democrático, conformador da igualdade entre os pares, não poderia levar a outra noção, isso porque, desde a concepção clássica de igualdade aristotélica, o tratamento igualitário deveria ser dado aos iguais e a desigualdade seria justa se aplicada em situações de desigualdade. Assim, é em conformidade com a noção de stare decisis que se passa a pensar o amicus curiae (CARVALHO, 2012, p. 8833).
Ressalte-se que, presentemente, a atuação do amicus curiae restringe-se ao STF e ao STJ, podendo ser utilizado em alguns outros procedimentos infraconstitucional, como no pedido de uniformização das Turmas Nacionais de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (art. 14, §7º da Lei 10.259/2001) ou no julgamento de incidentes de argüição de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo (art. 482, §3º, do CPC). A doutrina, no entanto, opõe-se à restrição à atuação dos amici curiae apenas ao ao STF e ao STJ:
Desta forma, com base em precedentes do Supremo Tribunal Federal, podemos concluir que a intervenção do amicus curiae em todos os processos cujas decisões possam resultar em precedentes para casos futuros, em especial aqueles relacionados aos Recursos Especiais repetitivos, repercussão geral em Recurso Extraordinário e todos os leading cases, deve ser admitida, com um contraditório real, que permita ao amicus sustentar suas razões e ver essas razões sendo consideradas pelo Tribunal no julgamento. Entendemos ainda que é absolutamente desnecessária a previsão legal do ingresso do amicus, posto que é regra decorrente diretamente da Constituição, razão pela qual não deve ser afastada a possibilidade de democratizar a decisão que vai atingir casos futuros (NOGUEIRA, 2012, p. 101-102)[15].
A possibilidade de levar novos argumentos ao julgador pelo amicus curiae, podendo este “produzir ou requerer provas, diligências, participar de audiências públicas, apresentar recursos, oferecer memoriais, fazer sustentações orais etc” (SANTANA, 2012, p. 514) acaba por qualificar a decisão judicial, a qual alcançará maior legitimidade e, por considerar todas as nuances, inclusive aquelas que sequer foram trazidas pelas partes originais do processo, certamente poderá originar um precedente a ser respeitado em futuras decisões cujo caso concreto se assemelhe ao da decisão paradigma.
Impende lembrar que a figura de um juiz solipsista, que julgue sozinho não somente é visão ultrapassada, como não recomendável ou mesmo impossível de acontecer na atualidade[16]. No corrente século a dialogicidade é algo inarredável na interpretação não somente da Constituição, mas de todo o ordenamento jurídico.
Por tudo isso, vê-se que é inegável que a participação do amicus curiae acaba conferindo legitimidade ao Poder Judiciário, como bem lembrou o Ministro Celso de Mello:
PROCESSO OBJETIVO DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO - POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO "AMICUS CURIAE": UM FATOR DE PLURALIZAÇÃO E DE LEGITIMAÇÃO DO DEBATE CONSTITUCIONAL. - O ordenamento positivo brasileiro processualizou, na regra inscrita no art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99, a figura do "amicus curiae", permitindo, em conseqüência, que terceiros, desde que investidos de representatividade adequada, sejam admitidos na relação processual, para efeito de manifestação sobre a questão de direito subjacente à própria controvérsia constitucional. A intervenção do "amicus curiae", para legitimar-se, deve apoiar-se em razões que tornem desejável e útil a sua atuação processual na causa, em ordem a proporcionar meios que viabilizem uma adequada resolução do litígio constitucional. - A idéia nuclear que anima os propósitos teleológicos que motivaram a formulação da norma legal em causa, viabilizadora da intervenção do "amicus curiae" no processo de fiscalização normativa abstrata, tem por objetivo essencial pluralizar o debate constitucional, permitindo, desse modo, que o Supremo Tribunal Federal venha a dispor de todos os elementos informativos possíveis e necessários à resolução da controvérsia, visando-se, ainda, com tal abertura procedimental, superar a grave questão pertinente à legitimidade democrática das decisões emanadas desta Suprema Corte, quando no desempenho de seu extraordinário poder de efetuar, em abstrato, o controle concentrado de constitucionalidade (STF, Pleno, ADI 2123 MC/DF, Relator Min. Celso de Mello, julgado em 25/10/2000, publicado em 10/06/2005, p.4).
Assim, os precedentes formados após amplo debate entre as partes e o juízo, contando com a essencial ajuda do amicus curiae nesse “contraditório institucionalizado” (BUENO, 2011, p. 115), acabam permitindo que a decisão cuja fundamentação aborda os itens discutidos possa se tornar não somente um precedente, mas um precedente legítimo e democrático, garantindo uma maior abertura democrática do Poder Judiciário aos anseios do povo.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O NCPC se propõe a imprimir maior celeridade ao trâmite e ao julgamento dos processos. Várias ideias e métodos para a concretização desse valor são sugeridas, dentre eles os incidentes de resolução de demandas repetitivas. A busca pela celeridade e pela efetividade processual acabam fazendo com que o legislador busque soluções no milenar (mais ainda em desenvolvimento) sistema do common law, aproximando do civil law “tupiniquim”, sem, no entanto, realizar as devidas adaptações às particularidades de uma nação de proporção continental, com mais de noventa e cinco milhões de processos em trâmite.
Por um lado, vê-se que a cultura jurídica brasileira de sistematização e respeito aos precedentes ainda engatinha, seja pelas partes, seja pelos juízes. Por outro lado, vê-se que a recente democracia brasileira tem sido questionada, porque, a despeito de formalmente democráticos, o Executivo e o Legislativo pouco têm dado ouvidos aos anseios da população, o que acabou por gerar a recente série de protestos populares, iniciados pela luta por redução do preço das passagens dos transportes públicos em 2013, chegando às diversas manifestações a favor e contra o Governo Federal com o avanço da Operação Lava Jato. Tudo isso trouxe uma miscelânea de demandas reprimidas pela sociedade ou a que o Governo pouco dava importância.
Enfim, parece que a abertura ao diálogo e à participação popular na criação de leis e na gestão pública é um caminho sem volta. Por outro lado, o Poder Judiciário precisa se adaptar a uma abertura democrática. Em resposta a tal problemática, é proposta pelo jusfilósofo alemão Häberle, considerando argumentos de Habermas, a ideia de uma sociedade aberta de intérpretes, em que todas as pessoas, e não somente os juízes, realizam a interpretação da Constituição (no caso específico da tese de Häberle) e de outras leis. A doutrina majoritária entende que o amicus curiae, especial tipo de terceiro interessado, tem suas origens doutrinárias em tal tese.
Isso posto, pugna-se que, quando da solução de demandas que tenham grande impacto sobre a sociedade, a economia, a cultura, passe-se a se utilizar a figura de amicus curiae, uma vez que: 1) o amicus curiae proporciona uma abertura ao diálogo, auxiliando o julgador na formação de seu convencimento; 2) essa intervenção de terceiros sui generis propicia uma abertura democrática, pois permite que associações, universidades, estudiosos e quaisquer outros interessados possam influir na formação das decisões; 3) a decisão prolatada com base na opinião dos amici curiae, além das próprias partes, alcança maior legitimidade democrática e respeitabilidade perante a sociedade; 4) a mesma decisão, além de se basear na opinião dos amicus curiae, pode tomar em conta e influenciar os precedentes formados por juízes e tribunais no Brasil, de forma que a jurisprudência a ser formada será duplamente valorizada: tanto por se basear no anseio popular, quanto na formação da jurisprudência.
Tomando tais providências, eventual crise de legitimidade democrática pela qual possa passar o Poder Judiciário será suplantada por uma jurisprudência que respeita os princípios da segurança jurídica e da igualdade, mantendo, assim, a estrutura estatal e respeitando os direitos fundamentais.
REFERÊNCIAS
ABBOUD, Georges. Precedente judicial versus jurisprudência dotada de efeito vinculante – A ineficácia e os equívocos das reformas legislativas na busca de uma cultura de precedentes. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). Direito Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 491-552.
BORGES, Lara Parreira de Faria. Amicus curiae e o projeto do Novo Código de Processo Civil – Instrumento de aprimoramento da democracia no que tange às decisões judiciais. Porto Alegre, ano 1, v. 1, n. 4, out. 2011. Disponível em: <http://www.temasatuaisprocessocivil.com.br/edicoes-anteriores/51-v1-n-4-outubro-de-2011-/154-amicus-curiae-e-o-projeto-do-novo-codigo-de-processo-civil-instrumento-de-aprimoramento-da-democracia-no-que-tange-as-decioes-judiciais>. Acesso em: 29 jul. 2013.
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NOTAS DE FIM
[1] Sobre esse incurso histórico, conferir: RAATZ, 2011, p. 181 e ss.
[2] Adverte Marinoni (2011 apud MITIDIERO, 2012, p. 71) que “para constituir precedente, não basta que a decisão seja a primeira a interpretar a norma. É preciso que a decisão enfrente todos os principais argumentos relacionados à questão de direito posta na moldura do caso concreto. Até porque os contornos de um precedente podem surgir a partir da análise de vários casos, ou melhor, mediante uma construção da solução judicial da questão de direito que passa por diversos casos”.
[3] Para Redondo (2013, p. 412), há, na verdade, o que se pode chamar de distinguish-método, a técnica em si de comparação entre paradigma e paragonado, e distinguish-resultado, na qual ao resultado do primeiro, quando se constata a diferença, não se aplica o paradigma. Além disso, afirma que restrictive e ampliative distinguishing seriam espécies de distinguish-resultado, sendo quem no primeiro, em razão da liberdade do julgador em apreciar o caso, há atividade criadora e, no segundo, por se manter a aplicação do precedente, atividade legislativa.
[4] “Espécie de revogação preventiva, por órgãos inferiores, do precedente firmando por Corte superior, nos casos em que esta última, embora sem dizê-lo expressamente, altera o seu posicionamento quanto a precedente outrora firmado” (TUCCI apud DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2008, p. 355).
[5] Remete-se o leitor ao item 4.2. Adiante-se, de qualquer forma, a opinião de Santos (2012, p. 137-138): “Não acredito que devamos simplesmente ‘importar’ uma teoria do precedente formulada para a realidade do common law, adaptando para o nosso contexto aquilo que lá representariam seus institutos fundamentais. [...] Em meu sentir, temos para com o precedente uma relação ontologicamente distinta daquela desenvolvida no common law. Embora esse não seja o objeto deste ensaio, uma das diferenças que me parecem essenciais entre esses dois mundos, é o de que, em nosso ordenamento (assim como de modo geral nos ordenamentos de civil law) o precedente judicial conta com natureza eminentemente interpretativa. Isto é, representa, como regra, a interpretação e aplicação da lei por parte de determinado órgão judicial. Deve servir, por isso, como orientação de como a mesma regra jurídica deverá ser interpretada quando esse ou outro órgão judicial se depare com situação semelhante no futuro. Digo mais: serve até para o próprio cidadão ter para si qual seria a interpretação mais adequada para determinado dispositivo de lei e, com isso, pautar sua conduta individual”.
[6] Nesse sentido, confira-se: COELHO, 1998, p. 157 e ss.; SILVA, 2008, p. 22 e ss; CARVALHO, 2012, p. 8831 e ss. etc.
[7] Sobre o tema, recomenda-se a leitura do acalorado debate entre os Ministros do STF quando da discussão, em sede de questão de ordem na ADI 2223, da possibilidade de sustentação oral pelo amicus curiae, à época representado pelo atualmente Min. Roberto Barroso, mesmo após a promulgação da Lei 9.868/99. Na ocasião, restou inadmitida a sustentação oral, vencidos os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio e Nelson Jobim, que votaram pela possibilidade de sustentação oral pelo amicus curiae. (STF, Pleno, ADI 2223 MC/DF, Relator Min. Maurício Corrêa, julgado em 10/10/2002, publicado em 05/12/2003, p. 18).
[8] “Pouco a pouco, emergiu um novo tipo de legislação: as leis indicam certas finalidades ou princípios, deixando a especificação a normas subordinadas, a decisões de ministros ou autoridades regionais ou locais, ou aos cuidados de novas instituições, como agêcnias, comitês, tribunais administrativos etc”. (CAPPELLETTI, 1993, p. 40-41).
[9] “Os sistemas representativos de governo andavam orgulhosos do convencimento de incorporar, pela sua própria natureza, o consenso dos governados: o povo vivia sob o império da lei por ele mesmo estabelecida, por meio de representantes por ele eleitos. Mas hoje (...) tornou-se extremamente longo e sutil o fio que une o voto dado pelo cidadão, para a eleição de membro do parlamento, com as numerosas decisões da autoridade pública, que exercem os seus efeitos sobre a esfera daquele cidadão; é necessária muita força de imaginação para pensar que tais decisões estejam baseadas numa lei que, no ápice, as tenha autorizado. Assim, o cidadão fica sempre mais em dúvida quanto à ‘legitimação’ dessas decisões. E esta posição de dúvida é um fenômeno (...) que pode ser encontrado em todos os países industrializados do Ocidente”. (KOOPMANS apud CAPPELLETTI, 1993, p 45-46)
[10] “São exatamente esses grupos marginais, grupos que acham impossível procurar acesso nos poderes “políticos”, que a Corte pode melhor servir (...) Enquanto, efetivamente, são essencialmente políticos os poderes da Corte, pelo que os grupos marginais podem aguardar por parte da Corte o apoio político que não estão em condições de encontrar em outro lugar, os procedimentos da Corte, pelo contrário, são judiciários. Significa isso que tais procedimentos se baseiam no debate em contraditório (“adversary”) entre as duas partes, vistas como indivíduos iguais; dessa forma, os grupos marginais podem esperar audiência muito mais favorável de parte da Corte do que de organismos que, não sem boa razão, olham além de individuo, considerando em primeiro lugar a força política que pode trazer à arena” (CAPPELLETTI, 1993, p. 99).
[11] “Lembro, mais uma vez, as regras fundamentais de antiga sapiência, que imprimem ao processo judiciário a sua natureza única: a regra, segundo a qual, a função jurisdicional não pode ser exercida senão a pedido da parte, e aquela, segundo a qual, o juiz não pode ficar sujeito a pressões parcializadas e deve garantir o contraditório das partes. Pois bem, entendo que justamente no respeito a essas regras fundamentais está a melhor garantia da legitimidade democrática da função judiciária” (CAPPELLETTI, 1993, p. 101-102).
[12] “Essa última conclusão pode ser reforçada por um quinta e ultima consideração. Há poucos observei como apenas em sistemas democráticos de governo os direitos do homem têm a chance de serem respeitados. Contudo, o inverso também se mostra verdadeiro: a democracia não pode sobreviver em um sistema em que fiquem desprotegidos os direitos e as liberdades fundamentais. E como notei em outra parte deste ensaio, citando eminente economista, “a preservação da liberdade exige a eliminação (da) concentração de poder (...) e a (...) distribuição do tanto de poder que não possa ser eliminado, vale dizer, um sistema de checks and balances.
Parece bem evidente que a noção de democracia não pode ser reduzida a uma simples ideia majoritária. Democracia, como vimos, significa também participação, tolerância e liberdade. Um judiciário razoavelmente independente dos caprichos, talvez momentâneos, da maioria, pode dar uma grande contribuição à democracia; e para isso em muito pode colaborador um judiciário suficientemente ativo, dinâmico e criativo, tanto que seja capaz de assegurar a preservação do sistema de checks and balances, em face do crescimento dos poderes políticos, e também controles adequados perante os outros centros de poder (não governativos ou quase-governativos), tão típicos das nossas sociedades contemporâneas” (CAPPELLETTI, 1993, p. 106-107).
[13] Dados de 2014, colhidos no Relatório Justiça em Números do CNJ, disponíveis em: < ftp://ftp.cnj.jus.br/Justica_em_Numeros/relatorio_jn2014.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2015.
[14] Segundo o Min. aposentado do STJ, Humberto Gomes de Barros, jurisprudência defensiva consiste “na criação de entraves e pretextos para impedir a chegada e o conhecimento dos recursos que lhe são dirigidos” (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2008).
[15] Em complemento a essas considerações, vale lembrar a sempre arguta opinião de Bueno (2008, p. 68-69): “Nessas condições, a figura amicus curiae parece-nos uma forma – dentre outras tantas em que se poderia pensar – de favorecer esse necessário e inadiável diálogo. Mais ainda quando, em forma crescente, as decisões judiciárias, mormente, mas não exclusivamente, as derivadas dos tribunais superiores, tendem a vincular as instâncias inferiores, a Administração Pública e, consequentemente, toda a sociedade civil. Que não se trate, em qualquer caso, de uma vinculação jurídica, ainda excepcional entre nós, mesmo depois da Emenda Constitucional n. 45 /2004. Mas a vinculação “fática”, “não jurídica”, meramente, persuasiva, é, por si só, fator que deve chamar a atenção do processualista. Ainda mais quando a existência de uma súmula ou de mera “jurisprudência predominante” é capaz de abreviar o procedimento jurisdicional, desde o primeiro grau de jurisdição, para o atingimento de uma mesma decisão”.
[16] “Michelman critica a concepção monológica de Dworkin da tomada de decisão judicial nos seguintes termos: ‘O que se encontra ausente é o diálogo. Hércules... é um eremita. Ele é por demais heróico. Suas construções narrativas são monológicas. Ele não dialoga com ninguém, senão através de livros. Não tem enfrentamentos. Não encontra com ninguém. Nada o abala. Nenhum interlocutor viola a inevitável insularidade de sua experiência e postura. Hércules, no entanto, é apenas um homem e nenhum homem ou mulher poderia ser tudo isso. Dworkin produziu uma apoteose do juízo revisional sem atentar para o que parece ser a característica mais notável da corte revisional, a sua pluralidade’” (HABERMAS apud BORGES, 2011).
Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp (2013). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (2011). Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, Matheus Alves do. Amicus curiae e a abertura do Poder Judiciário à democratização na uniformização e na revisão da jurisprudência: uma proposta à luz do novo Código de Processo Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 abr 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46449/amicus-curiae-e-a-abertura-do-poder-judiciario-a-democratizacao-na-uniformizacao-e-na-revisao-da-jurisprudencia-uma-proposta-a-luz-do-novo-codigo-de-processo-civil. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
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