RESUMO. Analisa a questão da responsabilidade civil do Estado quando praticado sob a modalidade omissiva perante a lacuna legislativa existente. Assim, traçar um perfil de como se identifica essa responsabilidade e o modo de indenização. Abordando a origem histórica desse conceito de responsabilidade até chegar aos tempos hodiernos, no qual há uma separação entre responsabilidade estatal objetiva e a subjetiva. Busca-se apoio nos conceitos doutrinários, uma análise, da jurisprudência das altas cortes brasileiras e um embasamento legal para justifica-lo.
Palavras-chave: Responsabilidade estatal. Omissão. Indenização.
1 INTRODUÇÃO
Com a crescente problemática social, os gestores devem atentar, cada vez mais, para seus atos e bem utilizar econômica e eficientemente os recursos públicos. Entretanto, o que se percebe no Brasil, ultimamente, é que algumas cidades recebem verbas para empregar, por exemplo, no controle da endemia da dengue, e, simplesmente, não aplicam ou aplicam mal, portanto, e mais uma vez, a sociedade é que sofrerá os prejuízos dessa má gestão. Apenas por esse mero exemplo, já se identifica que o conceito de uma responsabilização objetiva já não se adéqua perfeitamente em alguns exemplos, sendo necessário o aprofundamento dos estudos da responsabilização pelo motivo da omissão.
Com a teórica lacuna legal, o campo da responsabilização por omissão, ainda, é muito tímido, carecendo de maiores estudos e detalhamentos. Procura-se aprofundar esse estudo com a análise detalhada de vários autores e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, bem como do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Dessa forma, busca-se, ao tempo em que se explica cada conceito, exemplificar e enriquecer o conhecimento nesse campo. Assim, permite-se ao intérprete o seu correto manejo.
Esforça-se por demonstrar a problemática envolvida nesse assunto, quanto ao problema da indenização. Se a cada pequeno problema, advindo do cotidiano, o magistrado conceder a indenização sem ter uma correta prova do nexo causal, os recursos destinados aos investimentos poderão ser comprometidos e, por conseguinte, afetar o desenvolvimento do Estado por causa do pagamento de tantas indenizações. É forçoso admitir que não se pode, simplesmente por esse argumento, refrear as indenizações por obstar o desenvolvimento estatal, mas que cada caso deva ser analisado detalhadamente, para que não ocorra injustiças e o dinheiro, que deveria ser utilizado numa determinada área essencial (saúde, educação, construção e melhoria da infraestrutura) seja desviado para o pagamento de indenizações que não possuam uma boa fundamentação e um bom direito.
2 RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL NO BRASIL
Nesse tópico, será aprofundado o estudo relativo à Responsabilidade Extracontratual do Estado no Brasil, com o objetivo de indicar qual das teorias foi a adotada pela Constituição e as suas repercussões jurídicas. Principalmente, a problemática quanto à adoção da responsabilidade civil nos casos de omissão. Como se perceberá adiante, não há uma paz reinante na doutrina e jurisprudência como no campo da incidência da responsabilidade objetiva. Importante estudar, também, quais os pilares de cada tipo de responsabilidade, bem como os pressupostos legais, além de uma análise concomitante com a jurisprudência nos tribunais pátrios superiores.
2.1 Teoria adotada no Brasil
A teoria, adotada pela Constituição da República Federativa de 1988, foi a objetiva. Ela advém do art. 37, § 6º da CRFB de 1988:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Passa-se à análise dos elementos contidos nesse texto constitucional. Em princípio, observam-se quais pessoas são responsáveis: as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos. Quanto às pessoas de direito público, o art. 41 do Código Civil de 2002 informa quais são: União, Estados, Distrito Federal e Territórios, Municípios, autarquias, associações públicas e aquelas de caráter público que sejam criadas por lei. Quanto às pessoas de direito privado, foi acrescentado pela Constituição de 1988, antes não era observada esse tipo de regra. Isso acabou alargando o campo de incidência da responsabilidade objetiva. Examina-se a lição de CARVALHO FILHO (2007, p. 478) quanto a esse assunto:
A segunda categoria constituiu inovação no mandamento constitucional – as pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos. A intenção do Constituinte foi a de igualar, para fins de sujeição à teoria da responsabilidade objetiva, as pessoas de direito público e aquelas que, embora com personalidade jurídica de direito privado, executassem funções que, em princípio, caberiam ao Estado. Com efeito, se tais serviços são delegados a terceiros pelo próprio Poder Público, não seria justo nem correto que a só delegação tivesse o efeito de alijar a responsabilidade objetiva estatal e dificultar a reparação de prejuízos pelos administrados.
Muito esclarecedor o trecho acima. Portanto, se observa que, pela dicção constitucional, devem ser incluídas todas aquelas pessoas de direito privado, não importando o tipo de contrato que os liga ao Estado – concessão, permissão, parceria público-privada – o que importa é o vínculo jurídico assumido entre tais pessoas e o Estado. Assume-se que elas acataram o risco administrativo por aceitar o encargo de prestar àquele serviço à população. Então, as pessoas que prestam, por exemplo, serviços de transporte coletivo ou distribuição de energia elétrica são responsáveis objetivamente pelos danos causados aos usuários ou não usuários. A exceção se dá quando essas empresas dedicam-se exclusivamente às atividades econômicas, como é o caso do Banco do Brasil – que é uma sociedade de economia mista – não se aplica a regra da responsabilização objetiva
Há, ainda, uma discussão sobre se terceiros não usuários do serviço poderiam utilizar-se da responsabilização objetiva ou se seria necessária provar a culpa – negligência, imprudência ou imperícia – da pessoa jurídica de direito privado. Pelo fato de a empresa ter assumido o múnus de prestar o serviço público, estaria agindo em nome do Estado, assumindo o risco administrativo das suas ações ou omissões, logo não haveria porque se distinguir entre os usuários e não usuários do serviço, ademais no preceito constitucional não há razão para motivar qualquer discriminação entre esses cidadãos. Essa foi a posição adotada, recentemente, pelo Supremo Tribunal Federal. Tornando-se superada essa discussão: quanto a ser usuário ou não do serviço público. Esse fato pode ser percebido na resolução do RE 591874/MS, cujo relator foi o ministro Ricardo Lewandowski.
Outro ponto, a ser discutido, foi a alteração que a CRFB/1988 incorporou quanto ao vocábulo “agentes”. Na ordem constitucional anterior, o constituinte originário preferiu empregar a palavra “funcionários” e isso acarretava um problema de restringir o campo de abrangência da responsabilidade. Atualmente, com a escolha de “agentes” a responsabilidade incide desde o funcionário mais simples até os mais graduados, como Presidente da República, não se podendo manter a ideia errônea de que apenas os servidores do executivo respondem por esses atos, mas, também, são incorporados àqueles do Legislativo e Judiciário, Tribunais de Contas, Ministério Público etc.. Essa é uma decorrência da própria relação jurídica que une o servidor ao Estado. O Estado não possui vontade própria, mas age pelos atos desenvolvidos pelos seus servidores. Por isso, essa relação de imputação de um ato praticado pelo servidor ser remetido ao Estado. Ainda há a expressão “nessa qualidade” que foi inserida no artigo em análise. Essa expressão faz crer que o Estado apenas será responsabilizado quando o servidor, realmente, estiver em serviço ou pretexto de exercê-la. O STF já aceitou essa teoria, como pode ser observada na ementa da decisão abaixo:
Agressão praticada por soldado, com a utilização de arma da corporação militar. Incidência da responsabilidade objetiva do Estado, mesmo porque, não obstante fora do serviço, foi na condição de policial militar que o soldado foi corrigir as pessoas. O que se deve ficar assentado é que o preceito inscrito no art. 37, § 6º da C.F. não exige que o agente público tenha agido no exercício de suas funções, mas na qualidade de agente público. (STF, RE 160.401, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª T. j. 20/04/99, DJ 04/06/99).
Quando, na última parte do art. 37, § 6º, foi introduzida, pelo constituinte, a expressão “assegurado o direito de regresso”, foi instituído o direito do Estado após realizar a indenização, buscar o ressarcimento quando o servidor agiu com dolo ou culpa. No entanto, nessa nova ação, será inserido um novo elemento, qual seja, a discussão da existência da culpa do servidor na realização do ato, isso porque caso seja verificado que o servidor não agiu com culpa ou dolo, ele ficará dispensado de ressarcir o erário público. Para GASPARINI (2007, p. 986), os requisitos para essa ação são:
“[...] a) a condenação da Administração Pública a indenizar, por ato lesivo de seu agente; b) o pagamento do valor da indenização; c) a conduta lesiva, dolosa ou culposa do agente causador do dano. [...]”
Desse modo, para o autor, somente caberia ação de regresso quando o Estado houvesse despendido recursos para o pagamento da indenização do cidadão lesado. Além dessa característica, há, ainda, como afirmado anteriormente, a necessidade de comprovação de que o servidor tenha agido com culpa ou dolo, caso contrário, descaracterizar-se-á essa ação. Destaca-se ainda que essa ação possui um caráter nitidamente patrimonial, logo, caso no decurso dela, o servidor venha a falecer, os seus herdeiros serão responsáveis na medida da herança recebida. Mesmo que o servidor já não esteja ocupando o cargo em que causou o dano, seja por motivo de aposentadoria, seja por demissão, seja por exoneração, seja por mudança para outro cargo inacumulável, ainda assim persiste a obrigação do ressarcimento ao erário público pela sua ação.
2.2 Fundamentos da Responsabilidade
Quando se analisa se o Estado cometeu uma ação ilícita, o fundamento nada mais é do que é aplicação do Princípio da Legalidade. Esse princípio estatui que a Administração Pública apenas deve realizar aquilo que foi previamente estabelecido em lei, caso contrário, a Administração, fatalmente, estará cometendo um ilícito. Tal princípio encontra a base legal no caput do art. 37 da CRFB. Portanto, a Administração, cometendo um ato que seja ilícito e que afete o patrimônio de um administrado, deverá ser responsabilizada, para que aja o ressarcimento completo dessa variação patrimonial. Vale ressaltar que não apenas os danos materiais, mas, também, os morais podem ser catalogados, para que ocorra o ressarcimento, tentando o retorno ao status quo ante.
O Princípio da Impessoalidade indica que a Administração Pública não pode privilegiar interesses próprios ou de terceiros. Não se podem realizar distinções de modo a criar situações desiguais. Sempre deve visar nos seus atos ao interesse público, geral. Esse Princípio acaba absorvendo outro que é o princípio da igualdade, que não é a formal, mas a material. A Constituição não busca, por meio da simples lei geral, abstrata e impessoal, igualar todos os cidadãos, mas sim, na medida das diferenças, dos méritos, a igualdade. É o tratamento diferenciado aos desiguais, na medida da desigualdade, como forma de igualar todos os cidadãos, todos os setores da sociedade. Ele foi estatuído no art. 5º, caput da Constituição, quando afirma que todos são iguais perante a lei, sem distinções de qualquer natureza. Isso requer um tratamento impessoal entre todos os administrados. Portanto, mesmo cometendo um ato que seja autorizado por lei, mas que afete um administrado, em consequência do uso da prerrogativa do interesse público ser maior que o privado, esse não deverá arcar sozinho pelas consequências patrimoniais advindas desse ato, mas repartir esse ônus com toda a sociedade, pois ela será beneficiada pela ação do Estado, e, é esse mesmo grupo de pessoas que paga os tributos para o custeio da máquina administrativa.
Quanto ao Princípio da Moralidade, traz ao ordenamento jurídico as regras da ética, buscando a justiça e o razoável. Então, ao administrador não basta, simplesmente, seguir o preceito legal, mas, também, observar a moralidade do seu ato. E, caso não o observe, poderá ser responsabilizado por atos de improbidade, cujas sanções poderão ser: suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, ressarcimento ao erário, entre outras.
O Princípio da Publicidade indica que o administrador deve sempre publicar seus atos. Seja por meio do Diário Oficial, seja mesmo por meio da afixação dos editais no próprio prédio do órgão público (embora esse tipo de publicação já esteja em desuso). Com o advento da internet, esse registro pode ser feito por esse meio também. Essa publicidade se faz importante para possibilitar o controle externo, a inspeção, a observância criteriosa da população nos atos públicos. Evitam-se, também, os processos secretos e sigilosos. Além dessa função, somente a publicação de tais atos é que gera a eficácia.
Há, ainda, o Princípio da Eficiência que, na lição de MORAES (2006, p. 302), pode ser assim definido:
[...] é aquele que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social.
Como explicitado, os recursos públicos não advém de uma fonte inesgotável de maneira a propiciar uma gastança de qualquer forma por parte dos administradores públicos. Há de ser eficaz, como o conceito mesmo trata, é preciso identificar os problemas e buscar uma solução eficiente, de forma rápida, sem a burocracia excessiva e primando pela qualidade. Não se pode quedar inerte diante da realidade e abandonar a sociedade. O Estado possui a sua parcela de responsabilidade e deve assumir tal encargo, não ficando na simples e simplória omissão, como forma de repassar o problema adiante, como se ele não existisse.
Outro fundamento importante é o Princípio Republicano. Ele foi expressamente reproduzido no art. 1º CR. Esse artigo estabeleceu a forma de governo adotada na ordem constitucional brasileira. SILVA (2006, p. 102) define forma de governo como:
[...] à maneira como se dá a instituição do poder na sociedade e como se dá a relação entre governantes e governados. Responde à questão de quem deve exercer o poder e como este se exerce.
E esse poder será exercido de forma repartida entre: Executivo, Legislativo e Judiciário. O Executivo e o Legislativo são preenchidos por agentes políticos eleitos periodicamente pelo povo. Como a Constituição indica: o poder emana do povo. O Judiciário é preenchido, em regra, por via de concurso público e serve, na teoria clássica, para corrigir e aplicar as correções devidas no Direito posto. Mais modernamente, como ativismo judicial, ele, também, está inserindo-se na aplicação e funcionamento dos serviços públicos, quando o poder competente para a sua aplicação não o faz. MENDES (2009, p. 170) indica como um dos traços da República a “elaboração de um catálogo de liberdades, em que se articulem o direito de participação política e os direitos de defesa individuais”. Então, aqui se conclui que o cidadão, que se sinta lesado pelo Estado, pode recorrer – pela legitimação que o sistema constitucional lhe possibilita – ao Judiciário, como poder estabelecido no regime republicano, para obter a satisfação pelo dano sofrido.
Também se pode citar o Princípio do Estado Democrático de Direito, que é um dos pilares da República Federativa do Brasil. Examine o que MENDES (2009, p. 170) escreveu sobre o tema:
[...] entende-se como Estado Democrático de Direito a organização política em que o poder emana do povo, que o exerce diretamente ou por meio de representantes, escolhidos em eleições livres e periódicas, mediante sufrágio universal e voto direto e secreto, para o exercício de mandatos periódicos, como proclama entre outras, a Constituição brasileira. Mais ainda, já agora no plano das relações concretas entre o Poder e o indivíduo, considera-se democrático aquele Estado de Direito que se empenha em assegurar aos seus cidadãos o exercício efetivo não somente dos direitos civis e políticos, mas também e sobretudo dos direitos econômicos, sociais e culturais, sem os quais de nada valeria a solene proclamação daqueles direitos.
Como se observa do trecho acima, esse princípio explicita que o Estado não pode, simplesmente, seguir leis e elaborar leis. Para que seja democrático, é necessário assegurar a efetivação dos direitos. O povo podendo pleitear e corrigir os possíveis abusos cometidos.
Existe, ainda, o Princípio da Cidadania. A cidadania é a busca por mais direitos, liberdades, a garantia dos direitos fundamentais. Encontra-se em constante modificação e ampliação. A cidadania pressupõe a união de direitos civis, políticos e sociais. Entretanto, esse cidadão deve exercer, plenamente, tais direitos, quando percebe que está inserido no meio coletivo, e, assim, deve denunciar, cobrar as irregularidades que sejam cometidas contra o erário público ou má-gestão do administrador público.
A Constituição, em seu art. 5º, XXXIV, garante o direito de petição. Como uma das consequências do Estado Democrático de Direito, foi assegurado esse direito aos cidadãos para proteger direitos seus, alheios ou coletivos contra as possíveis irregularidades, ilicitudes. Pode ser exercido por brasileiros ou estrangeiros. Essa petição deve ser dirigida ao órgão ou autoridade competente, para desfazer o ato irregular ou abusivo. É de uma natureza informal, entretanto deve ser escrita.
2.3 Pressupostos da Responsabilidade
Para que se verifique a responsabilidade objetiva do Estado, é necessária a conjugação de três fatores: fato administrativo, dano ou lesão e nexo causal. O fato administrativo pode ser caracterizado como a ação ou omissão da Administração Pública. Não está vinculado, necessariamente, com alteração patrimonial ou natureza jurídica. Há uma ligação de cunho material. Exemplos de fatos administrativos são: construção de uma rodovia, apreensão de mercadorias, desapropriação de terreno.
O dano é a lesão tanto patrimonial quanto moral, decorrente do fato administrativo. Mas a simples lesão patrimonial não enseja a responsabilidade, é necessário que a essa lesão corresponda um direito do postulante, aliado a uma lesão a ordem jurídica existente. Os professores ENTERRÍA e TOMÁS-RAMÓN (1998, p.372) explicam o que seja essa lesão brilhantemente:
[...] hay lesión y, por lo tanto, responsabilidad de La Administración siempre que no existan causas de justificación capaces de legitimar el perjuicio material producido, esto es, siempre que no concurra un título jurídico que determine o impoga como rigurosamente inexcusable, efectivamente querido, o al menos, eventualmente aceptado el perjuicio contemplado.
O que se apreende da citação acima é que nem toda lesão sentida por um particular, derivada de um fato administrativo, será necessariamente responsabilização do Estado. Somente há responsabilidade estatal quando essa lesão é certa, possível a sua quantificação, e não exista uma causa de justificação que possa elidir essa responsabilidade. Em seguida, no texto, esses autores exemplificam o caso do pagamento de imposto que, embora, analisando superficialmente, percebe-se uma lesão patrimonial ao cidadão, no entanto, essa lesão é justificada por uma lei precedente e que autoriza o Estado a fazer essas cobranças. Portanto, descabe falar num dano capaz de gerar a responsabilidade estatal.
E o último fator é o nexo causal. É a relação que o cidadão precisa indicar, para que seja ressarcido da lesão sofrida. É a ligação entre o fato administrativo e a lesão ocorrida. No Brasil, foi adotada a teoria do dano direto e imediato, que foi inserido no art. 403, do Código Civil. Embora esteja localizado topograficamente no campo dos contratos, esse princípio é utilizado por analogia ao campo da responsabilidade civil. Para essa teoria, se houver uma interrupção no inter, não mais estará presente a responsabilidade.
Sobre o tema em debate, transcrevo a decisão versada nesse RE-AgR 481110, cujo relator foi o Ministro Celso de Mello:
E M E N T A: RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO - PRESSUPOSTOS PRIMÁRIOS QUE DETERMINAM A RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO - O NEXO DE CAUSALIDADE MATERIAL COMO REQUISITO INDISPENSÁVEL À CONFIGURAÇÃO DO DEVER ESTATAL DE REPARAR O DANO - NÃO-COMPROVAÇÃO, PELA PARTE RECORRENTE, DO VÍNCULO CAUSAL - RECONHECIMENTO DE SUA INEXISTÊNCIA, NA ESPÉCIE, PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS - SOBERANIA DESSE PRONUNCIAMENTO JURISDICIONAL EM MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA - INVIABILIDADE DA DISCUSSÃO, EM SEDE RECURSAL EXTRAORDINÁRIA, DA EXISTÊNCIA DO NEXO CAUSAL - IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA (SÚMULA 279/STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o "eventus damni" e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. Precedentes. - O dever de indenizar, mesmo nas hipóteses de responsabilidade civil objetiva do Poder Público, supõe, dentre outros elementos (RTJ 163/1107-1109, v.g.), a comprovada existência do nexo de causalidade material entre o comportamento do agente e o "eventus damni", sem o que se torna inviável, no plano jurídico, o reconhecimento da obrigação de recompor o prejuízo sofrido pelo ofendido. - A comprovação da relação de causalidade - qualquer que seja a teoria que lhe dê suporte doutrinário (teoria da equivalência das condições, teoria da causalidade necessária ou teoria da causalidade adequada) - revela-se essencial ao reconhecimento do dever de indenizar, pois, sem tal demonstração, não há como imputar, ao causador do dano, a responsabilidade civil pelos prejuízos sofridos pelo ofendido. Doutrina. Precedentes. - Não se revela processualmente lícito reexaminar matéria fático-probatória em sede de recurso extraordinário (RTJ 161/992 - RTJ 186/703 - Súmula 279/STF), prevalecendo, nesse domínio, o caráter soberano do pronunciamento jurisdicional dos Tribunais ordinários sobre matéria de fato e de prova. Precedentes. - Ausência, na espécie, de demonstração inequívoca, mediante prova idônea, da efetiva ocorrência dos prejuízos alegadamente sofridos pela parte recorrente. Não-comprovação do vínculo causal registrada pelas instâncias ordinárias. (STF, RE-AgR 481.110, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª T. j. 06/02/07, DJ 09/03/07)
Nessa ementa, o Ministro Celso de Mello demonstra quais são todos os pressupostos da responsabilidade estatal. Conforme já escrito, é necessária a verificação real do dano, a causalidade entre fato e o dano, o agente praticasse essa ação ou omissão estivesse no ofício do seu cargo ou a pretexto de exercê-lo independente da discussão da licitude e não houvesse uma excludente de responsabilidade (caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima). Presente todos esses requisitos, torna-se um direito subjetivo do lesado a obtenção do ressarcimento de todo o seu patrimônio lesado por parte do Estado. E o ente estatal poderá, posteriormente, propor a ação regressiva contra o agente que praticou essa ação, desde que se prove a culpa ou o dolo. Na ação original, também é dispensada a discussão sobre a culpa, uma vez que a responsabilidade é objetiva.
2.4 Responsabilidade por Omissão
Nessa seara da responsabilidade por omissão, a doutrina e a jurisprudência não são tão convergentes e pacíficas quanto ao observado na questão da responsabilidade objetiva. Há diversas teorias, tentando explicar e mostrar o aparato ao qual se subordina. Serão debatidas as principais teorias, demonstrando os pontos positivos e negativos de cada uma.
A celeuma em torno dessa questão surgiu quando o art. 37, § 6º da CRFB empregou o verbo “causar” e omitiu-se quanto à responsabilidade em casos de omissão. Para alguns autores, o uso do verbo causar caracteriza uma conduta comissiva, não dando margem a interpretações que levem ao campo omissivo.
BANDEIRA DE MELLO (2007, p. 977) defende a teoria da subjetividade. Não basta o dano e nexo causal, mas que haja uma discussão sobre a culpa do Estado nessa omissão. Perceba o seguinte trecho de sua obra:
Não bastará, então, para configurar-se responsabilidade estatal, a simples relação entre ausência do serviço (omissão estatal) e o dano sofrido. Com efeito: inexistindo obrigação legal de impedir um certo evento danoso (obrigação, de resto, só cogitável quando haja possibilidade de impedi-lo mediante atuação diligente), seria um verdadeiro absurdo imputar ao Estado responsabilidade por um dano que não causou, pois isto equivaleria a extraí-la do nada; significaria pretender instaurá-la prescindindo de qualquer fundamento racional ou jurídico. Cumpre que haja algo mais: a culpa por negligência, imprudência ou imperícia no serviço, ensejadoras do dano, ou então o dolo, intenção de omitir-se, quando era obrigatório para o Estado atuar e fazê-lo segundo um certo padrão de eficiência capaz de obstar ao evento lesivo. Em uma palavra: é necessário que o Estado haja incorrido em ilicitude, por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível.
Pelo trecho extraído da sua obra, percebe-se que ele defende, cristalinamente, a subjetividade. E, ainda, caminha mais além! É necessário que essa omissão estatal seja contrária a uma imposição legal, ou seja, o Estado estaria violando o Princípio da Legalidade. Então, essa teoria seria aplicada quando o serviço não fosse prestado, ou quando prestado seja tardiamente ou de forma irregular. Portanto, existiria certo padrão normal de prestação de serviços públicos. Quando o Estado distanciasse desse padrão, poderia ensejar sua responsabilização no caso de omissão, mas na forma subjetiva. Repetindo: nesses casos, para o autor, seria sempre necessária a discussão da culpa, transmudando completamente o comando constitucional – da regra objetiva para a subjetiva.
Essa teoria é bastante criticada por dois motivos. Por dificultar, sobremaneira, ao cidadão lesado em diversos momentos de se obter provas da culpa estatal. Assim, estará cometendo uma injustiça, para se dizer o mínimo, com o cidadão. De outro modo, o intérprete introduziu uma nova explicação que acaba restringindo certos direitos e que o constituinte não pôs explicitamente na Constituição, logo, se o constituinte, na sua redação, não restringiu direitos, também, não caberia ao intérprete da lei fazê-lo.
BRAGA NETTO (2008, p. 247) defende a posição de que não se poderia falar em subjetividade por causa da omissão. Sendo o ato comissivo ou omissivo, o Estado deve responder objetivamente. Examine o fragmento de sua obra:
Fundamental, no entanto, na responsabilidade omissiva, é evidenciar, com a clareza necessária, o nexo causal, sem o que inexistirá dever de reparar. Embora o Estado responda sem culpa, não responde por resultados danosos em relação aos quais nada poderia fazer, sendo imprescindível, nessa trilha, que se estabeleça uma razoável relação causal entre o dano e a atividade estatal.
Como se depreende do trecho, para o autor, não cabe a discussão sobre a culpabilidade do estado sobre sua inação. Bastaria que o autor provasse o nexo causal entre a conduta do Estado e o sua lesão. Provado o nexo causal, não restaria outra opção ao magistrado que acatar o pleito do indivíduo lesado. Essa atitude, no entanto, gera enormes controvérsias. De um lado, critica-se, pois amplia sobremaneira os casos de responsabilização estatal. Não se fez restrições quanto à conduta omissiva estatal ser de origem ilícita. Portanto, por essa teoria, chegar-se-ia ao absurdo de imputar responsabilidade ao Estado, quando ele omitiu-se por assim ter sido permitido em lei, utilizando-se do seu poder discricionário e por essa omissão lesionar alguém. Por conseguinte, se esse indivíduo conseguisse relacionar o nexo causal com o dano sofrido, o magistrado invadiria a seara do mérito administrativo, o que não é possível, pois o conceito de mérito deve ser analisado apenas pelo administrador, ao juiz caberia apenas a verificação da adequação legal.
Ainda há uma terceira corrente doutrinária que tempera a capitaneada por Celso Antônio Bandeira de Mello. Essa faz a distinção entre duas modalidades de omissão: a genérica e a específica. Se o caso for de omissão genérica, a solução dar-se-á pela responsabilização subjetiva. Caso for de omissão específica, então ter-se-á a responsabilização objetiva. O professor CAVALIERI FILHO (2006, p. 261) defende essa idéia e explicita os conceitos entre os tipos de omissões:
Mas, afinal de contas, qual a distinção entre omissão genérica e omissão específica? Haverá omissão específica quando o Estado, por omissão sua, crie a situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo.
Funda-se no risco administrativo. Quando o Estado possuía o dever de agir para alterar o resultado, mas mesmo assim preferiu ficar inerte, então assume o risco pelos danos que possa causar.
Essa teoria parece a mais acertada, pois ela é moderada, trazendo uma ponderação e é consentânea com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, princípios esses que também foram insculpidos na própria constituição, embora de forma implícita. Ela consegue filtrar as ações. Dessa forma, obtêm o mérito de oferecer o caminho mais simples àqueles que realmente sofreram com a omissão estatal de forma mais contundente. E reserva o caminho um pouco mais espinhoso – provar a culpa – àqueles que, embora, tenham sofrido um dano, o Estado não tinha como agir prontamente para afastar o risco, devendo ao cidadão provar a falha no serviço, seja porque não funcionou, seja porque funcionou mal, seja porque funcionou tardiamente, e, por conseguinte, a culpa do Estado. Assim, pode-se afastar alguns “aventureiros” que buscam a satisfação rápida meros aborrecimentos da vida cotidiana e proteger o erário público de forma a propiciar que o Estado possa continuar suas políticas sociais, econômicas, construções da infraestrutura necessária etc..
É possível verificar essas conclusões pela análise de algumas jurisprudências. Pela análise do RE 272839, pode ser visualizada, claramente, a aplicação dessa teoria:
Recurso extraordinário. 2. Morte de detento por colegas de carceragem. Indenização por danos morais e materiais. 3. Detento sob a custódia do Estado. Responsabilidade objetiva. 4. Teoria do Risco Administrativo. Configuração do nexo de causalidade em função do dever constitucional de guarda (art. 5º, XLX). Responsabilidade de reparar o dano que prevalece ainda que demonstrada a ausência de culpa dos agentes públicos. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (STF, RE 272.839, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª T., j. 01/02/05, DJ 08/04/05).
Como se pode constatar, o Ministro-relator acatou a teoria da responsabilização objetiva, mesmo diante de um caso de omissão estatal. Aqui, se trata de uma omissão específica, uma vez que o Estado possui o dever de garantir a integridade do apenado por força da Lei de Execuções Penais, e, portanto, no momento em que deixou de garanti-la, ele aceitou o risco de produzir os danos e, assim, deve ressarcir aos familiares da vítima. Basta que seja provado, como no caso foi, o nexo de causalidade entre o dano e a omissão estatal. Não foi necessário a prova da falha do serviço ou discutir a culpa do Estado ou algum agente carcerário.
Colacionando, ainda, os preceitos lecionados pelo professor Artur Cortez Bonifácio (2004, p. 152), a nota fundamental reside no princípio da legalidade. Para o autor, se a lei determina a realização de determinado ato, caso o cidadão requeira administrativamente, e mesmo assim, a Administração permaneça inerte, então, há de se apurar as responsabilidades criminais, improbidade administrativa, além da Responsabilidade Estatal Objetiva, a serem obtidas por meio da via judicial. Problema surgiria no caso da lacuna legal, não regulamentando o assunto pleiteado pelo administrado. Nesse caso, há posição divergente. Uma teoria afirma que nada acontecerá se o Estado permanecer silente; outra que se constituiria em mora o Estado para que ele se pronuncie. Em face do dever de publicidade e da motivação dos atos administrativos, o Estado sempre estaria obrigado a ensejar uma resposta à demanda pleiteada pelo administrado, ainda que esta não esteja prevista no arcabouço jurídico.
2.5 Excludentes da Responsabilidade
Embora o Estado possua a responsabilidade perante os terceiros, não são em todos os casos que deverá indenizar. A Constituição não cita as excludentes de responsabilidade, embora seja amplamente aceita em doutrina e na jurisprudência. E decisão mais correta não poderia haver, uma vez que o Estado não poderá arcar com todos os danos, quando for perceptível uma excludente. Com a citação, embora longa, da ementa da decisão exarada pelo Ministro Celso de Mello no RE-AgR 481110, percebe-se que ele impôs, como uma das condições a ser observadas, a existência de uma causa excludente dessa responsabilização.
A força maior caracteriza-se pelo evento da natureza imprevisível e cujos efeitos são inevitáveis ou impossíveis de impedir. São exemplos dessa situação a geada, furacões, chuvas etc.. Aqui, essa situação atua ilidindo o nexo causal. Logo, sem o nexo causal fica impossível responsabilizar o Estado por aquela situação. No entanto, aqui carece de uma ponderação. Se a situação desencadeada por esse fato estiver associada com uma omissão estatal, então o Estado deve responder pelo seu ato de omissão proporcionalmente, uma vez que há várias causas conjugadas.
O caso fortuito diferencia-se da força maior por ser causado por eventos humanos. No entanto, reveste-se das mesmas características da força maior, isto é, está presente a imprevisibilidade e inevitabilidade ou impossibilidade de anular os seus efeitos. É exemplo a greve. No restante, segue-se a mesma orientação da força maior, razão pela qual se dispensa repetir os comentários acima explanados para não se tornar redundante.
Já a culpa exclusiva da vítima também atua rompendo o nexo causal, pois não há como provar o nexo entre a ação ou omissão do Estado e o dano sofrido. Aqui, ocorre que o dano sofrido ocorreu por total culpa da vítima, não podendo ser atribuída a um ato estatal. Exemplo disso é quando há um buraco na via pública, entretanto o Estado, eficientemente, pôs os avisos de perigo no local, orientando o pedestre a desviar o seu caminho, enquanto não realiza os reparos necessários. Se ainda assim, ele insiste e arrisca passar pelo local e por causa desse ímpeto sofrer lesões ao cair, ao Estado não caberá nenhuma responsabilidade, pois a culpa foi exclusiva da vítima que agiu imprudentemente. No entanto, ainda há a culpa concorrente. Existem concausas agindo no mesmo momento. Tanto o Estado erra quanto o cidadão. Portanto, entende-se que haverá uma indenização do Estado, mas de forma proporcional ao seu erro. Dessa forma, há uma atenuação do valor que o Estado utilizará para o pagamento da indenização. Para que o magistrado possa calcular corretamente o valor devido, será necessária a discussão da culpa, porque nesse julgamento é necessária a correta identificação da culpa correspondente a cada responsável, na tentativa de se enfrentar o grau de responsabilização de cada um para o surgimento daquele evento danoso.
Ainda pode citar as excludentes da ilicitude civil: estado de necessidade, legítima defesa, o exercício regular de um direito e o fato de terceiro.
A caracterização do estado de necessidade é encontrada no art. 188, II do Código Civil. E GAGLIANO e PAMPLONA FILHO (2008, p. 102) definem o estado de necessidade:
[...] consiste na situação de agressão a um direito alheio, de valor jurídico igual ou inferior àquele que se pretende proteger, para remover perigo iminente, quando as circunstâncias do fato não autorizarem outra forma de atuação.
Inicialmente, vale ressaltar que a ação pode ser praticada não somente aos objetos, mas, também, contra pessoas. Somente pode ser praticado quando for verificado no caso prático que, realmente, fosse indispensável e não podendo exceder os limites da moderação e proporcionalidade. Entretanto, cabe ressaltar que se o terceiro não for o provocador, ele poderá pleitear a indenização de quem agiu em estado de necessidade. Apenas não irá configurar o ilícito, mas permanecerá o dever de indenizar. Um exemplo seria o caso de um carro oficial em horário de serviço, precisando desviar de um carro que vinha desgovernado, necessita fazer uma brusca mudança de direção e acaba colidindo contra um muro de uma residência. Nesse caso, mesmo o motorista estando acobertado pelo estado de necessidade, o Estado necessitará indenizar o proprietário da residência. Contudo, não poderá exigir o ressarcimento do motorista, uma vez que esse agiu sem culpa.
A legítima defesa está fundamentada no art. 188, I do CC. GAGLIANO e PAMPLONA FILHO (2008, p. 104) definem a legítima defesa quando: “o indivíduo encontra-se diante de uma situação atual ou iminente de injusta agressão, dirigida a si ou a terceiro, que não é obrigado a suportar.” Já se pode salientar que não é necessário que o indivíduo espere a ação ocorrer para poder agir, pois é possível a reação a uma iminente agressão. Entretanto, é necessária que essa iminência seja real, não uma mera suposição, expectativa. Essa reação, também, precisa ser moderada. Se houver excesso, ele será responsabilizado. Nesse caso, comprovada a legítima defesa, não será necessária a indenização. É o caso de um policial que dispara sua arma de fogo, porque o réu reage à prisão e dispara, inicialmente, sua arma de fogo. Caso o policial atinja esse indivíduo, ele, obviamente, não poderá pleitear a indenização do Estado. Caso completamente diferente é se o policial, ao disparar a arma de fogo, acaba atingindo um terceiro. Aqui, o Estado deve restituir o cidadão atingido.
O exercício regular de direito está esculpido na segunda parte do art. 188, I do CC. Aqui, cabe observar a regularidade do direito e a forma como foi executado, pois é permitido exercitar o direito, mas não de forma que fique caracterizada uma má-fé ou abuso na comunicação. Não se aceita que o exercício de um direito afronte os limites do razoável, do bem-estar social. O estrito cumprimento do dever legal está inserido nesse artigo. É uma operação lógica que quem está cumprindo o dever legal e sendo agente público estará, por conseqüência, exercitando regularmente o direito.
O fato de terceiro, também, deve ser examinado aqui. Terceiro é uma pessoa diferente da vítima e do causador do dano. E esse terceiro é quem gera o incidente, de forma a propiciar que o causador do dano atinja a vítima. Não existe um texto de lei específico que abranja essa modalidade, sendo difícil para o magistrado julgar. De forma geral, há uma tendência a não se admitir o fato de terceiro como uma excludente da responsabilização, sendo permitido que o indivíduo que causou o dano ingresse com a ação regressiva para pleitear o ressarcimento pelo despendido. No caso específico da Responsabilidade Estatal, praticamente, será impossível verificar-se o fato de terceiro, uma vez que a responsabilidade nessa seara é a objetiva. Então, ainda que não ocorra a culpa, basta que o indivíduo lesado prove o dano e o nexo causal.
2.6 Indenização
A indenização pode ser conceituada como o valor em pecúnia que o Estado despenderá para ressarcir ao indivíduo lesado. Utilizando-se, por analogia, o Código Civil, para não cometer injustiças e suprir as lacunas legais, em seu art. 944, informa que o cálculo da indenização é feito pela extensão do dano. Logo, para que o patrimônio do cidadão seja completamente recomposto, essa indenização deverá abarcar a efetiva lesão no patrimônio e mais os lucros cessantes, isto é, aquilo que o cidadão deixou de lucrar, se o normal decorrer da vida fosse respeitado. Além disso, para não haver enriquecimento sem causa da Administração, deverão ser incluídos os juros moratórios e atualização monetária. O princípio da proporcionalidade ainda mais deve ser observado, para que o magistrado não condene o Estado a valores altíssimos, sem a correta correlação do dano por duas razões. De início, altos valores de indenização podem acarretar na restrição das políticas públicas, pois o valor utilizado para o pagamento das indenizações, fatalmente, será realocado daqueles que seriam utilizados para os investimentos para a área social. Para traçar modelo do que foi dito acerca do valor indenizatório, perceba-se se um motorista no carro oficial para entregar documentos em outro órgão e no meio desse caminho estoura um pneu, o que gera a perda do domínio do carro e ele acaba chocando-se com uma loja, destruindo todo o estoque e entradas da loja. Não basta, então, somente o Estado ressarcir o valor do estoque e reforma da loja, ainda deverá ressarcir pelos dias em que ela permaneceu fechada e não pôde exercer sua atividade comercial. Bem como a atualização monetária desses valores com os juros de mora.
O requerimento para o pagamento da indenização pode ser feito de duas formas: administrativa ou judicialmente. Se o lesado optar pela via administrativa, ele deverá conduzir-se ao órgão responsável pela lesão e pleitear a indenização. Será formado o processo administrativo, no qual serão apresentadas provas e assim a autoridade competente realizará o seu juízo de valor. Caso o cidadão aceite o valor arbitrado, então o processo será arquivado, pois o seu objetivo foi alcançado. Se não acatar o valor arbitrado, então utilizará a via judicial. Pode, ainda, pleitear diretamente ao judiciário, sem necessidade do anterior pleito administrativo. Na via judicial, devem ser observadas as regras de competência. Se a União for a responsável pelo fato, então competente será a Justiça Federal, caso contrário será a Justiça Comum.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
De todo o exposto acima, percebe-se que a responsabilidade para os administradores públicos está cada vez maior. Não se comporta mais “amadorismos”, mas uma visão cada vez mais profissional. Profissional para evitar que omissões causem mais danos à sociedade, que já é penalizada, até mesmo, por uma alta carga tributária, então o mínimo que o Estado poderia realizar, é cumprir com as suas obrigações legais, tornando suas próprias leis eficazes e eficientes. No momento em que se estatui o Estado Democrático de Direito representa que ao mesmo tempo em que o Estado pode legislar e cobrar o seu seguimento pelos seus indivíduos, também, deverá seguir rigorosamente esses preceitos, bem como assegurar que os indivíduos possam exercer suas garantias fundamentais, sendo, portanto, o princípio da legalidade. E esse foi o critério adotado pela Constituição da República Federativa do Brasil.
Percebe-se, também, que o tema responsabilidade por omissão carece de maiores estudos. E, seria importante, que suprisse essa lacuna com uma legislação, traçando a responsabilização para os maus gestores. Entretanto, como tal legislação não surge, seria importante uma discussão doutrinária mais profunda acerca do tema.
Salutar que se parabenize o Judiciário Brasileiro que está aplicando, numa corrente majoritária, corretamente essa teoria. Coibindo os abusos da Administração Pública, quando não oferece sequer o mínimo existencial aos seus administrados. Ademais, também, serve como um filtro, não permitindo que pessoas “aventureiras” possam usufruir dos recursos públicos por meras dificuldades encontradas na vivência pública e em sociedade, os quais sempre surgirão independentemente do gestor.
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Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte em 2010. Especialista em Direito Público pela Universidade Anhaguera-Uniderp em 2012. Técnico Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte desde 2006.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Leandro Dias de Sousa. Responsabilidade estatal decorrente da omissão: responsabilidade objetiva ou subjetiva? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 abr 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46482/responsabilidade-estatal-decorrente-da-omissao-responsabilidade-objetiva-ou-subjetiva. Acesso em: 22 nov 2024.
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